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/ Tradução Vera Pereira t Revisão técnica José Tavares C o rre ia de L ira e J o a n a M e llo UMA NOVA AGENDA PARA A ARQUITETURA A N TO LO G IA TEÓRICA 1 9 65 -1 9 9 5 I KATE NESBITT (ORG.) C O S A C N A IFY 9 Agradecimentos 11 Prefácio 15 Introdução 89 capítulo 1 Pos-modernismo: as respostas da arquitetura à crise do modernismo 91 Complexidade e contradição cm arquitetura: t rechos selecionados de um livro em preparação (1966) robert venturi 95 O pós-fimeionalismo (1976) peter eishnman 101 Argumentos em favor da arquitetura figurativa (1982) michael graves 108 A pertinência da arquitetura clássica (1989) demetri porphyrios 115 Nonos rumos da moderna arquitetura norte-americana: Pós-escrito no limiar do modernismo (1977) robert a . m. stern 127 capitulo 2 Semiótica e estruturalismo: 0 problema da significação 129 Semiótica e arquitetura: consumo ideológico ou trabalho teórico (1973) DIANA AGREST E MARIO GANDELSONAS 141 l Tm guia pessoal descomplicado da teoria dos signos na arquitetura (1977) GEOFFREY BROADBEXT 163 capítulo 3 Pós-estruturalismo e desconstrução: os temas da originalidade e da autoria 165 Ima arquitetura onde o desejo pode morar (1986) - Entrevista de jacques DERRIDA a EVA MEYER 172 Arquitetura e limites 1 (1980) bernard tschumi 177 Arquitetura e limites 11 (1981) bernard tschumi 183 Arquitetura e limites ui (1981) bernard tschumi 188 Introdução: Notas para uma teoria da disjunção arquitetônica (1988) BERNARD TSCHUMI 191 A arquitetura e o problema da figura retórica (1987) peter eisenman 199 Derrida e depois (1988) robert mugerauer 221 Três tipos de historicismo (1983) alan colquhoun 232 O fim do clássico: o fim do começo, o fim do fim (1984) peter eisenman 252 Do contraste à analogia: novos desdobramentos do conceito de intervenção arquitetônica (1985) ignasi de solà-morales rubió 265 capítulo 5 Tipologia e transformação 267 Sobre a tipologia em arquitetura (1963) giulio carlo argan 273 Tipologia e metodologia de projeto (1967) alan colquhoun 284 A terceira tipologia (1976) anthony vidler 291 capítulo 6 A teoria urbana depois do modernismo: contextualismo, Main Street e outras ideias 293 Cidade-colagem (1975) colin rowe e fred koetter 322 Contextualismo: ideais urbanos e deformações (1971) thomas l. schumacher 337 Uma significação para os estacionamentos dos supermercados A&P, ou Apren: dendo com Las Yfegas (1968) robert venturi e denise scott brown 355 Pós-escrito: introdução à nova pesquisa sobre UA cidade contemporânea” (1988) REM KOOLHAAS 357 Por uma cidade contemporânea (1989) rem koolhaas 361 Para alem do delírio (1993) Rem koolhaas 369 capítulo 7 A Escola de Veneza 371 Território e arquitetura (1985) vittorio g.regotti 377 Uma arquitetura analógica (1976) aldo rossi 384 Reflexões sobre meu trabalho recente (1976) aldo rossi 388 Problemas à guisa de conclusão (1980) manfredo tafuri 219 capí tulo 4 Historicismo: o problema da tradição 401 Comunitarismo e emotivismo: duas visões antagónicas sobre ética e arquitetura (1993) Philip bess 415 A arquitetura da fraude (1984) diane ghirardo 423 A função ética da arquitetura (1975) karsten harries 427 Projeto, ecologia, ética e a produção das coisas (1993) william mcdonough 438 Os princípios de Hannover (1992) william mcdonough architects 441 capítulo 9 Fenomenologia do significado e do lugar 443 O fenômeno do lugar (1976) christian norberg-schulz 461 O pensamento de Heidegger sobre arquitetura (1983) christian norberg-schulz 474 Uma leitura de Heidegger (1974) kenneth frampton 481 A geometria do sentimento: um olhar sobre a fenomenologia da arquitetura (1986) JUHANI pallasmaa 491 capitulo 10 Arquitetura, natureza e espaço construído 493 Por novos horizontes na arquitetura (1991) tadao ando 498 Negação e reconciliação (1982) raimund abraham 501 capítulo 11 Regionalismo crítico: cultura local versus civilização universal 5 0 3 Perspectivas para um regionalismo crítico (1983) kenneth frampton 520 Por que regionalismo crítico hoje? (1990) alexander tzonis e liane lefaivre 533 capitulo 12 Expressão tectônica 535 O exercício do detalhe (1983) vittorio gregotti 538 O detalhe narrativo (1984) marco frascari 556 Rlippclà 1'ordre, argumentos em favor da tectônica (1990) kenneth frampton 399 capitulo 8 Agendas éticas e políticas 573 O prazer da arquitetura (1977) bernard tschumi 584 À margem da arquitetura: corpo, lógica e sexo (1988) diana 1. agrest 599 Visões que se desdobram: a arquitetura na era da mídia eletrônica (1992) PETER EISENMAN 609 capítulo 1 4 Definições contemporâneas do sublime 611 Eti Terror Firma: na trilha dos grotextos (1988) peter eisenman 617 Uma teoria sobre o estranhamente familiar (1990) anthony vidler 623 Bibliografia 6 3 5 Sobre os autores 645 índice remissivo 6 6 3 Fontes das ilustrações 571 capí tulo 13 Feminismo, gênero e o problema do corpo Agradecimentos Esta antologia não teria sido realizada sem a ajuda de muitas pessoas, cujo apoio tenho o prazer de agradecer. Gostaria de expressar minha profunda gratidão aos autores e ilustradores que generosamente permitiram a publicação de seus trabalhos neste livro. Agradeço aos editores pela autorização para reproduzir os ensaios, principalmente a Mary Uscilka e Sarah Miller da mit Press; Maggie Toy, da Academy Editions; Kristin M. Jones, da Artforum International; e Kim Tyner, do Museu de Arte Moderna. Sou especialmente grata a Kevin Lippert e Allison Salzman, da Princeton Architectural Press, pelo estímulo e por terem acreditado no valor de uma antologia deste gênero. Jack Robertson e Lynda White, funcionários do sistema de bibliotecas da Universi dade da Virgínia; Christie D. Stephenson, da Fiske-Kimball Fine Arts Library; e David Seaman, da Alderman Library, foram particularmente prestativos em me ajudar com seus conhecimentos especializados. Agradeço a Ken Schwartz e Peter Waldman, respectivamente ex-chefe e atual chefe do Departamento de Arquitetura da Universidade da Virgínia, pela confiança que em mim de positaram, pela indicação de alunos de pós-graduação para trabalharem como meus assis tentes e pela licença de atividades docentes que me concederam em dois momentos cruciais do desenvolvimento deste projeto. Ao American Institute of Architects devo a concessão de uma bolsa para estudos avançados, com a qual pude financiar os gastos do último ano de pesquisa e redação, e à Vice-Reitoria de Pesquisa da Universidade da Virgínia, um auxílio financeiro para as despesas de preparação dos originais. Durante os últimos quatro anos, tive a oportunidade de travar fecundas discussões com meus colegas da Escola de Arquitetura. Sou especialmente grata a Robert Dripps, Edward Ford, Judith Kinnard, Dean William McDonough, Elizabeth K. Meyer, Peter Waldman, Camille Wells, C. William Westfall e Richard Wilson, por dividirem comigo suas ideias. Professores de outros departamentos da Universidade da Virgínia, Ralph Cohen, Dean Dass, Rita Felski e Alan Megill, dispuseram-se gentilmente a suprir pon tos de vista interdisciplinares. Gostaria de expressar minha sincera gratidão a Kenneth Frampton, Joan Ockman e M ary McLeod, da Universidade de Columbia, e a Michael Hays, da Universidade 9 de Harvard, por seus comentários sobre a escolha dos temas e dos ensaios. Muitos autores que participaram deste livro fizeram importantes comentários e ofereceram perspectivas históricas com relação aos seus trabalhos; quanto a isso, agradeço espe cialmente a Diana Agrest, Philip Bess, Geoffrey Broadbent, Peter Eisenman, Mario Gandelsonas, Michael Graves, Liane Lefaivre, Juhani Pallasmaa, Demetri Porphyrios, Colin Rowe, Thomas L. Schumacher, Bernard Tschumi e Alexander Tzonis. Alan Plattus e David Rodowick, que me iniciaram na teoria arquitetônica contemporânea e na teoria literária, respectivamente, no curso de pós-graduação da Universidade de Yale, contribuíram significativamente para o desenvolvimento do meu pensamento.As aulas de teoria de Anthony Vidler no Instituto de Arquitetura e Estudos Urbanos continuam a ser uma inspiração para mim. Alguns colegas e amigos leram partes do manuscrito. Agradeço a Joseph Atkins, Lily Chi, Ellen Dunham-Jones, Allison Ewing, Marc Hacker, Barbara Judy, Andréa Kahn, Hope Mauzerall, Kevin Murphy, Kent Puckett e William Sherman pelas valio sas sugestões. Meus alunos dos cursos de teoria compartilharam comigo o entusiasmo pelo as sunto e muitos se dispuseram a dedicar parte do seu tempo a me ajudar nos mais diversos aspectos do projeto. Sou profundamente grata a Whitney Morrill, Adonica Inzer, Chrysanthe Broikos, Lotte Sorensen, Jessie Chapman, Brian Jonas e Azadeh Rashidi pela colaboração na preparação dos originais. Um agradecimento especial vai para Janet Cutright, secretária do Departamento de Arquitetura, que corrigiu o ma nuscrito com grande competência e dedicação. Algumas dívidas são mais difíceis de expressar. É com grande satisfação que dedico este livro a meu pai, George Nesbitt, cujo amor pelo saber tem sido para mim um exemplo, e ao Frank, por sua paciência e apoio permanentes. Prefácio A publicação em 1966 do livro de Robert Venturi Complexidade e contradição em ar quitetura1 mudou radicalmente a atitude das pessoas em relação à arquitetura moderna. Publicado com o selo do Museu de Arte Moderna de Nova York, esse livro sozinho abriu uma caixa de Pandora de estudos sobre a história da arquitetura nos Estados Unidos e no exterior, ao procurar determinar princípios formais para orientar e enri quecer o projeto arquitetônico no mundo contemporâneo. Por ironia, a mesma insti tuição que patrocinara a difusão da moderna arquitetura europeia nos Estados Unidos, sob a bandeira do Estilo Internacional, liderou sua rejeição. Em meados dos anos 60, a arquitetura se reduzira a repetições convencionais das obras canônicas do movimento moderno, a utopias tecnológicas e a fantasias