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TEXTO 00 - Apostila UIGSP.pdf PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA Secretaria Nacional de Segurança Pública Diretoria de Ensino e Pesquisa Coordenação Geral de Ensino Núcleo Pedagógico Coordenação de Ensino a Distância Reformulador Mainar Feitosa da Silva Rocha Revisão de Conteúdo Felipe Oppenheimer Torres Gustavo Henrique Lins Barreto Revisão Pedagógica Ardmon dos Santos Barbosa Márcio Raphael Nascimento Maia UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA labSEAD Comitê Gestor Eleonora Milano Falcão Vieira Luciano Patrício Souza de Castro Financeiro Fernando Machado Wolf Consultoria Técnica EaD Giovana Schuelter Coordenação de Produção Francielli Schuelter Coordenação de AVEA Andreia Mara Fiala Design Instrucional Carine Biscaro Cíntia Costa Macedo (supervisão) Clarissa Venturieri Danrley Maurício Vieira Dirce de Rossi Garcia Rafaelli Marielly Agatha Machado Design Gráfico Aline Lima Ramalho Sofia Zluhan de Amorim Sonia Trois (supervisão) Victor Liborio Barbosa Linguagem e Memória Cleusa Iracema Pereira Raimundo (supervisão) Graziele Nack Victor Rocha Freire Silva Programação Jonas Batista Marco Aurélio Ludwig Moraes Renan Pinho Assi Salésio Eduardo Assi (supervisão) Audiovisual Rafael Poletto Dutra (supervisão) Rodrigo Humaita Witte Todo o conteúdo do Curso Uso da Informação em Gestão de Segurança Pública, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), Ministério da Justiça e Segurança Pública do Governo Federal - 2020, está licenciado sob a Licença Pública Creative Commons Atribuição-Não Comercial-Sem Derivações 4.0 Internacional. Para visualizar uma cópia desta licença, acesse: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt_BR BY NC ND https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt_BR Sumário Apresentação do Curso ...............................................................................................7 MÓDULO 1 – O SABER CIENTÍFICO COMO FERRAMENTA DE GESTÃO PÚBLICA ..............................................................................................................8 Apresentação ................................................................................................................9 Objetivos do módulo ............................................................................................................................. 9 Estrutura do módulo ............................................................................................................................. 9 Aula 1 — O Saber Racional e Empírico .....................................................................10 Contextualizando... ............................................................................................................................ 10 O conhecimento científico moderno ................................................................................................. 10 O Conhecimento científico e o empírico ........................................................................................... 11 Aula 2 — Positivismo e Ciências Humanas ...............................................................16 Contextualizando... ............................................................................................................................. 16 O positivismo ...................................................................................................................................... 16 As ciências humanas .......................................................................................................................... 19 Aula 3 — A Estatística como Ferramenta para Gestão Pública .........................22 Contextualizando... ............................................................................................................................ 22 A estatística na gestão de segurança pública .................................................................................. 22 Aula 4 — Gestão Pública Fundamentada na Perspectiva Científica ...................27 Contextualizando... ............................................................................................................................. 27 A gestão pública na perspectiva científica ....................................................................................... 27 Referências ..................................................................................................................32 MÓDULO 2 – SISTEMA DE INFORMAÇÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA ........... 36 Apresentação ..............................................................................................................37 Objetivos do módulo ........................................................................................................................... 37 Estrutura do módulo ........................................................................................................................... 37 Aula 1 — Histórico da Adoção de Sistemas de Informações Criminais no Brasil e no Mundo ..........................................................................................................................................................38 Contextualizando... ............................................................................................................................. 38 Evolução dos sistemas de informações criminais no mundo ......................................................... 38 Aula 2 — Décadas de Atraso na Construção de Sistemas de Informações Criminais no Brasil .....................................................................................................53 Contextualizando... ............................................................................................................................. 53 Fatores que dificultam a construção dos sistemas de informação criminal no Brasil .................. 53 Busca pelo aprimoramento e uniformização de dados ................................................................... 55 Consequências causadas pelo atraso na construção de sistemas de informações criminais .... 56 Maneiras adequadas para medir fenômenos de criminalidade e violência ................................... 57 Aula 3 — Recentes Encaminhamentos Feitos pelo Brasil com Relação à Sistematização de Informações Criminais ..............................................................60 Contextualizando... ............................................................................................................................ 60 Série de ações que vêm sendo realizadas pelo SENASP ................................................................. 60 Articulação política do SINESP .......................................................................................................... 63 Articulação metodológica .................................................................................................................. 64 Articulação tecnológica ...................................................................................................................... 67 Referências ..................................................................................................................69 MÓDULO 3 – DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA .................................................................................... 73 Apresentação ..............................................................................................................74 Objetivos do módulo ........................................................................................................................... 74 Estrutura do módulo ........................................................................................................................... 74 Aula 1 — Proposta das Organizações das Nações Unidas (ONU) ........................75 Contextualizando ................................................................................................................................ 75 Manual para o desenvolvimento de um sistema de estatísticas .................................................... 75 Aula 2 — Indicadores Sociais da Criminalidade ..................................................82 Contextualizando... ............................................................................................................................. 82 Indicadores sociais ............................................................................................................................. 82 Aula 3 — Fontes de Informação de Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil ................................................................................................................... 91 Contextualizando ................................................................................................................................ 91 A pesquisa social e a incidência criminal ......................................................................................... 91 Aula 4 — Pesquisas de Vitimização ...........................................................................96 Contextualizando ................................................................................................................................ 96 Pesquisa de vitimização no contexto da segurança pública ........................................................... 96 Referências ............................................................................................................... 103 MÓDULO 4 – SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES DE SEGURANÇA PÚBLICA, PRISIONAIS, DE RASTREABILIDADE DE ARMAS E MUNIÇÕES, DE MATERIAL GENÉTICO, DE DIGITAIS E DE DROGAS – SINESP ..................... 