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I CORÍNTIOS Anthony Palma INTRODUÇÃO 1. Paulo e a Igreja em Corinto Em sua Segunda Viagem Missionária, Paulo visitou Corinto (At 18.1-18) depois de pregar nas principais cidades da Macedônia e em Atenas. Ele permaneceu na cidade por um ano e meio (18.11). Pode ter chegado a Corinto na primavera do ano 50 d.C. e partido no outono de 51 d.C. Logo depois de chegar a Corinto, Pau lo encontrou Áquila e Priscila, com quem permaneceu. Ele testemunhou a respeito de Cristo a cada sábado na sinagoga, até que a resistência judia forçou-o a se reti rar, mas não antes que Crispo, o principal da sinagoga, se convertesse juntamente com sua casa. Paulo então voltou-se aos genti os; em meio aos convertidos haveriam prosélitos do judaísmo e pessoas temen tes a Deus, como também idólatras pagãos. A oposição judaica culminou na acusa ção dos judeus contra Paulo diante de Gálio, o procônsul da Acaia. Gálio expulsou os judeus do tribunal (At 18.16) porque julgou que este era um assunto interno do judaísmo, que deveriam resolver entre si mesmos. A menção de Gálio fornece uma das poucas datas do Novo Testamento que pode ser averiguada com precisão razoável. Basea do em uma inscrição encontrada em Delfi, seu proconsulaclo provavelmente começou em julho de 51 d.C. Os judeus provavelmente apelaram a ele logo depois de sua posse. Depois de deixar Corinto no outono de 51 cl.C., Paulo fez uma breve parada em Éfeso antes de retornar a Antioquia na Síria. Visitou novamente Éfeso no ve rão de 52, e permaneceu ali por cerca de três anos (At 20.31). 2. A Correspondência Coríntia Sabemos que Paulo escreveu pelo menos quatro cartas aos coríntios. 1) Durante sua longa permanência em Éfeso, escreveu uma carta anterior a 1 Coríntios, à qual faz alusão em 5.9. Esta carta foi perdida a menos que, como alguns acreditam, parte dela esteja em 2 Coríntios 6.14—7.1. 2) Mais tarde escreveu 1 Coríntios, possivel mente na primavera de 55 d.C., algum tempo antes do Pentecostes (1 Co 16.8). 3) Em 2 Coríntios ele se refere a uma carta que escrevera “em muita tribulação e an gústia do coração, com muitas lágrimas” depois de ter escrito 1 Coríntios (2 Co 2.3- 9; 7.8). 4) Sua última carta era 2 Coríntios, escrita possivelmente no outono de 56 d.C. 3. Ocasião da Escrita A Epístola de 1 Coríntios é provavel mente a mais “ocasional” de todas cartas de Paulo, principalmente por causa das circunstâncias sob as quais foi escrita. O apóstolo foi motivado a escrever a carta depois de receber relatórios so bre condições perturbadoras na assem bléia coríntia. Uma das fontes de infor mação eram os membros de casa do Cloe ( 1 .11); os capítulos 1— 6 são uma res posta aos seus relatórios. Outra fonte principal de informação era Estéfanas, Fortunato, e Acaico, membros da igreja coríntia, que entregaram uma carta da igreja a Paulo em Éfeso (16.15-17). A maior parte dos capítulos 7— 16 responde a perguntas que foram formuladas na quela carta. A variedade de problemas que Paulo era c ompelido a tratar causaram as mudan ças às vezes abmptas de um tópico a outro. Os numerosos e sérios problemas na igreja coríntia provavelmente não eram típicos de todas as igrejas que Paulo fun dou. Servem, não obstante, para evitar que o crente contemporâneo tenha alguma visão idealizada ou romantizada em relação à igreja primitiva. Os tipos de problemas, se não os próprios problemas específicos, vieram à tona na Igreja ao longo de sua história. 927 I CORÍNTIOS Norte Para Lechaion Corinto N o t e m p o d e P a u l o A cidade de Corinto, posicionada como os olhos de um titã caolho, transversalmente sobre o estrei to istmo que liga o continente grego ao Peloponeso, já era um dos centros comerciais dominantes do mundo Helenístico no oitavo século a.C. Nenhuma cidade na G récia era mais favo ravelm ente situada para o com ércio por terra e mar. Com uma alta e im ponente cidadela à sua retaguarda, situa-se entre o golfo Sarônico e o mar Jônio aportando em Lechaion e Cencréia. Um diolkos, ou uma linha de pedra, para o trans porte terrestre de navios, ligava os dois m a res. No topo do A crocorinto estava o templò de Afrodite, que era servido, de acordo com Strabo, por mais de 1.000 sacerdotisas-pros- titutas pagãs. Quando o evangelho alcançou Corinto, na pri mavera de 52 d.C., a cidade possuía uma orgulhosa história de liderança na Liga Acaia e um espírito de helenismo reavivado sob a dominação romana, após a destruição da cidade por Múmio em 146 a.C. A longa estada de Paulo em Corinto colocou- o diretamente em contato com os principais mo numentos da Ãgora, muitos dos quais ainda per manecem. A casa da nascente, na fonte Peirene, o templo de Apoio, o m acellum ou o mercado de carne (1 Co 10.25), o teatro, o bema (At 18.12) e a inexpressiva sinagoga, todos estes tiveram sua participação na experiência do apóstolo. Uma ins crição no teatro traz o nome do oficial da cidade, Erasto, provavelmente o amigo de Paulo menci onado em Romanos 16.23. T v :is 8 1 H 31 SLüJj» w. J f ü k - ' A te n a s C orinto 9 r $ à- \.. \ y';A4 ; ' l ... | v c* . ^ \ ~ h n ■ ' V ! M ar M ed iterrâneo Após pregar na Macedônia e em Atenas, Paulo visitou Corinto e permaneceu ali por cerca de um ano e meio. Os vários problemas na assembléia coríntia resultaram em um tremendo be nefício para a Igreja como um todo. Se não fossem os seus problemas, estaríamos, por exemplo, sem um tratamento teoló gico da Ceia do Senhor, sem o grande capítulo do amor, sem o tratamento es tendido aos dons espirituais, sem a clás sica passagem a respeito da ressurreição do corpo, e sem as instruções relaciona das à disciplina da Igreja, ao casamento, e à ética Cristã. 4. A Cidade de Corinto Nos tempos do Novo Testamento, Corinto era provavelmente a terceira maior ci dade do Império Romano, aproximan 928 I CORÍNTIOS ' | ÍJ M sá» 1 5' íS 1mmúwrn - W ’ Paulo visitou a cidade romana de Corinto em sua segunda viagem. Seu marco mais visível, o Acrocorinto, eleva-se a uma altura de cerca de 600metros e teve um templo para Afrodite no topo. As colunas no primeiro plano fazem parte das ruínas do Templo de Apoio, do quinto-século a.C. Corinto teve a reputação de uma do-se de Roma e Alexandria. Sua popu lação foi variavelmente estimada, mas pode ter chegado a aproximadamente meio milhão de pessoas. Era localiza da no Peloponeso, uma pequena área de terra ligada a principal ilha grega por um istmo estreito. Situava-se a uma milha e meia ao sul do istmo. Corinto alcançou o ápice de sua gló ria e prosperidade por volta do ano 600 a.C, Foi destruída pelos romanos em 146 a.C. Em 46 a.C. foi reconstruída por Júlio César, que designou-a como uma colô nia romana e povoou-a com muitos ci dadãos romanos livres. Augusto, o primeiro imperador romano (que morreu em 14 d.C.) fez de Corinto a capital da província da Acaia. Quando Paulo visitou a cidade pela primeira vez em 50 d.C., a população consistia em gregos nativos, romanos, judeus e também escravos. Por causa de sua localização ideal, Corinto era o cruzamento de muitas ro tas de comércio e daqueles que viajavam entre Roma e o Leste. Não era uma cida de à beira-mar, porém estava próxima a dois portos localizados no istmo-Cencréia, em direção ao mar Egeu (At 18.18; Rm 16.1) e Lechaeum para o Mar Adriático. Os capitães das embarcações escolheram tomar sua carga através do istmo em lugar de viajarem em torno do Peloponeso. Os navios menores seriam arrastados atra vés do istmo estreito por meio de dispo sitivos especiais - a uma distância de apro ximadamente três milhas e meia. A car ga de navios maiores seria descarregada em um lado e recarregada sobre outro navio no outro lado. Um canal, cujas obras foram concluídas em 1893, agora corta através do istmo. O marco mais proeminente da cida de é o Acrocorinto, que sobe para o sul a uma altura de cerca de 600 metros. Serviu como uma fortaleza efetivacontrolando as rotas de comércio em e através do Peloponeso. O templo de Afrodite esta va situado ali. Outros templos notórios na cidade eram dedicados aos deuses Apoio e Asclépios. As “prostitutas do templo” eram comuns, o que em parte contribuía para a reputação de Corinto como uma cidade imoral. Costumava-se empregar o verbo kor in th iazom ai (corintianizar), para se descrever um estilo de vida li- cencioso. Os artigos arqueológicos de interesse incluem. 1) Uma inscrição contendo a palavra latina macellum (“mercado”, veja 1 Co. 10.25); 2) Uma loja no mercado cujo degrau trazia a inscrição “Lúcio, o Açougueiro”; 3) Uma estrutura ornamentada onde os fun cionários públicos atendiam as pessoas; 4) Uma inscrição próxima a um edifício que portava a palavra latina rostra, equivalente ao termo grego bema (“assento de julga mento”, At, 18.12) - provavelmente o lu gar para onde Paulo foi trazido à presen ça de Gálio, o procônsul da Acaia. Os Jogos do Istmo, que honravam a Posseidon, o deus grego do mar, eram realizados a cada dois anos. Ocupavam o segundo lugar em importância, só per 929 I CORÍNTIOS dendo para os Jogos Olímpicos. Sua pro ximidade a Corinto é a causa das referências que Paulo faz ao atletismo nas cartas aos coríntios. ESBOÇO 1 .Introdução (1.1-9) 1.1. Saudação (1 .1 -3) 1.2. A ção de G raças (1.4-9) 2. Resposta às Notícias de Corinto (1.10- 6 .20) 2.1. Sabedoria e D ivisão em Corinto (1 .10 -4 .21 ) 2.1.1. Divisões na Igreja (1 .10-17) 2.1.2. A Sabedoria e o Poder de Deus (1 .18-31) 2.1.3. O Testem unho do Paulo (2 .1 -5) 2.1.4. A Falsa e a Verdadeira Sabedoria ( 2 .6- 16) 2.1.5. A Im aturidade Espiritual (3 .1 -4) 2.1.6. Paulo e Apoio. Com panheiros no Serviço ao Senhor (3 .5 -15) 2.1.7. O Tem plo de Deus (3 .16 ,17) 2.1.8. O Pensam ento Tolo e o Pensam ento Sábio (3-18-23) 2.1.9. A Obra dos Servos do Senhor (4.1-5) 2.1.10. Os Verdadeiros Apóstolos (4.6-13) 2 .1 .1 1 .P a u lo : Seu Pai Espiritual (4 .14-21) 2 .2 . A Imoralidade Sexual e a Igreja (5.1-13) 2.2.1. O Irm ão Incestuoso (5.1-8) 2.2.2. A A ssociação com Crentes Imorais (5 .9 -13) 2.3. D em andas Entre Crentes (6 .1 -11) 2.3.1. Os Cristãos e os Tribunais Cíveis ( 6 .1 -6) 2.3.2. A Atimde Correta quando Alguém Sofre um Prejuízo (6 .7 ,8 ) 2.3.3. Herdeiros do Reino (6 .9 -11) 2 .4 . O Ensino Sobre a Im oralidade Sexual (6 .12-20) 2.4.1. A Natureza da Im oralidade Sexual (6 .12-17) 2.4.2. O Tem p lo do Espírito Santo (6 .1 8 -2 0 ) 3- A Resposta a uma Carta de Corinto (7 .1 — 1 6 .4 ) 3.1. O Casam ento e as Q uestões Rela cionadas (7 .1-40) 3.1.1. O Com portam ento Adequado dentro do Casam ento (7 .1-7) 3.1.2. O s Solteiros e as Viúvas (7 .8 ,9) 3.1.3. O Casal Cristão (7 .10 ,11) 3.1.4. Casam entos Mistos (7 .12-16) 3.1.5. A Perm anência no Estado Presente (7 .17-28) 3.1.6. Razões para Perm anecer no Estado Presente (7 .29-35) 3.1.7. As Virgens e as Viúvas (7 .36-40) 3.2. Os Alim entos Sacrificados a ídolos (8.1— 11.1) 3.2.1. A Superioridade do Amor Acima da “C iência” (8 .1 -8) 3.2.2. O Pecado Contra um Irm ão Fraco (8 .9 -13) 3.2.3. Os Direitos de um Apóstolo (9-1-27) 3.2.4. A História de Israel. Uma Advertência (10 .1-13). 