expressionistas. Muitos outros arquite tos contribuíram para a crítica do modernismo, alguns aceitando e outros se rebelan do contra as ideias de Venturi. Foi uma fase de intenso debate teórico, que se caracteri zou por uma extraordinária onda de publicações de livros e artigos versando sobre a questão da crise da arquitetura. Durante esse período de reexame da disciplina (e da modernidade cultural), in tensificou-se a influência de paradigmas externos à arquitetura, principalmente os provenientes da literatura, como a semiótica e o estruturalismo. A fenomenologia e as teorias da comunicação acrescentaram novos modos de abordar a crise do sentido na arquitetura. Em resposta ao ocaso de uma visão de mundo socialmente engajada, o marxismo italiano e a Escola de Frankfurt propuseram uma crítica política da arquite tura. Não havia uma teoria predominante, uma vez que os arquitetos acadêmicos bus cavam novos paradigmas de pensamento em outras disciplinas. Esse período pluralista de revisões pode ser denominado em geral como pós-moderno, um termo genérico e ambíguo, que será discutido na Introdução e, por inferência, nos ensaios posteriores. Esta antologia reúne 51 dos mais importantes ensaios sobre teoria da arquitetura escritos desde 1965. Várias coletâneas de fontes primárias versam sobre a arquitetura até 1963, mas no momento em que este projeto foi iniciado, 1993, não havia nenhuma an tologia que cobrisse os trinta anos que separam as duas datas. Coligindo num mesmo volume ensaios emblemáticos extraídos de dois livros e de 24 periódicos de sete países, 11 esta antologia reúne e põe à disposição do público interessado um material que se en contra disperso em inúmeras bibliotecas. A obra foi especificamente projetada para um público de arquitetos profissionais, estudantes e professores de arquitetura. Mas os leitores menos familiarizados com a teoria da arquitetura também poderão encontrar neste livro uma introdução aos temas e às teorias mais importantes das últimas três décadas. As questões discutidas são fundamentais para o entendimento dos rumos da arquitetura no passado recente e haverão de interessar a todos aqueles envolvidos com a análise e crítica da produção cultural. Nas mãos de um grupo diversificado de leito res, esta antologia teórica poderá representar significativa contribuição para a pesquisa sobre a arquitetura desde o colapso do movimento moderno. O capítulo de Introdução contém uma detalhada exposição de minha visão da teo ria da arquitetura como catalisadora de mudanças na disciplina, tanto em seus aspec tos acadêmicos como profissionais. A teoria cumpre esse papel operando como um discurso paralelo e crítico em relação à prática. Os ensaios incluídos nesta antologia foram selecionados em função de sua capacidade de iluminar questões teóricas e estão agrupados em quatorze capítulos. A organização temática e paradigm ática dos capí tulos (em oposição a uma ordenação cronológica) visa tornar claras as relações subs tantivas entre diferentes manifestos e polêmicas. Com a finalidade de ressaltar essas conexões, cada ensaio é precedido de uma introdução. Em virtude da complexidade e multiplicidade de perspectivas teóricas, tornou-se indispensável uma apresentação coerente dos argumentos, e essa é a fimção da estrutura escolhida. Cabe notar, porém, que muitos ensaios poderiam perfeitamente fazer parte de mais de um capítulo. Não vejo esse fato como uma falha de estruturação da obra, mas como um indicador da natureza intertextual da teoria arquitetônica pós-moderna. Os primeiros oito capítulos abordam questões relacionadas com significado, his tória e sociedade. Os capítulos de 9 a 12 tratam dessas mesmas questões a partir de um enfoque fenomenológico, às vezes sutil, enfatizando a natureza, o lugar e a tectônica. Por último, a antologia procura destacar as novas questões levantadas nos estudos pós-modernos sobre arquitetura. Assim, os capítulos 13 e 14 contêm especulações so bre o problema do corpo e sua experiência da arquitetura. As últimas seções do livro incluem informações sobre os autores reunidos na obra, as fontes das ilustrações, uma bibliografia organizada por capítulo e um índice analítico. Meu interesse por esse projeto nasceu com meus estudos sobre teoria da arquitetu ra, teoria literária e teoria do cinema na Universidade de Yale, no Instituto de Arquite tura e Estudos Urbanos (de Nova York) e na Universidade de Copenhague. Desde que comecei a trabalhar na Escola de Arquitetura da Universidade da Virgínia, leciono em cursos introdutórios sobre teoria e coordeno seminários avançados sobre o mesmo tema (Teorias do Modernismo 1800-1945 e Teoria da Arquitetura Contemporânea: de 1965 ao Presente). Essas experiências acadêmicas me levaram a perceber a necessidade 12 de uma antologia sobre teoria contemporânea, embora ainda seja evidentemente m ui to cedo para fazer uma avaliação da bibliografia sobre esse período. (Serviu-m e de es tímulo o fato de colegas no campo das artes plásticas, da literatura e da crítica cultural já terem procurado avaliar as ideias que virão a ser importantes no longo prazo. Há coletâneas populares nessas áreas: por exemplo, a excelente Art in Theory: 1900 to 1990, organizada por Harrison e Wood, publicada em 1993.) A necessidade de concisão e densidade, que caracteriza o formato de antologia, li mitou o tamanho deste livro. Por isso, os textos escolhidos não esgotam os assuntos e há inevitáveis omissões de estrutura e conteúdo. Dada minha formação e meus in teresses (teoria linguística, psicanálise), há uma preferência por estudos de âmbito interdisciplinar. Além disso, procurei incluir ensaios de autores que têm uma produção teórica bastante numerosa e influente. Esta antologia teórica não tem o objetivo de expor críticas a obras específicas, e a maioria dos textos selecionados dispensa a apre sentação de imagens ilustrativas. Este livro pretende ser um incentivo ao aprofundamentoda leitura, discussão e avaliação desse período tão instigante da história da arquitetura, e eu espero que pro porcione uma base para a compreensão das novas questões que vêm despontando neste final de milênio. K A T E N ESB1TT Charlottesville, Virgínia 1995 1. Robert Venturi, Complexidade e contradição em arquitetura, trad. Álvaro Cabral. Seio Paulo: Martins Fontes, 2000. 13 KATE NESBITT Introdução PARTE I: A NECESSIDADE DA TEORIA A teoria da arquitetura é um discurso sobre a prática e a produção da disciplina, que aponta para seus grandes desafios. Tem pontos em comum tanto com a história da arquitetura, que estuda as obras do passado, como com a crítica, esta atividade específica de julgamento e interpretação de obras existentes segundo os critérios assumidos pelo crítico ou pelo arquiteto. Mas a teoria da arquitetura se distingue dessas duas atividades, pois oferece soluções alternativas a partir da observação da situação corrente da disciplina e propõe novos paradigmas de pensamento para o tratamento de seus problemas. A natureza especulativa, antecipatória e catalisadora da atividade teórica distingue-a da história e da crítica. A teoria trabalha em vários níveis de abstração, avaliando a arquitetura como profissão, as intenções dos arqui tetos e sua relevância cultural em geral. Ela se ocupa tanto das aspirações da profis são como de suas realizações práticas. É possível identificar ao longo da história da arquitetura a recorrência de certas problemáticas que demandam soluções tanto conceituais como físicas. As questões físicas são resolvidas à luz da tectônica, enquanto as questões concei tuais ou intelectuais são problematizadas pela filosofia. Entre os assuntos teóricos permanentes estão os das origens e limites da arquitetura, de sua relação com a história e os problemas relativos ao seu significado e expressão cultural. Novas teorias surgem para oferecer uma explicação aos aspectos não examinados ou não explicados da disciplina. Uma visão geral da teoria da arquitetura nos últimos trinta anos mostra que uma multiplicidade de questões tem disputado a atenção dos estudiosos. De fato, uma das características do período pluralista imprecisamente designado de pós-moderno é a inexistência de um tópico ou de um ponto de vista predominante. Todas as tendências contraditórias coexistentes no pós-modernismo mostram claramente um desejo de ultrapassar os limites da teoria modernista, inclusive do formalismo e dos princípios do funcionalismo (“a forma segue a função” ), a necessidade de uma “ ruptura radical” com a história e a expressão “ honesta” da estrutura e do material. De modo geral, a teoria pós-moderna da arquitetura trata de uma crise de sentido na disciplina. Desde meados dos anos 6o, a teoria vem se caracterizando pela interdisciplinaridade e pelo recurso a um amplo espectro de paradigmas críticos. Este livro, cujo título original é 15 Theorizing a New Agenda for Architecture [Teorizando uma nova agenda para a arqui tetura],1 propõe-se fazer uma revisão do modernismo e para isso recorre a diversas abordagens: políticas, éticas, linguísticas, estéticas e fenomenológicas. Embora o termo “pós-modernismo” somente seja mencionado no título do pri meiro capítulo, é este o objeto central e o ponto de referência de todo o livro. Espero deixar bem claro que o pós-modernismo não é um estilo singular, mas, antes, a per cepção de integrar um período marcado pelo pluralismo. Refletindo essa inclinação, os ensaios teóricos incluídos nesta antologia são representativos de uma diversidade de pontos de vista e não de uma irrealista visão unificada. Em certos casos, esta Intro dução menciona perspectivas não representadas na antologia, de modo a ampliar o contexto da discussão. Procurei construir um discurso coerente a partir de textos fragm entários m e diante a adoção, no livro, de uma estrutura temática e paradigmática. Os quatorze capítulos e as introduções