106 Apresentação ........................................................................................................... 107 Objetivos do Módulo ......................................................................................................................... 107 Estrutura do Módulo ......................................................................................................................... 107 Aula 1 – Do Planejamento a Implantação do SINESP ...................................... 108 Contextualizando... ........................................................................................................................... 108 Criação do SINESP pela SENASP .................................................................................................... 108 Aula 2 – Finalidades do SINESP ............................................................................. 113 Contextualizando... .......................................................................................................................... 113 parametrização do Modelo Nacional de Coleta de Dados ............................................................113 Aula 3 – As Partes Interessadas: Stakeholders no SINESP ............................. 117 Contextualizando... ........................................................................................................................... 117 Stakeholders Mapeados na Formulação do SINESP ......................................................................117 Aula 4 – Dados Primários para a Implantação do SINESP ................................ 121 Contextualizando... .......................................................................................................................... 121 Estados que Decidiram Permanecer com seus Próprios Sistemas ..............................................121 Estados que Decidiram Usar o Sistema de Dados do SINESP ......................................................122 Aula 5 – As Soluções Geradas pelo SINESP ....................................................... 124 Contextualizando... .......................................................................................................................... 124 Configuração dos Módulos e Sistemas do SINESP .......................................................................124 Referências ............................................................................................................... 137 MÓDULO 5 – TÉCNICAS BÁSICAS DE ANÁLISE DE DADOS .......................... 139 Apresentação ........................................................................................................... 140 Objetivos ............................................................................................................................................ 140 Estrutura do módulo ......................................................................................................................... 140 Aula 1 – Cálculos para a Elaboração de Indicadores Sociais de Criminalidade .....141 Contextualizando... ........................................................................................................................... 141 Indicadores Sociais de Criminalidade .............................................................................................141 Cálculos para a Elaboração de Indicadores Criminais ...................................................................142 Aula 2 – Sugestões de Indicadores Sociais de Criminalidade ........................... 145 Contextualizando... ........................................................................................................................... 145 Medidas de Tendência Central ........................................................................................................ 145 Média Aritmética ............................................................................................................................... 146 Moda .................................................................................................................................................. 148 Mediana ............................................................................................................................................. 150 Aula 3 – Construção de Tabelas e Gráficos ........................................................ 153 Contextualizando... ........................................................................................................................... 153 Tabelas .............................................................................................................................................. 153 Gráficos.............................................................................................................................................. 155 Aula 4 – Elaboração de Mapas .............................................................................. 158 Contextualizando... .......................................................................................................................... 158 Elaboração de Mapas ....................................................................................................................... 158 Mapa de Pontos ................................................................................................................................ 159 Mapa Temático ................................................................................................................................. 160 Mapa de Kernel ................................................................................................................................. 161 Aula 5 – Elaboração de Relatórios ...................................................................... 163 Contextualizando... ........................................................................................................................... 163 Relatório............................................................................................................................................. 163 Referências ............................................................................................................... 168 Uso da Informação em Gestão de Segurança Pública7 • Apresentação Apresentação do Curso Bem-vindo ao curso Uso da Informação em Gestão de Segurança Pública. Nos últimos anos, o uso da informação tem se constituído como instrumento imprescindível para o planejamento governamental, formulação e avaliação de políticas públicas no Brasil. Isso deve-se às reformas gerenciais pelas quais o setor público tem gradualmente passado, desde o processo de democratização do aparato político brasileiro, o que implica a exigência de previsibilidade, planejamento e visibilidade das ações executadas e a existência de controles administrativos mais eficazes. Desse modo, a Secretaria Nacional de Segurança Pública elaborou este curso com o compromisso de disseminar e implementar o uso da informação nos órgãos estaduais e municipais, com o propósito de difundir a sua importância no Brasil e dotar os profissionais de segurança pública com conhecimentos de instrumental técnico e conceituais para o desenvolvimento dessa ação. Desejamos-lhe um excelente estudo! Equipe do curso. O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública8 • Módulo 1 O SABER CIENTÍFICO COMO FERRAMENTA DE GESTÃO PÚBLICA MÓDULO 1 O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública9 • Módulo 1 Apresentação Durante o primeiro módulo, você irá entender como o desenvolvimento das ciências humanas renovou todos os campos do conhecimento humano. Também deverá compreender como a utilização da estatística se coloca como uma das principais ferramentas na solução dos desafios da gestão da segurança como gestor público. Desejamos que, ao final deste módulo, você compreenda a teoria que embasa o pensamento científico e a sua contribuição como metodologia para a investigação dos fenômenos sociais aplicados às atividades na gestão da segurança pública. OBJETIVOS DO MÓDULO Conhecer a contribuição do conhecimento científico como ferramenta de apoio à investigação de fenômenos sociais e à gestão pública. Para isso, vamos estudar como o pensamento científico moderno incorporou os preceitos científicos a fim de desenvolver as soluções para gestão das ações de segurança pública, além de identificar as características e a importância da ciência como instrumento para investigação. ESTRUTURA DO MÓDULO • Aula 1 – O Saber Racional e Empírico. • Aula 2 – Positivismo e Ciências Humanas. • Aula 3 – A Estatística como Ferramenta para Gestão Pública. • Aula 4 – Gestão Pública Fundamentada na Perspectiva Científica. O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública10 • Módulo 1 Aula 1 — O Saber Racional e Empírico CONTEXTUALIZANDO... Na nossa primeira aula do curso Uso da Informação em Gestão de Segurança Pública, vamos refletir sobre a relação do ser humano com a construção do conhecimento. Essa relação percorre diferentes caminhos, desde as observações da realidade e suas experiências até a consolidação de uma forma de conhecer a realidade fundamentada racionalmente por meio do método científico. Desta forma, vamos conhecer como o saber racional foi se desenvolvendo ao longo da história, baseado nos fundamentos do método científico. O CONHECIMENTO CIENTÍFICO MODERNO Com a filosofia grega, inaugura-se a sistematização do uso da lógica e das ciências matemáticas para abordagem e interpretação das indagações sobre os problemas da condição do homem no convívio em sociedade. O conhecimento filosófico, que nasce com Aristóteles, parte da dedução no processo de construção do conhecimento. Considera os dados como verdadeiros, denominados premissas que visam extrair conclusões em