Buscar

HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA E CIRROSE

Prévia do material em texto

Lúria Niemic – MED UNIC 34 
 
 
 
 
 
 
Cirrose hepática é um processo patológico irreversível 
do parênquima hepático caracterizado por dois 
componentes: (1) fibrose hepática “em ponte”, com 
formação de shunts vasculares no interior dessas traves 
fibróticas, (2) rearranjo da arquitetura lobular nos 
chamados nódulos de regeneração, desprovidos de 
comunicação com uma veia centrolobular. É a resposta 
comum do parênquima hepático a qualquer estímulo 
lesivo persistente, representado geralmente por 
inflamação e necrose hepatocitária. 
FISIOPATOLOGIA 
Os sinusoides conduzem o sangue das circulações porta 
e sistêmica (ramos da veia porta e artéria hepática 
presentes nos espaços porta) para a veia centrolobular 
(pertencente ao sistema cava). 
 
Durante esta passagem, substâncias provenientes do 
sangue são captadas pelos hepatócitos para serem 
metabolizadas, que depende dos sinusoides hepáticos, 
que são diferentes dos demais capilares do corpo 
devido a serem altamente fenestrados (“buracos” em 
sua parede) e (2) são desprovidos de membrana basal 
(facilitando a saída de macromoléculas para fora do 
vaso). Assim, todas as substâncias presentes no sangue 
podem atravessar livremente as fenestras sinusoidais e 
alcançar o espaço de Disse, que fica entre o sinusoide 
e o hepatócito. Ele representa o interstício lobular, e 
contém as células mais importantes para a gênese da 
cirrose hepática – as células estreladas ou de Ito. 
 
As células estreladas normalmente são “quiescentes” 
(pouca atividade metabólica) e têm a função 
primordial de armazenar vitamina A. Entretanto, na 
presença de certos estímulos (ex.: atividade 
necroinflamatória crônica no parênquima) podem se 
transformar em células altamente capazes de sintetizar 
matriz extracelular (em particular colágeno tipo I e III). 
Essa transformação é induzida por efeitos parácrinos de 
citocinas pró-inflamatórias, secretadas pelas células de 
Kupffer ativadas e outras células do sistema 
imunológico. 
A deposição de fibras colágenas no espaço de Disse 
leva ao fenômeno de capilarização dos sinusoides, 
onde uma camada de colágeno, pouco permeável, 
fecha as fenestras e impede o contato entre os 
hepatócitos e as substâncias oriundas do sangue, 
inclusive fazendo desaparecer as microvilosidades na 
membrana hepatocitária (refletindo a diminuição na 
captação celular). Com isso, a capacidade de 
metabolização hepática – bem como a secreção, no 
sangue, de macromoléculas produzidas pelos 
hepatócitos – vai sendo comprometida. 
A capilarização dos sinusoides também diminui seu 
calibre, o que aumenta a resistência vascular intra-
hepática (fator crucial na gênese da hipertensão 
porta). E as próprias células estreladas, em seu processo 
de transformação patogênica, acabam adquirindo 
capacidade contrátil (tornando-se miofibroblastos), o 
que reduz ainda mais o diâmetro sinusoidal. 
O processo de deposição de fibras colágenas e a 
consequente capilarização dos sinusoides, em meio a 
segmentos de necrose hepatocitária, caracteriza a 
fibrose em ponte (porta-centro). O sangue passa a 
circular por dentro dessas traves fibróticas sem entrar em 
contato com as placas de hepatócitos, numa espécie 
de shunt intra-hepático, indo diretamente dos espaços-
porta para as veias centrolobulares. E como existe uma 
doença hepática crônica, com atividade 
necroinflamatória persistente, os ciclos de necrose, 
fibrose e regeneração celular continuam se alternando, 
até que a regeneração hepatocitária fique restrita aos 
espaços formados entre diversas traves fibróticas 
interligadas. Originando os “nódulos de regeneração”. 
 
Problema 1 – HDA, Cirrose e Hipertensao Portal 
CIRROSE HEPÁTICA 
Lúria Niemic – MED UNIC 34 
 
Ao contrário dos lóbulos hepáticos normais, onde as 
placas de hepatócitos e a rede de sinusoides são 
rigorosamente coordenados, de modo a fazer o sangue 
fluir em direção à veia centrolobular (sistema cava), os 
nódulos de regeneração são constituídos por uma 
massa de hepatócitos desprovida de funcionalidade, 
uma vez que eles não possuem relação com uma veia 
centrolobular. Com isso, representam uma tentativa 
(frustrada) do fígado em reestabelecer sua 
citoarquitetura funcional em meio à fibrose intensa e 
disseminada secundária ao processo necroinflamatório 
crônico! O desarranjo estrutural que caracteriza a 
cirrose hepática pode ser decorrente de qualquer 
doença hepática crônica, e quando bem 
estabelecido, infelizmente, é irreversível. 
QUADRO CLÍNICO 
ACHADOS PERIFÉRICOS 
• Sinais de Hiperestrogenismo/ Hipoandrogenismo – 
Acontece alteração da homeostase dos hormônios 
sexuais. O achado característico da cirrose hepática é 
a associação de hiperestrogenismo com 
hipoandrogenismo. 
Nas fases iniciais, pode-se detectar um aumento dos 
níveis séricos de estrona, devido à maior conversão 
periférica de androgênios em estrogênios no tecido 
adiposo. 
O aumento da SHBG (globulina ligadora de hormônio 
sexual) e pode contribuir para a detecção de níveis 
altos de estrógenos nesses pacientes. 
Com o avançar da hepatopatia, caem os níveis séricos 
de testosterona pela diminuição da síntese deste 
hormônio nas gônadas. 
O hiperestrogenismo é o responsável pelas alterações 
vasculares cutâneas, representadas pelo eritema 
palmar e pelas telangiectasias do tipo “aranha 
vascular”. Sabe-se que altos níveis de estrogênio 
causam proliferação e dilatação de vasos cutâneos, 
especialmente na porção superior do corpo. As 
telangiectasias do tipo “aranha vascular” (spider 
angioma) são caracterizadas por uma dilatação 
arteriolar central ligando-se a capilares dilatados com 
disposição radial. O enchimento após a compressão da 
lesão ocorre do centro para periferia. São encontradas 
no pescoço, na porção superior do tronco e dos MMSS. 
O eritema palmar é decorrente da vasodilatação 
cutânea restrita à região palmar, principalmente nas 
regiões tenar e hipotenar. O fluxo sanguíneo para essa 
região pode aumentar em até 6x. 
O hipoandrogenismo é responsável pela queda da 
libido, impotência masculina, atrofia testicular, redução 
importante da massa muscular (evidenciada pela 
atrofia dos músculos interósseos das mãos) e rarefação 
de pelos (distribuição no padrão feminino). A 
ginecomastia é decorrente do hipoandrogenismo 
associado ao hiperestrogenismo. 
 
• Baqueteamento (ou Hipocratismo) Digital – A ponta 
dos dedos torna-se “abaulada” na base da unha, 
dando ao dedo um aspecto de “baqueta de tambor”. 
O que ocorre é um aumento volumétrico do tecido 
subcutâneo vascularizado da extremidade digital, por 
mecanismos ainda desconhecidos. 
DISTURBIOS HEMODINÂMICOS 
Embora sejam altamente dependentes da hipertensão 
portal, a disfunção hepatocelular também pode 
contribuir para sua formação. A teoria da 
vasodilatação explica esses distúrbios: 
Uma das primeiras alterações hemodinâmicas que 
surgem na cirrose hepática é a vasodilatação arteriolar 
esplâncnica (hiperemia mesentérica). O mecanismo é 
o aumento da síntese local de NO pelo endotélio 
vascular (potente vasodilatador endógeno). A 
hipertensão portal contribui para a gênese desse 
fenômeno – ao desviar o sangue mesentérico para a 
circulação cava, sem passar pelo fígado, perde-se o 
“filtro hepático” contra as bactérias Gram-negativas 
provenientes da translocação intestinal. A endotoxina 
das bactérias Gram-negativas (LPS) estimula a síntese 
endotelial de NO. 
A vasodilatação esplâncnica desloca uma parte da 
volemia para este território vascular, reduzindo o volume 
sanguíneo que perfunde os outros órgãos e tecidos – 
chamado “volume arterial efetivo”. A queda desse 
volume estimula os barorreceptores renais e carotídeos, 
causando a ativação do sistema renina-angiotensina-
aldosterona, SN simpático e liberação de ADH. Estes 
sistemas estimulam os rins a reterem sal e água, na 
tentativa de restaurar o “volume arterialefetivo”. 
A retenção hidrossalina, na verdade, aumenta a 
volemia total, porém esse volume sanguíneo adicional 
está quase todo “sequestrado” nos vasos esplâncnicos 
dilatados e, portanto, não corrige o deficit de “volume 
arterial efetivo”. O processo então se perpetua. A 
retenção hidrossalina continua e progride, e o paciente 
começa a formar ascite, pois o excesso de líquido 
presente no território mesentérico começa a transudar 
diretamente para a cavidade peritoneal em 
consequência ao aumento de permeabilidade que 
acompanha a vasodilatação, fenômeno 
potencializado pela hipoalbuminemia (queda na 
pressão coloidosmótica do plasma) que tipicamente 
está presente neste momento. 
No final das contas, o paciente apresenta: (1) redução 
do “volume arterial efetivo”, comportando-se como um 
paciente hipovolêmico, inclusive com tendência à 
hipotensão arterial e azotemia pré-renal; (2) aumento 
da volemia total, só que distribuída basicamente no 
Lúria Niemic – MED UNIC 34 
 