aos 51 ensaios servem para contextualizar o tratamento de um material heterogêneo e para facilitar o entendimento das complexidades do pós- -modernismo. Optei por não usar uma estrutura cronológica, que poderia ser útil para registrar a sequência histórica de publicação dos ensaios, porque preferi estabele cer as conexões entre as temáticas e as posições dos diversos autores, países e décadas. Os temas e paradigmas teóricos escolhidos para dar título aos capítulos são objetos recorrentes nos estudos sobre o pós-moderno. Certamente há inter-relações, e muitos ensaios bem caberiam sob mais de um título. Em conjunto, os temas e paradigm as escolhidos pretendem traçar um perfil do ambiente intelectual predominante na ar quitetura desde 1965 e facilitar a comparação entre diferentes visões históricas sobre as mesmas problemáticas. Na segunda parte desta Introdução, voltarei a tratar dos importantes temas e para digmas pós-modernos que organizam os capítulos. Nesta primeira parte, a discussão sobre os vários tipos de teoria e sobre a finalidade geral dos tratados tem o objetivo de situar as contribuições mais recentes dos autores ao corpo histórico da teoria. PARTE 1 A: TIPOS DE TEORIA As teorias podem ser caracterizadas pelas várias maneiras de apresentar seu objeto: na maior parte das vezes, elas são prescritivas, proscritivas, afirmativas ou críticas. Nenhuma assume uma postura descritiva “ neutra” . Um historiador convencional, por exemplo, pode muito bem mostrar como outros abordaram as questões rele vantes do momento sem defender explicitamente uma posição em particular. Esse tipo de história descritiva pode às vezes propor explicações para os fenômenos com base na correlação estrita entre fatos, por exemplo, a introdução de novas tec nologias produzindo mudanças na concepção dos projetos. O livro de Nikolaus Ifi Pevsner Os pioneiros do desenho m oderno2 é um bom exemplo de abordagem des critiva convencional. A teoria prescritiva oferece novas soluções, ou ressuscita antigas soluções, para problemas específicos, estabelecendo novas normas para a prática; ela propõe padrões positivos e, inclusive, às vezes, uma nova metodologia de projeto. Esse tipo de teoria pode ser crítico (e mesmo radical) ou confirmar o status quo (isto é, conservador). Em ambos os casos, tende a assumir um tom polêmico. As proposições de Michael Graves, em “Argum entos em favor da arquitetura figurativa” (cap. 1), e de William M cDonough, em “ Os princípios de Hannover” (cap. 8), são claramente prescritivas. Enquanto o prim eiro ensaio sugere uma volta aos ideais humanistas, o segundo é um manifesto ecológico. A teoria proscritiva se assemelha muito à prescritiva, mas se distingue desta por que seus padrões estabelecem o que deve ser evitado no projeto. Em termos proscriti- vos, a boa arquitetura ou o bom urbanismo são aqueles que se definem pela ausência de atributos negativos. Nesse sentido, o zoneamento funcional é um exemplo de teoria proscritiva, como também o é o código de construções da cidade de Seaside, Flórida, elaborado pelo escritório de arquitetura de Andrés Duany e Elizabeth Plater-Zyberk. Caso típico de teoria instrumental conservadora, esse código dispõe sobre a qualidade adequada, limitando as escolhas de materiais e de estilos, o alinhamento e a volumetria das edificações. A teoria crítica, mais abrangente que as anteriores, avalia o mundo construído e suas relações com a sociedade a que serve. De natureza tipicamente polêmica, a teoria crítica muitas vezes contém uma orientação política ou ética explícita e tem a intenção de estimular mudanças. Entre as muitas orientações possíveis, a teoria crítica pode fundamentar-se ideologicamente no marxismo ou no feminismo. Um bom exemplo é o “ regionalismo crítico” do arquiteto e ensaísta Kenneth Frampton, que propõe uma resistência à homogeneização do ambiente visual pelo respeito às peculiaridades da tradição construtiva local. A teoriacrítica é especulativa, questio- nadora e às vezes utópica. PARTE I B: A FINALIDADE DO TRATADO TEÓRICO: DEFINIR 0 ESCOPO DA DISCIPLINA Os tratados teóricos se ocupam fundamentalmente das origens de uma prática ou de uma arte. Por exemplo, um tratado sobre edificações pode situar as origens do ato de cons truir na necessidade de obter abrigo. Um tratado sobre arquitetura pode situar as ori gens da prática disciplinar na imitação da natureza (tnimese) e na aspiração inata do homem a aperfeiçoá-la. Em seu Da arquitetura, Vitrüvio formula a hipótese de que o Homem, por ter “uma natureza imitativa e educável (...) evoluiu progressivamente da 17 construção de edifícios para outras artes e ciências” .3 Portanto, na visão de Vitrúvio, a arquitetura é a fonte e a matriz das belas-artes. Além de postularem uma origem legitimadora, os tratados às vezes estabelecem uma clara distinção entre a arquitetura, a matemática e as demais ciências no intuito de determinar a autonomia da primeira como disciplina. Além do problema das origens, o objeto fundamental dos tratados de arquitetura pode ser classificado em função dos seguintes aspectos: í. Os atributos de personalidade, formação e experiência profissional que um arquiteto deve possuir. Em meados do século xv, Alberti definiu “o que é que permite ser um arquiteto. Chamarei de Arquiteto àquele que souber, por meio de correta e maravi lhosa Arte e Método, com o Pensamento e a Invenção conceber e, com a Execução, levar a cabo todas aquelas obras que [...] com grande Beleza, podem acomodar-se aos usos dos homens” .4 2. Os atributos exigidos da arquitetura. Por exemplo, desde a redescoberta da obra de Vitrúvio, no Renascimento, sua célebre “tríade” - firmeza, comodidade e prazer5 - é usada como critério para a arquitetura. A tríade de Vitrúvio tem se mostrado difícil de substituir ou de superar. 3. Uma teoria do projeto ou do método de construção, compreendendo suas técni cas, partes constitutivas, tipos, materiais e processos. O Essay sur VArchitecture (i753)> do Abade Laugier, é um desses tratados que enfatizam a composição ade quada das partes. 4. Exemplos do cânone da arquitetura, cuja seleção e apresentação revelam a posição do autor com relação à história. O uso por Robert Venturi de exemplos típicos da arquitetura barroca e maneirista em Complexidade e contradição em arquitetura (1966) foi execrado na época, não obstante a força dos argumentos usados no livro. 5. Um posicionamento a respeito das relações entre teoria e prática. Os arquitetos Ber- nard Tschumi e Vittorio Gregotti representam duas visões distintas sobre esse tema fundamental. Para Tschumi,“a arquitetura não é uma arte ilustrativa; ela não ilustra teorias” .6 Seus ensaios sugerem que o papel da teoria é o de interpretar e provocar. Gregotti, por sua vez, insiste em considerar a “pesquisa teórica como fundamento direto da ação”7 no projeto arquitetônico. Uma questão muito controvertida é se a teoria deve ser um “conhecimento útil” , aplicável, e se ela deve determinar resultados previsíveis para o projeto arquitetônico. Se a teoria deve produzir resultados previsíveis, então a única aceitável é a de natureza prescritiva ou sua face inversa, a teoria proscritiva. (Não é por acaso que muitos dos que buscam obter resultados previsíveis se filiam a concepções neotradicionais da cidade e da arquitetura.) As duas faces dessa proposição são contestadas por teóricos pós-modernos, como Alberto 18 Perez-Gomes, para quem “a crença [moderna] de que a teoria tinha de ser validada por sua aplicabilidade [...] acabou reduzindo a verdadeira teoria à condição de uma ciência aplicada. (...) Essa ‘teoria* esquece o mito e o verdadeiro conhecimento e se preocupa ex clusivamente com o controle eficiente do mundo material” . 8 Em um ensaio sobre a obra do arquiteto e educador John Hejduk, Perez-Gomes de fende a eficácia crítica do projeto não construído, da “paper architecture” [arquitetura no papel]. Daniel Libeskind e Zaha Hadid são outros arquitetos contemporâneos cujos de senhos chamaram a atenção para seus autores (devido às novas características espaciais implícitas nos seus projetos). Exemplos mais antigos de projetos arquitetônicos de gran de significação são a monumental “arquitetura de sombras” de Étienne-Louis-Boullée e a série dos Cárceres de Piranesi, que confirmam a tese da pujança da ideia desenhada. De maneira geral, porém, o papel do projeto teórico na disciplina, e inclusive a possibilidade de entendê-lo como parte da arquitetura propriamente dita, é controverso. Além de definir as origens e o escopo da disciplina, a teoria lida com os seguintes temas, todos abordados nos ensaios reunidos nesta antologia: o significado, as teorias da história, a natureza, o lugar, a cidade, a estética e a tecnologia. A Segunda Parte desta Introdução apresenta um breve exame de cada um desses temas e questões, se guido de uma discussão mais detalhada do período pós-moderno e de sua problemá tica específica. Os problemas relacionados ao significado da arquitetura e à definição de sua es sência e limites são inerentes à questão das origens. Por exemplo, é comum dizer que a função, isto é, o uso programático do abrigo, singulariza a arquitetura e, portan to, define seu significado. Outros, contudo, alegam que a função de acomodação (no sentido literal da palavra) é a essência da construção, e não da arquitetura, cuja gama de intenções é mais ampla e comporta uma função simbólica. Essa distinção é funda mental para diversas definições das fronteiras da disciplina bem como para a consti tuição da arquitetura como arte, ciência, ofício e atividade intelectual. A produção de sentido na arquitetura tem sido frequentemente examinada à luz da “analogia linguística” . Comparações com a operação da linguagem suscitam as seguin tes indagações: que estruturas possibilitam compreender uma forma de expressão? O significado não depende