um processo racional-dedutivo de interpretação dos dados disponíveis. O processo racional-dedutivo, ou método dedutivo, parte da compreensão da regra geral ou premissa para chegar a conclusão dos casos específicos, enquanto o método indutivo considera os casos específicos para tentar chegar a uma regra geral, levando à generalização de uma hipótese, conforme a figura a seguir. Significa a proposição, o conteúdo, as informações essenciais que servem de base para um raciocínio, para um estudo que levará a uma conclusão. O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública11 • Módulo 1 Figura 1: Método dedutivo e indutivo. Fonte: Salmon (1978), adaptado por labSEAD-UFSC (2019). Desta forma, é importante fazer uma distinção entre o conhecimento empírico e o conhecimento científico, visando sair do senso comum para chegar ao plano dos saberes racionais, os quais são aplicados atualmente em muitas práticas vivenciadas pela sociedade. O CONHECIMENTO CIENTÍFICO E O EMPÍRICO O conhecimento racional é exato e infalível, como a matemática, por exemplo. Contudo, este saber não pode ser testado ou experimentado no mundo físico, somente demonstrado. Para Popper (1973), esse aspecto é fundamental para a distinção entre o conhecimento filosófico e o científico. O conhecimento filosófico é infalível e impossível de ser testado, já o conhecimento científico deve necessariamente ser testado sempre, sendo, portanto, falível por definição. Podemos dizer que o conhecimento científico compreende as informações e fatos que são comprovados por meio da ciência e o conhecimento filosófico nasce a partir das reflexões que o ser humano faz sobre questões subjetivas. O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública12 • Módulo 1 Você sabe a distinção entre o conhecimento científico e filosófico no contexto contemporâneo? Convidamos você a conhecer autores como Descartes, Bacon e Galileu, que discutem sobre esse tema no artigo: “A ciência como forma de conhecimento”, acessando o link: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1806-58212006000200014 Importante destacar que, no século XVII, o pensamento científico moderno passa a se consolidar na medida em que a legitimidade dos saberes construídos vincula-se à observação da realidade (empirismo), colocando tal explicação à prova (experimentação). Veja a seguir uma breve síntese conceitual sobre os diferentes tipos de conhecimento. Saiba mais CONHECIMENTO EMPÍRICO Baseado no senso comum e na interação com o ambiente, ocorre por meio de simples deduções e sem provas concretas. Exemplificando: o agricultor, pela sua observação, sabe exatamente quando plantar e colher baseado no resultado de colheitas anteriores. 1 CONHECIMENTO CIENTÍFICO Relacionado à lógica e ao pensamento crítico, baseado em fatos analisados cientificamente, de modo que sua veracidade ou falsidade podem ser comprovadas. Como exemplo: a descoberta de outros planetas, por meio da observação com telescópios superdesenvolvidos. 2 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-58212006000200014 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-58212006000200014 O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública13 • Módulo 1 CONHECIMENTO FILOSÓFICO Baseado na capacidade do ser humano de refletir no campo das ideias e conceitos; não é verificável. Uma forma de reconhecer esse conhecimento pode ser sobre o pensamento de que as máquinas um dia irão se sobrepor aos humanos. Figura 2: Síntese conceitual de diferentes conhecimentos científicos. Fonte: labSEAD-UFSC (2019). 3 Assim, inicia-se o raciocínio hipotético-dedutivo, que, associado ao raciocínio matemático, utiliza-se da construção de novos instrumentos de medida (tempo, distância, calor, peso etc.) para a apreensão dos fenômenos. Karl Popper (1902-1994) foi o criador do método hipotético- dedutivo. Para ele o conhecimento científico não possui o valor de verdade, mas de probabilidade. Em sua obra Conjecturas e refutações, defende a existência de diferentes graus de proximidade da verdade, ou seja, embora uma hipótese científica possa ser refutada, parte de seu conteúdo pode ser verdadeiro. A essa proximidade da verdade, ele chamou de verossimilhança (POPPER, 1991). Contudo, o conhecimento científico apresenta conceitos que fundamentam a ciência, conforme representado a seguir. Palavra do Especialista O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública14 • Módulo 1 Figura 3: Teoria científica. Fonte: Shutterstock (2019), adaptado por labSEAD-UFSC (2019). Fundamenta-se numa metodologia definida como um conjunto de procedimentos que visa buscar explicações para os fenômenos sociais. De forma geral, os fundamentos do método científico, em sua forma experimental, partem da observação. A observação é a etapa em que se observa determinado fenômeno ou fato social. Essa fase envolve o questionamento sobre a realidade a ser observada, buscando respostas pautadas no conhecimento prévio sobre os fenômenos semelhantes. Dessas respostas, nasce a elaboração das hipóteses, que é considerada o ponto de partida da experimentação. A experimentação se desenvolve de acordo com os conhecimentos e práticas necessários para o esclarecimento de cada hipótese levantada. Após a experimentação, começa a mensuração dos resultados encontrados, que envolve a conclusão do experimento, verificando as hipóteses levantadas. Assim, as afirmações são validadas pela mensuração dos resultados, que passa a ser chamado de teoria. No caso da segurança pública, por exemplo, a análise da balística, que serve como prova documental para criminologia. O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública15 • Módulo 1 Assim sendo, o método científico analisa dados particulares por meio de experiências controladas para concluir uma verdade geral, ou teoria. Contudo, podem vir a surgir outros fatos científicos, e uma nova teoria substituirá a anterior. Desta maneira, o conhecimento científico, ainda que experimentado, não é infalível. A partir de então, o saber não repousa mais somente na especulação, ou seja, no simples exercício do pensamento, baseia-se igualmente na observação, experimentação e mensuração, fundamentos do método científico em sua forma experimental. Nesse sentido, podemos dizer que o método científico nasce do encontro da especulação com o empirismo (LAVILLE; DIONE, 1999). Figura 4: Análise de balística como prova criminal. Fonte: Shutterstock (2019) O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública16 • Módulo 1 Aula 2 — Positivismo e Ciências Humanas CONTEXTUALIZANDO... Como vimos ao longo da história, o método científico passa a influenciar fortemente a construção do conhecimento científico. Assim, nasce a corrente positivista, que busca explicações sobre as leis do mundo social passando a investigar o homem na sociedade em que está inserido. Surgem então as ciências humanas, que influenciam o desenvolvimento da ciência conhecida como sociologia, que tem como prioridade a explicação da realidade em que o homem vive. O POSITIVISMO No século XVIII, surgiram as ciências humanas, com o objetivo de trazer para as investigações sobre a condição do homem em sociedade – até então objeto restrito às especulações filosóficas – os mesmos preceitos e modelos aplicados nas ciências da natureza. As ciências humanas referem-se àquelas que têm o próprio ser humano como objeto de estudo. Nesse sentido, o desenvolvimento inicial da área partiu dos preceitos de construção de um saber científico amparado no modelo positivista, idealizado pelo pensador francês Augusto Comte (1798-1857), que criou essa corrente filosófica que busca explicações sobre as leis do mundo social. Figura 5: Augusto Comte, o pai da sociologia. Fonte: Wikimedia Commons (2019). O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública17 • Módulo 1 Podemos dizer que o pensamento positivista coloca a ciência como o estudo da sociedade, determinado por uma legislação que possa ser útil para o progresso humano. Na verdade, o positivismo envolvia o desenvolvimento de um projeto político, em que a sociedade deveria ser gerida pela ciência. Augusto Comte entendia a sociedade sob a premissa fundamental da estática social e da dinâmica social. Para ele, na lei da estática social, o desenvolvimento ocorre quando a sociedade se organiza na sua dinâmica social de modo a evitar o caos e a confusão (LAGAR et al., 2013). Encontramos, por exemplo, no lema “ordem e progresso”, a busca de uma organização, que explica os fenômenos sociais através da aplicação da metodologia científica, por meio de leis universais que são validadas para as dinâmicas humanas em todos os tempos e sociedades. Você sabia que a corrente positivista influenciou obras importantes no mundo todo e suas ideias ganharam muitos seguidores no Brasil. Inclusive sua presença foi notável no movimento republicano e na elaboração da Constituição de 1891. Para conhecer mais sobre a obra e seu criador, convidamos você a ler: Comte, vida e obra, disponível em: http://www.ldaceliaoliveira.seed.pr.gov.br/redeescola/ escolas/18/1380/184/arquivos/File/materiais/2014/sociologia/ Colecao_Os_Pensadores_Auguste_Comte.pdf Saiba mais http://www.ldaceliaoliveira.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/18/1380/184/arquivos/File/materiais/2014/sociologia/Colecao_Os_Pensadores_Auguste_Comte.pdf http://www.ldaceliaoliveira.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/18/1380/184/arquivos/File/materiais/2014/sociologia/Colecao_Os_Pensadores_Auguste_Comte.pdf http://www.ldaceliaoliveira.