território esplâncnico e portal; (3) aumento do sódio e 
da água corporal total, que se distribui principalmente 
no peritônio (ascite) e no interstício (edema); (4) 
redução da resistência vascular periférica, pela intensa 
vasodilatação; e (5) aumento do débito cardíaco, já 
que o coração está bombeando contra uma baixa 
resistência – fenômeno semelhante ao que ocorre na 
sepse. 
ENCEFALOPATIA HEPÁTICA 
Uma das principais funções do fígado é a depuração 
de toxinas provenientes da absorção intestinal. Estas 
substâncias são absorvidas pelos enterócitos, ganham a 
circulação venosa mesentérica e em seguida a veia 
porta, para então penetrar nos espaços-porta, 
atingindo os sinusoides hepáticos. Entre tais substâncias, 
a mais importante é a amônia, derivada dos enterócitos 
e do metabolismo das bactérias colônicas. Sua não 
depuração (tanto pela insuficiência hepatocelular 
quanto pela hipertensão portal, que desvia o sangue do 
sistema porta para a circulação sistêmica) causa a 
encefalopatia hepática. 
As principais fontes de amônia intestinal são: (1) 
enterócitos – metabolismo do aminoácido glutamina; 
(2) bactérias colônicas – catabolismo de proteínas 
alimentares e da ureia secretada no lúmen intestinal. Os 
hepatócitos transformam esse composto de alta 
toxicidade em glutamina ou ureia. 
Efeitos da amônia no metabolismo cerebral – (1) 
aumenta a captação de aminoácidos aromáticos pela 
barreira hematoencefálica; (2) aumenta a 
osmolaridade das células gliais (astrócitos), fazendo 
com que se tornem edemaciadas – edema cerebral do 
tipo celular; (3) inibe a atividade elétrica neuronal pós-
sináptica; (4) estimula a produção de GABA (depressor 
da atividade cortical). Os aminoácidos aromáticos dão 
origem a neurotransmissores inibitórios do tipo 
serotonina e aos falsos neurotransmissores (octopamina, 
feniletanolamina), caracteristicamente aumentados na 
encefalopatia hepática. 
DÉFICIT DA SÍNTESE HEPÁTICA 
• Hipoalbuminemia – A albumina é a proteína presente 
no plasma em maior concentração, sendo a principal 
responsável pela pressão oncótica ou coloidosmótica 
do plasma. Esta é a pressão que “prende” o líquido no 
compartimento intravascular. Nos vasos capilares, existe 
um balanço de forças no qual a pressão hidrostática 
“empurra” o líquido para fora do vaso, enquanto a 
pressão oncótica “puxa” o líquido para o interior do 
vaso. Na hipoalbuminemia, existe uma tendência à 
saída de líquido para o interstício, predispondo o 
paciente ao edema. As condições de maior potencial 
edemigênico são aquelas em que encontramos ao 
mesmo tempo hipoalbuminemia com aumento da 
pressão hidrostática capilar, tal como ocorre na cirrose 
hepática e na síndrome nefrótica. 
• Coagulopatia – A disfunção hepatocelular grave 
compromete a síntese dos fatores de coagulação. De 
todos os fatores, aquele que tem a meia-vida mais curta 
é o fator VII – o fator da via extrínseca. O exame que 
avalia esta via da coagulação é o TP (Tempo de 
Protrombina). Como o fator VII é o primeiro a se reduzir 
na insuficiência hepática, o primeiro exame que altera 
é o TP (ou TAP). 
 
 
No paciente hepatopata, o TP alargado (com 
atividade de protrombina baixa e INR alto) também 
pode ser colestase intra ou extra-hepática. Ela reduz a 
secreção biliar e, portanto, há menos sais biliares 
chegando ao intestino para auxiliar na absorção das 
vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K). A má absorção da 
vitamina K pode causar uma coagulopatia pela 
redução na síntese dos fatores II, VII, IX e X, mais uma vez 
predominando a depleção do fator VII. O 
coagulograma é muito parecido com o da insuficiência 
hepática! 
➲ Quando suspeitar de colestase? Geralmente o 
paciente está ictérico (predomínio da bilirrubina direta), 
com colúria e hipocolia fecal; a FA e a gama-GT estão 
elevadas. Porém não são obrigatórios. Por isso, todo 
hepatopata com TP alargado deve ser submetido a 
uma prova terapêutica com vitamina K exógena, dose 
única, ou por até 3 dias, de 10 mg SC ou IV, obtendo-se 
novo TP (INR) 24h depois. Se houver resposta significativa 
do coagulograma, há uma boa chance de colestase! 
MANIFESTAÇÕES HEMATOLÓGICAS 
• Anemia da Hepatopatia Crônica – seu mecanismo 
mais comum é a hemodiluição. Contudo, outros fatores 
podem estar presentes como: 
Redução da meia-vida das hemácias devido a: (1) o 
hiperesplenismo (devido à esplenomegalia congestiva); 
(2) alterações no metabolismo eritrocitário, tornando as 
hemácias instáveis; e (3) alterações da composição 
lipídica de suas membranas, com aumento do teor de 
colesterol e lecitina. 
Menor resposta eritropoéticas devido a: (1) efeito direto 
do álcool na medula óssea (etiologia alcoólica); (2) 
anemia megaloblástica por carência de folato 
(secundária à desnutrição que quase sempre 
acompanha o cirrótico); (3) anemia ferropriva por 
sangramento crônico, geralmente proveniente do TG 
alto (varizes, doença ulcerosa); e (4) provável queda na 
produção de eritropoetina hepática. Na verdade, a 
anemia da hepatopatia crônica pode até ser 
diretamente resultante da doença hepática em si, mas 
com frequência tem como causa principal algum 
distúrbio associado (etilismo, ferropenia pelo 
sangramento, megaloblastose pela carência de folato) 
• Hiperesplenismo – uma das funções do baço é a 
hemocaterese, que significa a destruição de hemácias 
senescentes ou defeituosas. Além disso, também 
funciona como uma espécie de “armazenador” de 
plaquetas e, em menor grau, de leucócitos. 
Na cirrose, a instalação da hipertensão portal 
determina uma esplenomegalia congestiva. O baço 
Sinal laboratorial de insuficiência hepática: Atividade de 
Protrombina < 50%. INR > 1,7. 
Lúria Niemic – MED UNIC 34 
 