de um processo de repetição do que é familiar? Se assim for, como o significado pode ser mantido quando há invenção e inovação? Pode haver significado na forma ou ele só está presente no conteúdo? Que conteúdo é apropriado para a arquitetura? Em virtude da durabilidade das construções, o teórico da arquitetura está sem pre esbarrando num condicionante histórico: a observação simultânea de obras que datam de épocas muito distantes no tempo. Isso impõe uma reflexão sobre nossa relação com a tradição da arquitetura. Que uso dar às experiências passadas de pro jeto e construção? A imitação é o melhor caminho para chegar a uma arquitetura 19 bela e comunicativa? Ou será que os padrões de beleza e percepção da forma se m o dificaram tanto que a mimese somente é capaz de produzir form as mudas? Qual a importância do estilo? Com o as mudanças tecnológicas afetam o uso de modelos tradicionais de construção? A teoria também trata da relação entre arquitetura e natureza conforme ela se ma nifesta na construção do local. Quanto a isso, as atitudes têm variado historicamente de uma relação de harmonia, comunhão e integração com a natureza a uma postura de hos tilidade e exploração. A maneira como o arquiteto concebe o território da sua atividade, o modo como o trabalho do projetista converte a natureza (o ermo) em paisagem (um artefato cultural) são em boa parte influenciados por paradigmas filosóficos e científicos. O que a paisagem, entendida numa acepção ampla para incluir situações urbanas, subur banas e rurais, deve representar enquanto lugar do homem na natureza? Convém igualmente refletir sobre o lugar de uma obra arquitetônica no contexto urbano. O que há de diferente em construir na cidade? Qual o papel e a contribuição do arquiteto na concepção do projeto para uma cidade, entendida como entidade fí sica, política, econômica e social? Na esfera pública, há uma noção de que cabe à ar quitetura o papel representacional, isto é, de encontraruma expressão simbólica para as instituições que definem a sociedade. Frampton escreveu que “a evolução do poder legítimo sempre se baseou na existência da pólis e de unidades comparáveis de forma institucional e física” .9 Que formas seriam essas? No processo de simbolização estão presentes ideias sobre a relação entre o individual e o coletivo, muitas vezes sugeridas por dispositivos de escala e pelo emprego de uma multiplicidade de elementos simila res numa construção. Mediante a projeção do corpo humano (símbolo da perfeição da natureza) em suas formas, a arquitetura alcança uma harmonia de proporções que remete à ques tão da escala e do indivíduo. Tanto na teoria renascentista como no Modulor de Le Corbusier, o corpo fornece um sistema de medidas comparativas inter-relacionadas que propicia uma experiência arquitetônica significativa. Será que esses sistemas de proporções, desenvolvidos abstratamente, são de fato perceptíveis? A estética proporciona critérios de beleza, entre os quais a proporção, a ordem, a unidade e a adequação. Em De re aedificatoria, Alberti afirma que a arquitetura deve emular a natureza de modo que nenhuma de suas partes possa ser retirada ou acrescentada sem comprometer a qualidade do todo. Essa declaração é um exem plo das doutrinas estéticas que caracterizam a teoria da arquitetura e suscitam as seguintes indagações: como se deve definir a beleza na atualidade? Que papel têm o ornamento e a decoração na beleza? O ornamento foi difamado por alguns pu ristas modernos, como Adolf Loos, que o considerava um elemento decadente e wum crime” . Terão o ornamento, a estrutura e os materiais funções importantes na construção do sentido? 20 Como afirmei ao discutir a inclusão do método nos tratados, o desenvolvimento das técnicas e os avanços tecnológicos são temas teóricos historicamente im portan tes na arquitetura. Os arquitetos do movimento moderno alimentavam grandes es peranças quanto às possibilidades de transformar a sociedade mediante a produção em massa de objetos e moradias econômicas. A teoria moderna depositou uma fé ilimitada na contribuição das revoluções cientifica e industrial para o bem-estar da humanidade. Hoje, partindo de nossa perspectiva pós-moderna, nos perguntamos se a história realmente justificou uma fé tão absoluta na técnica e na tecnologia. Essa breve descrição do objetivo geral e do conteúdo dos tratados teóricos já nos dá uma ideia da complexidade da teoria no período pós-moderno. Minha intenção ao examiná-la foi a de contextualizar os ensaios reunidos nesta antologia, que constituem as mais recentes contribuições ao discurso da arquitetura. Passo agora a examinar o pós-modernismo. PARTE II: 0 QUE É 0 PÓS-MODERNISMO? Muitos livros e longos ensaios tentaram responder a essa pergunta, e é evidente que o termo com porta diferentes significados em diferentes contextos. Não faz parte dos objetivos do meu ensaio apresentar uma análise crítica ou aprofundar-m e no estudo dessas definições. Em vez disso, a segunda parte desta Introdução examina o pós-m odernism o na arquitetura sob três enfoques: como um período histórico que mantém uma relação específica com o modernismo; como uma variedade de paradigm as relevantes [marcos teóricos) para a reflexão sobre objetos e questões culturais; e como um grupo de temas. As próximas seções da Introdução se sobre põem umas às outras, mas, apesar disso, ajudam a traçar as linhas gerais do pós-m o dernismo como período e como modo de investigação de alguns temas recorrentes. Os ensaios foram reunidos em capítulos organizados segundo esses mesmos para digmas e temas. II A: 0 PÓS-MODERNISMO COMO PERÍODO HISTÓRICO 0 CONTEXTO HISTÓRICO Em que contexto ocorreu a crise do modernismo? O teórico da cultura Frederic lame- son responde do seguinte modo: Os anos 1960 foram, de muitas maneiras, o período-chave da transição, um pe ríodo no qual a nova ordem internacional (neocolonialismo, Revolução Verde, disseminação do uso do computador e informação eletrônica) ao mesmo tempo se 21 estabeleceu e foi abalada e conturbada por suas próprias contradições internas e pela resistência externa.10 Essa nova ordem é designada de diversas maneiras, como capitalismo tardio, capita lismo multinacional, pós-industrialização ou sociedade de consumo.11 É mais fácil determinar o início do período pós-moderno do que seu fim, ao qual provavelmente ainda não chegamos. O ativismo estudantil em prol dos direitos hu manos, da liberdade e da proteção do meio ambiente coincidiu com o surgimento da cultura da droga, do rock e do pacifismo. A exploração do espaço cósmico, que se iniciou gloriosamente na década de 1960, malogrou vinte anos depois quando os acidentes desastrosos de Three Mile Island (1979) e Chernobil (1986) destruíram as esperanças depositadas na exploração segura da energia nuclear. O individualismo radical se chocou com o fundamentalismo religioso repressivo. Apesar da sucessão de conflitos militares localizados (motivados por disputas em torno de petróleo, etnicidade e religião) que eclodiram logo depois da Segunda Guerra Mundial, de maneira geral a paz reinou no Ocidente durante cinquenta anos. A popu lação mundial cresceu enormemente e o comunismo se desintegrou como força polí tica significativa na Europa Ocidental, tendo como marco espetacular a demolição do Muro de Berlim em 1989. OBJEÇÕES AO MOVIMENTO MODERNO NA ARQUITETURA Em meados dos anos 1960, as objeções à ideologia do movimento moderno e a uma ar quitetura moderna degradada e banalizada avolumaram-se e proliferaram rapidamen te, vindo a constituir 0 que se denominou de crítica pós-moderna. Como Frampton observou, “não há dúvidas de que, em meados da década de 1960, estávamos cada vez mais carentes de uma base teórica realista sobre a qual fundar o nosso trabalho” .12 Em “ Place-form and Cultural Identity” , Frampton fala sobre sua crescente con vicção de que era preciso imprimir novo sentido ao modernismo: Já entendíamos nossa missão como a de reconstituir em certa medida o vigor criati vo de um movimento que nos anos anteriores se acomodara formal e programatica- mente [...]. De qualquer forma, nós fomos a última geração de estudantes a alimentar 0 projeto de criar modelos urbanos utópicos, tanto num sentido formal como num sentido programático.13 A demolição do conjunto habitacional de Pruitt-Igoe, em St. Louis, Missouri, em 1972, é geralmente reconhecida como o marco do fracasso de uma concepção modernista de habitação social. Um “subproduto antiutópico, que ao mesmo tempo inspira e merece 22 a destruição” , uma “ interpretação burocrática” realizada por Minoru Yamasaki dos sonhos de Le Corbusier, Hilberseimer e outros,14 que a população de baixa renda de testou e se encarregou de destruir pelo vandalism o e pela negligência. A demolição deliberada e espetacular dessa obra da arquitetura moderna (tão celebrada quando de sua inauguração) foi um claro sinal de alerta para os arquitetos. A fé que a geração de Frampton depositou na continuidade do projeto moderno foi também abalada pela apropriação da estética moderna como símbolo de inovação na arquitetura das grandes corporações empresariais. Despojada de seu programa so cial, a arquitetura moderna da década de 1950 reduziu-se a um estilo reiteradamente utilizado nas áreas comerciais das cidades. Esse fato não chegou a preocupar muito os arquitetos norte-americanos. Referindo-se aos “New York Five” , 15 Colin Rowe afir mou que “a arquitetura moderna europeia foi importada para a América sem o seu componente ideológico” .16 Nos anos 1960, aliás, já se sabia que os europeus não ti nham sido muito bem-sucedidos na implementação de sua agenda social, e um cli ma de frustração com as reformas sociais tomou conta da profissão. A organização de exposições e de publicações, bem como a criação de instituições dedicadas à teoria, de certo modoparece responder a essa crise