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/18/1380/184/arquivos/File/materiais/2014/sociologia/Colecao_Os_Pensadores_Auguste_Comte.pdf O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública18 • Módulo 1 O modelo positivista apresenta, segundo Laville e Dione (1999), algumas características importantes, descritas na imagem a seguir. Figura 6: Características do modelo positivista. Fonte: labSEAD-UFSC (2019). Empirismo: conhecimento adquirido pela experiência e pelos sentidos, validado por meio do método científico. Validade: o resultado da experimentação é rigorosamente controlado por meio de mensurações precisas. Leis e previsão: as leis são estabelecidas pelo domínio físico, inscritas na natureza, à qual os seres humanos são submetidos. Experimentação: a precisão da hipótese levantada é demonstrada por testes. Objetividade: atitude intelectual que considera a realidade do objeto e a posição imparcial do pesquisador. No inatismo, o conhecimento de um indivíduo nasce com ele. Um dos primeiros filósofos a defender a ideia de conhecimento inato foi Platão, que afirmava que a alma precede o corpo, ou seja, todo o ser humano já detém o conhecimento armazenado em sua alma das encarnações passadas. Considerando as características do modelo positivista, o conhecimento resultante de ideias inatas – como as crenças e valores morais – é, pelo ponto da validade científica, desqualificado, pois para o empirismo todo o conhecimento é capturado pelos sentidos e a partir da experiência. Para o positivismo, os fenômenos sociais ou naturais devem ser tratados com imparcialidade, universalidade e isentos de todo o modo de distorção política, ideológica, espacial ou temporal. Como ciência positiva, faz uso da metodologia quantitativa, na O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública19 • Módulo 1 qual o conhecimento é validado a partir do desenvolvimento de experiências que obedeçam às mesmas condições de realização, o que torna possível generalizar os resultados encontrados, conforme representado na imagem a seguir. Figura 7: Coleta de informações da cena do crime. Fonte: Shutterstock (2019). Como podemos observar, o método positivista ainda reflete na ciência que fazemos na sociedade contemporânea. Podemos deduzir que o conhecimento positivista é determinista e que esse modelo permite a interferência humana sobre o mundo físico, pois o conhecimento das leis permite prever os comportamentos sociais e geri-los cientificamente. AS CIÊNCIAS HUMANAS O desenvolvimento das ciências humanas renovou todos os campos do conhecimento humano, desafiando o indivíduo a encontrar respostas para as grandes interrogações sobre a humanidade, sua identidade e as condições sociais e culturais de cada época. No século XX, as ciências humanas passam a instituir novos fundamentos científicos para compreender as dimensões da história humana, colocando em questão algumas certezas da humanidade, como, por exemplo, a crença de que uma O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública20 • Módulo 1 raça, etnia ou certas características físicas sejam superiores a outras, resultando no fato histórico da escravidão. Um outro exemplo é quando a ciência comprova a evolução humana pela análise científica dos crânios, conforme representado na imagem a seguir. Evolução da Humanidade Figura 8: Comprovação científica da evolução da humanidade. Fonte: Shutterstock (2019), adaptado por labSEAD-UFSC (2019). Atualmente, o paradigma positivista já não é o único para abordagem dos fenômenos humanos. A sociologia, a psicologia e a história são exemplos de saberes científicos que se enquadram no campo das ciências humanas e não são necessariamente positivistas. Ainda que eventualmente possam lançar mão de ferramentas e métodos quantitativos, similares aos das ciências positivas, isto é, experimentais, observáveis, replicáveis e mensuráveis, sua adesão ao paradigma não é absoluta. Os fenômenos humanos e sociais são contextuais (variam no tempo e no espaço) e multideterminados (as relações sociais, a genética e a conjuntura social influenciam os eventos), conforme apontaram Durkheim (2001) e Moscovici (2011). O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública21 • Módulo 1 Portanto, para Durkheim (2001), a ciência tem como prioridade a explicação da realidade em que o homem vive. Essa realidade, Durkheim chamava de fato social, que, além de ser explicado, pode ser quantificado, pois considerava que explicar um fenômeno social é identificar o fenômeno que o produz, normalmente para estabelecer a causa, a qual deve ser procurada no meio social. O pensamento metodológico da teoria sociológica de Durkheim centra-se no fato social como específico e objeto da ciência, porque pode ser categorizado, dividido em conjuntos sociais e classificados em gêneros e espécies (DURKHEIM, 2001). Dessa forma, podemos mensurar as causas dos fenômenos sociais por meio de recursos quantitativos, quando estes são replicáveis e mensuráveis (por exemplo, quando se lança mão de ferramentas de estatística), e recursos qualitativos, quando priorizam a narrativa e a interpretação conjuntural dos dados (como na utilização de entrevistas, por exemplo). O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública22 • Módulo 1 Aula 3 — A Estatística como Ferramenta para Gestão Pública CONTEXTUALIZANDO... Atualmente a utilização da estatística no planejamento das atividades dos profissionais de segurança pública se coloca como um dos principais instrumentos para busca de resultados satisfatórios no controle social e democrático do crime e da violência. Dessa forma, abordaremos nesta aula o estudo da estatística e a sua aplicação como instrumento para a gestão da segurança pública. A ESTATÍSTICA NA GESTÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA Antes de iniciarmos nosso estudo, vamos refletir sobre algumas questões sobre criminalidade e estatística, tais como: • Você conhece algo da história da estatística como instrumento para gestão da segurança pública? • Qual a importância de mensurar os registros criminais? • Divulgar os índices de criminalidade assusta ou ajuda a prever o futuro? Agora, vamos conhecer a construção histórica da estatística e seu surgimento no contexto do desenvolvimento de um saber científico de cunho positivista. É dessa concepção positivista que o conhecimento estatístico passa a ser assumido como uma ferramenta para a construção da objetividade na investigação dos fenômenos sociais e na gestão pública em muitos países. O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública23 • Módulo 1 ““ O uso da estatística remonta aos anos de 5.000 a 2.000 a.C. e já se apresentava, em civilizações antigas do Egito, Mesopotâmia e China, como instrumento para “gestão e administração do Estado, com ênfase nos negócios fiscais, militares e policiais” (LIMA, 2005, p. 19). Historicamente, o conhecimento estatístico é voltado ao levantamento de informações para que o Estado possa governar e organizar o território. A partir do século XIX, o uso de registros estatísticos passa a servir a uma série de levantamentos e pesquisas sobre os mais diferenciados assuntos. O século XIX viu florescer numerosas pesquisas estatísticas cobrindo domínios tão variados quanto a prostituição, as condições de vida dos operários, os traços antropométricos de conscritos ou criminosos, os sistemas industrial e agrícola. (MARTIN, 2001, p. 14) Em outras palavras, segundo Lima (2005), os conhecimentos estatísticos permitem delimitar e controlar fenômenos sociais e, por meio dos registros, possibilitam intervir na realidade humana. Vamos lembrar do caso da chacina das Cajazeiras, ocorrida em janeiro de 2018, na cidade de Fortaleza, no Ceará, em que homens armados invadem atirando numa festa, resultando em 14 pessoas mortas e outras 10 feridas. A polícia é chamada e, ao formalizar a ocorrência, quantos homicídios terão sido registrados? Na Prática O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública24 • Módulo 1 No relato das ocorrências, foram registradas 14 vítimas e outras 10 tentativas de homicídio, totalizando 24 ocorrências na chacina das Cajazeiras. Dessa forma, com o uso da estatística, pode-se construir índices que representem a realidade, com a possibilidade de quantificação dos dados, e, a partir disso, realizar o planejamento das atividades dos profissionais da segurança pública. Portanto, é com essa perspectiva que a estatística, como ciência aplicada, passa a se incorporar ao trabalho do gestor público. Segundo o autor da tese Contando crimes e criminosos em São Paulo: uma sociologia das estatísticas produzidas e utilizadas entre 1871 e 2000, os dados estatísticos em si são atribuídos às coisas, mas evocam a prerrogativa para coisificar as não coisas, ou seja, conceitos como crime, criminalidade, criminosos e violência não são reduzíveis a objetos concretos no tempo e no espaço, mas traduzem situações e comportamentos sociais que se sobressaem aos olhares e saberes. (LIMA, 2005). Importante observar que, com os avanços dos conhecimentos estatísticos, países como Alemanha, Inglaterra e França prenunciaram algumas possibilidades de uso de dados quantificados, como instrumentos para gestão pública, de acordo com a figura a seguir. Palavra do Especialista O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública25 • Módulo 1 Figura 9: Modelos adotados em países com avanços estatísticos. Fonte: Shutterstock (2019), labSEAD-UFSC (2019). Alemanha Inglaterra França Modelo focado em medições de fenômenos sociais, por intermédio da sistematização das informações sobre saúde, demografia e uso do espaço. Modelo aritmético que priorizava as questões da mortalidade e os aspectos demográficos; seu ponto de partida era a coleta, o registro e o tratamento de fenômenos como os nascimentos, casamentos, batismos e mortes. Modelo que adota parâmetros técnicos e metodológicos, desenvolvendo o recenseamento da população, visando ao controle social. Desta forma, esses foram os percursores de algumas possibilidades de uso de dados quantificados. Observamos que, no período inicial, predominava a visão