3.2.5. A Ceia do Senhor e as Festas Idólatras (10 .14-22) 3.2.6. Com er Aquilo que se Vende no M ercado (10 .23— 11.1) 3.3. A A doração Cristã (11 .2-34) 3.3-1. O véu das Mulheres (11 .2-16) 3.3.2. A Ceia do Senhor (11 .17-34) 3.4. Os D ons Espirituais (12 .1— 14.40) 3.4.1. O Ensino Básico Sobre os Dons ( 12.1-11) 3.4.1.1. O Critério Geral para D eterm inar os D ons (12 .1-3) 3.4.1.2. A Variedade e a B ase dos Dons (12 .4 -6) 3.4.1.3. A Lista de Exem plos de Dons (12 .7 -11) 3.4.2. Um Corpo, Muitos M em bros (12 .12-27) 3.4.3. D ons Adicionais (12 .28-31a) 3.4.4. O Amor e sua R elação com os Dons (12 .31b— 13.13) 3.4.4.1. Com entários Introdutórios sobre o Amor (12 .31b — 13.3) 3.4.4.2. Características do Amor (13 .4-7) 3.4.4.3. O Amor em um Contexto Escato- lógico (13-8-13) 3.4.5. A N ecessidade de Inteligibilidade na A doração (14.1-25) 3.4.5.1. O Fundam ento (14 .1-5) 3-4.5.2. Fortalecendo o Argum ento (1 4 .6 -1 2 ) 3.4.5.3* A Necessidade da Interpretação das Línguas (14.13-19) 3.4.5.4. O Apelo aos Coríntios (14 .20-25) 3.4.6. A Necessidade de uma M etodologia 930 I CORÍNTIOS 1 nu Adoração (14.26-40) 3-4.6.1. A Variedade e a Espontaneidade na Adoração ( l4 .2 6 -3 3 a ) 3.4.6.2. As m ulheres na Adoração (l4 .3 3 b -3 5 ) 3-4.6.3- A Conclusão sobre os D ons Espi rituais (14 .36-40) Artigo A. Jesu s se Tornou Maldito? Artigo B. Os D ons Espirituais Artigo C. A O peração de Milagres Artigo D . O D om da Profecia com o R evelação Artigo E. O D iscernim ento dos Espíritos Artigo F. G lossolália - Lucas e Paulo Estão de Acordo? Artigo G. Batizado Pelo e N o Espírito Santo Artigo H . Os G em idos de Rom anos 8 .26 3.5. A Ressurreição (15 .1-58) 3.5.1. O s E lem entos do Evangelho (15 .1 -1 1 ) 3.5.2. A N egação da R essurreição (1 5 .1 2 -1 9 ) 3.5.3- Cristo, as Primícias (15 .20-28) 3.5.4. O s Argum entos da Experiência (15 .29-34) 3.5.5- A Natureza da Ressurreição do Corpo (15 .35-49) 3.5.6. O Triunfo dos Crentes sobre a Morte (15 .50-58) 3.6. A O ferta (16 .1 -4) 4 . Conclusão (1 6 .5 -2 4 ) 4.1. O s Planos Pessoais de Paulo (16 .5 -9) 4.2. R ecom end ações a Respeito de Alguns Crentes (16 .10-18) 4.3. Saudações Finais e a Bênção (16.19-24) COMENTÁRIO 1. Introdução (1 .1-9) 1.1. Saud ação (1.1-3) As palavras de abertura da carta possu em os elementos essenciais de uma sau dação comum às cartas do primeiro sé culo: identificação do escritor, identificação dos destinatários e votos de bem-estar. Paulo lembra aos crentes de Corinto que foi “chamado apóstolo dejesus Cristo” (apostolos significa “enviado”). Ele não é um apóstolo por sua própria escolha, mas “pela vontade de Deus”. Deve ter recordado muitas vezes que antes de sua conversão, havia sido designado pelos anciões judeus em Jerusalém como seu “enviado” a Damasco para investigar e perseguir os seguidores de Cristo (At 9.1- 3). Aqui há uma ironia divina. O “envi ado” dos sacerdotes judeus contra os cris tãos se tornou o “enviado” de Cristo Je sus. Como apóstolo de Cristo, ele tem o completo apoio, endosso, e a autorida de de Cristo. Ele retornará a este tema de seu apostolado em vários pontos crí ticos da carta. Paulo é acompanhado por “nosso ir mão Sóstenes” (literalmente, “Sóstenes, o irmão”). “O artigo implica que ele era bem conhecido por alguns coríntios” (Robertson e Plummer, 2). Ele possivel mente é o Sóstenes, principal da sinago ga em Corinto quando Paulo pregou na quela cidade, e que foi agredido pelos judeus que eram hostis a Paulo (At 18.17). Os primeiros cristãos identificaram-se freqüen temente como irmãos, que destacaram tanto a sua associação uns com os outros quanto a sua filiação a Deus (cf. Rm 16.23; 1 Co 16.12; 2 Co 1.1; Cl 1.1; Fm 1; Hb 13.23). o termo, porém, também foi usado em um sentido religioso em círculos judaicos e pagãos. Os termos empregados por Paulo cos tumam identificar que os destinatários da carta são importantes. Eles são “a igreja de Deus”, “santificados em Cristo Jesus”, e “chamados santos”. Mais adiante na carta, ele trata de vários aspectos da Igreja. A palavra grega traduzida como “igreja” (ek.klesia) era comumente usada no mundo grego. Já havia sido usada na Septuaginta como uma designação para Israel (Dt 4.10; veja também At 7.38). Era geralmente empregada para designar uma reunião de pessoas, ou especificamente para o ajun tamento de funcionários da comunidade com o objetivo de administrar assuntos cívicos (At 19-32,39,41). Os primeiros crentes adotaram esta palavra como uma desig nação comum para um ajuntamento lo cal de cristãos (por exemplo, 1 Co 4.17; 7.17; 11.16; 14.33; Gl 1.22) ou para o cor po universal de crentes (por exemplo, 1 931 I CORÍNTIOS 1 Co 15.9; Ef 5.25). É a Igreja “de Deus”; isto é, pertence a Ele. Devidoao apego dos coríntios a vários líderes, Paulo pode estar insinuando que a Igreja não pertence a qualquer deles. Os crentes são também “chamados para ser santos”. Da mesma maneira que Pau lo foi especificamente chamado por Deus para o apostolado, assim também todos os crentes são chamados para a santida de. A expressão referente àqueles que haviam sido santificados, no grego, está no tempo perfeito, indicando tanto uma ação passada quanto um estado contínuo. A designação de cristãos como santos é freqüentemente mal entendida. O termo “santo” no grego (hagios) é um adjetivo e significa “santo”. Quando descreve uma pessoa e nenhum substantivo é usado, quer dizer “um santo” ou “santo”. Deriva do verbo bagiazo, cujo significado básico é “separar”. Conseqüentemente, os cristãos são aqueles que foram separados por Deus de sua vida de pecado e rebelião para uma vida de serviço e devoção a Ele. Paulo mais tarde diz aos coríntios que estes foram santificados, jun tamente com as expressões paralelas “la vados” e “justificados” (6.11). O Israel antigo era “uma nação santa” [separada] (Êx 19.5,6) apesar de suas imperfeições. Os crentes também são santos, apesar de suas imper feições. De fato, Pedro refere-se aos cren tes como “uma nação santa” (1 Pe 2.9). Os crentes de Corinto não só foram chamados por Deus; eles, com todos os crentes em todos os lugares, foram cha mados pelo nome do Senhor Jesus Cris to, e deste modo foram salvos (1.2; cf. Jl 2.32; Rm 10.13). Ser chamado pelo nome do Senhor quer dizer confessar fé nEle e destacar tudo que Ele é, pois na lingua gem bíblica o nome designa freqüente mente a natureza ou o caráter da pessoa. Paulo deseja “graça e paz” à Igreja, saudações gregas não-cristãs normalmente enviadas (ch a ire in ) a um amigo — uma palavra encontrada na saudação da carta que o conselho de Jerusalém enviou às igrejas dos gentios (At 15.23; cf. também Tg 1.1). A palavra de Paulo, “graça” (charis), deriva-se desta. O conceito de graça do Novo Testamento pode ser freqüentemente traçado a partir da idéia do Antigo Testa mento, de um amor firme (ou mansidão); seu significado básico é o da bênção imerecida que é dada por Deus. O dese jo de “paz” reflete a saudação judaica comum; sbalom , que incorpora a idéia de inteire za e bem-estar. De acordo com Barrett (35), quando os cristãos desejam graça e paz a outro crente, estão orando para que “este possa apegar-se mais firmemente à gra ça de Deus em que já se encontra, e à paz de que já desfruta”. Robertson e Plummer (4) sugerem que esta graça é a fonte, e a paz é a consumação. Graça e paz vêm ambas de “Deus nos so Pai e do Senhor Jesus Cristo”, seu Fi lho. O Pai é a fonte e Cristo é o mediador ou o agente pelo quais estas vêem a nós. 1.2. Ação de G raças (1.4-9) Nesta seção de ação de graças, Paulo antecipa assuntos sobre os quais logo escreverá, tais como os sermões, o conhecimento, os dons espirituais, o conceito da Igreja e a Vinda do Senhor. Ele elogia os cren tes coríntios, embora grande parte da carta seja de natureza corretiva. Procura nova mente levá-los à sua experiência de con versão, menciona os dons espirituais com que haviam sido enriquecidos, e enfatiza a capacidade que Deus possui de mantê- los firmes até a Vinda do Senhor. Paulo agradece a Deus pela vida dos coríntios, por causa da graça de Deus que estes experimentaram. Vale a pena notar vários pontos a respeito da graça divina. 1) E dada por Deus; não é algo que alguém alcance por seus próprios méritos (Rm 12.3, 6; 15.15; 1 Co 3.10; Gl 2.9; Ef 2.8; 3.7). 2) Está “em Cristo Jesus” — uma lembrança de que todas as bênçãos de Deus estão centralizadas em seu Filho. Nesta conexão, eles foram enriquecidos em todos os sen tidos. Em várias outras ocasiões Paulo fala sobre a riqueza espiritual da vida cristã (2 Co 6.10; 8.2,7, 9; 9.11). 