destes pacientes aumenta o seu poder de 
hemocaterese, pois o sangue passa com maior lentidão 
pelos cordões esplênicos congestos. O resultado é a 
hemólise extravascular, um dos componentes da 
anemia da hepatopatia crônica. Este tipo de anemia 
hemolítica tende a ser leve, pois o poder de destruição 
do baço congesto geralmente é contrabalançado 
pelo aumento na produção de hemácias pela medula 
óssea. Os pacientes então desenvolvem reticulocitose. 
Mais importante do que a anemia é a trombocitopenia 
do hiperesplenismo, uma de suas principais 
consequências. Um baço normal “armazena” ou 
“sequestra” cerca de 1/3 das plaquetas circulantes. Um 
baço congesto é capaz de “sequestrar” um percentual 
muito maior, acarretando plaquetopenia. 
SINDROMES 
Síndrome Hepatorrenal – é uma forma de insuficiência 
renal funcional (não acompanha alterações 
histopatológicas renais), que ocorre geralmente em 
indivíduos com hepatopatia crônica avançada, 
insuficiência hepática grave e hipertensão portal. É 
caracterizada pela perda progressiva da função renal, 
secundária à vasoconstricção renal (com consequente 
diminuição da Taxa de Filtração Glomerular) e 
vasodilatação extrarrenal(principalmente no leito 
mesentérico), havendo queda da resistência vascular 
periférica e, eventualmente, hipotensão arterial. 
Síndrome Hepatopulmonar – se refere a uma tríade 
clínica composta por: 1) doença hepática crônica; 2) 
hipoxemia: com gradiente alvéolo arterial aumentado 
(indica presença de shunt arteriovenoso) e; 3) 
evidências de alterações vasculares intrapulmonares, 
referidas como “Dilatações Vasculares IntraPulmonares 
(DVIP)”. 
Hipertensão Portopulmonar – por conta do acúmulo de 
substâncias endotélio-tóxicas não depuradas pelo 
fígado, as artérias pulmonares periféricas sofrem 
remodelamento, com vasoconstricção, hiperplasia da 
média, espessamento da íntima e formação de trombos 
in situ. Existe a hipótese de que pequenas embolias 
pulmonares de repetição, com pequenos trombos 
provenientes do sistema porta submetido à estase, 
possam contribuir para a hipertensão arterial pulmonar 
destes pacientes. 
 
DIAGNÓSTICO 
Testes hepáticos, testes de coagulação, hemograma 
completo e testes sorológicos para causas virais. 
Às vezes, a biópsia (quando os exames clínicos e não 
invasivos forem inconclusivos ou quando os resultados 
da biópsia puderem modificar o tratamento). 
Elastografia por ultrassom ou elastografia por 
ressonância magnética 
Identificação da causa com base na avaliação clínica, 
testes de rotina para causas comuns e testes seletivos 
para causas menos comuns. 
 
 
A veia porta difere dos demais sistemas vasculares do 
corpo por ligar estrategicamente 2 importantes redes 
capilares – veia mesentérica superior e veia hepática 
(as outras veias envolvidas são suas tributárias). Assim, 
todas as substâncias que vêm do intestino e do baço 
chegam ao fígado pelo sistema porta, através dos 
espaços-porta interlobulares e ganhando a circulação 
sinusoidal que banha os hepatócitos. 
A hipertensão portal é definida como a elevação do 
gradiente de pressão venosa hepática (GPVH) para > 5 
mmHg. As varizes esofagogástricas começam a ser 
formar quando o HVPG ultrapassa 10 mmHg, tornando-
se o risco de sangramento significativo a partir de 
valores > 12 mmHg. Valores > 20 preveem hemorragia 
incontrolável ou chance elevada de ressangramento 
em pacientes submetidos à terapia endoscópica 
durante um episódio de hemorragia aguda. 
A síndrome da hipertensão porta é composta pela 
esplenomegalia congestiva, varizes gastroesofágicas e 
circulação colateral visível no abdome. Muitas causas 
de hipertensão porta, como a cirrose hepática, 
também cursam com outro sinal importante – a ascite. 
Na cirrose, ela contribui ainda para a encefalopatia 
hepática (ao desviar para a circulação sistêmica parte 
do sangue portal, rico em amônia), ganhando a 
sinonímia de encefalopatia portossistêmica. 
ANATOMIA DO SISTEMA PORTA 
O fígado recebe seu aporte sanguíneo de 2 fontes: a 
veia porta e a artéria hepática. A veia porta é formada 
atrás do colo do pâncreas, pela confluência das veias 
mesentérica superior e esplênica. Ela segue um trajeto 
na borda livre do ligamento gastro-hepático até 
alcançar o porta hepatis, onde se divide em ramos 
esquerdo e direito. 
A veia gástrica esquerda ou coronária drena a porção 
distal do esôfago e a pequena curvatura gástrica. Ela 
entra na veia porta em cerca de 2/3 dos casos e drena 
para a veia esplênica no terço restante. Ela é uma das 
principais responsáveis pela formação das varizes 
esofagogástricas. A veia mesentérica inferior drena 
para a veia esplênica em cerca de 2/3 dos indivíduos 
normais e para veia mesentérica superior no terço 
restante. 
HIPERTENSÃO PORTAL 
Lúria Niemic – MED UNIC 34 
 
VEIAS COLATERAIS PORTOCAVA 
O sistema porta, em condições normais, possui baixa 
pressão. Uma resistência aumentada a seu fluxo 
determina uma diferença de pressão (> 5 mmHg) entre 
a circulação porta e a sistêmica, representada pela 
veia cava inferior. Imediatamente, vasos colaterais se 
desenvolvem, numa tentativa de igualar as pressões em 
ambos os sistemas e escoar o sangue porta. A rede 
colateral constituída pela veia coronária (diretamente 
da veia porta) e pelas veias gástricas curtas (pela veia 
esplênica), que drenam, através das veias esofagianas 
e paraesofagianas, para a veia ázigos (no tórax), é a 
mais importante clinicamente, pois determina a 
formação das varizes esofagogástricas. 
Outros sítios que ocorrem a formação de colaterais 
incluem: 
Recanalização da veia umbilical, ligando o ramo 
esquerdo da veia porta com as veias epigástricas 
(sistema cava). A acentuação desta rede colateral dá 
origem a “cabeça de medusa”. É a chamada 
“circulação colateral abdominal tipo portocava” 
 
Plexo venoso hemorroidário, conectando as veias 
hemorroidárias superiores (tributárias da mesentérica 
superior) com as hemorroidárias médias e inferiores (que 
drenam para o sistema cava). A acentuação do fluxo 
sanguíneo nestes vasos colaterais, em consequência à 
hipertensão porta, justifica o surgimento de varizes 
anorretais. Que não são a mesma coisa que 
hemorroidas!!! Os vasos que dão origem às hemorroidas 
não apresentam comunicação com o sistema porta, 
logo, a incidência de hemorroidas não está aumentada 
na hipertensão porta. 
FISIOPATOLOGIA 
A hipertensão portal é consequência do aumento da 
resistência ao fluxo venoso portal causado por um 
aumento da resistência vascular em nível pré-hepático 
(esquistossomose), intra-hepático (cirrose) ou pós-
hepático (síndrome de Budd-Chiari), além de um 
aumento no fluxo sanguíneo portal, em decorrência da 
vasodilatação esplâncnica. 
Na hipertensão portal da cirrose hepática a obstrução 
ao fluxo portal é resultante de 2 componentes: (1) 
resistência estrutural secundária à fibrose e à formação 
de nódulos regenerativos; (2) elevação primária do 
tônus vascular intra-hepático pela contração das 
células hepáticas estreladas, miofibroblastos e células 
de músculo liso vascular. 
O bloqueio ao fluxo portal (pré, intra ou pós-hepático) é 
o fator principal do aumento de pressão da veia porta, 
mas não é o único. O sistema se autoalimenta pela 
retenção de vasodilatadores esplâncnicos 
(especialmente o ON) que, redistribui a volemia de 
forma a reduzir a perfusão orgânica e a ativar o sistema 
RAA, catecolaminas e ADH. A ativação neuro-hormonal 
então aumenta o fluxo de sangue na veia porta, 
aumentando ainda mais a pressão no sistema. A baixa 
resistência vascular justifica o estado circulatório 
hiperdinâmico típico dos pacientes cirróticos. 
Existe ainda outro mecanismo de retroalimentação: o 
ON produzido pelo sistema intestinal, no paciente 
saudável, chega ao sistema porta intra-hepático, 
dilatando-o. Na hipertensão porta esse ON deixa de 
chegar ao fígado, provocando vasoconstrição no leito 
hepático, ao mesmo tempo em que acumula no 
sistema esplâncnico, promovendo vasodilatação e 
aumentando o fluxo em direção ao sistema porta. 
ETIOLOGIA 
As causas pré-hepáticas são aquelas que afetam o 
sistema venoso portal antes de penetrar no fígado; elas 
incluem trombose da veia porta e trombose da veia 
esplênica. 
As causas pós-hepáticas englobam aquelas que 
afetam as veias hepáticas e a drenagem venosa para 
o coração; elas incluem SBC, doença venoclusiva e 
congestão cardíaca crônica do lado direito. 
As causas intra-hepáticas são responsáveis por mais de 
95% dos casos de hipertensão portal e são 
representadas pelas principais formas de cirrose. Podem 
ser subdivididas em causas pré-sinusoidais, sinusoidais e 
pós-sinusoidais. As causas pós-sinusoidais incluem 
doença venoclusiva, enquanto as causas pré incluem 
fibrose hepática congênita e esquistossomose. As 
causas sinusoidais estão relacionadas com a cirrose de 
várias causas. 
QUADRO CLÍNICO 
As 3 complicações primárias da hipertensão portal são 
as varizes gastresofágicas com hemorragia, a ascite e o 
hiperesplenismo. 
Assim sendo, os pacientes podem apresentar-se comhemorragia digestiva alta, que ao exame endoscópico 
demonstra ser devido a varizes esofágicas ou gástricas; 
com surgimento de ascite juntamente com edema 
periférico; ou com baço aumentado de volume com 
redução associada das plaquetas e dos leucócitos nos 
exames laboratoriais de rotina. 
DIAGNÓSTICO 
Deve-se suspeitar de hipertensão porta em todo 
paciente que apresente combinação de: ascite, 
esplenomegalia, encefalopatia ou varizes 
esofagogástricas. Os exames laboratoriais iniciais 
ajudam a identificar a existência ou não de disfunção 
hepatocelular associada e incluem a dosagem sérica 
de albumina, hemograma completo, provas de função 
hepática e a determinação do TAP. 
Lúria Niemic – MED UNIC 34 
 