positivista. O desenvolvimento posterior das reflexões e parâmetros metodológicos a serem seguidos pelas ciências sociais demonstraram que o real não se configura como um ente dado e pronto à percepção a partir do emprego dos instrumentos adequados de quantificação. De acordo com Lima (2005), o próprio processo de consolidação de informações e dados para aferição de uma dada realidade partem de percepções, construções, escolhas e limitações, bem como encontram-se submetidos, muitas vezes, ao sabor das disputas e conflitos de interesses de toda ordem. O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública26 • Módulo 1 ““ Nesse sentido, é interessante ressaltar a reflexão que pauta o estudo de Lima (2005) sobre o uso de estatísticas para a análise criminal em São Paulo. Ele defende que: [...] mais do que isentos, os números e as formas como eles estão organizados respondem às dinâmicas das disputas de poder em torno das regras sobre como e quem governa. (LIMA, 2005, p. 27). Podemos dizer que os números para o gestor são instrumentos de um discurso que busca a verdade de uma dada realidade, com pressupostos de objetividade e de legitimidade, como resultado de múltiplos processos de contagem, medição e interpretação de fatos (LIMA, 2005), conforme podemos identificar na análise no laboratório de criminalística na imagem a seguir. Portanto, segundo Lima (2005), os dados quantificáveis passam a ter significação na medida em que são interpretados, tornando-se assim elementos de compreensão da produção e utilização de informações estatísticas na prática da gestão da segurança pública. Figura 10: Análise de amostra de cabelos no laboratório de criminalística. Fonte: Shutterstock (2019). O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública27 • Módulo 1 Aula 4 — Gestão Pública Fundamentada na Perspectiva Científica A necessidade de adquirir os conhecimentos por meio da experiência sensível. O fato de buscar controlar ao máximo os preconceitos que deturpam a visão da realidade. A fundamentação do conhecimento em experiências empíricas rigorosamente determinadas em termos metodológicos. A busca pelo estabelecimento de previsões. Figura 11: Estatística aplicada na melhoria da gestão da segurança pública. Fonte: labSEAD- UFSC (2019). Palavra derivada de “método”, do latim “methodus”, cujo significado é “caminho ou a via para a realização de algo”. Metodologia é o campo em que se estuda os melhores métodos praticados em determinada área para a produção do conhecimento. CONTEXTUALIZANDO... A visão científica da realidade passa a fundamentar a gestão pública, a qual incorpora uma série de características do saber científico que envolve o processo de consolidação de informações e dados para aferição de uma dada realidade. Por isso, metodologias que possuem comprovação científica de efetividade e que superam “achismos” passam a fundamentar as ações da gestão pública. A GESTÃO PÚBLICA NA PERSPECTIVA CIENTÍFICA A visão científica da realidade visa fundamentar a gestão pública, a qual incorpora uma série de características do saber científico. O conhecimento científico tem como característica a busca pela rigorosidade e, para isso, faz o uso de uma metodologia específica. Assim, por meio de uma metodologia, a estatística aplicada visa prever os possíveis cenários para melhoria da gestão da segurança da informação, conforme representado a seguir. O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública28 • Módulo 1 Um bom exemplo da aplicação dos princípios científicos à gestão de políticas públicas foi um estudo realizado pela Rand Corporation (Pesquisa e Desenvolvimento), em 1996, que avaliou os resultados de cinco ações diferentes realizadas nos Estados Unidos para retirar as crianças do mundo do crime, considerando o custos e benefícios das ações. Conheça as pesquisas realizadas pela Rand Coporation na área da gestão pública em diversos países, disponível em: https:// www.rand.org/research.html, e observe a análise e objetividade rigorosa dos projetos da organização. Com base nesse estudo destacado, ocorreu uma mudança significativa na ação do governo dos Estados Unidos em termos da gestão de políticas de segurança pública, que passou a contar com: Saiba mais 1. Visitas a famílias em situação de risco. 4. Supervisão de delinquentes fora da prisão. 3. Programas nas escolas de incentivo à entrada na universidade. 2. Capacitação de pais cujos filhos apresentam problemas. Figura 12: Aplicação dos princípios científicos na segurança pública no governo dos Estados Unidos da América. Fonte: labSEAD-UFSC (2019). https://www.rand.org/research.html https://www.rand.org/research.html O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública29 • Módulo 1 A ação do gestor público fundamentou-se em uma avaliação empírica e objetiva dos resultados de diferentes opções de respostas para um mesmo problema, possibilitando que se construísse uma projeção dos resultados futuros dessas ações. Esse procedimento implica uma gestão de resultados, entendida por meio da experiência empírica. Estabelece-se um conhecimento sobre quais são as ações que levam ao alcance do melhor resultado possível e, partir daí, a gestão passa a ser orientada por esse conhecimento. Cabe destacar que essa classificação das ações em função dos seus resultados previstos sempre deverá ser contextualizada, levando em conta as características de inúmeros fatores externos intervenientes (chamados variáveis) na relação entre ação e resultado. Ao discutir o processo de evolução das ciências, Popper (1973) aponta uma questão importante a ser observada: A teoria científica será sempre conjectural e provisória. Não é possível confirmar a veracidade de uma teoria pela simples constatação de que os resultados de uma previsão efetuada com base naquela teoria se verificaram. Essa teoria deverá gozar apenas do estatuto de uma teoria não (ou ainda não) contrariada pelos fatos. A isto Popper (1973) deu o nome de “princípio da falseabilidade”. Conforme Santos (2015), o princípio proposto por Popper, em vez de buscar a verificação de experiências empíricas que confirmassem uma teoria, buscava fatos particulares que, depois de verificados, refutariam a hipótese. Palavra do Especialista O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública30 • Módulo 1 Assim, em vez de se preocupar em provar que uma teoria era verdadeira, ele se preocupava em provar que ela era falsa. Quando a teoria resiste à refutação pela experiência, pode ser considerada comprovada. Muito mais do que uma pirotecnia tecnológica, a revolução da segurança pública ocorre com o uso de metodologias cada vez mais focadas, proativas e integradas, que possuem comprovação científica de efetividade, superando a era dos “achismos” (LIMA, 2018). É importante, neste caso, eliminar a teoria que se provou falsa e procurar uma outra teoria para explicar o fenômeno em análise. Esse aspecto é fundamental para a definição da ciência, pois “científico” é apenas aquilo que se sujeita a este confronto com os fatos. Ou seja, só é científica a teoria que pode ser refutável. Uma afirmação que não possa ser confrontada em sua veracidade pela comparação com a realidade não é científica. Para Popper (1973), a verdade é inalcançável, todavia devemos nos aproximar dela por tentativas. Dessa forma, podemos concluir que o estado atual da ciência é sempre provisório. Essa evolução se caracteriza principalmente pela constante incerteza sobre o que é e pela certeza sobre o que não é. Assim, grandes achados científicos que durante décadas foram considerados como verdade absoluta podem, em decorrência desse princípio, ser invalidados em algum momento. O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública31 • Módulo 1 Conheça a experiência de como a cidade Nova York se tornou exemplo ao usar a ciência para frear a criminalidade, na matéria jornalística: “É uma revolução: a análise de dados e o uso de evidências científicas mudaram a segurança pública”, acessando no link a seguir: https://gauchazh.clicrbs.com. br/seguranca/noticia/2019/07/e-uma-revolucao-a-analise- de-dados-e-o-uso-de-evidencias-cientificas-mudaram-a- seguranca-publica-cjxnm8u7b057v01o9gsi0hp22.html. Por essa razão, a gestão pública tem que submeter suas ações a testes contínuos, pois a constante mudança da realidade vivida pode trazer surpresas em relação aos resultados previstos para as ações executadas. Saiba mais https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/07/e-uma-revolucao-a-analise-de-dados-e-o-uso-de-evidencias-cientificas-mudaram-a-seguranca-publica-cjxnm8u7b057v01o9gsi0hp22.html https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/07/e-uma-revolucao-a-analise-de-dados-e-o-uso-de-evidencias-cientificas-mudaram-a-seguranca-publica-cjxnm8u7b057v01o9gsi0hp22.html https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/07/e-uma-revolucao-a-analise-de-dados-e-o-uso-de-evidencias-cientificas-mudaram-a-seguranca-publica-cjxnm8u7b057v01o9gsi0hp22.html https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/07/e-uma-revolucao-a-analise-de-dados-e-o-uso-de-evidencias-cientificas-mudaram-a-seguranca-publica-cjxnm8u7b057v01o9gsi0hp22.html O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública32 • Módulo 1 Referências ARAÚJO, C. A. Á. A ciência como forma de conhecimento. Ciências & Cognição, Rio de Janeiro, v. 8, p. 127-142, ago. 2006. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1806-58212006000200014. Acesso em: 11 nov. 2019. BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. O Sinesp. Brasília, [2012?]. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/ sinesp-1/o-sinesp-1/o-sinesp. Acesso em: 19 set. 2019. BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Pesquisa perfil das instituições de segurança pública. Brasília, DF, 2013. 