profissional. A referência a exemplos signi ficativos dessas iniciativas vai definir o período em pauta, de 1965 a 1995. INSTITUTOS ESPECIALIZADOS EM TEORIA DA ARQUITETURA! NOVA YORK, VENEZA, LONDRES A institucionalização da teoria arquitetônica se evidencia na fundação de dois cen tros de estudos independentes em Nova York (1967-85) e Veneza (1968-), ambos responsáveis por intensa atividade editorial. Com uma missão semelhante à da aa - London Architectural Association, fundada em 1847, o cosmopolita iaus - Institute for Architecture and Urban Studies, de Manhattan, organizou cursos, palestras, simpósios, mesas-redondas e exposições. Tal como a a a e o Instituto de Veneza, o iaus foi criado por uma com issão de arquitetos (presidida por Peter Eisenman) contrários ao sistema vigente de ensino de arquitetura, que na Inglaterra e na Itália é estatal.17 O iaus publicou um boletim informativo, Skyline, duas revistas, Oppo- sitions e Octobery e uma série de livros com o selo da Oppositons.]H Fez parte des sa série de vida curta a influente tradução para o inglês de LArchitettura delia città, de Aldo Rossi em 1982 (o original italiano data de 1966). A forte ênfase do Instituto no discurso e disseminação da teoria foi típica do período pós-moderno. (O ciau - Chicago Institute for Architecture and Urbanism [Instituto de Arquitetura e Urbanis mo de Chicago] ressuscitou o modelo do iaus, entre 1987 e 1994, quando as fontes de financiamento minguaram.) Uma das contribuições mais importantes do iaus foi ter apresentado ao público norte-americano arquitetos e teóricos europeus, muitos dos quais influenciados por paradigmas linguísticos.19 Apesar de o iaus não ter nenhuma 23 apareceu pela primeira vez em 1983, com um número dedicado à análise do Ritual, e o volume 1 da Pratt Journal of Architecture> intitulado Architecture and Abstraction (1985), contrapôs a ascensão da representação historicista pós-moderna à abstração moder nista. Alguns periódicos adotaram um enfoque temático, como a revista Center (da Universidade do Texas em Austin), que desde 1985 se dedica a questões genericamente relacionadas ao estudo da arquitetura norte-americana. A seriedade com que os editores, alunos e professores tratam os assuntos (a his tória, a cidade, a monumentalidade, a paisagem, a tectônica, a ética etc.) indica a pro fundidade da percepção da crise. Os arquitetos pós-modernos usaram a palavra escri ta para selecionar problemas complexos com a mesma frequência com que se voltaram para 0 projeto teórico. A imensa atividade editorial acadêmica nesse período é um in dicador do impacto recente e acessibilidade da editoração eletrônica em mercados não comerciais. Mas também é um reflexo da escassez do trabalho de prancheta entre os arquitetos, principalmente na fase de desaceleração da atividade construtiva precipi tada pela crise energética e o embargo do petróleo de 1973, e pela subsequente recessão da indústria de construção civil ao longo das décadas de 1980 e 1990. Em períodos de decréscimo de suas atividades profissionais, os arquitetos desviam o seu interesse para a elaboração de textos e projetos teóricos. Passemos agora a examinar mais detalhadamente alguns livros e artigos emble máticos. O leitor também poderá orientar-se pela discussão dos temas e paradigmas teóricos contida nas próximas seções, bem como pelas introduções de cada ensaio, nas quais são fornecidas mais informações de contexto. As objeções levantadas na década de 1950 à ortodoxia do movimento moderno culminaram em meados dos anos 1960 com a publicação de diversos tratados muito significativos, além dos já mencionados A arquitetura da cidade e Complexidade e con tradição em arquitetura (1966). Entre eles incluem-se Intentions in Architecture (1965), de Christian Norberg-Schulz, Notes on the Synthesis of Form (1964)» de Christopher Alc- xander, e II Território dellArchitetíura (1966),25 de Gregotti. Este último não foi traduzi do na íntegra para 0 inglês, mas é citado com frequência por autores não italianos (cap. 7). Os livros de Norberg-Schulz e de Rossi serão discutidos na próxima seção, que trata da questão do lugar e da teoria urbana (caps. 9,6 e 7). O livro de Robert Venturi Complexidade e contradição em arquitetura publicado pelo Museu de Arte Moderna de Nova York e traduzido para dezesseis idiomas, pre coniza a importância de levar em conta e aplicar a história da arquitetura no projeto contemporâneo (cap. 1). Essencialmente um manifesto em prol do ecletismo historicis ta, 0 livro privilegia o primeiro termo, antimoderno, das oposições binárias, híbrido/ puro, distorcido/símplificado, ambíguo/claro. Venturi trata da comunicação de signi ficados em distintos níveis e se vale de associações comuns com a história da arqui tetura. De modo semelhante, Aprendendo com Las Vegas (1972)26 acentua o valor do 26 dado comum, da cultura simplória da Strip, ou corredor comercial às margens das autoestradas (cap. 6). A teoria inclusiva do “ tanto... como” (both/and), formulada em Complexidade e contradição, reconhece funções explícitas e implícitas, literais e simbólicas, e admite múltiplas interpretações. Ao afirmar sua preferência pela “difí cil ordem de inclusão” (com todas as tensões que dela resultam), Venturi demonstra a influência de diversos paradigmas de pensamento: a semiologia, a psicologia da Gestalt e a teoria literária de William Empson, em Seven Types o f Ambiguity.27 As últimas páginas do livro sugerem a direção que as investigações de Venturi viriam a tomar: ao declarar que a Main Street americana é “quase correta” , ele propõe que “ tal vez se possa colher na paisagem cotidiana, vulgar e desdenhada, a ordem complexa e contraditória, que é legítima e vital para nossa arquitetura como um todo urbanís tico” .28 Um arquiteto que celebra no meio ambiente o “ feio e ordinário” é certamente revolucionário, mas a mudança será para melhor? Estará contida nesta celebração a posição populista que ele alega representar? Philip Johnson (um dos mentores de Venturi) recorda a importância de Comple xidade e contradição para o pós-modernismo arquitetônico, quando escreve que: Tudo começou com o livro de Bob Venturi. Nós - Venturi, [Robert A. M.) Stern, [Mi- chael] Graves e eu - percebemos que devíamos nos ligar mais à cidade e às pessoas. E que devíamos ser mais contextuais: que devíamos prestar atenção nos velhos edifícios.29 Onze anos depois de publicada, a influência da teoria de Venturi já era grande. Em 1977, Robert Stern, o editor da revista Perspecta que, em 1965, reproduziu pela pri meira vez um excerto de Complexidade e contradição, escreveu uma interpretação da tendência historicista pós-moderna. (Para distinguir o estudo de Stern do pós-moder- nismo em geral, denomino-o de historicismo pós-moderno.) Nesse ensaio, intitula do “ Novos rumos da arquitetura moderna norte-americana: pós-escrito no limiar do modernismo” , Stern identifica três focos de interesse: a cidade, a fachada e a ideia de memória cultural (cap. 1). E, ademais, estabelece alguns princípios como corolários: o edifício é um fragmento de um todo maior (contextualismo); o ato arquitetônico é uma resposta histórica e cultural; e o significado dos edifícios se desenvolve ao longo do tempo.30 Embora o “ pós-escrito” de Stern tivesse a intenção de assinalar o fim do modernismo e de anunciar o começo da era pós-moderna, não se apresenta como um manifesto, tal qual o livro de Venturi de 1966. O ensaio apresenta o pós-moder nismo na forma de uma crítica, que Stern identifica com uma tentativa de acabar com a divisão moderna entre o “ racionalismo” (compreendendo a função e a tecnologia) e o “ realismo” (a história e a cultura). É interessante notar que função e tecnologia são justamente os aspectos que Peter Eisenman associa com a representação “ realista” do movimento moderno em “O fim do clássico” (cap.4). Stern alega que as formas 27 arquitetônicas pós-modernas são “reais” e não abstratas, e que têm 4 consciência de seu propósito e materialidade, de sua história, do contexto físico em que são construí das e do ambiente social, cultural e político de que se originaram” .31 Stern apresenta nos seguintes termos a sua posição quanto ao papel social da construção: “ Os edifí cios são projetados para significar alguma coisa [...] não são objetos hermeticamente fechados” .32 Contrapondo-se à confiança na comunicação e na acessibilidade, os de fensores da responsabilidade social da arquitetura criticaram a arquitetura historicis- ta pós-moderna como um modismo elitista.33 No mesmo ano de 1977, Charles Jencks publicou The Language o f Post-Modern Architecture, em que classificou o novo movimento como um estilo dotado de certas características previsíveis. Jencks popularizou a palavra “pós-modernismo” (que vem do final da década de 1940) na arquitetura, de onde ela se propagou para as demais artes. Em sua obra teórica, Jameson e o filósofo Jürgen Habermas adotam a acepção de pós-modernismo arquitetônico cunhada por Jencks [a qual denomino de histori cismo pós-moderno) para se referirem a uma série de questões culturais e societárias mais gerais. Em 1969, um grupo de arquitetos, que se autodenominavam case (Conference of Architects for the Study of the Environment), reuniu-se no moma - Museu de Arte Moderna de Nova York. Um resultado indireto do encontro foi a publicação em 1972 do livro Five Architects, que exibiu a obra abstrata e de inspiração modernista de Peter Eisenman, Michael Graves, Charles Gwathmey, John Hejduk e Richard Meier, arquite tos que se tornaram conhecidos como “Os Cinco de Nova York” . Com uma apresen tação escrita em parceria por Arthur Drexler (então curador do moma e diretor do setor de Arquitetura e Design), Colin Rowe e Kenneth Frampton, e incluindo um pós- -escrito assinado por Johnson, a obra dos cinco adquiriu imediata credibilidade entre os patronos da arquitetura. Representando uma tendência abstracionista contrária à causa de Venturi, Stern e Jencks em favor da importância do significado, o livro teve enorme influência entre os arquitetos. No prefácio, Drexler define o tom ao descrever a obra ali apresentada como “apenas arquitetura, não a salvação da humanidade ou a redenção do mundo: [...] Todos nós estamos interessados [...] na reforma social [...). Os jovens europeus ainda não compreenderam que a arquitetura é o instrumento com menor chance de fazer a revolução, mas nos Estados Unidos isso já é um fato” .3 ‘ O solo comum entre os cinco era o formalismo: o interesse pela arquitetura do jovem Le Corbusier e pelas possibilidades não experimentadas de transpor para a arquitetura as ideias dos pintores cubistas. Desde então, cada um seguiu o seu ca minho, mas todos continuam a ser figuras importantes nos meios acadêmicos e no mundo profissional. Em 1976, Rowe publicou uma coletânea dos ensaios que escreveu desde o final da década de 1940, com o título de The Mathematics o f the Ideal Villa and Other Essays. 