• US-Doppler – Utilizado na avaliação inicial do sistema 
porta em pacientes com suspeita de HP. O calibre da 
veia porta, em casos de hipertensão, acha-se em torno 
de 15 mm, entretanto, um valor normal (até 12) não 
afasta esta condição. A inabilidade de visualizar a veia 
porta é sugestiva de trombose. O uso concomitante da 
fluxometria pelo Doppler permite uma estimativa do 
fluxo porta. Um sentido hepatopetal (em direção ao 
fígado) é observado em indivíduos normais e nos casos 
menos severos de HP. O fluxo hepatofugal (contrário ao 
fígado) revela a existência de HP grave. 
• Endoscopia digestiva alta – Sempre indicada na 
suspeita ou após o diagnóstico de HP. A presença de 
varizes esofagogástricas sela o diagnóstico de HP. 
Alguns com HP não possuem varizes. Uma contagem 
plaquetária < 140.000/ mm³ e um diâmetro da veia 
porta > 13 mm na US têm se correlacionado melhor com 
a presença de varizes. Outros achados endoscópicos 
que se correlacionam com o risco de ruptura incluem 
manchas vermelho-cereja (cherry-red spots) e manchas 
hematocísticas. 
• Angio-TC e RM – Métodos não invasivos. Diagnosticam 
com boa acurácia a trombose de veia porta, além de 
determinar a patência de derivações cirúrgicas. São 
indicados em casos de dúvida diagnóstica ao US-
Doppler. 
• Angiografia – Método radiológico invasivo útil para 
delinear a anatomia das colaterais do sistema porta, a 
patência dos vasos, a presença de aneurismas, fístulas 
e lesões vasculares intra-hepáticas. Utilizado no 
planejamento cirúrgico da HP. 
• Medidas hemodinâmicas – A cateterização da veia 
hepática para medida do HVPG é empregada apenas 
em casos duvidosos, nos quais os demais métodos não 
invasivos não conseguem firmar o diagnóstico de HP, ou 
então após implantação do TIPS ou cirurgia de 
derivação portocava, a fim de avaliar a eficácia do 
tratamento (cujo objetivo é a obtenção de um HVPG < 
12 mmHg). Essa medida não é útil para o diagnóstico 
das causas pré-hepáticas e intra-hepáticas pré-
sinusoidais de HP, pois, nestes casos, a pressão 
“encunhada” da veia hepática, que reflete a pressão 
dos sinusoides, estará normal ou levemente 
aumentada. 
• Elastografia transitória (Fibroscan) – Método não 
invasivo capaz de estimar com excelente precisão a 
“carga” de fibrose no parênquima hepático. Ela mede 
a “dureza” do parênquima através de cálculos 
determinados pela velocidade de reflexão das ondas 
de US. 
COMPLICAÇÕES 
As consequências clínicas mais importantes da HP estão 
associadas à formação de colaterais portossistêmicos. 
• Varizes esofagianas – As varizes evoluem para 
sangramento em pelo menos 30-40% dos casos e são a 
causa mais comum de hemorragia digestiva alta em 
pacientes com HP. Para os pacientes que sobrevivem à 
hemorragia inicial, 70% voltam a sangrar em um período 
de 1 ano, com uma letalidade de 30%. A mortalidade 
está principalmente relacionada com o grau de 
disfunção hepática. 
 
• Varizes gástricas (VG) e gastropatia hipertensiva portal 
(GHP) – As VG podem ser isoladas ou associadas às 
esofágicas (mais comum), sendo mais frequentes na 
hipertensão porta pré-hepática. São responsáveis por 
10% dos episódios de hemorragia digestiva alta no 
cirrótico. O diagnóstico requer, além da endoscopia 
convencional, o uso de US endoscópica. Após um 
primeiro episódio de sangramento por VG, a recidiva 
varia de 25-90%. A mortalidade encontra-se em torno 
de 20%. A GHP é caracterizada por alterações na 
mucosa do estômago relacionadas à HP. 
Histologicamente, observam-se dilatações dos 
capilares e vênulas da mucosa. O sangramento da GHP 
é difuso por toda a mucosa, sendo conhecido como 
sangramento “em lençol”; ele pode ser crônico e 
insidioso, sendo uma causa de anemia ferropriva nos 
cirróticos, ou agudo, apresentando-se com melena. 
CONDUTA NO SANGRAMENTO 
• Controle respiratório e hemodinâmico – 
1. Estabilizar a PA. 
2. Fazer reposição de solução cristaloide e mesmo 
sangue. 
3. Emprego de plasma fresco congelado está 
indicado quando o INR está > 1.7, e a transfusão 
de plaquetas quando a plaquetometria for < 
50.000. 
4. Intubar pacientes confusos ou com 
rebaixamento do nível de consciência. 
5. A EDA deve ser realizada o mais rápido possível, 
embora com o doente estabilizado do ponto 
de vista respiratório e hemodinâmico. 
• Terapia endoscópica – 
1. Após estabilização a hemodinâmica, o 
estômago deve ser lavado vigorosamente; e 
uma EDA realizada, de preferência dentro das 
primeiras 12h. 
Isso permite a localização do sítio de sangramento, 
confirmando ou afastando o sangramento por varizes 
esofagogástricas rotas. Visto que, 30-40% dos pacientes 
com HP possuem sangramentos decorrentes de outras 
lesões, como a síndrome de Mallory-Weiss e a esofagite 
ou gastrite erosiva. 
A escleroterapia tem como princípio a injeção de 
substâncias esclerosantes no interior das varizes ou na 
região paravariceal, provocando irritação na parede 
vascular e trombose. 
Lúria Niemic – MED UNIC 34 
 
Na ligadura elástica ou ligadura endoscópica de varizes 
(LEV) ocorre estrangulamento do vaso, e o sangramento 
cessa. Está associada a uma obliteração mais rápida e 
apresenta menor potencial de complicações que a 
escleroterapia. 
• Tratamento farmacológico – Usa-se vasoconstritores 
esplâncnicos IV, que reduzem o fluxo e, portanto, a 
pressão portal. As opções incluem: terlipressina 
(análogo da vasopressina – mantida por 2-5 dias), a 
droga de escolha; a somatostatina; o octreotídeo e seus 
derivados (análogos da somatostatina). Estes últimos 
inibem a ação vasodilatadora esplâncnica do 
glucagon. A terapia com estas medicações deve ser 
iniciada de imediato, uma vez diagnosticado o 
sangramento por varizes, sendo adjuvante à terapia 
endoscópica ou terapia isolada nas varizes gástricas e 
na GHP sangrante. O potencial de controle da 
hemorragia é de 80%, quando em terapia isolada. A 
terapia farmacológica é a conduta de primeira linha 
para a hemorragia das varizes gástricas ou da GHP. 
A antibioticoterapia profilática deve ser instituída já na 
admissão, idealmente antes mesmo da endoscopia 
digestiva. O antibiótico de escolha tem sido a 
norfloxacina, 400 mg 12/12h, por 7 dias. 
• Balão de Sengstaken-Blackmore – Feito na ausência 
de procedimentos endoscópicos de urgência ou nos 
pacientes que permanecem sangrando a despeito da 
terapia endoscópica e farmacológica. 
 O balão deve ser mantido por curta permanência (< 
24h) até que o paciente encontre-se estável 
hemodinamicamente para submeter-se a 
procedimento cirúrgico descompressivo ou o 
procedimento endoscópico (se ainda não realizado). O 
tamponamento com balão é eficaz em 90% dos casos, 
porém a maioria dos pacientes volta a sangrar se não 
realizada terapia definitiva. As complicações são 
ruptura de esôfago, obstrução de via aérea e aspiração 
pulmonar. 
Nas hemorragias digestivas altas refratárias ao 
tratamento clínico + endoscópico inicial, a implantação 
de um TIPS seria mais segura e eficaz do que a 
passagem de um BSB. 
• TIPS (transjugular intrahepatic portosystemic shunt) – É 
um dispositivo colocado por via percutânea 
(transjugular), criando uma conexão intra-hepáticaentre a veia hepática e a veia porta, o que 
descomprime subitamente o sistema e alivia de 
imediato a HP. São bastante indicado nos casos de 
hemorragia refratária. 
• Cirurgia de urgência – É o método mais eficaz em fazer 
parar o sangramento. É reservada para os casos de 
sangramento incontrolável pela endoscopia e/ ou 
terapia farmacológica em hospitais que não dispõem 
do TIPS. A cirurgia de urgência mais utilizada é a 
derivação portocava (não seletiva). É rápida e eficaz, 
porém, com mortalidade de até 25%, quando realizada 
em emergência. A transecção esofágica com 
grampeador é um método mais simples de executar, 
embora tenha um risco alto de ressangramento. 
 