254 p. BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Assessoria de Comunicação Social. MJSP lança quinta Pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública. Brasília, 2017. Disponível em: https://justica.gov.br/news/mjsp-lanca-quinta- pesquisa-perfil-das-instituicoes-de-seguranca-publica. Acesso em: 19 set. 2019. BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ministério entrega aos estados primeiras ferramentas de Big Data e Inteligência Artificial para combater a criminalidade. Brasília, 2019. Disponível em: https://www.justica.gov.br/news/collective- nitf-content-1566331890.72. Acesso em: 20 ago. 2019. COMTE, A. Curso de filosofia positiva. Discurso sobre o espírito positivo. Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo. Catecismo positivista. Traduções de José Arthur Giannotti e Miguel Lemos. São Paulo: Abril Cultural, 1978. Disponível em: http://www.ldaceliaoliveira.seed. pr.gov.br/redeescola/escolas/18/1380/184/arquivos/File/ materiais/2014/sociologia/Colecao_Os_Pensadores_Auguste_ Comte.pdf. Acesso em: 25 out. 2019. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-58212006000200014 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-58212006000200014 https://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/sinesp-1/o-sinesp-1/o-sinesp https://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/sinesp-1/o-sinesp-1/o-sinesp https://www.justica.gov.br/Acesso/auditorias/arquivos_auditoria/secretaria-nacional-de-seguranca-publica_senasp/relatorio-gestao-2008.pdf https://www.justica.gov.br/Acesso/auditorias/arquivos_auditoria/secretaria-nacional-de-seguranca-publica_senasp/relatorio-gestao-2008.pdf https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1566331890.72 https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1566331890.72 http://www.ldaceliaoliveira.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/18/1380/184/arquivos/File/materiais/2014/sociologia/Colecao_Os_Pensadores_Auguste_Comte.pdf http://www.ldaceliaoliveira.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/18/1380/184/arquivos/File/materiais/2014/sociologia/Colecao_Os_Pensadores_Auguste_Comte.pdf http://www.ldaceliaoliveira.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/18/1380/184/arquivos/File/materiais/2014/sociologia/Colecao_Os_Pensadores_Auguste_Comte.pdf http://www.ldaceliaoliveira.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/18/1380/184/arquivos/File/materiais/2014/sociologia/Colecao_Os_Pensadores_Auguste_Comte.pdf O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública33 • Módulo 1 DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2001. KOPITTKE, A. W. É uma revolução: a análise de dados e o uso de evidências científicas mudaram a segurança pública. GauchaZH Segurança, 4 jul. 2019. Disponível em: https:// gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/07/e-uma- revolucao-a-analise-de-dados-e-o-uso-de-evidencias-cientificas- mudaram-a-seguranca-publica-cjxnm8u7b057v01o9gsi0hp22. html. Acesso em: 11 nov. 2019. LAGAR, F.; SANTANA, B. B. de; DUTRA, R. Conhecimentos pedagógicos para concursos públicos. 3. ed. Brasília: Gran Cursos, 2013. LAVILLE, C.; DIONNE, J. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: ARTMED, Belo Horizonte: UFMG, 1999. LIMA, R. S. de. Contando crimes e criminosos em São Paulo: uma sociologia das estatísticas produzidas e utilizadas entre 1871 e 2000. 2005. Disponível em: https://www.teses.usp.br/ teses/disponiveis/8/8132/tde-04022006-201043/publico/ TeseRenatoSergiodeLima. Acesso em: 24 nov. 2014. LIMA, R. S. de; BUENO, S. O buraco negro da informação em segurança pública no Brasil. G1, Rio de Janeiro, 22 mar. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/ noticia/o-buraco-negro-da-informacao-em-seguranca-publica- no-brasil.ghtml. Acesso em: 19 set. 2019. MARTIN, O. Da estatística política à sociologia estatística. Desenvolvimento e transformações da análise estatística da sociedade (séculos XVII-XIX). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 21, n. 41, p. 13-34, 2001.Disponível em: http://www.scielo. br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882001000200002. Acesso em: 14 nov. 2019. https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/07/e-uma-revolucao-a-analise-de-dados-e-o-uso-de-evidencias-cientificas-mudaram-a-seguranca-publica-cjxnm8u7b057v01o9gsi0hp22.html https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/07/e-uma-revolucao-a-analise-de-dados-e-o-uso-de-evidencias-cientificas-mudaram-a-seguranca-publica-cjxnm8u7b057v01o9gsi0hp22.html https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/07/e-uma-revolucao-a-analise-de-dados-e-o-uso-de-evidencias-cientificas-mudaram-a-seguranca-publica-cjxnm8u7b057v01o9gsi0hp22.html https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/07/e-uma-revolucao-a-analise-de-dados-e-o-uso-de-evidencias-cientificas-mudaram-a-seguranca-publica-cjxnm8u7b057v01o9gsi0hp22.html https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/07/e-uma-revolucao-a-analise-de-dados-e-o-uso-de-evidencias-cientificas-mudaram-a-seguranca-publica-cjxnm8u7b057v01o9gsi0hp22.html https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-04022006-201043/publico/TeseRenatoSergiodeLima https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-04022006-201043/publico/TeseRenatoSergiodeLima https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-04022006-201043/publico/TeseRenatoSergiodeLima https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/o-buraco-negro-da-informacao-em-seguranca-publica-no-brasil.ghtml https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/o-buraco-negro-da-informacao-em-seguranca-publica-no-brasil.ghtml https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/o-buraco-negro-da-informacao-em-seguranca-publica-no-brasil.ghtml http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882001000200002 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882001000200002 O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública34 • Módulo 1 MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2011. POPPER, K. La Logica de la investigación científica. Tradução de Victor Sanchez de Zavala. Madrid: Tecnos, 1973. POPPER, K. Conjecturas y refutaciones: el desarollo del conocimiento científico. Barcelona: Paidós, 1991. RAND CORPORATION. Diverting children from a life of crime: measuring costs and benefits.1998. Disponível em: https:// www.rand.org/pubs/monograph_reports/MR699-1.html. Acesso em: 17 set. 2019. SANTOS, W. J. P. dos. O princípio da Falseabilidade e a noção de ciência de Karl Popper. Brasil Escola, 2015. Disponível em: https:// brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-principio-falseabilidade-nocao- ciencia-karl-popper.htm. Acesso em: 17 set. 2019. SHUTTERSTOCK. [S.l.], 2019. Disponível em: https://www. shutterstock.com/pt/. Acesso em: 27 nov. 2019. SILVA, W. C. P. Crime mapping: using geography to plan policing. Confins, n. 41, 8 ago. 2019. Disponível em: https://journals. openedition.org/confins/21908#text. Acesso em: 3 out. 2019. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Laboratório da Secretaria de Educação a Distância (labSEAD-UFSC). Florianópolis, 2019. Disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/. Acesso em: 27 nov. 2019. UNITED NATIONS. Department of Economic and Social Affairs. Manual for the Development of A System of Criminal Justice Statistics. New York, 2003. Disponível em: https:// unstats.un.org/unsd/publication/SeriesF/SeriesF_89E.pdf. Acesso em: 1º nov. 2019. https://www.rand.org/pubs/monograph_reports/MR699-1.html https://www.rand.org/pubs/monograph_reports/MR699-1.html https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-principio-falseabilidade-nocao-ciencia-karl-popper.htm https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-principio-falseabilidade-nocao-ciencia-karl-popper.htm https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-principio-falseabilidade-nocao-ciencia-karl-popper.htm https://www.shutterstock.com/pt/ https://www.shutterstock.com/pt/ https://journals.openedition.org/confins/21908#text https://journals.openedition.org/confins/21908#text http://lab.sead.ufsc.br/ https://unstats.un.org/unsd/publication/SeriesF/SeriesF_89E.pdf https://unstats.un.org/unsd/publication/SeriesF/SeriesF_89E.pdf O Saber Científico como Ferramenta de Gestão Pública35 • Módulo 1 WIKIMEDIA COMMONS. [S.l.], 2019. Disponível em: https:// commons.wikimedia.org/wiki/Main_Page. Acesso em: 27 nov. 2019. https://commons.wikimedia.org/wiki/Main_Page https://commons.wikimedia.org/wiki/Main_Page Sistema de Informação em Segurança Pública36 • Módulo 2 SISTEMA DE INFORMAÇÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA MÓDULO 2 Sistema de Informação em Segurança Pública37 • Módulo 2 Apresentação Iniciaremos o estudo do segundo módulo com uma reflexão sobre a evolução histórica dos sistemas de informações criminais no mundo, com foco especial no Brasil. No decorrer deste módulo, você acompanhará os processos pelos quais o país passou em relação ao desenvolvimento de sistemas de informações criminais, e verificará que foram anos sem a devida integração e compilação desses dados, seja por falta de interesse político, seja por ausência de tecnologia, ou ainda por falta de profissionais capacitados na área. Isso gerou um enorme desencontro de informações e gastos públicos. Porém, atualmente, foram feitos alguns encaminhamentos para avanço e maior integração dos sistemas de informações, que você poderá acompanhar no decorrer deste módulo. Bons estudos! OBJETIVOS DO MÓDULO Desenvolver uma visão sobre a evolução dos sistemas de informações criminais no Brasil e no mundo, bem como conhecer as décadas de atraso pelas quais o Brasil passou e ainda passa com relação à construção de sistemas criminais e, por fim, compreender quais foram os