3) Eles não tinham falta de qualquer dom espiritual (charisma). Um carisma é um dom recebido como o resultado da graça de Deus (charis). 932 I CORÍNTIOS 1 Os crentes coríntios estavam colocando importância considerável em assuntos relacionados a “falar” e “conhecer” (v. 5), especialmente naquilo que estava relacionado aos dons espirituais. Eram cativados pelo dom de línguas e apa rentemente avaliaram-no acima dos de mais dons. Também tinham na mais alta conta o dom de profecia, outro dom de expressão. Além disso, orgülhavam-se por terem conhecimento (gnosis), uma palavra que recebe muita atenção na cor respondência de Paulo a eles (8.1, 7,10- 11; 12.8; 13.2,8; 14.6; 2 Co 2.14; 4.6; 6 .6 ; 8.7; 10.5; 11.6). Quando retorna a estes temas, não fala com desprezo dos dons ligados à fala e ao conhecimento, mas fornece um ensino corretivo porque os coríntios se excederam na ênfase, e os compreenderam de modo equivocado. Seria anacrônico dizer que os coríntios foram influenciados pelo sistema filo sófico que veio a ser conhecido como gnosticismo, mas pode-se certamente detectar a influência incipiente do pen samento gnóstico, que “pode ser des crito como ‘gnostizante’, em lugar de ‘gnóstico’” (Bruce, 31). A declaração de que aos coríntios não falta nenhum dom espiritual (v. 7) tem sido entendida de vários modos. 1) Pode significar que eles, como uma congre gação, possuíam todos os dons espirituais. 2) De um relacionamento próximo é a idéia que, potencialmente, se não de fato, todos os dons poderiam ser seus (cf. Robertson e Plummer [6], que entendem que a manu tenção dos pontos de construção grega conduzem a um resultado contemplado). 3) Pode ainda significar que os coríntios jac tavam-se de possuírem todos os dons, e que Paulo estivesse sendo sarcástico re petindo a sua reivindicação. Mas é improvável que Paulo reprove-os a este respeito. Tendo em vista o que escreveu nos capítulos 12- 14, a segunda opção é a melhor “O dia de nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 8) se refere à volta de Cristo, que Pau lo chama de “a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 7) e que fala de sua vin da em glória (4.5; 15.23). Isto pode ser con siderado como um corretivo para a idéia equivocada de alguns coríntios, de que já haviam experimentado a plenitude do final dos tempos, um assunto ao qual Paulo retorna por várias vezes. No Antigo Tes tamento, este fato é às vezes menciona do como “o dia do Senhor” (Jl 2.31; Am 5.18). Em lugar de serem aterrorizados pela idéia do julgamento próximo, os cristãos podem ser encorajados pelo pensamen to de que o Senhor os manterá fortes, ou firmes, até o fim (v. 8). A palavra paralela de Paulo aos filipenses é: “Tendo por certo isto mesmo: que aquele que em vós co meçou a boa obra a aperfeiçoará até ao Dia dejesus Cristo” (Fp 1.6). Ser inocente ou irrepreensível na Vin da do Senhor (Cl 1.22) não depende do mérito dos cristãos, mas da fé que têm em Cristo, que se tomou “nossa justiça” (1 Co 1.30). Isto é alicerçado na verdade de que “Deus é fiel” — uma expressão favorita de Paulo (10.13; 1 Ts 5-24; 2 Ts 3-3; 2 Tm 2.13; veja também Hb 10.23; 11.11). “Se eles falharem, não será sua culpa” (Robertson e Plummer, 7). Uma bênção final que cada cristão desfruta é a de ser chamado por Deus “à comunhão” (ko in on ia) com seu Filho, que significa partilhar em e com Cristo. 2. Resposta às Notícias de Corinto ( 1.10— 6 .20) Ao longo da carta Paulo lida com pro blemas na congregação coríntia. Uma fonte de seu conhecimento dos problemas eram os membros de casa do Cloe, que o visitaram em Éfeso. Havia também sido visitado por vários irmãos de Corinto (16.15-18). 2.1. Sabedoria e Divisão em Corinto (1.10— 4.21) 2.1.1.DivisõesnaIgreja(1.10-17).Pau- lo trata primeiramente do problema das divisões dentro da congregação, mas Fee (47) alerta corretamente que pelo fato das divisões e disputas serem “o primeiro tópico de que Paulo fala, a maioria das pessoas tende a ler o restante da carta à luz dos capítulos 1-4”. Paulo dirige-se aos cren tes coríntios como “irmãos” (adelphoi,uma palavra que ele usa trinta e nove vezes 933 I CORÍNTIOS 1 nesta carta). Indica sua própria identifi cação espiritual com eles, em sua filiação ao Pai. Mas o utiliza para salientar ainda mais que um espírito fraterno deveria prevalecer no meio dos membros da Igreja, em lugar das divisões que existiam. Esta palavra é utilizada como uma inclusão (veja a obra de Fee, 53, fn.22). Nos versos 10-12 Paulo declara a na- aireza do problema, que ele identifica como “dissensões” e “contendas”. Embora a palavra grega para divisões (schism a) possa su gerir fragmentação, a idéia é de dissen- são. O problema poderia ser expresso pelos grupos exclusivos de linguagem mais “contemporânea”. A palavra grega empre gada para contendas (eris) significa dis cussão ou discórdia. Paulo lista isto como um dos atos ou trabalhos da natureza pecaminosa (Gl. 5.19-21). Ele é o único escritor do Novo Testamento que utiliza esta palavra. No verso 10, Paulo apela aos coríntios para que todos estivessem de acordo uns com os outros (“Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa”), porque dividiram-se em grupos ligados a diferen tes líderes. Falar a “mesma coisa” traria dois resultados. Eliminaria as divisões que existiam, e os crentes seriam unidos em um mesmo sentido e em um mesmo parecer. O ter mo empregado para união (katartizo) é apropriado. Foi usado quando se falou em reparar ou restaurar redes (Mt 4.21; Mc 1.19), e referindo-se ao desejo de Paulo de pro ver ou completar o que estava faltando à fé dos Tessalonicenses (1 Ts 3.10; veja também 2 Co 13-11; Gl 6.1; Hb 13.21). A unidade a que Paulo apela é de natu reza interior. Falar a mesma coisa significa mais que simplesmente articular as mesmas palavras; é estar“unidos, emummesmosentido e em um mesmo parecer” (1 Co 1.10). Isto somente é possível à medida que os cren tes relacionam-se não somente uns com os outros, mas com o Senhorjesus Cristo, para cuja comunhão foram chamados (v. 9) e em cujo nome Paulo faz o seu apelo (v. 10). A identidade de Cloe (v. 11.) é incerta. Ela era aparentemente rica, uma vez que as pessoas de sua casa provavelmente eram escravos ou empregados. Podem ter sido membros da congregação coríntia ou talvez a tenham visitado. Não está claro se Cloe viveu em Corinto ou em Éfeso, ou ainda se ela mesma era cristã, mas o relatório dos mensageiros era claro e preocupante. A natureza específica do problema envolvia uma propensão comum que os cristãos têm de identificar-se comum líder humano. Literalmente, as declarações dos grupos eram: “eu sou de Paulo”, “eu de Apoio”, etc. Algumas versões traduzem “eu sigo Paulo”, etc.; outras, “eu pertenço a Pau lo”, etc. O problema não era que alguns preferiam um líder acima dos outros; a sua atitude era de divisão. Alguns se identificaram com Paulo, provavelmente sentindo uma ligação espe cial a ele como o fundador da congrega ção. Mas tal ligação implica que existiam na igreja coríntia pessoas que se opunham a ele. A oposição a Paulo torna-se mais tarde evidente na carta, à medida que alguns desafiaram sua reivindicação ao apostolado (cap. 9). Ficou “completamente patente que a disputa quanto aos seus líderes não era somente fav oráv e l a Paulo ou Cefas, mas era, ao mesmo tempo, decididamente contra Paulo” (Fee, 49). Paulo rejeita por completo o espírito partidário, evidente em um “Partido Paulino” (veja w . 13-17). Apoio aparece pela primeira vez em Atos 18.24-28. Ele era um judeu de Alexan dria, Egito, que visitou Éfeso e ali encontrou Priscila e Áquila. Era um homem instru ído e eloqüente, e que possuía um com pleto conhecimento das Escrituras (v. 24). Tornou-se anteriormente um cristão, mas tinha um conhecimento incompleto do evangelho. Havia sido instruído no ca minho do Senhor e ensinou com preci são o que sabia a respeito de Jesus (v. 25). Priscila e Áquila, porém, “lhe decla raram mais pontualmente o caminho de Deus” (v. 26). Devemos notar que “o caminho” era uma designação especial para o movimento cristão no livro de Atos (9.2; 19-9, 23; 22.4; 24.14, 22). De Éfeso, Apoio viajou para Corinto, onde muito ajudou os cristãos refutando poderosamente os oponentes judeus da Igreja, provando através das Escrituras que 934 I CORÍNTIOS 1 Jesus era realmente o Messias, o Cristo. Não é de se maravilhar, então, que alguns na congregação sentissem uma comunhão especial com este defensor eloqüente da fé. Contudo, Paulo não sugere em parte alguma que existissem quaisquer diferenças teológicas ou pessoais entre ele e Apoio. Mais tarde diz que ele e Apoio são traba lhadores e conservos do Senhor (3-5-9). Porém, uma vez que Paulo não era um orador eloqüente (2 Co 10.10; 11.6) e considerando que alguns dos coríntios tenham provavelmente sido convertidos através do ministério de Apoio, um gru po dentro da congregação ligou-se a Apoio. Cefas é a forma aramaica do nome grego Pedro. Quando referindo-se a ele, Paulo normalmente opta por seu nome aramaico (por exemplo, 3.22; 9-5; 15.5; Gl 1.18; 2.9, 11,14). Não existe nenhuma indicação clara de que Pedro tenha ido a Corinto. Porém, os partidários de Cefas podem tê-lo pre ferido acima de Apoio e Paulo, devido ao seu convívio com Jesus e sua liderança reconhecida no meio dos primeiros após tolos, e no início de Igreja (At 1.15-17; 2.14, etc.). Pedro era reconhecido como o apóstolo aos judeus, e Paulo como o apóstolo aos gentios (Gl 2.7,8). Em Gálatas 2.11-21, Paulo conta como confrontou Pedro em Antioquia por causa da questão dos cristãos judeus que comiam com cristãos gentios. Mas não existia nenhuma diferença teológica signi- ficante entre os dois homens. Pode ser que alguém na igreja coríntia tenha preferi do Pedro a Paulo porque, em seu julga mento, as reivindicações de Pedro quan to ao apostolado eram irrefutáveis. Tal