PROFILAXIA DO SANGRAMENTO 
• Profilaxia primária do sangramento – Prevenção do 
primeiro episódio de hemorragia em pacientes com 
varizes esofagogástricas. Como 30-40% das varizes na 
HP evoluem para sangramento, que possui alta 
letalidade, todo cirrótico deve ser submetido à EDA 
para rastrear as varizes esofagogástricas. 
Nos pacientes sem varizes, a EDA deve ser realizada a 
cada 2-3 anos e, nos pacientes com varizes de pequeno 
calibre, mas sem sinais de alto risco, a EDA deve ser 
repetida anualmente. 
Na presença de varizes de médio ou grosso calibre (F2 
ou F3), ou pequeno calibre com sinais de alto risco 
(pontos vermelhos, Child B ou C) a profilaxia primária 
está indicada. Aqui, pode-se optar pelo uso de 
betabloqueadores não seletivos ou pela estratégia de 
erradicação endoscópica das varizes, isto é, 
diferentemente da profilaxia secundária (onde ambos 
os tratamentos devem ser feitos em conjunto), na 
profilaxia primária escolhe-se apenas 1 
(betabloqueadores ou ligadura). Na ausência de 
varizes, não há indicação de profilaxia, nem mesmo 
betabloqueadores. 
• Profilaxia secundária do sangramento – Realizada 
após o primeiro episódio de hemorragia já controlada. 
É feita pela combinação de: (1) terapia endoscópica e 
(2) betabloqueadores. 
Os betabloqueadores não seletivos (propranolol, 
nadolol) são benéficos em reduzir a incidência de 
ressangramento. O bloqueio dos receptores beta-2 é o 
responsável pela vasoconstricção esplâncnica, e o 
bloqueio beta-1, pela diminuição do débito cardíaco e 
fluxo portal. O objetivo é reduzir a FC em 25%, atingindo 
níveis entre 55-60 bpm. As doses são nadolol 20-40 mg 
1x/dia ou propranolol 20- 240 mg/dia, em doses 
divididas. O nadolol é preferível, pela sua eliminação 
exclusivamente renal e pela sua longa meia-vida. No 
entanto, utiliza-se mais o propranolol, que é mais barato. 
A terapia endoscópica erradicadora de varizes, como 
profilaxia secundária, consiste na ligadura elástica. Os 
procedimentos devem ser realizados a cada 1-2 
semanas até a erradicação das varizes (geralmente 3 a 
5 sessões). 
 
Lúria Niemic – MED UNIC 34 
 
Se apenas a terapia endoscópica for feita, sem o uso 
regular de betabloqueadores, o risco de 
ressangramento continua relativamente alto (pela 
possibilidade de sangramento por varizes gástricas ou 
GHP). Assim, a associação de terapia endoscópica com 
ligadura elástica + terapia betabloqueadora apresenta 
resultados superiores. Após a erradicação, revisões 
endoscópicas a cada 6 meses são recomendadas. 
Deve-se ressaltar que a cirurgia para HP ainda é o 
método mais eficaz na profilaxia secundária, mas por se 
tratar de um procedimento cirúrgico, não é o método 
de escolha. 
 
 
A HDA refere-se ao sangramento derivado de lesões no 
TG superior (esôfago, estômago e duodeno) – antes do 
ângulo de Treitz – e são comumente associados à 
hematêmese ou melena ou a casos de sangramento de 
origem obscura. 
O sangramento GI configura uma emergência médica 
frequente, sendo essencial o diagnóstico preciso, a fim 
de se obter melhor prognóstico e uma redução da 
mortalidade intra-hospitalar, uma vez que está 
associado a taxas consideráveis de morbimortalidade. 
Nesse contexto, a HDA tem sua etiologia classificada 
como não varicosa e varicosa. Sendo que a hemorragia 
varicosa é consequente da ruptura de varizes 
esofágicas, como uma das complicações da 
Hipertensão Portal. 
Por outro lado, 80-90% são de origem não-varicosas, 
representadas pela úlcera péptica, a causa mais 
frequente de hemorragia GI aguda, sendo os fatores 
causais a infecção por H. pylori e consumo de AINES, 
com o risco hemorrágico aumentado de 3-5x. A HDA na 
grande maioria dos casos é autolimitada. Cerca de 80% 
cessam espontaneamente. Choque ou hipotensão 
ortostática, coagulopatia associada, hemorragia no 
hospital, múltiplas transfusões, imunossupressão e 
hemorragia grave, são sinais de mau prognóstico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CLASSIFICAÇÃO 
Causas mais prevalentes: 
 
Quanto a gravidade do sangramento: 
 
 
NÃO VARICOSA – 
• Doença Ulcerosa Péptica – Lesões que ultrapassam a 
muscular da mucosa e tem diâmetro ≥ 0,5 cm. 
A hipercloridia sem o devido tratamento e com a 
exposição continuada a AINES, estresse e infecção 
por pylori, são os principais fatores associados a HDA 
nesses pacientes. 
A úlcera pode ser gástrica ou duodenal, sendo o 
surgimento da gástrica mais associado com o uso 
abusivo de AINES, e a duodenal, com a infecção por H. 
pylori. 
• Síndrome de Mallory-Weiss – Laceração da mucosa 
na junção gastroesofágica associada ao grande 
esforço para vomitar e por repetidas vezes, ocorrendo 
sangramento quando envolve o plexo venoso ou 
arterial esofágico. Ocorre mais em etilista e grávidas. 
• Gastropatia hemorrágica e erosiva (“gastrite”) – 
Erosões e hemorragias subepiteliais visualizadas durante 
uma endoscopia. São lesões mucosas e não causam 
hemorragias importantes devido à ausência de artérias 
e veias na mucosa. Geralmente ocorre devido ao uso 
de AINEs, ingestão de álcool e o estresse. 
HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA 
O marco anatômico para definir se é alta ou baixa é o 
ligamento de Treitz (região anatômica que determina o fim 
do duodeno e início do jejuno). A HDA corresponde aos 
sangramentos que ocorrem antes desse ligamento. 
 