28 Muitos textos haviam circulado informalmente antes da publicação, e o livro se tor nou um clássico, inclusive o influente ensaio “ Transparency: Literal and Phenome- nal” , escrito em parceria com Robert Slutzky.35 O livro Collage City (1978), em co- autoria com Fred Koetter, será analisado mais adiante no âmbito de uma discussão sobre a cidade. O capítulo 6 reedita uma versão desse texto, que foi publicada no formato de artigo em 1975. EXPOSIÇÕES Uma série de importantes exposições deu suporte à difusão da teoria arquitetôni ca pós-moderna. A mesma simultaneidade de meios caracterizou o período do alto modernismo das décadas de 1920 e 1930 na Europa, com as suas novas revistas radi cais e as frequentes exposições de protótipos habitacionais. Nos Estados Unidos, a primeira tendência da arquitetura moderna foi lançada em Nova York, pelo Museu de Arte Moderna (por incentivo de Johnson), com a realização da exposição sobre o Estilo Internacional em 1932. Esta mostra seminal teve a sua versão no período pós- -moderno quando o moma organizou três importantes exposições que mapearam as mudanças de rumo na arquitetura. A primeira, a Exposição Beaux-Arts, de 1975, e seu volumoso catálogo (que ainda se podia avistar nas mesas dos estudantes de Yale durante os anos 1980) influenciaram graficamente a arquitetura pós-moderna com suas delicadas aquarelas de projetos neoclássicos da Academia Francesa. As plantas exibidas também mostravam exemplos do emprego clássico da procissão, dos eixos, da hierarquia, dos espaços em poché e da proporção. Quatro anos depois, a expo sição “ Transformations” reuniu trabalhos realizados a partir de 1969, incluindo um repertório semelhante àquele apresentado por Jencks em A linguagem da arquitetura pós-moderna.3Ó A terceira exposição organizada pelo moma no período pós-moderno, com a curadoria conjunta de Johnson e Mark Wigley, foi “ Deconstructivist Architecture” , em 1988.37 Nela, os curadores tentaram fazer o mesmo tipo de reorientação da profissão, o mesmo tipo de codificação de um “movimento” , tal como realizado pelas importantes exposições que a precederam. Apesar de atrair alguma atenção, a exposição não lan çou nenhuma outra tendência significativa. A discrepância entre o aspecto exterior das obras e as intenções dos arquitetos fez o conjunto parecer forçado. Mary McLeod, em “Architecture and Politics in the Reagan Era: From Postmodernism to Deconstructivism” , sugere que alguns dos arquitetos que haviam rejeitado o título de “desconstrutivistas” quiseram participar da exposição.38 Ao que parece, o nome “desconstrutivismo” servira mais como um rótulo estilístico para a exibição de obras provocativas do que talvez para assinalar maiores afinidades intelectuais entre elas. Termo ambíguo, o “desconstrutivis mo” (usado somente na arquitetura, pelo que sei) reflete expressamente duas fontes de 29 influência sobre o tipo de obra pós-moderna ali exibida: a desconstrução filosófica de Jacques Derrida (ver a discussão sobre a teoria linguística) e o construtivismo russo. Rem Koolhaas e Zaha Hadid, que trabalharam juntos, são talvez os arquitetos que mais fizeram explorações formais baseadas no construtivismo. Do grupo de arquitetos que participou da exposição, Peter Eisenman e Bernard Tschumi são os que mais se aproxi mam de uma postura desconstrucionista, com sua ênfase na crítica e na dissolução das fronteiras disciplinares. Mas Frank Gehry, Steven Holl e o Coop Himmelblau não têm muito em comum com os outros arquitetos citados; o que os aproxima é um método de trabalho que parte da intuição e das propriedades sensoriais dos materiais. Gehry e Holl representam uma forte contratendência ao historicismo pós-moderno, adotando um enfoque quase metafísico das coisas concretas. Em seus trabalhos e nos de outros arquitetos desse período há um fundamento fenomenológico, nem sempre articulado conscientemente, mas que se faz muito presente como subtexto. Em 1980, a Galeria Leo Castelli de Nova York pediu aos mais importantes ar quitetos internacionais que mandassem projetos de residências particulares, numa prova do reconhecimento da crescente popularidade da arquitetura entre o grande público. Os oito projetos visionários reunidos na mostra “ Houses For Sale” foram expostos como obras de arte e rapidamente vendidos.39 A Galeria Max Protech, tam bém de Nova York, montou exposições regulares de arquitetura durante toda a dé cada de 1980. A seção de arquitetura da Bienal de Veneza de 1980 foi organizada por Paolo Portoghesi em torno do tema “A presença do passado” . Em seu livro Postmodern: The Architecture of the Postindustrial Society, Portoghesi assim descreveu o fenômeno ali retratado: A linguagem do pós-modernismo [...] trouxe para 0 domínio da cidade contemporâ nea um componenteimaginário e humanista e pôs em circulação fragmentos e méto dos da grande tradição histórica do mundo ocidental. [...] Introduziu uma nova força e um novo grau de liberdade no mundo do arquiteto, no qual, por décadas, a estagna ção criativa e uma extraordinária indolência haviam tornado inoperante a herança do movimento moderno.40 A exposição suscitou polêmica: uns a consideraram saudosista e “cenográfica” , outros, como o curador, como uma injeção de ânimo na arquitetura. Jürgen Habermas ficou tão chocado com a visita à exposição que redigiu uma conferência para protestar con tra aquela “vanguarda de fachadas retroversas” .4' Publicado sob o título “M odernida de - um projeto inacabado ,42 seu ensaio indignado tornou-se um marco de conver gência dos arquitetos preocupados em salvaguardar os aspectos válidos do programa da arquitetura moderna. 30 II B: PARADIGMAS TEÓRICOS DEFINIDOS PELO PÓS-MODERNISMO Além da multiplicação de publicações dedicadas à teoria arquitetônica, de centros de estudos especializados e das exposições, o pós-modernismo se caracteriza em geral pela proliferação de paradigm as teóricos ou de enquadramentos ideológicos, que estruturam os debates temáticos. Importados de outros ramos do conhecimento, os principais paradigm as que modelam a teoria arquitetônica são a fenomenologia, a es tética, a teoria linguística (semiótica, estruturalismo, pós-estruturalismo e desconstru- cionismo), o m arxismo e o feminismo. PRIMEIRO p a r a d i g m a : a f e n o m e n o l o g i a Um aspecto dessa interdisciplinaridade é o papel central na teoria da arquitetura do método filosófico conhecido como fenomenologia. A existência desse fundamento fi losófico na base das atitudes pós-modernas com relação ao sítio, ao lugar, à paisagem e à edificação (especialmente a tectônica) passa muitas vezes despercebida, não susci tando investigação. A teoria arquitetônica recente aproximou-se da reflexão filosófica ao problematizar a interação do corpo humano com seu ambiente. Sensações visuais, táteis, olfativas e auditivas constituem a parte visceral da apreensão da arquitetura, um veículo que se distingue por sua presença tridimensional. No período pós-moderno, a relação corporal e inconsciente com a arquitetura voltou a ser um objeto de estudo para alguns teóricos por meio da fenomenologia. A fenomenologia husserliana, en quanto “uma investigação sistemática da consciência e de seus objetos” , 1' serviu de base para o trabalho de filósofos posteriores. Estimulada pela facilidade de acesso a traduções de obras de Martin Heidegger e Gaston Bachelard da década de 1950,^ a reflexão fenomenológica sobre a arquitetura co meçou a tomar o lugar do formalismo e a preparar o terreno para o surgimento da estética contemporânea do sublime. Há um retardamento característico da teoria da arquitetura em relação à teoria da cultura, e a assimilação da fenomenologia não foi uma exceção. A crítica fenomenológica da lógica da ciência, que o pensamento positivista (“o oti mismo acerca dos benefícios que a difusão do método científico haveria de propor cionar à Humanidade” ) ’ ̂ elevara acima do Ser desvalorizado, atraiu bem menos o entusiasmo dos pós-modernistas engajados na reconsideração das contribuições da tecnologia para a modernidade. Heidegger (1889-1976) estudou filosofia com Edmund Husserl. Seus alinhamen tos políticos duvidosos durante a Segunda Guerra Mundial provocaram uma áspera recepção de sua obra no meio filosófico. Não obstante, a influência de Heidegger é evidente no desconstrucionismo de Derrida e nas teses sobre o corpo dos teóricos pós-modernos. 