vez este gaipo representasse uma tendência judaizante, que insistia nas restrições ali- mentares mencionadas em Atos 15.28,29 (cf. 1 Co 8; 10.25). Héring (5) diz que “este partido deve ter sido formado por cris tãos judeus da Palestina, que provavel mente tenha sido batizado por Peclro”. O que podemos dizer sobre o quarto grupo, que é caracterizado por dizer: “eu sou de Cristo”? Talvez este grupo repre sente aqueles que olharam desdenhosa mente para os outros três e, baseado em sua justiça própria, proclamou-se o seguidor de Jesus (Fee, 59). Mas assim fazendo, criaram um quarto partido e, deste modo, somavam-se ao espírito divisor que invadiu a congregação. Além disso, este grupo pode ter tido alguns ensinos distintivos sobre Cristo, por ter sido influenciado pela cul tura helenística em que viveu (Bruce, 33). Leon Morris (41) resume habilmente es tes poucos versos dizendo que Paulo não ataca o ensino de quaisquer destes parti dos, mas simplesmente expõe o fato de existirem tais partidos. Não existe nada inerentemente errado com cristãos que identificam-se com líderes humanos. O perigo espiritual está em julgar que alguém é inferior, para ser superior a todos os outros. Alguém pode sentir uma afinidade com Lutero, Calvino, Wesley ou Menno Simons. Isto é compreensível, mas a soberba es- piriaial não. Devemos considerar os cristãos que têm tradições diferentes das nossas próprias como tão crentes quanto nós, mesmo reconhecendo pontos de diferença. No corpo de Cristo, a diversidade é per- missível; as divisões não (veja também 1 Co 12 sobre este assunto). Nos versos 13-17 Paulo reforça o que disse com a pergunta: “Está Cristo dividi do?” (1 Co 1.13). Alguns o entendem como uma declaração ao invés de uma pergunta. “Cristo está dividido!” Isto seria possível se os manuscritos não tivessem a devida pontuação. Nesse caso, indicaria a exas peração de Paulo com a situação, dizen do aos coríntios que eles, na realidade, dividiram Cristo. Esta interpretação, po rém, é improvável. O verbo m erizo sig nifica “dividir” (cf. Rm12.3; 1 Co 7.17; 2 Co 10.13; Hb 7.2). Paulo está apontando para o absurdo que é pensar que Cristo seja divisível; sua resposta à pergunta é um sonoro não. Mais adiante ele falará a respeito da indivisibilidade de Cristo e da Igreja (1 Co 12). “Foi Paulo crucificado por vós? Ou fostes vós batizados em nome de Paulo?” (1 Co 1.23). Estas são traduções mais precisas das próximas duas perguntas, ambas implicando uma resposta negativa. Ele falará um pouco mais adiante sobre “Cristo crucificado”. No Novo Testamento, o batismo era normal mente administrado no nome de Jesus Cristo (veja At 2.38; 8.16). As pessoas eram batizadas 935 I CORÍNTIOS 1 em (en) ou no (eis) seu nome; as preposi ções sugerem a entrada em comunhão com Ele. O batismo estava baseado na autori dade do nome de Jesus, porque, confor me o uso bíblico, o nome de uma pessoa estava freqüentemente relacionado àquilo que ela era. O próprio Jesus ordenou que o batismo fosse realizado no nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo (Mt 28.19). O batismo retrata também a participação do crente na morte e ressurreição de Cristo (Rm 6.3,4). É possível, baseado na discus são de Paulo em 1 Coríntios 10.1-6, que os coríntios tivessem uma visão altamen te mística do batismo (veja Héring, 7). Devido à situação partidária que se desenvolveu, Paulo expressa gratidão por ter batizado poucos membros da congre gação coríntia. Na melhor hipótese, so mente estes poucos poderiam erronea mente reivindicar haver sido batizados em nome de Paulo (v. 17), uma idéia detes tável para o apóstolo. Crispo era prova velmente o principal da sinagoga que se tornou um dos primeiros convertidos em Corinto (At. 18.8). Várias pessoas no Novo Testamento mencionam o nome Gaio (At 19-29; 20.4; Rm 16.23; 3 Jo 1); o Gaio aqui mencionado provavelmente é o homem que era hospitaleiro a Paulo e a toda a Igreja (Rm 16.23). Paulo recorda que batizou tambéma casa deEstéfanas (veja 1 Co 16.15- 18); este possivelmente esteve presente na ocasião em que esta carta foi escrita. Quem estava incluído na “família” (oikos) de Estéfanas? A palavra grega não é pre cisa; podia incluir todos os membros de uma família, além dos servidores ou es cravos. Isto implica que Paulo batizou bebês ou crianças? Não é dado nenhum deta lhe, porém, uma referência posterior ao conceito doméstico é instrutiva. Paulo diz que a casa de Estéfanas (oikia, um sinô nimo) havia se “dedicado ao ministério dos santos” (16.15). Esta frase, é claro, exclui bebês e crianças do significado de casa nesta passagem. Será que Paulo pensou que o batismo era relativamente sem importância, uma vez que batizou tão poucos convertidos e também diz: “Porque Cristo enviou-me (apostello, isto é, comissionou-me) não para batizar, mas para evangelizar”? (v. 17) As evidências indicam o contrário. Atos 19.1- 6 registra como Paulo explicou o batis mo cristão para certos homens em Éfeso que já haviam participado do batismo associado a João Batista. Eles concorda ram em ser batizados no nome dejesus, e Paulo fez o batismo. Em 1 Coríntios 1.13- 16 ele usou o verbo baptizo cinco vezes. Em 10.1,2 ele fala dos Israelitas sendo “batizados em Moisés”, cuja realização tipológica é o batismo cristão. O batismo era realmente central para sua doutrina de salvação, pois ele diz que fomos se pultados com Cristo através do batismo em sua morte (Rm 6.3,4; Cl 2.12). Além disso, em algumas passagens é difícil separar 0 pensamento de ser batizado em Cristo, pelo que os crentes se tornam membros de seu corpo, do que algumas vezes é chamado de “batismo nas águas” (Gl 3 ■ 27; 1 Co 12.13; Ef 4.5). Em outras palavras, Paulo, como Jesus, dava considerável importância ao batis mo. Ainda que o próprio Jesus não tenha batizado seus seguidores, contudo, delegou o batizar a seus discípulos (Jo 4.1,2). Igual mente Paulo deve ter tido ajuda conside rável (por exemplo, de Silas e Timóteo) para assegurar que aqueles novos con vertidos fossem batizados. O batismo não exigia qualquer dom especial ou pesso al, mas a pregação sim. A ausência deste requisito não deprecia o batismo, que deve ser precedido pela pregação do evange lho (Robertson e Plummer, 15). Cristo enviou Paulo para “pregar o evangelho” (eu an g elizom ai). Esta pala vra quer dizer “trazer boas novas”. Foi usada no anúncio do anjo aos pastores: “eis aqui vos trago novas de grande alegria” (Lc 2.10), e é encontrada ao longo do Novo Testa mento como a mensagem do evangelho divulgada por todo o mundo mediterrâ neo. Paulo enfatiza que esta pregação não era “com palavras de sabedoria humana” (“em inteligência de fala”; “com sabedo ria eloqüente”; “com sabedoria de pala vras”). Ele não reivindica ser um orador, nem aspira ser. O apóstolo fala deste modo por causa da alta consideração dos gre gos para com a sabedoria, a qual ele mostrará 936 I CORÍNTIOS 1 resumidamente que é extraviada, e real mente um impedimento para que rece bessem o evangelho. Sua preocupação pri mária é comunicar o conteúdo das boas novas, e não a maneira como é comunicada. As boas novas são a mensagem da “cruz de Cristo”. Esta expressão não se refere ao instrumento de madeira de execução, em quejesus foi pendurado. É uma figu ra de linguagem — uma metonímia, em que uma palavra ou termo é usado para algo que está prontamente associado. É como uma “taquigrafia teológica” que se refere à morte redentora dejesus e acontece freqüentemente nos escritos de Paulo, ou como “a cruz” ou “a cruz de Cristo, ou a cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Gl 5.11; 6.12, 14; Ef 2.16; Fp 2.8; 3-18; Cl 1.20; 2.14; Hb 12.2; veja como referências paralelas At 5.30; 10.39; 13.29; Gl 3.13; 1 Pe 2.24). 2.1.2. A Sabedoria e o Poder de Deus (1 .1 8 -3 1 ).Nos versos 18-25, Paulo divi de a humanidade descrente em dois gru pos: judeus e gregos. Freqüentemente no Novo Testamento, a designação “os gre gos” é um modo de referir-se a todos os gentios (cf. v. 23), uma vez que o mundo do Novo Testamento era largamente um mundo de fala grega (veja Rm 1.16; 10.12; Gl 3.28; Cl 3-11). Ao longo do parágrafo Paulo coloca o enfoque em judeus e gentios. Porém, a designação “os gregos” tem uma importância especial, uma vez que Corinto era a capital provincial da Acaia, uma parte A cruz se tornou rapidamente um “figura” que repre sentava a mensa gem de Cristo. Esta cruz está em uma das colunas de uma capela em Kursi, que é o local onde se deu a história da “legião" de demônios que Jesus expulsou e que por sua permis são entrou em uma manada de porcos que se precipitou no mar da Galiléia, afogando-se. da Grécia atual, sendo bastante provável que a maioria de seus cidadãos fossem de etnia grega. A mensagem da cruz tem um efeito duplo nos ouvintes. Para aqueles que a aceitam, significa salvação; para aqueles que a rejeitam, significa destruição. Não existe nenhum meio termo; uma pessoa é salva ou não. Paulo fala com mais precisão daqueles que “perecem” e dos “salvos”. A salvação não é experimentada em sua plenitude nesta vida, nem a destruição es piritual é irreversível nesta vida. Existe um aspecto escatológico para cada situação; tanto a salvação quanto o julgamento têm aspectos presentes e futuros. Para os judeus e gregos, a mensagem era “loucura” (v. 18). Era loucura para os gregos incrédulos porque não coincidiu com sua noção de sabedoria. Era debili dade e uma pedra de tropeço para os judeus incrédulos porque não coincidiu com sua noção de poder. Para um judeu, um Messias crucificado era uma contradição de ter mos, pelo fato de alguém ser pendurado ou crucificado indicar a maldição de Deus sobre si (Gl 3.13; cf. Dt 21.23). Os coríntios atribuíam uma conside rável importância à sabedoria; a Grécia antiga orgulhou-se de sua história de fi lósofos ilustres (ou literalmente eram “amantes da sabedoria”). Note o comentário de Lucas sobre a preocupação dos gre gos com a sabedoria em Atos 17.21:“Pois todos os atenienses e estrangeiros resi dentes de nenhuma outra coisa se ocu pavam senão de dizer e ouvir alguma novidade”. A idéia de um Salvador cru cificado não fazia sentido para eles, uma vez que não se adequava à idéia que ti nham de um líder. “Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século?” O homem sábio é o filó sofo grego; o escriba é o judeu estudio so da lei; o termo inquiridor ou debatedor é aplicável tanto para gregos quanto para judeus. “Deste século” [aion] era uma de signação judaica que se referia ao tem po que precedia a “era vindoura”, isto é, a era messiânica (Lc 18.30; 20.35). Paulo fala “deste século” somente em termos negativos (1 Co 2.6; 2 Co 4.4; Ef 2.2). 