encaminhamentos dados recentemente com relação aos sistemas de informações criminais no país. ESTRUTURA DO MÓDULO • Aula 1 – Histórico da Adoção de Sistemas de Informações Criminais no Brasil e no Mundo. • Aula 2 – Décadas de Atraso na Construção de Sistemas de Informações Criminais no Brasil. • Aula 3 – Recentes Encaminhamentos Feitos no Brasil com Relação à Sistematização de Informações Criminais. Sistema de Informação em Segurança Pública38 • Módulo 2 Aula 1 — Histórico da Adoção de Sistemas de Informações Criminais no Brasil e no Mundo Surveys é um termo usado para métodos de pesquisas quantitativas aplicadas a um determinado grupo de pessoas. CONTEXTUALIZANDO... Você sabia que diversos países dão muito valor às informações e estatísticas criminais e que essas áreas são reconhecidas tanto como usuárias quanto como produtoras de informações? E, o mais importante, que têm o devido reconhecimento político por parte das autoridades com relação à importância da utilização dos dados gerados nesses setores de conhecimento? Pois é o que veremos agora nesta aula sobre o histórico de adoção de sistemas de informações criminais no Brasil e no mundo. Acompanhe! EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS DE INFORMAÇÕES CRIMINAIS NO MUNDO Diversos países, principalmente os mais desenvolvidos, dispõem de sistemas de informações criminais próprios, utilizando como fonte de informações e registros de ocorrências policiais, atividades judiciais e dados gerados a partir de questionários e surveys diversos. Este método é o mais indicado quando se deseja responder questões que expressem opiniões, costumes ou características de um determinado público-alvo. Exemplos de pesquisas do tipo survey são medições de audiência televisiva realizadas pelo IBOPE, censos, pesquisas Top of Mind, e de satisfação (INSTITUTO OPUS, 2019). Nesses países, as áreas de informações em segurança pública são reconhecidas e valorizadas pelas autoridades políticas. Essas áreas atuam tanto como usuárias (usam os dados gerados) como produtoras (produzem os dados gerados) de dados estatísticos e têm enorme relevância para a sociedade. 39 • Módulo 2 Fontes primárias de informações são informações produzidas diretamente pelos autores da informação. Exemplificando: no cenário de crime, as informações primárias seriam os relatos de testemunhas, da vítima, de policiais e o inquérito policial. 1805 INGLATERRA 1830-1840 Monitoramento anual da situação carcerária do país. Classificação dos crimes por categorias: crimes contra as pessoas; contra a propriedade com atos de violência e sem violência; contra a propriedade com a finalidade de destruição; contra a moeda, a segurança e tranquilidade públicas. Sistema de Informação em Segurança Pública Segundo Lima (2005), a França, em 1803 (quatorze anos após a deflagração da Revolução Francesa), foi pioneira na coleta regular de dados das cortes criminais como instrumento de auxílio à administração pública. Desde então, diversos países passaram a criar formas de monitoramento e aprimoramento de seus dados criminais. A recente utilização de tecnologias informacionais na sistematização de dados tem diminuído as desconfianças com relação à validade e legitimidade das fontes primárias de informações. Sabendo da relevância da utilização de dados para as investigações criminais, você poderá conhecer mais adiante um pouco mais sobre a evolução desses sistemas de informações em países como Inglaterra, França, Portugal, Alemanha, Estados Unidos e Brasil. Começaremos falando da Inglaterra, que, segundo Lima (2005), já em 1805 passou a monitorar a situação carcerária do país de modo sistematizado. Veja na figura a seguir. Sistema de Informação em Segurança Pública40 • Módulo 2 1856 1857 1895-1899 Ato para Polícias Municipais (“Borough Police Act”); compilação de informações fornecidas pelo Ministério do Interior, pela Corte de Apelação Criminal, pelo Procurador Geral, pela Polícia e por outras fontes, tanto na Inglaterra como no País de Gales. Publicação das estatísticas criminais, com uso de dados policiais, judiciais e prisionais referentes ao ano de 1856. Produção de relatórios interministeriais, associando registros administrativos e “comprehensive surveys”, chamados por Lima de “embriões das pesquisas de vitimização recentes” (LIMA, 2005, p. 47). Chancelaria de Paris publica o “Balanço Geral” (“Compte general”) de monitoramento das atividades básicas das instituições de justiça. Período de coleta de estatísticas judiciárias pelo Ministério Público da França. Publicação de ofícios circulares, a fim de discutir e padronizar as informações coletadas. Publicação por parte da Chancelaria de Paris, de carta circular demandando a atualização do sistema desde 1826. Atualmente são produzidos dois relatórios anuais na Inglaterra: o Relatório Anual dos Comissários das Prisões, com estatísticas sobre pessoas presas nos estabelecimentos prisionais e reformatórios; e o Relatório Anual da Polícia Metropolitana, com informações sobre crimes e estrutura de polícia. Já na França, os sistemas de informações criminais começaram com a coleta de estatísticas judiciárias feitas pelo Ministério Público em 1825, passando por diversas adaptações até a adoção da tecnologia como uma posição de destaque na produção de estatísticas criminais. Veja na figura a seguir. Figura 1: Evolução de informações criminais na Inglaterra. Fonte: labSEAD- UFSC (2019). FRANÇA 1825-1968 1825-1989 1826 1905 Sistema de Informação em Segurança Pública41 • Módulo 2 Instituto Nacional de Estatísticas da França (INSE) responsável pela produção de estatísticas criminais. Tecnologia passa a ocupar uma posição de destaque na produção de estatísticas criminais na França. Centro de Pesquisas Sociológicas sobre o Direito e Instituições Penais (CESDIP) constitui a base de estatísticas criminais de 1931 a 1981, com fontes e instituições diversas, incluindo contagens de crimes e de criminosos. 1949 1955 1989 Figura 2: Evolução dos sistemas de informações criminais da França. Fonte: labSEAD-UFSC (2019). Você pôde observar que, no período de 1825 a 1968, a chancelaria de Paris publicou o Balanço Geral de monitoramento das atividades básicas das instituições de justiça, utilizando as estatísticas do Ministério Público francês como fonte para a geração de tabelas e quadros estatísticos nacionais, inclusive com estratificação por áreas geográficas. É importante salientar que, em 1826, mesmo após iniciada a publicação recorrente de ofícios circulares com o objetivo de discutir e padronizar as informações coletadas, a falta de preocupação específica com as fontes de informação fez com que essas circulares e os dados coletados fossem questionados continuamente. Segundo Lima (2005), é oportuno apontar que em 1949 o Instituto Nacional de Estatísticas da França (INSE) começou a se responsabilizar pela produção de estatísticas criminais, incluindo o controle cadastral de antecedentes e impedimentos eleitorais dos condenados pela justiça. O INSE passou a utilizar a tecnologia disponível para padronizar documentos, categorias e regras de classificação de fatos. Sistema de Informação em Segurança Pública42 • Módulo 2 Após o ano de 1955, a tecnologia passou a ocupar posição de destaque na produção de estatísticas criminais na França e reforçou o debate sobre validade e legitimidade dos dados relativos à essa área. Em 1989, o Centro de Pesquisas Sociológicas sobre o Direito e Instituições Penais (CESDIP) criou uma base de estatísticas criminais francesas, datadas de 1931 a 1981, incluindo a contagem de crimes e criminosos, porém distribuída em várias fontes e instituições. Continuando a apresentação da evolução dos sistemas de informações criminais no mundo, vamos falar agora de Portugal, que passou a compilar suas informações criminais a partir de 1835, evoluindo para o monitoramento de dados em diversas regiões do país, conforme apresentado na linha do tempo a seguir. PORTUGAL Compilação de informações pelo Ministério dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça (MNEJ) junto aos tribunais de apelação ou recursos referentes a diversas categorias criminais. Escrivães de diferentes comarcas devem produzir mapas criminais (a serem compilados pelo MNEJ), a fim de simplificar o processo de coleta de informações. Juízes de primeira instância passam a ser obrigados a produzir compilações anuais das causas em que atuam, categorizadas por ato judiciário realizado. Criou-se a repartição de estatística ligada ao MNEJ, que reuniria dados sobre crimes, prisões e movimentos forenses. 