31 Os escritos de Heidegger são motivados por sua preocupação com a incapacidade do homem moderno de refletir sobre o Ser (ou a existência). E isso é crucial, diz ele, porque essa reflexão é que define a condição humana. Um dos trabalhos fenomenoló- gicos de maior influência na arquitetura é “Construir, habitar, pensar” , em que Heide gger analisa a relação entre o construir e o habitar, Ser, edificar, cultivar e considerar.46 Investigando a etimologia da palavra alemã bauen (“construir” ), Heidegger redescobre antigas conotações e significados mais amplos que exprimem a riqueza potencial da existência. Habitar é definido como “um permanecer [ou estar] com as coisas” . Quan do as coisas (os elementos reunidos na natureza quádrupla de terra, céu, seres mortais e seres divinos) são nomeadas pela primeira vez, afirma o filósofo, elas são reconheci das. Heidegger sustenta ao longo do ensaio a ideia de que a linguagem modela o pensa mento, e que o pensamento e a poesia são necessários ao habitar. Christian Norberg-Schulz interpreta o conceito heideggeriano de habitar como es tar em paz num lugar protegido. Isso o leva a defender o potencial da arquitetura para dar suporte ao habitar: “O objetivo primordial da arquitetura, portanto, é fazer um mun do visível; ela o faz como uma coisa, e o mundo que ela torna presente consiste naquilo que ela reúne” .47 O crítico norueguês tornou conhecida a ideia de uma conexão entre a arquitetura e o habitar numa série de publicações iniciada em 1971 com Existence, Space and Architecture. Um interesse anterior pela experiência das coisas “concretas” está ex presso em “Intenções na arquitetura” (1965), em que já se anuncia a futura direção de seus estudos. Norberg-Schulz é muito citado atualmente e é tido como o principal defensor de uma fenomenologia da arquitetura que se preocupa com “a concretização do espaço existencial” mediante a formação de lugares. O aspecto tectônico da arqui tetura tem um papel nisso, principalmente no que diz respeito ao detalhe concreto que, nas palavras de Norberg-Schulz,“explica o ambiente e exprime seu caráter” .4H A abordagem fenomenológica da arquitetura requer uma atenção cuidadosa ao modo de fazer as coisas. Atribui-se a Mies a frase: “ Deus está nos detalhes” . Essa in fluente escola de pensamento não somente reconheceu e exaltou os elementos básicos da arquitetura (parede, chão, teto etc., como horizontes ou limites), mas reavivou o interesse pelas qualidades sensoriais dos materiais, luz, cor, e pela significação simbó lica e tátil da junta. Perez-Gomes propõe ampliar o conceito heideggeriano da habitação para incluir uma “orientação existencial” , uma identificação cultural e uma relação com a histó ria.49 Fixando para si um “ponto de apoio” existencial numa arquitetura “autêntica” , o homem pode lidar com a mortalidade pela transcendência da “habitação” .50 Inspirado na fenomenologia de Hans-Georg Gadamer, Perez-Gomez afirma que a apreensão do significado da arquitetura requer uma “dimensão metafísica” . Essa di mensão “revela a presença do Ser, a presença do invisível no interior do mundo coti diano” . O sentido do invisível deve exprimir-se numa arquitetura simbólica. A ênfase 32 que Perez-Gomes dá ao habitar é semelhante à de Norberg-Schulz, mas o primeiro é mais prescritivo na exigência da representação: “ Uma arquitetura simbólica é a que re presenta, que pode ser reconhecida como parte de nossos sonhos coletivos, como um lugar completamente habitado” .51 É possível, no entanto, ao mesmo tempo reconhe cer a potência do conceito de habitar e contestar a afirmação de Perez-Gomes sobre a necessidade de meios representativos, simbólicos, de concretizá-lo. De fato, alguns teóricos argumentam que a abstração é mais aberta a interpretações e, portanto, mais universalmente significativa. Um fenomenólogo finlandês, Juhani Pallasmaa, estuda a apreensão psíquica da arquitetura (cap. 9). Ele fala de uma “abertura da visão para uma segunda realidade de percepção, sonhos, imaginação e vivências esquecidas” .52 Em seus trabalhos, essa abertura é realizada por uma abstrata “arquitetura do silêncio” .53 Se as pesquisas de Pallasmaa sobre o inconsciente podem ser comparadas às pesquisas freudianas sobre o “estranhamente familiar” (uncanny)”,54 a sua arquitetura do silêncio faz eco ao su blime no pensamento contemporâneo. SEGUNDO p a r a d i g m a : a e s t é t i c a do s u b l i m e Como a fenomenologia, a estética é um paradigma filosófico que se refere à produção e à recepção de uma obra de arte. Esta seção apresenta proposições relacionadas com uma das mais importantes categorias estéticas do período pós-moderno. Por sua fun ção como expressão característica da modernidade,55 o sublime é a principal categoria estética surgida no período pós-moderno. O súbito ressurgimento de um interesse no sublime se explica em parte pela ênfase recente no conhecimento da arquitetura através da fenomenologia. O paradigma fenomenológico destaca uma questão fun damental da estética: o efeito que uma obra de arquitetura produz no observador. No caso particular do sublime, a experiência estética é visceral. As definições mais recentes do sublime (como 0 grotesco e o “estranhamente fa miliar” ) configuram o discurso estético modernista e coincidem com o pensamento pós-moderno. Os teóricos contemporâneos que estudam o sublime reinterpretam uma tradição que remonta ao século primeiro d.C. e que foi desenvolvida pelo Ilumi- nismo. No alvorecer da modernidade, Edmund Burke e Immanuel Kant são impor tantes fontes setecentistas.™ Uma revisão do conceito de sublime nos ajudará a situar o discurso arquitetônico e a dar um passo além do formalismo. Na arquitetura do século xx, toda menção ao sublime ou ao belo parece ter sido deliberadamente reprimida por teóricos e projetistas ansiosos por se desvincularem do passado recente. A “ruptura radical” com a história da disciplina que o modernismo almejava impunha uma mudança nos princípios adotados pela teoria estética. A re tórica anterior foi suplantada por um debate de ideias acerca da necessidade de fazer 33 tabula rasa da estética (assimilada à abstração)57 e de adotar princípios científicos no projeto arquitetônico. A ênfase positivista na racionalidade e na função deixou de lado a beleza e o sublime enquanto questões subjetivas da arquitetura. O resgate pós-mo- derno do sublime (e de seu recíproco, o belo), que delineamos nesta seção, contribuiria para uma considerável expansão da teoria. Tomando como modelo a psicanálise e o desconstrucionismo, vários teóricos sus tentam que a melhor estratégia para revitalizar a arquitetura é desvendar seus aspectos reprimidos. Pesquisando o material escondido, muitas vezes se descobrem pressupos tos discutíveis acerca dos fundamentos da disciplina. Para Anthony Vidler e Peter Ei- senman, os aspectos estranhamente familiares [ uncanny] e grotescos do sublime foram reprimidos (cap. 14). Segundo Vidler,“nesse contexto, o estranhamente familiar é [...] o retorno do corpo a uma arquitetura que reprimiu a consciência de sua presença” .58 Diretamente relacionado a ele é a concepção do grotesco em Eisenman: “A condição do sempre presente ou do que já está contido, que 0 belo na arquitetura tenta reprimir” .39 As ideias desses dois autores começaram a definir o sublime no pensamento contem porâneo sobre a arquitetura. Na definição de Sigmund Freud, o uncanny é a redescoberta de algo familiar que foi previamente reprimido; é a inquietante sensação da presença de uma ausência. A combinação do conhecido e familiar com o estranho está presente na palavra alemã equivalente a uncanny, unheimliche, cuja tradução literal para o inglês poderia ser o aunhomely\ Num recente estudo sobre The Architectural Uncanny, Vidler observa que um tema frequente é a ideia do corpo humano despedaçado.60 Para ele, o “estranha mente familiar” [uncanny], por conseguinte, é o lado apavorante do sublime, e o medo refere-se à privação da integridade do corpo. Vidler localiza “na teoria pós-moderna uma deliberada tentativa de lidar com a condição do corpo humano” , cuja necessidade se deve ao fato de que“o corpo em desintegração é uma imagem bastante concreta da ideia humanista do progresso desordenado” .61 A fragmentação é um tema importante na arquitetura historicista e desconstrucionista pós-moderna, e a razão disso talvez esteja na rejeição da corporificação antropomórfica.62 Concentrando seus estudos fenomenológicos no estranhamente familiar, Vidler espera descobrir “0 poder de interpretar as relações entre a psique e a habitação, o cor po e a casa, 0 indivíduo e a metrópole” .63 Ele nota que muitos arquitetos escolheram 0 estranhamente familiar como “uma poderosa metáfora para uma condição humana fundamentalmente insuportável” : a do desamparo.64 O papel do estranhamente familiar numa agenda estética para a arquitetura é 0 de identificar e examinar criticamente algu mas das mais importantes questões contemporâneas, como a da imitação, da repetição, do simbólico e do sublime, por meio da conexão estabelecida com a fenomenologia.63 Vidler reconhece a prática desfamiliarizadora das “ inversões das normas estéticas [e] das substituições do sublime pelo grotesco” como estratégias formais de vanguar- 34 da para lidar com a alienação.66 Isso talvez explique a investigação de Eisenman sobre o grotesco como “manifestação do incerto no físico” .67 Ele alega que o grotesco desafia o predomínio continuado do belo, que desde o Renascimento o reprime. Eisenman considera o movimento moderno como parte de um longo e ininterrupto período de cinco séculos que chama de “o clássico” (cap. 4). Nos estudos de Eisenman e em outras teorias recentes, a beleza ressurge no contex to da oposição ao sublime (grotesco). Ele propõe uma “contenção dentro de si” [“ con- taining within” ] em vez de uma inversão da hierarquia vigente, de forma que um ter mo (o grotesco) continue a reprimir o outro (o belo).68 Essa alternativa à exclusão de categorias opostas reconhece que o grotesco está presente no belo: “a ideia do feio, do disforme e do supostamente antinatural” .69 A utilidade dessa categoria estética expan dida é a de levar adiante a agenda habitual de Eisenman: ele concebe a possibilidade