Lúria Niemic – MED UNIC 34 
 
A lesão da mucosa gástrica relacionada com o estresse 
ocorre apenas em pacientes extremamente enfermos, 
como aqueles que sofreram traumatismo grave, grande 
cirurgia, queimaduras que atingem + 33% da superfície 
corporal, doença intracraniana grave ou doença 
clínica grave (dependência do respirador, 
coagulopatia). A hemorragia grave não se desenvolve, 
a menos que aconteça a ulceração. 
• Outras causas – São menos frequentes e 
compreendem a duodenite erosiva, neoplasias, fístulas 
aortoentéricas, lesões vasculares (incluindo 
telangiectasias hemorrágicas hereditárias [Osler-Weber-
Rendu] e ectasia vascular do antro gástrico [“estômago 
em melancia”]), lesão de Dieulafoy (na qual um vaso 
aberrante na mucosa sangra em decorrência de um 
defeito puntiforme na mucosa), gastropatia por 
prolapso (prolapso do estômago proximal para dentro 
do esôfago com o esforço para vomitar, especialmente 
em alcoolistas) e hemobilia ou suco pancreático 
hemorrágico (sangramento do ducto colédoco ou do 
ducto pancreático). 
CONTUDA FRENTE A ESSE PACIENTE 
• Avaliação inicial – Determinar a FC e a PA é o melhor 
meio para começar a avaliar um paciente com HD. 
O sangramento clinicamente significativo leva a 
alterações posturais na FC ou PA, taquicardia e 
hipotensão, com o paciente deitado. 
Por outro lado, o nível de Hb não cai imediatamente no 
caso de uma HD aguda, devido às reduções 
proporcionais nos volumes plasmático e eritrocitário 
(“perdem sangue total”). Assim, a Hb pode se 
apresentar normal ou levemente diminuída à 
apresentação inicial de um episódio hemorrágico 
grave. 
Conforme o fluido extravascular penetra no espaço 
vascular para equilibrar o volume, a Hb cai, porém esse 
processo poderá levar até 72 horas. A transfusão é 
recomendada quando a Hb cai para < 7 g/dL. 
Pacientes com HD crônica e lenta podem apresentarvalores muito baixos de Hb, apesar da PA e FC normais. 
Com o aparecimento de anemia por deficiência de 
ferro, o VCM será baixo e o índice de anisocitose irá 
aumentar. 
• Distinção entre HDA e HDB – 
A hematêmese indica uma origem da hemorragia no TG 
superior. 
A melena indica a presença de sangue no TG por pelo 
menos 14 horas, e por até 3-5 dias. Quanto mais proximal 
for o local da hemorragia, mais provável será a 
ocorrência de melena. 
A hematoquezia geralmente representa uma fonte de 
sangramento no TG inferior, embora uma lesão no TG 
superior possa sangrar tão rapidamente que o sangue 
ultrapasse o intestino antes que a melena se 
desenvolva. Quando é um sintoma de apresentação 
da HDA, está associada à instabilidade hemodinâmica 
e queda da hemoglobina. 
As lesões hemorrágicas do intestino delgado podem 
apresentar-se como melena ou hematoquezia. 
Outros indícios de HDA incluem ruídos intestinais 
hiperativos e uma elevação do nitrogênio ureico 
sanguíneo (devido à depleção de volume e absorção 
de proteínas sanguíneas no intestino delgado). 
Um aspirado nasogástrico sem sangue pode ser 
observado em até 18% dos pacientes com HDA, 
geralmente a partir de uma fonte duodenal. Mesmo um 
aspecto tinto de bile não exclui uma lesão hemorrágica 
pós-pilórica, porque os relatos de bile no aspirado são 
incorretos em 50% dos casos. O exame para sangue 
oculto, no aspirado que não exibe sangue 
macroscópico, é inútil. 
• Avaliação e tratamento da HDA – Na apresentação, 
os pacientes geralmente são classificados como de alto 
ou baixo risco para hemorragia posterior e óbito. 
Características básicas preditoras de hemorragia 
recorrente incluem comprometimento hemodinâmico 
(taquicardia ou hipotensão), idade avançada e 
comorbidades. 
A infusão de IBP poderá ser considerada no momento 
da apresentação: reduz os estigmas da úlcera de alto 
risco (hemorragia ativa) e a necessidade de terapia 
endoscópica, porém não melhora o prognóstico 
clínico, como posteriores hemorragia, cirurgia ou óbito. 
O tratamento para melhorar a visualização 
endoscópica com o agente pró-motilidade 
eritromicina, 250 mg, administrados por via IV, cerca de 
30 minutos antes da endoscopia. 
Pacientes cirróticos que se apresentam com HDA 
devem receber antibióticos (quinolona, ceftriaxona) e 
iniciar um medicamento vasoativo (octreotida, 
terlipressina, somatostatina, vapreotida) no momento 
da apresentação, mesmo antes da endoscopia. Os 
antibióticos reduzem as infecções bacterianas, a 
hemorragia recorrente e a mortalidade nessa 
população, e parece que os medicamentos vasoativos 
melhoram o controle da hemorragia nas primeiras 12 
horas após a apresentação. 
A endoscopia alta deverá ser realizada em até 24 horas 
na maioria dos pacientes com HDA. Os pacientes de 
alto risco (instabilidade hemodinâmica, cirrose) podem 
se beneficiar de uma endoscopia mais urgente em até 
12 horas. A endoscopia precoce também é benéfica 
para pacientes de baixo risco nos casos de tomadas de 
decisões. Os pacientes com hemorragia grave e 
achados endoscópicos de alto risco (varizes, úlceras 
com sangramento ativo ou um vaso visível) beneficiam-
se da terapia hemostática endoscópica, enquanto os 
pacientes com lesões de baixo risco (úlceras com base 
limpa, lacerações de Mallory-Weiss não hemorrágicas, 
gastropatia erosiva ou hemorrágica) que apresentam 
sinais vitais e Hb estáveis e nenhum outro problema 
clínico, podem receber alta. 
 
Lúria Niemic – MED UNIC 34 
 
 
Estado de hipoperfusão orgânica efetiva generalizada 
– “isquemia” generalizada. Em última análise, as células 
não recebem o aporte de O2 necessário para manter a 
sua homeostase. A perfusão efetiva de um órgão ou 
tecido depende: (1) fluxo sanguíneo total para este 
órgão; (2) distribuição adequada deste fluxo através do 
órgão ou tecido, de forma que todas as suas células 
recebam um suprimento adequado de oxigênio. 
TIPOS DE CHOQUE 
• Choque Hipovolêmico – devido à redução do volume 
sanguíneo em relação ao espaço vascular total, 
levando à queda das pressões e volumes de 
enchimento diastólico ventricular. Pode ser: 
Hemorrágico: relacionado ao trauma, em que há 
hipovolemia devido a perda de sangue e destruição 
tecidual ou não relacionado ao trauma, como ocorre 
no sangramento espontâneo por coagulopatia ou 
iatrogênico, hemoptise maciça e hemorragia digestiva. 
Não hemorrágico: perda de volume pelo TGI (diarreia, 
vômitos), rins (excesso de diurético, estado hiperosmolar 
hiperglicêmico), perda para o 3º espaço (pancreatite 
aguda, obstrução intestinal), queimaduras, hipertermia. 
Fisiopatologia: 
1. Aumento da atividade simpática. 
2. Hiperventilação. 
3. Vasoconstrição venosa. 
4. Hipoperfusão tecidual –> metabolismo 
anaeróbio –> lactato 
• Choque Cardiogênico – devido à falência da bomba 
cardíaca (patologia cardíaca), seja pela perda 
contrátil, seja por um problema estrutural intracardíaco, 
levando ao aumento das pressões e volumes de 
enchimento diastólico ventricular. A hipoxemia e 
hipotensão reduzem ainda mais a pressão de perfusão 
coronariana, levando a isquemia e lesão miocárdica 
progressiva. 
Principais causas: IAM, valvopatias, ICC, 
cardiomiopatias, arritmias e miocardite. 
• Choque Obstrutivo Extracardíaco – devido a uma 
obstrução mecânica que dificulte a circulação de 
sangue, que gera redução do débito cardíaco e da 
perfusão. Achados sugestivos dele: turgência de jugular 
sem edema pulmonar. 
Causas: 
• Tamponamento cardíaco: trauma, uremia, 
câncer, doenças autoimunes, tuberculose. 
• Obstrução do débito de VD: embolia pulmonar, 
hipertensão pulmonar aguda. 
• Aumento da pressão 
intratorácica: pneumotórax hipertensivo, 
ventilação mecânica com altos valores de 
PEEP. 
• Obstrução extrínseca ou de estruturas 
adjacentes ao coração: sd da veia cava 
superior, tumores mediastinais. 
• Choque Distributivo – devido à perda do controle 
vasomotor e ao distúrbio microcirculatório – má 
perfusão tecidual –, levando à vasodilatação arteriolar 
e venular (periférica global) que, após a reposição de 
fluidos, evolui para um estado de alto débito cardíaco 
e baixa resistência vascular sistêmica comprometendo 
o fornecimento de O2 pelos capilares. 
Ocorre vasodilatação, porque a vasoconstrição não 
consegue atuar, já que a musculatura lisa arteriolar 
encontra-se lesada, não respondendo ao estímulo 
simpático. 
A vasodilatação periférica pode ser causada por 
subtipos de choque: 
• Séptico (inflamação -> ativação imunológica -
> lesão endotelial -> aumento da 
permeabilidade vascular + síntese de ON). 
• Anafilático (prurido, rash cutâneo, rouquidão, 
dispneia, manifestações do TGI). 
• Neurogênico (lesão da medula espinal acima 
do nível torácico superior, grave TCE ou 
fármacos anestésicos). 
• Choque neurogênico: devido à perda do tônus 
simpático, a pele é quente e seca. 
FISIOPATOLOGIA DO CHOQUE 
• MICROCIRCULAÇÃO – Quando o DC cai, a RVS 
aumenta para manter um nível de pressão adequado 
à perfusão do coração e do cérebro em detrimento de 
outros tecidos, como os músculos, pele e, em especial, 
TGI. As taxas metabólicas do coração e do cérebro são 
altas e suas reservas de substrato de energia baixas. São 
dependentes de oferta contínua de O2 e nutrientes e 
não toleram isquemia grave por mais que minutos. A 
autorregulação é crucial para preservar as perfusões 
cerebral e coronariana apesar de hipotensão 
significativa. Contudo, quando a PAM cai para 60 
mmHg ou menos, o fluxo para esses órgãos diminui e sua 
função deteriora. 
O músculo liso vascular arteriolar tem receptores α e β-
adrenérgicos. Os receptores α1 medeiam a 
vasoconstrição, enquanto os β2 medeiam 
vasodilatação. As fibras simpáticas eferentes liberam 
norepinefrina, que age primariamente nos α1, 
ocorrendo uma das respostas compensatórias mais 
fundamentais para a redução da pressão de perfusão. 
Outrassubstâncias constritoras cujos níveis aumentam 
na maioria das formas de choque são a angiotensina II, 
vasopressina, endotelina 1 e tromboxano A2. A 
norepinefrina e a epinefrina são liberadas pela medula 
suprarrenal. Os vasodilatadores circulantes no choque 
incluem a prostaciclina (PGI2), ON e produtos do 
metabolismo local como a adenosina, que adapta o 
fluxo às necessidades metabólicas teciduais. O 
equilíbrio entre essas substâncias vasoconstritoras e 
vasodilatadoras influencia a microcirculação e 
determina a perfusão local. 
CHOQUE 
Lúria Niemic – MED UNIC 34 
 