1835 1839 1842 1859 Figura 3: Evolução dos sistemas de informações criminais em Portugal. Fonte: labSEAD- UFSC (2019). Observamos que em 1835 o Ministério dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça (MNEJ) compilava informações junto aos tribunais de apelação ou recursos referentes às categorias criminais. É importante destacar, para quem desejar se aprofundar no assunto, que, segundo Lima (2005), essas categorias eram: Sistema de Informação em Segurança Pública43 • Módulo 2 Grupos sociais, ou seja, conjunto de pessoas que desempenham a mesma função social ou que possuem a capacidade de influenciar um determinado setor. • Delitos públicos por abuso de liberdade de imprensa. • Delitos públicos de qualquer outra natureza. • Crimes particulares por abuso de liberdade de imprensa. • Crimes particulares de qualquer natureza. • Ações ativas e passivas do Ministério Público. • Execuções da Fazenda Pública. • Causas ocorridas nos juízos de conciliação. • Causas cíveis. Nessa época, eram também coletados mapas referentes às causas ocorridas em juízo e no Tribunal de Polícia Correcional de estamentos diversos (de Lisboa e Porto). Também cabe destacar que, de acordo com a representação na figura anterior, em 1859, depois de um intenso debate sobre a validade, celeridade e confiabilidade dos dados coletados (iniciado no ano anterior), criou-se uma repartição de estatística ligada ao MNEJ, que reuniria dados sobre crimes, prisões e movimento forense. Segundo Lima (2005), as estatísticas previstas sobre movimento forense, crimes e criminosos, eram agregadas em seis grupos: crimes contra a religião e abuso de funções religiosas; crimes contra a segurança do Estado; crimes contra a ordem e a tranquilidade públicas; crimes contra as pessoas; crimes contra a propriedade; e provocação pública ao crime. Além disso, também havia interesse na observação das causas, meios e formas de execução dos crimes contra a vida. O Gabinete do Ministério da Justiça monitora e disponibiliza permanentemente dados sobre várias regiões de Portugal, os quais ainda sofrem distorções devido à baixa cultura estatística no país (LIMA, 2005). Sistema de Informação em Segurança Pública44 • Módulo 2 Na Alemanha, em 1871, como as forças policiais já detinham poderes sobre todas as esferas da vida de seus cidadãos, foi implementado um sistema denominado Meldewesen, por meio do qual a polícia de Berlim gerenciava os dados de todas as dimensões da vida cotidiana de sua população, como demonstrado na linha do tempo a seguir. ALEMANHA Forças policiais implementam o sistema “Meldewesen”, que visava o controle da vida cotidiana da população. Criado o escritório imperial de estatísticas, responsável por unificar os dados oficiais das estatísticas prisionais (condenados) e judiciais (atividades das cortes). 1871 1872 Figura 4: Evolução dos sistemas de informações criminais na Alemanha. Fonte: labSEAD-UFSC (2019). Atualmente, o sistema de produção e coleta de dados alemão já não está centralizado numa única agência, mas em ações de diferentes atores institucionais com dados integrados, que alimentam e passam por análise das forças policiais para a sua utilização. Já nos Estados Unidos, a utilização de dados para as investigações criminais surge em 1880 com o primeiro censo que gerou informações confiáveis e completas sobre crimes e criminosos, conforme apresentado a seguir. ESTADOS UNIDOS Primeiro censo com informações mais completas sobre crimes e criminosos. Bureau publica estatísticas de prisioneiros federais. Surge dados do Bureau Federal de Prisões da Infância. O FBI (Federal Bureau of Investigation), ou Departamento Federal de Investigação, começa a computar os Registros Unificados de Criminalidade (UCR, em inglês). 1880 1929 1926 1930 Sistema de Informação em Segurança Pública45 • Módulo 2 Em parceria com o trabalho do FBI, duas divisões do governo federal atuam produzindo dados estatísticos sobre a criminalidade no país: o Bureau do Censo e o Bureau de Infância do Departamento do Trabalho. Duas ferramentas de coleta de dados permitem visão mais ampla da criminalidade: o Survey Nacional de Vitimização pela Criminalidade e os UCRs. 1933 2000 Figura 5: Evolução dos sistemas de informações criminais nos Estados Unidos. Fonte: labSEAD-UFSC (2019). Como visto, segundo Lima (2005), no ano de 1880, os Estados Unidos elaborou o primeiro censo que trouxe informações mais completas sobre crimes e criminosos e uma parte especial da pesquisa sobre “pauperismo e crime”. Já em 1926, os dados do Bureau da Infância referentes a estatísticas sobre casos judiciais envolvendo jovens passam a compor um esforço federal de mensuração criminal, capitaneado pelo Bureau do Censo e agências estaduais. Em 1930, o FBI começou a computar os Registros Unificados de Criminalidade (UCR). Esses registros foram desenhados em 1920 pela Associação Internacional de Chefes de Polícia, a fim de homogeneizar (uniformizar/padronizar) os dados coletados. Os UCR são produzidos pelas agências locais de segurança pública e compilados (reunidos/organizados) pelo FBI. É importante esclarecer que, em 1933, além do trabalho do FBI com os UCRs, duas outras divisões do governo federal atuaram produzindo dados estatísticos sobre a criminalidade no país: o Bureau do Censo, com registros de prisões, e o Bureau de Infância do Departamento do Trabalho, com registros dos crimes juvenis. Importante ressaltar que, nesse período 56% dos estados norte-americanos, em razão do modelo federativo do país, ainda não produziam estatísticas criminais. Pauperismo e crime significa o quanto e como a pobreza influencia na prática de crimes. Sistema de Informação em Segurança Pública46 • Módulo 2 Após os anos 2000, duas ferramentas de coleta de dados passam a permitir uma visão mais ampla dos fenômenos criminais nos Estados Unidos. Essas duas ferramentas são: o Survey Nacional de Vitimização pela Criminalidade (NCVS), que, como nome indica, mapeia a vitimização da população com idade superior a 12 anos, e os UCRs, que registram e mapeiam as ofensas. Agora, vamos conhecer sobre o processo evolutivo de como o Brasil passa incorporar em sua agenda os sistemas de informações criminais. Você sabia que o nosso país passou a adotar sistemas de informações criminais ainda no período imperial? Sim, foi com a publicação da Lei n.º 2.033, de 1871, que deu origem às instituições policiais separadas do Judiciário e também criou o inquérito policial, como parte do processo de burocratização do Império. Veja, a seguir, o processo evolutivo do sistema de informações criminais. BRASIL Período de dificuldades envolvidas nos processos de mensuração dos dados. Instituído por decreto o Censo Geral do Império e o Registro Civil de Nascimento e Óbitos. Publicação da Lei n.º 2.033 de 1871. Publicação do Decreto n.º 7.001, que detalha variáveis e cruzamentos de informações a serem observadas no fornecimento de estatísticas ao Governo Imperial. Início da inserção dos boletins individuais (BIs) no Código de Processo Penal (CPP, art. 809). Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) passa a fazer coleta mensal de estatísticas de ocorrências registradas pelas polícias civis. Criado o Conselho Nacional de Estatística pelo o decreto n.º 1.200. 1822 - 1889 1851 1871 1878 1941 2001 1936 Sistema de Informação em Segurança Pública47 • Módulo 2 Coleta de dados mensais das polícias civis (iniciada em 2001) tem seu processo de envio informatizado através do Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança Pública e Justiça Criminal (SINESPJC). Instituída a Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Rede INFOSEG). Promulgação da Lei n.º 12.681/2012, que institui o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas (SINESP). Promulgação da Lei n.º 13.675/2018, que institui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), altera dispositivos da Lei nº 12.681/2012 e renomeia o SINESP. 2004 2007 2012 2018 Figura 6: Evolução dos sistemas de informações criminais no Brasil. Fonte: labSEAD-UFSC (2019). Segundo Lima (2005), o período de 1822 a 1889 registra enormes dificuldades envolvidas nos processos de mensuração dos dados da realidade no período do Império, que vão desde a falta de legitimidade dos órgãos legalmente responsáveis até a inexistência de parâmetros de coleta primária e sistematização de dados. Depois, em 1989, o primeiro período Republicano (1889 a 1930) continuou passando por males semelhantes. De acordo com a figura anterior, em 1851, foram instituídos, por decreto, o Censo Geral do Império e o Registro Civil de Nascimento e Óbitos, passando para o Estado incumbências que antes eram exercidas pela Igreja Católica, bem como agrupando escravos e cidadãos num mesmo registro. Em 1871, com a publicação da Lei n.º 2.033, como parte do processo de burocratização do Império, foram criadas as instituições policiais separadas do Judiciário e também foi criado o inquérito policial, conforme dito anteriormente. No ano de 1878 foi publicado o Decreto n.º 7.001, que detalhava variáveis e cruzamentos de informações a serem observadas no fornecimento de estatísticas ao Governo Imperial. Sistema de Informação em Segurança Pública48 • Módulo 2 O Decreto n.º 7.001 de 1978 diferenciava as estatísticas policiais das estatísticas judiciais. O fluxo das informações que era anual iniciava nas chefaturas (chefias) de polícia e nos mapas gerais de estatística policial, e seguia para os secretários de justiça e presidentes de Província e destes, para o governo imperial. Estatísticas judiciais eram produzidas de maneira pulverizada por diversos atores. Em 1936, conforme indicado na figura anterior, foi publicado o Decreto n.º 1.200 (já revogado), que criou o Conselho Nacional de Estatística e estabeleceu, segundo LIMA (2005), na assembleia geral, como atribuição, a proposta de se adotar medidas para otimizar e viabilizar a realização de estatísticas dentro do território brasileiro, bem como sua divulgação posterior, incluídas várias áreas de atuação do Estado. Dentre essas várias áreas de atuação, encontrava-se naturalmente a segurança pública, cuja gestão de estatísticas de crimes e contravenções cabia à Diretoria de Estatística Geral do Ministério da Justiça. Em 1941 teve início a inserção dos boletins individuais (BIs) no Código de Processo Penal (CPP, Art. 809). Conforme Lima (2005), esses boletins individuais tinham o objetivo de integrar a apuração de estatísticas criminais, policiais e judiciais numa perspectiva longitudinal, ou seja, em mais de um momento ao longo do tempo. Foi uma tentativa de articular as instituições de segurança, justiça, estatística e identificação civil. No ano de 2001, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), passa a coletar mensalmente estatísticas de ocorrências registradas pelas polícias civis, retroativas ao ano de 1999. Sistema de Informação em Segurança Pública49 • Módulo 2 Ainda no ano de 2001, ocorreu a primeira pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública, com o objetivo de traçar o perfil organizacional das instituições
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