937 I CORÍNTIOS 1 A sabedoria humana é a sabedoria “do mundo”— uma frase sinônima à frase “deste século”. Tal sabedoria não conduz a Deus. A diferença fundamental entre religião e fé cristã, reside no fato de que a religião é a tentativa da humanidade de elevar-se e conhecer a Deus; porém o mundo, através de sua própria sabedoria, não pode conhecê- lo (v. 21; veja Rm 1.18-31). As Escrituras enfatizam que Deus tomou a iniciativa de alcançar a humanidade, através da cruz, para levar-nos a si mesmo. O evangelho de João registra um inci dente em que alguns gregos pediram para conversar com Jesus (Jo 12.20-25). Não existe qualquer indicação de quejesus tenha concedido a petição. Ao invés disso, Ele falou sobre sua morte iminente. Pode-se inferir quejesus tenha respondido deste modo, porque estes gregos (possivelmente judeus heleriísticos) eram atraídos a Ele por considerarem-no somente como um filósofo e grande mestre. Os judeus incrédulos exigem sinais milagrosos como prova de que Jesus era realmente o Messias. Após Jesus ter alimen tado os quatro mil, os fariseus pediram-lhe um sinal do céu (Mc 8.11,12), mas Jesus não os atendeu. Em outra ocasião alguns fariseus e doutores da lei disseram a Jesus: “Mestre, quiséramos ver da tua parte algum sinal” (Mt 12.38; veja também 16.4; Jo 4.48; 6.30). Novamente Jesus não atendeu aos seus desejos. Ao invés disto, disse que o único sinal que seria dado a “uma gera ção má e adúltera” era o sinal do profeta Jonas, que apontou para sua morte e se pultamento (Mt 12.39-41). A lição é clara: Nenhuma quantidade de milagres convencerá uma pessoa que se recusa a crer. O judeu de coração endurecido julgou impossível acreditar em um Messias crucificado. O meio pelo qual os indivíduos são salvos é a “loucura da pregação” (1.21). Loucos, sim, a partir de um ponto de vista huma no. Paulo não está falando aqui sobre o ato de pregar, mas a respeito do tema da pregação — Cristo crucificado (v. 23; veja 2.2; Gl 3-1)- “Cristo não era pregado como um conquistador que agradasse ao judeu, nem como um filósofo que agradasse ao grego” (Robertson e Plummer, 22). Aprouve a Deus (eudokeo) ordenar a morte de Cristo como o meio pelo qual as pessoas podem ser salvas (v. 21). O tema relacionado àquilo que aprouve a Deus (o verbo eu d okeo ; e o substantivo, eudokid) é encontrado nos demais escritos de Paulo (Gl 1.15; Ef 1.5; Fp 2.13; Cl 1.19); e enfatiza a soberania de Deus, como também seu bom prazer em ordenar certas coisas. Concluindo os versos 18-25, Paulo diz que aos gregos que Cristo é “a sabedoria de Deus”, e aos judeus que Cristo é “o po der de Deus”. A cruz é uma demonstração da sabedoria divina por trazer tanto a justi ça quanto o amor de Deus. Por meio da cruz, Deus se mostra tanto justo quanto o que “justifica aquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26). A cruz é também uma demonstração do poder divino que triunfou acima das forças do mal,-fornecendo redenção e libertação para todo aquele que responde em fé. Nos versos 26-31 Paulo continua a demonstrar sua compreensão a respeito da composição da congregação coríntia. Para ilustrar a verdade daquilo que aca bou de escrever, Paulo exorta os coríntios a considerarem a composição de sua Igreja. No momento em que foram chamados, não eram chamados “muitos sábios segundo a carne” ou pessoas “influentes” (literal mente, “poderosas”), nem muitos “nobres” por nascimento. A igreja primitiva não estava desprovida destes tipos de convertidos (veja At 17.4, 12, 34; Rm 16.23), mas esta não era a composição da maioria dos mem bros da igreja em Corinto (1 Co7.21). Embora pessoas de todos os níveis sociais e eco nômicos tenham se tornado crentes, os registros históricos dão conta de que nos tempos do Novo Testamento o evange lho era mais prontamente recebido pe las classes mais baixàs da sociedade. A soberania de Deus aparece novamente, por três vezes, na ocorrência da palavra “escolheu” (w . 27,28) “... Mas Deus es colheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confun dir as fortes. E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são para aniquilar as que são”. Seu propósito em tudo isso é que “nenhuma 938 I CORÍNTIOS 1 carne se glorie perante ele”. Deus deter minou que somente Ele receberá a gló ria pela salvação da humanidade, pois esta é uma demonstração de sua graça e não se baseia em esforços humanos (Ef 2.8,9). Os crentes são tanto de Deus quanto de Cristo Jesus (v. 30). Deus é a fonte de sua vida espiritual Qo 1.12,13; 2 Co 5.17,18). Além disso, desfrutam uma relação ínti ma com Cristo. A expressão “em Cristo” é uma das favoritas de Paulo, e está inti mamente associada ao conceito de ser parte do corpo de Cristo. A íntima identificação dos crentes com Cristo faz com que recebam sabedoria, justiça, santidade e redenção. Cristo é realmente a “sabedoria de Deus” (v. 24), e nEle “es tão escondidos todos os tesouros da sa bedoria e da ciência” (Cl 2.3). Podemos dizer que Ele é a própria personificação da sa bedoria de Deus. Em Provérbios, a sabe doria é personificada e está intimamente associada à criação (Pv 8.22-31). Este conceito é notavelmente paralelo ao que João diz sobre o papel do Logos na criação (Jo 1.1, 3). A sabedoria não é mais uma abstração ou uma busca humana, conforme muitas vezes declarado por Paulo (1 Co 1.17,19, 21). Os cristãos agora possuem uma pes soa, Cristo, que representa a própria sa bedoria de Deus. As palavras sabedoria (soph ia), jus tiça (dikaiosyne), santidade (hagiasm os), e redenção (apolytrosis) (v. 30) podem coordenar-se umas com as outras, e re presentar os vários benefícios que um crente recebe. Mas é também possível aceitar a tradução da NIV, que toma as últimas três como uma elaboração de Cristo com o a sabedoria de Deus (Robertson e Plummer, 27). Cristo é realmente a “justiça” do cris tão porque “àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Co 5.21). Cristo é o Justo (At 3-14; 22.14; 2Tm4.8; 1 Pe3.18; lJo 2 .1 ,29; 3.7). Devido à nossa identificação com Ele, participa mos em sua justiça. A justiça é um termo legal ou forense que lembra a imagem da sala do tribunal, onde um transgressor está diante de um juiz. O transgressor é tido por culpado e deve ser punido, mas um terceiro intervém e paga a penalidade. Assim acontece com os pecadores na presença de Deus. A justiça de Cristo lhes é aplica da, de forma que passam a ter o direito de permanecer na presença de Deus. Quando aceitam a oferta de Cristo pela fé, sua fé lhes é imputada como justiça (Rm 1.17; 4.3; Gl 3.6). Cristo tornou-se também a “santidade” ou a santificação do crente. Paulo chamou os crentes de “santificados em Cristo Je sus, chamados santos” ( 1.2). O apóstolo tem muito a dizer nesta carta sobre a conduta santa que Deus exige dos cristãos (veja também 1 Ts 4.37), mas a palavra aqui refere- se à identificação de um crente com Cris to, como àquEle que é Santo (Mc l!24; Lc 1.35; 4.34; Jo 6.69; At 3.14; 4.27; Ap 3-7). Paulo fala de nossa experiência inicial de santidade, no momento da conversão,por meio da qual compartilhamos a santida de de Cristo (1 Co. 6.11). Quando se fala em santidade, lembramo-nos do templo como o lugar santo de Deus. Finalmente, Cristo também é a “redenção” para o crente. A redenção envolve duas idéias: ser liberto de algo e o preço pago por esta liberdade. Posteriormente, Pau lo escreve nesta carta: “fostes comprados por bom preço” (6.20; 7.23). Em outra passagem diz: “Em quem [Cristo] temos a redenção pelo seu sangue” (Ef 1.7). Pedro também enfatiza o altíssimo custo da re denção quando diz que não fomos redimidos com coisas perecíveis como prata ou ouro, mas com o precioso sangue de Cristo (1 Pe 1.18,19). O aspecto de libenação ou liberdade remonta à libertação de Israel da escravidão egípcia; lembra também a provisão do Antigo Testamento para a alforria de escravos. Paulo faz alusão a estas ver dades em Gálatas 4.3-7, quando lembra aos crentes que outrora estavam em es cravidão, mas agora foram redimidos, de forma que não são mais escravos, mas filhos de Deus. A imagem trazida à mente é de uma feira em uma cidade da antiguida de, onde os escravos eram freqüentemente vendidos em leilões. Tendo em vista tudo o que disse, Pau lo apela aos crentes para que reconheçam 939 I CORÍNTIOS 2 completamente a dívida de gratidão que cada um tem para com o Senhor. Nada daquilo que possuem em sua vida espiritual é motivo de jactância pes- soal(1.31). Pelo contrário, o único motivo possível para a jactância é “no Senhor” (veja Jr 9.23,24). 