O transporte para as células depende do fluxo 
microcirculatório, da permeabilidade capilar, da 
difusão de O2, CO2, nutrientes e produtos do 
metabolismo por meio do interstício, e da troca desses 
produtos pelas membranas celulares. O dano à 
microcirculação, resulta na desorganização do 
metabolismo celular, que é responsável pela 
insuficiência orgânica. 
A resposta endógena à hipovolemia leve ou moderada 
é uma tentativa de restaurar o volume intravascular 
mediante alterações na pressão hidrostática e na 
osmolaridade. A constrição arteriolar leva à redução da 
pressão hidrostática capilar e do número de capilares 
perfundidos, limitando a área de superfície capilar por 
meio da qual ocorre a filtração. Quando a filtração é 
reduzida enquanto a pressão oncótica intravascular 
continua constante ou aumenta, ocorre uma 
reabsorção de líquido no leito vascular. As alterações 
metabólicas (incluindo a hiperglicemia e elevações nos 
produtos de glicólise, lipólise e proteólise) aumentam a 
osmolaridade extracelular, levando a um gradiente 
osmótico que aumenta os volumes intersticial e 
intravascular às custas do volume intracelular. 
• RESPOSTAS CELULARES – O transporte intersticial de 
nutrientes é prejudicado no choque, levando ao 
declínio das reservas intracelulares de ATP. A disfunção 
mitocondrial e o desacoplamento da fosforilação 
oxidativa são as causas mais prováveis disso. Em 
consequência, há acúmulo de íons hidrogênio, lactato, 
espécies reativas de O2 e outros produtos do 
metabolismo anaeróbio. À medida que o choque 
avança, esses metabólitos vasodilatadores suprimem o 
tônus vasomotor, agravando a hipotensão e a 
hipoperfusão. A disfunção das membranas celulares 
representa o estágio final entre as formas de choque. O 
potencial transmembrana celular normal cai e há um 
aumento da água e do sódio intracelular, ocasionando 
edema celular, que interfere ainda mais na perfusão 
microvascular. Em um evento pré-terminal, há perda da 
homeostase do cálcio por meio dos canais de cálcio, 
ocorrendo inundação de cálcio no citosol e 
hipocalcemia extracelular concomitante. Também há 
perda celular apoptótica, disseminada e seletiva, que 
contribui para a insuficiência de órgãos e falência 
imunológica. 
• RESPOSTA NEUROENDÓCRINA – A hipovolemia, 
hipotensão e hipoxia são percebidas por 
barorreceptores e quimiorreceptores, que contribuem 
para uma resposta autonômica que tenta restaurar o 
volume sanguíneo, manter a perfusão central e 
mobilizar os substratos metabólicos. 
A hipotensão desinibe o centro vasomotor, resultando 
em aumento do débito adrenérgico e redução da 
atividade vagal. A liberação de norepinefrina dos 
neurônios adrenérgicos induz vasoconstrição periférica 
e esplâncnica significativa, essencial para a 
manutenção da perfusão dos órgãos principais, 
enquanto a atividade vagal reduzida aumenta a 
frequência e o débito cardíacos. A perda de atividade 
vagal também suprarregula a resposta inflamatória 
inata da imunidade. 
Os efeitos da epinefrina circulante no choque são 
amplamente metabólicos, causando aumento da 
glicogenólise e da gliconeogênese, e redução da 
liberação pancreática de insulina. Entretanto, a 
epinefrina também inibe a produção e liberação de 
mediadores inflamatórios por meio da estimulação de 
receptores β-adrenérgicos nas células imunes inatas. 
Dor intensa ou outras causas de estresse levam à 
liberação ACTH, que estimula a secreção de cortisol, 
que contribui para redução da captação periférica de 
glicose e aminoácidos, aumento da lipólise e aumento 
da gliconeogênese. O aumento da secreção de 
glucagon durante o estresse acelera a gliconeogênese, 
elevando a concentração de glicose no sangue. Essas 
ações hormonais agem junto aumentando a glicemia 
para o metabolismo tecidual seletivo e a manutenção 
do volume sanguíneo. 
• RESPOSTA CARDIOVASCULAR – Há 3 variáveis – 
enchimento ventricular (pré-carga), resistência à 
ejeção ventricular (pós-carga) e contratilidade 
miocárdica que são fundamentais no controle do 
volume sistólico. O DC, maior determinante de perfusão 
tecidual, é produto do volume sistólico e da FC. A 
hipovolemia diminui a pré-carga, que reduz o volume 
sistólico. O aumento na FC é um mecanismo útil, mas 
limitado, para manter o DC. O choque costuma 
provocar redução na complacência miocárdica, que 
reduz o volume diastólico ventricular e o volume 
sistólico. A restauração do volume intravascular pode 
normalizar o volume sistólico, mas apenas em pressões 
de enchimento elevadas. 
O aumento das pressões de enchimento também 
estimula a liberação de peptídeo natriurético cerebral 
(BNP), que provoca a secreção de sódio e volume para 
aliviar a pressão no coração. Em níveis elevados 
correlacionam-se com pior desfecho. Além disso, sepse, 
isquemia, IAM, traumatismo tecidual grave, hipotermia, 
anestesia geral, hipotensão prolongada e acidose 
também podem prejudicar a contratilidade 
miocárdica, assim como reduzir o volume sistólico. A 
resistência à ejeção ventricular é influenciada pela RVS, 
elevada na maioria das formas de choque. 
O sistema venoso contém 2/3 do volume sanguíneo 
total circulante, servindo como reservatório para a 
autoinfusão de sangue. A venoconstrição 
desencadeada pela atividade α-adrenérgica é um 
mecanismo compensatório importante para a 
manutenção do retorno venoso e do enchimento 
ventricular. Já a dilatação venosa, como ocorre no 
choque neurogênico, reduz o enchimento ventricular. 
• RESPOSTA PULMONAR – O aumento na resistência 
vascular pulmonar, em particular no choque séptico, 
pode exceder o da RVS, levando à insuficiência 
cardíaca direita. A taquipneia induzida pelo choque 
reduz o volume corrente e aumenta o espaço morto e 
a ventilação minuto. A hipoxia relativa e a taquipneia 
subsequente induzem alcalose respiratória. A posição 
em decúbito e a restrição involuntária de ventilação 
secundária à dor reduzem a capacidade residual 
funcional, podendo resultar em atelectasia. 
Lúria Niemic – MED UNIC 34 
 