de deslocar a arquitetura e sua dependência de ideais humanistas, como o de beleza, por meio dessa complexidade. Talvez se possa usar o modelo proposto por Diana Agrest sobre a relação entre a teoria e a prática arquitetônica para repensar a articulação entre essas duas categorias estéticas: se o belo é o discurso “normativo” da estética, o sublime poderia ser visto como um “discurso analítico e exploratório” ,70 por oposição ao da beleza. O sublime já foi definido como “um discurso autotransformador” que influenciou a construção do sujeito moderno.71 Esse caráter processual do sublime talvez explique em boa me dida por que ele seduz tanto os pós-modernistas. A importância do sublime no século xx está finalmente sendo reconhecida pela literatura crítica, inicialmente especializada em artes plásticas e em literatura. Os con tornos do sublime contemporâneo vêm se delineando, quer seja como um fenóme no moderno passível de uma crítica social, quer seja como um aspecto do encontro psicológico. Nele se inclui a defesa de Jean-François Lyotard e de Eisenman da des- construção da disciplina e da indeterminação da abstração. Sob a rubrica do uncanny arquitetônico, o sublime inclui ainda a proposta fenomenológica de Vidler. Essas for mulações teóricas oferecem soluções para desmascarar a repressão vanguardista que nos impediu de ver a arquitetura como um diálogo constante entre 0 sublime e 0 belo. A ênfase dada por Vidler e Eisenman à experiência espacial do sujeito humano desafia uma recepção formalista e não experiencial da arquitetura. TERCEIRO PARADI GMA! A TEORIA LINGUÍSTICA A reestruturação do pensamento em paradigmas linguísticos provocou também uma mudança nas preocupações da crítica cultural pós-moderna. A semiótica, o estru- turalismo e especialmente o pós-estruturalismo (inclusive o desconstrucionismo) remodelaram muitas disciplinas, entre as quais a literatura, a filosofia,a antropolo 35 gia e a sociologia, bem como a atividade crítica em geral. Em 1966, a Johns Hopkins University foi palco de um evento que serviu para apresentar ao público norte-am e ricano a teoria da Europa continental. Entre os conferencistas do International Colloquium on Criticai Languages and the Sciences o f Man [Colóquio Internacio nal sobre Linguagens Críticas e as Ciências do Hom em], estavam Jacques Derrida, Roland Barthes e Jacques Lacan.72 Esses paradigmas, que tiveram grande influência no pensamento da década de 1960, acompanharam uma renovação do interesse pelo significado e pelo simbolismo em arquitetura. Os arquitetos estudaram como o significado é transmitido pela lingua gem e aplicaram esse conhecimento à arquitetura, por meio da “analogia linguística” . Eles se perguntaram até que ponto a arquitetura é uma convenção, como a lingua gem, e se o público leigo em arquitetura compreende de que maneira as convenções da disciplina são responsáveis pela construção do significado. Diana Agrest e seu cola borador Mario Gandelsonas, em “Semiótica e arquitetura” , e Geoffrey Broadbent, em “ Um guia pessoal descomplicado da teoria dos signos em arquitetura” , começaram a indagar se existe um “contrato social” na arquitetura (cap. 2). Questionando o funcio nalismo moderno como determinante da forma, esses ensaios adotaram uma perspec tiva linguística para argumentar que os objetos arquitetônicos não têm um significado inerente, mas podem desenvolvê-lo por intermédio de convenções culturais.73 A semiótica A teoria linguística é um importante paradigma para a análise de uma questão que pre ocupa a maioria dos pós-modernos: a da criação e apreensão de significados. A semió tica e o estruturalismo estudam, em especial, o modo pelo qual a linguagem, concebida como um sistema fechado, comunica. A semiótica, o termo escolhido por Charles Sanders Peirce, ou a semiologia, pa lavra usada por Ferdinand de Saussure, é o estudo científico da linguagem como um sistema de signos que tem uma dimensão estrutural (sintática) e outra de significação (semântica). Relações estruturais vinculam os signos e seus componentes (significan- te/significado) e relações sintáticas se estabelecem entre os signos. As relações semân ticas têm a ver com os significados, isto é, são relações entre os signos e os objetos que eles denotam. As primeiras pesquisas de Peirce e Saussure, realizadas em fins do século xix e início do século xx, fixaram alguns princípios. As aulas de semiologia proferidas entre 1906 e 1911 pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure foram traduzidas do francês para o inglês em 1959, e fizeram renascer o interes se por sua obra. A principal contribuição de Saussure foi o estudo sincrônico da lingua gem (isto é, de seu uso corrente) e a análise de suas partes constitutivas e inter-relações.71 Saussure foi o criador dos conceitos de significante e significado, cujas relações estruturais 36 constituem o signo linguístico. Tão importante quanto os dois componentes do signo é a ideia de que “a linguagem é um sistema de termos interdependentes em que o valor de cada termo decorre exclusivamente da presença simultânea dos demais” .75 Nos anos 1960 m ultiplicaram -se as aplicações da teoria sem iótica a outras disci plinas, principalm ente na Am érica do Norte e do Sul, na França e na Itália. Umberto Eco, romancista, crítico e estudioso da semiótica, escreveu sobre a arquitetura como um sistema sem iótico de significação. Em “ Function and Sign: Sem iotics o f Architec- ture” , Eco sustenta que os signos arquiteturais (ou m orfem as) com unicam funções possíveis por intermédio de um sistema de convenções ou códigos.76 O uso literal ou a função program ática é o significado prim ário da arquitetura. Portanto, os signos denotam funções prim árias e conotam funções secundárias. Seu ensaio “A Com po- nential Analysis o f the Architectural Sign/Column” demonstra que um único objeto arquitetônico (no caso, a coluna) pode ser portador de um significado e constituir, por isso, uma unidade semântica pertinente.77 Mario Gandelsonas compara, em On Reading Architecture (1972), importante pes quisa semiótica publicada numa conceituada revista profissional (Progressive Architec- ture), a obra enfaticamente sintática de Eisenman com os trabalhos fortemente sem ân ticos de Graves. De maneira geral, a teoria e a prática de Agrest e Gandelsonas recebem influência da linguística; ambos encontram na semiótica uma via para a leitura da arquitetura como um campo de produção de conhecimentos. O livro de Gandelsonas, The Urban Text, é um exemplo desse tipo de análise. 0 estruturalismo O estruturalism o é uma m etodologia segundo a qual “ pode-se dizer que a verda deira natureza das coisas não está nas coisas em si, mas nas relações que cons truím os e depois percebemos entre elas” .78 O mundo é construído pela linguagem , que é uma estrutura de relações significativas entre signos arbitrários. Assim , os estruturalistas afirmam que os sistemas linguísticos contêm apenas diferenças, sem termos positivos.79 O estruturalismo localiza os códigos, as convenções e os processos responsáveis pela inteligibilidade de uma obra, isto é, sua maneira de produzir um significado so cialmente inteligível. Como metodologia, o estruturalismo não se ocupa do conteúdo temático, mas das “condições da significação” .80 Apesar de ter raízes na linguística e na antropologia, o estruturalismo é uma investigação transdisciplinar da relação de um texto com estruturas e processos particulares, sejam eles linguísticos, psicanalíticos, metafísicos, lógicos, sociológicos ou retóricos. Linguagens e estruturas, em vez do sujeito autoral ou da consciência, são as principais bases da explicação.81 37 A inclinação do estruturalismo para a racionalização da arquitetura, se substituir mos obra literária por obra arquitetônica, revela-se claramente na seguinte explica ção do método: O estruturalismo toma a linguística como modelo e tenta desenvolver “ gramáticas” - inventários sistemáticos de elementos e suas possibilidades de combinação - que explicam a forma e o significado das obras literárias.82 0 pós-estruturalismo Segundo o crítico cultural Hal Foster, a transição do moderno ao pós-m oderno pode ser assinalada por meio de duas ideias tomadas de empréstimo ao crítico literário e cultural Roland Barthes (morto em 1980). Para ele, as ideias de obra e de texto de Bar- thes refletem a mudança de foco na produção artística ou literária, de uma concepção moderna de criação de um todo ou unidade para a visão pós-m oderna da criação deuum espaço multidimensional”83 ou de um “campo metodológico” .84 Apesar de al guns autores85 afirmarem que é difícil separar o estruturalismo do pós-estruturalismo, Foster também se vale da obra e do texto para fazê-lo. Em seu ensaio “ (Post) Modern Polemics” , Foster associa a obra estruturalista à estabilidade dos componentes do sig no, enquanto 0 texto pós-estruturalista “reflete a dissolução contemporânea do signo e o movimento livre dos significantes” .86 Escritos posteriores de Barthes sugerem que 0 significante tem um potencial para o jogo livre e as infindáveis diferenciações de significado, resultantes de uma cadeia infinita de metáforas. Assim, o pós-estruturalismo funda a “crítica do signo” ao indagar se o signo real mente se compõe de apenas duas partes (significante e significado) ou se ele não depen de também da presença de todos os outros significantes, que ele não ativa e dos quais se diferencia. O teórico marxista da literatura Terry Eagleton mostra que, enquanto o estruturalismo separa o signo do referente (o objeto a que o signo se refere), o pós-es truturalismo dá um passo adiante e separa o significante do significado.87 Essa linha de pensamento conclui que “a significação não está diretamente presente em um signo” .88 Uma outra forma de marcar a passagem
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