2.1.3- O Testem unho do Paulo (2 .1-5) .Por causa da preocupação dos coríntios com a sabedoria humana, Paulo agora deixa claro sua posição quanto à relação entre a sabedoria humana e a pregação do evangelho. Cita a si mesmo como um exemplo de alguém que con fiou no Espírito Santo, e não na elo qüência ou na sabedoria humana, para que sua mensagem fosse efetiva. De acordo com o que disse no fim do capítulo 1, o apóstolo se gloria no Senhor. A primeira palavra do texto grego é enfática: kago (literalmente, “e eu”). Paulo não veio aos coríntios procurando de monstrar uma sabedoria superior (re ferindo-se aos processos envolvidos no pensamento) ou, semelhantemente, uma eloqüência exagerada (referindo-se à maneira de expressão). A natureza de sua mensagem era uma proclamação do “testemunho de Deus” (cf. “o teste munho de Cristo confirmado entre vós” em 1.6). Deus e Cristo estavam no centro de sua mensagem, e não a especula ção humana ou filosófica. Paulo falara previamente sobre a pre gação do evangelho (euangelizom ai, 1.17) e do (keryssó) Cristo crucifica do (1.23). Agora usa outro sinônimo: “fui ter convosco, anunciando-vos (katangello) o testemunho de Deus”. A primeira palavra grega incorpora a idéia das boas novas da salvação; a segunda, a atividade de um arauto ao fazer uma proclamação; e o terceiro, a idéia de que a comunicação é uma mensagem. Paulo enfatiza novamente que o cen tro de sua mensagem é Jesus Cristo, especialmente sua crucificação (v. 2). “Crucificado” é um particípio perfei to em grego (cf. também 1.23). Esta forma do verbo é significativa porque retrata Cristo como crucificado no passado, com os benefícios de sua morte continuando no tempo presente. “A crucificação é permanente em sua eficácia” (Morris, 46). Paulo visitou Corinto (At 18.1) logo após deixar Atenas, onde encontrou oposição e ridicularização. Lá os re sultados eram pequenos comparados àqueles em outras cidades que visitou. Por isso alguns interpretaram seus comentários em 1 Coríntios 2.3,4 como defensivos, implicando que chegou a Corinto deprimido e derrotado, ten do percebido o fracasso de sua tenta tiva de ser sábio e persuasivo em Ate nas. Deste modo, determinou não repetir tais erros. Esta interpretação, porém, é desnecessária e incorreta. Paulo está contrastando sua disposição mental e seu modo de se expressar, não com sua experiência em Atenas, mas com a arrogância e a aparente sabedoria e eloqüência que agradavam a muitos dos coríntios. Para ele, a pregação do evangelho era uma responsabilidade temerosa e assustadora; há uma pe quena chance de que tenha feito isto com um sentimento de “fraqueza, te mor, e tremor”. Estas palavras descrevem seu modo habitual de pensar, quan do pregava (cf. 1 Ts 1.5). Era um sen timento de completa inadequação diante da tarefa de evangelizar cidades como Corinto. “Esta é a base do encorajamento que lhe foi dado pelo Senhor em Atos 18.9 e seguintes” (Bruce, 37). Longe de depender de seus próprios recursos ou de sua capacidade de per suasão, Paulo contava com o Espírito Santo. Sua mensagem não era trans mitida por “palavras persuasivas de sabedoria humana”. Antes, era uma “de monstração [apodeix is] do Espírito e de poder” (tradução literal). O termo apodeixis pode ser traduzido como “ma nifestação” (NASB); seu significado aqui é “prova do espírito e poder, isto é, uma prova que consistia em ter o Espírito e o poder de Deus” (BAGD, 89; cf. At 2.22; 25.7, onde a forma do verbo deste grupo de palavras aparece significando “provar” ou “atestar”). 940 I CORÍNTIOS 2 Várias outras passagens do Novo Tes tamento ligam o Espírito Santo ao poder (por exemplo, At 1,8; 10.38; Rm 15.13; 1 Ts 1.5). A frase “do Espírito e de poder’' (aqui e em At 10.38) pode ser entendida de diversas maneiras. “Poder do espíri to”, “Espírito, isto é, poder”, ou “Espírito poderoso”. Os escritores não estão falando de duas idéias separadas, mas certamen te estão formulando um pensamento em que dois substantivos podem estar tão re lacionados a ponto de formarem uma única idéia (o termo técnico é hendiadys). Note que esta identificação do Espírito com o poder é paralela à frase “poder de Deus” (1 Co 2.5), implicando que o Espírito Santo é Deus. Esta identificação do Espírito com Deus recorda as declarações de Pedro a Ananias em Atos 5.3,4. “... para que mentisses a o Espírito Santo..." e “Não mentiste aos homens, mas a Deus". Paulo conclui o parágrafo fazendo uma proclamação efetiva do evangelho dizendo que o poder do Espírito Santo produzirá a “fé” nos ouvintes. Tal fé não repousará na sabedoria humana, que pode mudar e que de fato muda constantemente, mas no poder de Deus. Estes versos contêm a primeira referência ao Espírito Santo nesta carta. Paulo falará muito mais sobre Ele no restante deste capítulo e em outros pontos chave da carta. 2.1 .4 . A Falsa e a Verdadeira Sabe d oria (2 .6 -1 6 ). A palavra “sabedoria” {sophia) ocorre quinze vezes nos dois pri meiros capítulos da carta e somente duas vezes em outras passagens (3 -19; 12.8). Em 3.19, a frase “a sabedoria deste mun do” está de acordo com os comentários de Paulo, aqui, em contraste com a sabe doria de Deus na cruz; em 12.8, ela é considerada como um dos dons espirituais. Os versos 6-9 trazem vários tópicos de suma importância. Paulo e outros verda deiros proclamadores do evangelho (notem o pronome “nós” no verso 6) falam de sabedoria “entre os perfeitos [teleioi]”. Quem são os perfeitos? [ou maduros]. Sob certo ponto de vista, este gmpo está sendo diferenciado dos “meninos em Cristo” (3-1), e então se refere a cristãos que atingi ram um grau mais elevado de espiritua lidade (Héring, 15,16; Robeitson e Plummer, 35). Se esta era a intenção de Paulo, então está reprovando os coríntios por seus con ceitos errôneos sobre a maturidade es piritual, de forma que se colocaram aci ma dos outros cristãos. A verdadeira ma turidade, segundo o apóstolo, é a acei tação não da sabedoria humana, mas da sabedoria da cruz. Alternativamente, a frase pode se referir a todos os que aceitaram a cruz como a sabedoria de Deus. Neste caso, o contraste não está entre os cris tãos espiritualmente superiores e infe riores, mas entre aqueles que aceitam e aqueles que rejeitam a mensagem da cruz (Fee, 101-3). Destas duas interpretações, a segunda é a preferível. A sabedoria humanamente gerada é negativamente caracterizadasob dois aspectos, é “deste mundo [aion]’’ e pro vém “dos príncipes deste mundo”. Estas frases provavelmente se referem à origem desta sabedoria. Paulo já caracterizou a sabedoria humana como pertencente a este mundo [aion] (1 .20). O apóstolo usou uma palavra sinônima (kosm os) ao falar sobre os mesmos tópicos(l.20,21,27). Em outra parte, caracteriza “este munclo” como per verso (Gl 1.4). Como um judeu, às vezes contrastou “este mundo” com “o mundo vindouro” o qual o judaísmo identificou como a era messiânica. Mas como para Paulo o Messias já tinha vindo, podia fa lar dos cristãos como aqueles “para quem já são chegados os fins dos séculos” (1 Co 10.11; veja também Hb 6.5). Que são “os sábios [archontes] deste mundo? As opiniões estão divididas. Alguns os identificam como forças demoníacas ou espiritualmente negativas. O próprio Senhor Jesus chamou Satanás de “príncipe [archon] deste mundo [kosmosf (Jo 12.31; 14.30; 16.11); Paulo o chama de “o Deus deste século [aion]” (2 Co 4.4) e “príncipe das potestades [archon] do ar” (Ef 2.2; cf. a palavra arche que está relacionada às forças demoníacas mencio nadas em Rm 8.38; Ef 1.21; Cl 2.15). Héring os vê como poderes sobrenaturais, que não são perversos por natureza (16,17; cf. tam bém Baice, 38,39). Por outro lado, a frase é especificamente usada para autoridades terrenas em Atos3-17;4.5,8,26; 13-27; 14.5; 941 I CORÍNTIOS 2 e Romanos 13.3. Além disso, o verso 8 deste capítulo diz que os “príncipes deste mun do” não entenderam a sabedoria de Deus, e conseqüentemente cmcificaramjesus (cf. At 3-17; 13-27). Isto não pode ser dito dos demônios, já que estes sabiam quem era Jesus (Mc 1.24). É possível, porém, perceber uma conexão entre estas duas interpretações quan do se observa o que Paulo disse: “...o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo” (2 Co 4.4). Os príncipes deste mundo “se aniqui lam” (2.6). A palavra que Paulo usa aqui, katargeo, consta nove vezes nesta carta e dezesseis vezes em seus outros escri tos. Nesta passagem, este termo significa “levar a nada, tornar-se ineficaz, invali dar” (como em 1.28). É importante notar que os príncipes deste mundo estão em um processo que não os levará a lugar algum. Seu fim, juntamente com a sabedoria que representam, é certo. Paulo está confiante de que a mensagem da cruz triunfará em última instância acima da sabedoria e dos príncipes deste mundo. “A sabedoria de Deus, oculta em mis tério” (v. 7) é literalmente a sabedoria de “Deus em um mistério”. Notamos vários tópicos que se relacionam a esta expres são. 1) Existe uma qualidade secreta na sabedo ria de Deus; é algo enigmático, impossí vel de ser compreendido. É oculto para aqueles que rejeitam o evangelho (2 Co 3.14; 4.3). 2) Isto estava nos planos de Deus. Era pré- ordenado, ou pré-destinado por Ele “antes dos séculos” (literalmente, “antes do mun do”). O propósito redentor de Deus em Cristo não era uma reflexão tardia (Ef 3-2-6). 3) Geralmente o uso da palavra mistério (mysterion) nos escritos de Paulo é algo que havia sido ocultado e agora estava sendo revelado por Deus (Rm 16.25,26; Ef 3-2-6; Cl 1.26,27). Ele atribui esta revelação ao Espírito Santo (1 Co 2.10). O propósito de Deus em tudo isso é “nossa glória” (v. 7), uma expressão relacionada ao final dos tempos. No final, seremos trans formados para ser conforme a imagem do Filho de Deus (Rm 8.29), que é o Senhor da glória (1 Co 2.8; cf. Tg 2.1). A expres são “Senhor da glória” consta diversas vezes no livro não canônico de 1 Enoque, como uma expressão que se refere a Deus (22.14; 25.3,7; 27.3,4; 63.2; 75.3); Paulo aplica esta expressão a Cristo. A completa transfor mação dos salvos na imagem do glorioso Filho de Deus acontecerá por ocasião de seu retomo (1 Jo 3.2), e incluirá a trans formação do coipo do crente de forma que será como o corpo glorioso de Jesus (Fp 3.20,21; veja também Rm8.18,21; 2 Co 4.17). Paulo desenvolve este tema em 1 Coríntios 15; entretanto, mesmo no presente, os crentes estão no processo de serem transforma dos à semelhança de Cristo “de glória em glória”, refletindo “a glória do Senhor” (2 Co 3.18). Paulo agora apela para as Escrituras como seu apoio (v. 9). “As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem são as que Deus preparou para os que o amam”. A fórmula recorrente “está escrito” indi ca o quão profundamente amigado o Novo Testamento está no Antigo — entretan to, às vezes é difícil para nós hoje ver mos uma conexão entre um texto do Antigo Testamento citado no contexto do Novo Testamento. Não se sabe ao certo qual é a resposta para a pergunta “Que passa gem do Antigo Testamento é citada no verso 9?” “É mais provável que a ‘cita ção’ seja uma amalgamação de textos do Antigo Testamento que já tenham sido unidos e refletidos no judaísmo apocalíptico (Fee, 109; vejais 64.4; 65.17; também 52.15). Os escritores do primeiro século não se sentiram obrigados a transcrever literal mente as Escrituras; para eles o impor tante era não cometer alguma violação ao texto original”. Para o leitor do primeiro século, a fra se: “o olho não viu, e o ouvido não ou viu, e não subiram ao coração [tradução literal] do homem”, representava vários processos internos, dos quais um era a mente humana. O pensamento geral de Paulo está claro aqui. A humanidade, separada mente da ajuda do Espírito, é incapaz de 942 I CORÍNTIOS 2 compreender física ou intelectualmente a glória que Deus preparou para aqueles que o amam. Uma significativa mudança acontece em uma discussão de Paulo com os coríntios, cuja ênfase estava em conhe cimento, sabedoria, e na habilidade em oratória; a ênfase de Paulo está em amar a Deus. O amor é o mais importante (8.1; 13.2). “Não ag n osis [conhecimento], mas o amor é a máxima da maturidade e es piritualidade cristã” (Barrett, 73)- Os versos 10-16 enfocam mais adian te o papel do Espírito Santo em tudo que aconteceu anteriormente. Ele é mencio nado seis vezes nestes versos. 1) O Espírito é o meio pelo qual Deus revela a si mesmo e a seus propósitos (v. 10). Sozinhos, como seres humanos, somos incapazes de descobrir a Deus ou seus propósitos. 2) O Espírito penetra as profundezas de Deus (v. 10); não existe nada além de seu co nhecimento. O fato de o Espírito conhe cer os pensamentos de Deus (v. 11) de monstra novamente a sua divindade. A analogia de um ser humano e seus pen samentos é apropriada. Além do próprio Deus, ninguém é capaz de conhecer o in terior de uma pessoa; somente o próprio espírito da pessoa. O mesmo ocorre com Deus e seu Espírito. 3) O ministério do Espírito está diretamente relacionado à habilitação dos crentes a compreender o que Deus lhes deu gratui tamente. Estas coisas já estão ocorrendo; o Espírito Santo as revela. Muito do que Paulo diz sobre o Espí rito Santo lembra um dos pensamentos dejesus sobre a atividade do Paracleto, o Espírito de verdade. “[Ele] vos ensina rá... e[Ele] vos fará lembrar...” (Jo 14.26). “Ele vos guiará em toda a verdade” (16.13). “Ele me glorificará” (16.14). O Espírito “há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” ( 16.15). Os cristãos receberam “o Espírito que provém de Deus” (Rm 8.14-16; Gl 3-2; 4.6), não “o espírito do mundo” (cf. também Rm8.15; 2 Tm 1.7). “O espírito do mun do” às vezes é entendido como sendo Satanás, especialmente porque dois es píritos estão sendo contrastados nestas passagens (veja notas em 1 Co 2.6, aci ma). Paulo certamente acreditava na exis tência de Satanás e dos demônios, po rém é mais provável que a frase se refira à atitude característica daqueles que confiam nos recursos e na sabedoria humana. A palavra grega para espírito (pn eu m a ) pode significar, como no in glês e no português, uma entidade no reino não-físico, uma atitude ou disposição. Os cristãos sãoaqueles que idealmente não permitem que sua vida seja influencia da pelas atitudes que prevalecem no mundo incrédulo. Barrett (75) acrescenta que “o espírito do mundo” é quase indistinguível da sabedoria deste mundo” (1 Co 2.6). Ambas as expressões “sugerem uma re ferência à sabedoria” que é “egocêntrica”, e que é uma condição que impede que alguém entenda a verdade divina mani festada no Cristo crucificado. As palavras finais do verso 13 foram traduzidas de várias maneiras. Por exemplo: — Expressando verdades espirituais com palavras espirituais (NIV) — Comparando as coisas espirituais com espirituais (NKJV) — Combinando pensamentos espirituais com palavras espirituais (NASB) — Interpretando as coisas espirituais para aqueles que são espirituais (NRSV) Duas palavras gregas são os pontos de discussão desta variação. A primeira é synkrino , que a NIV traduz como “expres sando”, e que pode significar: 1) Trazer consigo, combinar; 2) Comparar; 3) Explicar, interpretar (BAGD, 774). A segunda palavra épneum atikos, que a NIV traduz como “palavras espirituais”. Devido à forma específica da palavra (dativo- plural), ela pode ser masculina ou neu tra, e pode ser variavelmente traduzida como “para/por coisas espirituais”, “pessoas espirituais”, ou até “palavras espirituais” (já que o termo “palavra” [logos} é mas culino). O ponto principal é que estas verdades são atribuídas ao Espírito San to, e são comunicadas: 1) Por meio de palavras espirituais; ou 943 I CORÍNTIOS 2 2) A pessoas espirituais. Se de fato as pesso as “espirituais” realmente forem os desti natários destas verdades, então isto leva naturalmente aos versos que se seguem. Nos versos 14-16, Paulo contrasta “o homem espiritual” (pn eu m atikos , uma palavra baseada empneurna [espírito] ) com “o homem que não tem o Espírito San to!”. A frase “sem o Espírito”, porém, é uma interpretação da NIV e não uma tradução da palavra grega psychikos, uma palavra baseada em psique (alma, vida). Os léxi cos sugerem o significado de “um homem que não é espiritual, alguém que vive unicamente no plano material e que nunca foi tocado pelo Espírito de Deus” (BAGD, 894). “Opsychikos é o ‘homem não reno vado’, o ‘homem natural’”, é “diferente do homem que é movido pelo Espírito” (Robertson e Plummer, 49) ■ Em passagens como esta,psyche epneum a são antitéticos. A pessoa natural vive separada do Espí rito de Deus e, conseqüentemente, é in capaz de aceitar as coisas que vêm do Espírito, considerando-as como tolice. Além disso, estas pessoas são incapazes de entender porque são “espiritualmente discernidas” (anakrino ). Este verbo ocorre dez vezes em 1 Coríntios, freqüentemente com o significado de “avaliar, estimar, examinar, esmiuçar, julgar” (como em 14.24). A pessoa espiritual, em contraste, tem a capacidade de julgar ou avaliar todas as coisas por causa do poder do Espírito Santo, que habita em seu interior, e que a dirige na tomada de decisões. Isto não implica infalibilidade ao fazer julgamen tos, mas destaca que em assuntos espiri tuais tal pessoa entra em uma esfera com pletamente diferente daquela da pessoa natural. Paulo diz que a pessoa espiritu al não está sujeita a qualquer julgamento humano: “... deninguémédiscemido”(v.l5). Isto, porém, não faz com que o indivíduo se coloque acima das críticas. Mais tarde, Paulo enfatizará que as expressões ver bais presumivelmente inspiradas devem ser julgadas por outros crentes (14.29). Deste modo, na passagem presente, qualquer julgamento do homem deve ser entendi do como julgamento do homem natural, ou seja, qualquer um que vive separado do Espírito de Deus é incapaz de avaliar assuntos que estão no plano do Espírito. Para sustentar este ponto, Paulo apela a Isaías 40.13, onde o texto hebraico fala do “Espírito do Senhor [Yahweh]”. Mas no texto grego de 1 Coríntios 2.16 lê- se: a “mente do Senhor!”, seguindo o grego da Septuaginta, ao invés do texto hebraico. A transição de Espírito para mente é fá cil, já que em 2.10 Paulo disse: “Porque o Espírito penetra todas as coisas, ain da as profundezas de Deus”, que é outro modo de falar sobre a mente de Deus (cf. Rm 11.34). A conclusão é que “nós [enfatizado no grego] temos a mente de Cristo”. O Espí rito/consciência de Jeov ã na passagem de Isaías torna-se agora a mente de Cristo. Aqui está uma equação implícita de Cristo como o Deus/Senhor do Antigo Testamento; sendo assim, esta passagem está falando de sua divindade. O Espírito Santo é o Espírito de Deus; é também o Espírito de Cristo (Rm 8.9), que vive nos crentes (1 Co 3:16) e que revela Cristo. Pelo fato de cada crente ser interiormente habitado pelo Espírito e por Cristo, não têm a mente ou o espírito do mundo. No plano ideal são controlados pela mente ou Espírito de Cristo. A doutrina da Trindade está implícita neste capítulo com sua menção de Deus, de Cristo e do Espírito Santo. Freqüentemente noNovo Testamento, e especialmente nas passagens que se referem implícita ou explicitamen te à Trindade, o termo Deus se refere ao Pai e o termo Senhor se refere ao Filho (por exem plo, veja 12.4-6; 2 Co 13-13; Ef 4.4-6). 2.1.5. AInraturidade Espiritual (3.1-4) Paulo atribui os problemas da igreja coríntia — especificamente seu fascínio pela sabedoria mundana e seu espírito divisor — à imaturidade espiritual. Para não atrapalhar a exposição seguinte, a atenção deve ser primeiramente dada a três adjetivos importantes usados para descrever pessoas espiritualmente defi cientes: psychikos, sarkinos, e sarkikos. Psychikos consta em 2.14 para descre ver a pessoa que é incapaz de receber ou entender as coisas que vêm do Espírito de Deus (veja a discussão acima). Esta palavra é contrastada com o “espírito” em várias 944 I CORÍNTIOS 3 passagens. No contexto da ressurreição dos crentes, o “corpo natural \psychikos]” é contrastado com o “corpo espiritual [pneumatikos]" (15.44,46). Tiago diz que a sabedoria humana “não é a sabedoria que vem do alto, mas é terrena, animal [psychikos] e diabólica” (Tg 3-15). Judas usa a palavra para descrever pessoas que “não têm o Espírito” (Jd 19). Este adjeti vo, quando aplicado a pessoas, diz res peito àqueles que não experimentaram a regeneração, a obra renovadora do Espírito Santo — isto é, são incrédulos. Os adjetivos sarkinos e sarkikos deri vam do substantivo sarx, freqüentemen te traduzido como “came”. O termo sarkinos ocorre quatro vezes no Novo Testamen to (Rm 7.14; 1 Co 3.1; 2 Co 3.3; Hb 7.16), e é encontrado em seis passagens (Rm 15.27; 1 Co 3-3; 9.11; 2 Co 1.12; 10.4; 1 Pe 2.11). Alguns não vêem nenhuma distinção entre eles em 1 Coríntios 3.1,3 (por exemplo, Barrett, 79, fn. 1; Héring, 22). Outros sus tentam que uma distinção deveria ser observada (por exemplo, Morris, Fee, Robertson e Plummer), alegando que sarkinos é um termo neutro, que signifi ca “feito de carne, carnal, pertencente ao reino da carne” (cf. 2 Co 3-3, onde é tra duzido como “humano”). Sarkikos, por outro lado, tem freqüentemente implicações éticas referindo-se a algo que é fraco ou pecaminoso (cf. 1 Pe 2.11, “peço-vos... que vos abstenhais das concupiscências [sarkikos] carnais”). Esta distinção será observada aqui. P neum atikos (espiritual) é o adjetivo contrastado com os três acima (1 Co 2.13- 15; 3 -1). O incrédulo épsychikos-, os crentes podem ser tanto sarkinos como sarkikos, embora possam consiáenr-scpnemnatikos. O termo pn eu m atikos é aplicável a todos os crentes, embora na prática alguns podem não demonstrar que são completamente controlados pelo Espírito. Paulo se dirige novamente a seus lei tores como “irmãos” (cf. 1.10), o que faz vinte vezes nesta carta. Em três exemplos diz “meus irmãos” ( 1.11; 11 .33 ; 14.39), e em uma ocasião diz “meus amados irmãos” (15.58). Isto é especialmente significati vo em vista de seu tom corretivo, às ve zes severo na carta. Não levando em con sideração as faltas doscrentes coríntios, estes ainda são seus irmãos. Os cristãos espirituais são cristãos ma duros; são primeiramente distintos dos carnais (sarkinos), que são crianças em Cristo (v. 1). Paulo está aqui apontando para a primeira ocasião em que partilhou o evangelho com eles. O problema não é que os crentes espiritualmente imatu ros estejam na igreja, porque todos os novos convertidos começam como cri anças espirituais. Como tais, precisam de leite e não podem ser culpados por ain da não estarem prontos para ingerir o alimento sólido (cf. a metáfora do leite em Hb 5.11,12; 1 Pe 2.2). Mas o proble ma surge porque certos coríntios são culpados pela estagnação do desenvol vimento espiritual. Ainda não estão prontos para o alimento sólido porque são “car nais” [sarkikos] (1 Co 3-2,3). Sua imaturidade espiritual é eviden ciada pela “inveja, contendas e dissen- sões” (v. 3). A palavra grega zelos pode ter tanto um significado positivo quan to negativo. Positivamente, quer dizer cuidado ou fervor (Rm 10.2; 2 Co 7.7, ll;9 .2 ;F p 3 .6 ); negativamente quer dizer ciúme ou inveja (Rm 13-13; 2 Co 12.20). O ciúme forma uma dupla com a dis- sensão (em , cf. 1 Co 1.11). “Ambos os termos apontam para a auto-asserção e rivalidades insalubres” (Morris, 62). Paulo inclui ambas as palavras nos atos da natureza pecadora do homem (“dissen- sões, inveja” Gl 5.20; veja também Rm 13-13; 2 Co 12.20). As contendas repre sentam o resultado de uma disposição pessoal e interior (zelos). O vocabulário grego da questão de Paulo no verso 3 requer uma resposta afirmativa. “Não sois, porventura, carnais [sarkikos] e não andais segundo os homens? O apósto lo está fazendo a mesma pergunta de duas maneiras diferentes. O andar é uma metá fora comum para a conduta de alguém (7.17; Gl 5.16; Ef 2.2; 4.1) Andar ou agir “como meros homens” (NIV, NASB) mostra o sentido da pergunta de Paulo. Aconduta destas pessoas está em um plano terreno ou humano, e não em um plano espiritual. 945 I CORÍNTIOS 3 O termo “quando” (hotan no v. 4), no original grego, implica que as expressões de divisão como “eu sou de...” mostram um problema contínuo. Paulo não men ciona Cefas aqui porque: 1) Está somente dando um exemplo do Es pírito de divisão; e 2) Tanto ele como Apoio estavam envolvi dos no ministério em Corinto, um assun to que será discutido a seguir. 2.1.6. Paulo e Apoio: Companheiros no Serviço ao Senhor (3 .5 -15). Paulo agora enfatiza que nem ele, nem Apoio, nem qualquer outra pessoa separada de Cristo deve ser seguida, porque ninguém pode levar o mérito pelo nascimento e crescimento da congregação de Corinto. Esta ênfase é seguida por uma forte lem brança do dia do juízo final, quando a obra de cada um será provada. Os versos 5-9 enfocam os ministérios de Paulo e Apoio, e servem como diretri zes para aqueles que estão envolvidos com o ministério. “Quem é Paulo e quem é Apoio?” São “servos” (d iakon o i), segui dores dos passos de Jesus, vieram não para ser servidos, mas para servir (Mc 10.45; Lc 22.25-27). O termo diakonosrepresentava originalmente alguém que servia as me sas (por exemplo, um garçom) e impli cava uma posição inferior à daqueles que estavam sendo servidos. É um termo fre qüentemente utilizado nas Escrituras re ferindo-se ao serviço (d iakon ia ) que deve ser prestado a Deus. Paulo e Apoio são, então, primeiramente servos do Senhor (1 Co 3-5), embora também exista um significado pelo qual são também servos do povo de Deus (2 Co 4.5). Foi por meio deles que os coríntios primeiramente oneram. Podemos perceber a implicação de que tanto Apoio como Paulo eram instrumentos de evangelizaçâo. A visita inicial de Paulo a Corinto está registrada em Atos 18.1- 18, e a de Apoio em Atos 18.27— 19.1. A frase “... conforme o que o Senhor deu a cada um [hekastos]” (que é uma paráfra se da NIV, para a frase literal: “o Senhor deu a cada um”), provavelmente seja a correta compreensão do intento de Paulo, e está de acordo com o que vem a se guir. Isto lembra os diferentes ministéri os da Palavra que Paulo menciona em outras passagens, onde diz que o Senhor “deu uns para apóstolos... profetas... evangelistas... pastores e doutores” (Ef 4.11). Robertson e Plummer<57> observam que hekastos (cada um ou todos) ocorre cinco vezes nos versos 5-13, enfatizando que Deus lida separadamente com cada indivíduo. Paulo enfatiza que o seu ministério e o de Apoio eram complementares, não havendo competição, pois eram “coope- radores de Deus” (v. 9), não no sentido de trabalharem junto com Deus (embora isto fosse certamente a verdade), mas tra balhando um com o outro p a r a o Senhor em sua obra (Bruce, 43). O apóstolo es clarece completamente este ponto usan do duas metáforas — “lavoura de Deus” e “edifício de Deus”. As metáforas da la voura e do edifício são combinadas em Jeremias 18.9; 24.6; e Ezequiel 36.9- Ocorrem também juntas na literatura de Qumran. “O conselho da comunidade deve ser fundamentado na verdade, como uma etema lavoura, uma casa santa para Israel” (1QS 8.5; cf. 8.7). A resposta para as perguntas “Quem é Paulo e quem é Apoio? (v. 5) é n ad a (v.7). O mérito pela existência da congregação pertence somente a Deus, pois na análi se final, o povo de Deus é a “plantação do Senhor” (Is 6l .3). Tendo a imagem agrária da Igreja como uma lavoura de Deus, Paulo se considera o semeador e Apoio o rega dor (v. 6). Ele é o evangelista que planta a semente, enquanto Apoio é o profes sor que cuida das plantas. Porém, esta aplicação nâo pode ser generalizada, já que Paulo foi freqüentemente um ensinador e Apoio também serviu como um evan gelista. O principal é que ambos têm ministérios complementares em relação ao povo de Deus, mas a vida da semente vem de Deus, não deles. Deus é quem efetiva a germinação e o crescimento da semen te (v. 6,7). Paulo enfatiza a unidade e a interde pendência de um servo para com o ou tro. Eles têm ministérios diferentes, mas “um mesmo propósito” (literalmente, “são um”). “Um” é neutro em gênero (hen ) e 946 I CORÍNTIOS 3 pode significar também que são unidos em espírito. A mesma palavra consta na declaração dejesus de que Ele e o Pai são um(Jo 10.30). Deste modo, Paulo e Apoio são companheiros de trabalho e conservos, amigos, não rivais. Estes temas relacionados à diversidade e unidade serão desenvol vidos mais tarde, no tratamento estendi do à Igreja como o corpo de Cristo (1 Co 12.12-27). Outro princípio importante é que cada um receberá uma recompensa (misthos) de Deus “segundo o seu trabalho” (v. 8). Esta recompensa não é baseada em qualquer conceito humano de sucesso. Sua natu reza não é especificada, mas o significa do básico da palavra grega é pagamento ou salário. Não é revelado o momento em que a recompensa ou o salário serão pagos, mas certamente inclui a bênção aguardada por aqueles que são servos fiéis do Se nhor (cf. Mt 25.19-23). Os versos 10-15 desenvolvem a metá fora da Igreja como o “edifício de Deus” (v. 9). Em alguns aspectos esta é análoga à metáfora do campo. Paulo plantou a semente; lançou os alicerces. Apoio regou a semente; edificou sobre os alicerces. Paulo atribui à “graça de Deus” (charis) tudo aquilo que realizou em seu ministé rio (v. 10). Em um sentido geral, o termo graça refere-se à benevolência de Deus para com aqueles que não a merecem. Em um sentido mais restrito é a capacitação dada por Deus quando nos encontramos sob pressão (“A minha graça te basta” [2 Co 12.91). O poder capacitador de Deus é parte do significado desta passagem. Além disto, este termo às vezes está ligado ao termo charism a (dom), cuja principal idéia é algo que tenha sido recebido como o resultado de uma graça (veja Rm 12.6; e também o verso 3). O dom de Paulo, nesta passagem, é o de um evangelista que está preparando o alicerce espiritual sobre o qual será construída uma Igreja (notamos nesta passagem que Paulo não costuma
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