O choque e a geração de espécies reativas de O2 
induzidas pela ressuscitação são uma das principais 
causas de lesão pulmonar aguda e subsequente SARA. 
A hipoxemia resulta da perfusão de alvéolos 
subventilados ou não ventilados. A perda de 
surfactante e volume pulmonar, em combinação com 
o aumento dos edemas alveolar e intersticial, reduz a 
complacência pulmonar. O trabalho respiratório e as 
necessidades de O2 dos músculos respiratórios 
aumentam. 
• RESPOSTA RENAL – A lesão renal aguda é complicação 
do choque e da hipoperfusão. A necrose tubular aguda 
é vista como resultado das interações do choque, da 
sepse, da administração de agentes nefrotóxicos 
(aminoglicosídeos e meio de contraste angiográfico) e 
da rabdomiólise. 
A resposta fisiológica do rim à hipoperfusão é conservar 
o sal e a água. Além da diminuição do fluxo sanguíneo 
renal, o aumento da resistência das arteríolas aferentes 
é responsável pela diminuição da TFG, o que, junto com 
o aumento da aldosterona e vasopressina, responde 
pela redução da formação de urina. 
Uma lesão tóxica causa necrose do epitélio tubular e 
obstrução tubular por restos celulares com fluxo 
retrógrado de filtrado. A depleção das reservas renais 
de ATP, devido a hipoperfusão renal prolongada, 
contribuipara a deficiência da função renal. 
• DESARRANJOS METABÓLICOS – Durante o choque, há 
ruptura do metabolismo normal de carboidratos, 
lipídeos e proteínas. Por meio do ciclo do ácido cítrico, 
a alanina, juntamente com o lactato, que é convertido 
a partir do piruvato na periferia devido à privação de 
O2, aumenta a produção hepática de glicose. 
Com a redução da oferta de O2, a degradação da 
glicose em piruvato e, depois, lactato, representa um 
ciclo ineficiente do substrato com produção de saldo 
energético mínimo. Uma relação aumentada do 
lactato/piruvato plasmático é preferível ao lactato 
como uma medida do metabolismo anaeróbio e reflete 
perfusão tecidual inadequada. A diminuição da 
depuração dos triglicerídeos exógenos, junto com o 
aumento da lipogênese hepática, causa um aumento 
nas concentrações séricas de triglicerídeos. Há 
aumento do catabolismo das proteínas como substrato 
de energia, um equilíbrio nitrogenado negativo e, se o 
processo for prolongado, intensa perda muscular. 
• RESPOSTAS INFLAMATÓRIAS – Nos pacientes que 
sobrevivem à crise aguda, há uma resposta 
contrarreguladora prolongada ao “desligamento” ou 
equilíbrio de resposta pró-inflamatória excessiva. Se o 
equilíbrio for restaurado, o paciente evolui bem. Se a 
resposta for excessiva, a imunidade adaptativa é 
suprimida e o paciente ficará suscetível a infecções. 
A cascata do complemento é ativada por meio das 
vias clássica e alternativa. A fixação do complemento 
nos tecidos lesionados pode progredir para o CAM, 
causando lesão celular adicional. A ativação da 
cascata da coagulação causa trombose 
microvascular, com consequente fibrinólise, levando a 
episódios repetidos de isquemia e reperfusão. 
O tromboxano A2 é um vasoconstritor que contribui 
para a hipertensão pulmonar e necrose tubular aguda 
do choque. A PGI2 e a PGE2 são vasodilatadores que 
aumentam a permeabilidade capilar e a formação de 
edema. O LTB4 é um estimulador para a quimiotaxia dos 
neutrófilos, estimulando a formação de espécies 
reativas de O2. O PAF causa vasoconstrição pulmonar, 
broncoconstrição, vasodilatação sistêmica. 
O TNF-α produz muitos aspectos do choque, como 
hipotensão, acidose láctica e insuficiência respiratória. 
A IL-1β também é crucial para a resposta inflamatória. 
Os macrófagos fixados nos tecidos produzem quase 
todos os mediadores principais da resposta inflamatória 
e monitoram sua progressão e duração. A principal via 
de ativação do monócito/macrófago é por meio dos 
TLR da membrana que reconhecem DAMP e PAMP. 
CHOQUE HIPOVOLÊMICO 
É o mais comum. O quadro clínico do não hemorrágico 
é o mesmo do hemorrágico, mas pode ser mais 
insidioso. A resposta fisiológica à hipovolemia é manter 
a perfusão do cérebro e do coração enquanto tenta 
restabelecer um volume sanguíneo circulante efetivo. 
Há aumento da atividade simpática, hiperventilação, 
colapso dos vasos de capacitância venosos, liberação 
dos hormônios do estresse e tentativa de repor a perda 
de volume intravascular graças ao recrutamento de 
líquidos intersticial e intracelular, e pela redução do 
débito urinário. 
A hipovolemia leve (≤ 20% do volume) gera taquicardia 
leve, porém poucos sinais externos. A hipovolemia 
moderada (20-40% de volume), gera ansiedade e 
taquicardia; embora a PA normal possa ser mantida na 
posição supina, pode haver hipotensão postural 
significativa. A hipovolemia grave (≥ 40% do volume), 
surge sinais clássicos de choque; PA declina e se torna 
instável mesmo na posição supina, acentuada 
taquicardia, oligúria, agitação ou confusão. A perfusão 
do SNC será bem mantida até que o choque se torne 
mais grave. O embotamento cerebral é um sinal 
ameaçador. 
A transição de choque hipovolêmico leve a grave pode 
ser insidiosa ou rápida. Se o choque grave não for 
revertido rapidamente, em especial nos idosos e pct 
com comorbidades, a morte será iminente. Um intervalo 
de tempo muito estreito separa os distúrbios 
encontrados no choque grave que podem ser 
revertidos com a ressuscitação agressiva daqueles com 
descompensação progressiva e lesão celular 
irreversível. 
DIAGNÓSTICO 
Pode ser imediato quando há sinais de instabilidade 
hemodinâmica e a causa de perda de volume é óbvia. 
Entretanto, se mostra mais difícil quando a causa da 
perda sanguínea está oculta, como no TGI, ou quando 
apenas o volume plasmático é depletado. 
Lúria Niemic – MED UNIC 34 
 
Mesmo após hemorragia aguda, os valores da Hb e do 
Htc não se alteram até que ocorram os desvios 
compensatórios de líquido ou sejam administrados 
líquidos exógenos. Por isso, um Htc inicialmente normal 
não exclui a presença de perda sanguínea significativa. 
A perda plasmática causa hemoconcentração e a 
perda de água livre leva à hipernatremia. Esses 
achados devem sugerir a presença de hipovolemia. 
É fundamental diferenciar choque hipovolêmico e 
cardiogênico, pois, embora os 2 possam responder 
inicialmente à reposição de volume, a terapia é 
diferente. Ambas as formas estão associadas à redução 
do DC e resposta compensatória mediada pelo sistema 
simpático, caracterizados por taquicardia e elevação 
da RVS. Entretanto, os achados de turgência venosa 
jugular, estertores e galope de B3 no choque 
cardiogênico o diferenciam do hipovolêmico e a 
expansão volêmica contínua é indesejada. 
TRATAMENTO 
O tratamento inicial requer a rápida expansão do 
volume sanguíneo juntamente com intervenções para 
controlar as perdas. Conforme a lei de Starling, o volume 
sistólico e o DC aumentam conforme se eleva a pré-
carga. Após a reposição, a complacência dos 
ventrículos pode continuar reduzida devido aumento 
do líquido intersticial no miocárdio. Assim, pressões de 
enchimento elevadas costumam ser necessárias para 
manter um desempenho ventricular adequado. 
A reposição volêmica é iniciada com a infusão rápida 
de soro fisiológico isotônico (evitar acidose 
hiperclorêmica devido à perda da capacidade de 
tamponamento do bicarbonato e reposição com 
excesso de cloreto) ou soro fisiológico balanceado, 
como o Ringer lactato (estar ciente da presença de 
potássio e potencial disfunção renal), por meio de 
acessos IV de grosso calibre. A infusão de 2-3 L de soro 
fisiológico durante 20-30 minutos deve restaurar os 
parâmetros hemodinâmicos normais. 
A manutenção da instabilidade hemodinâmica implica 
que não houve reversão do choque e/ou que existem 
perdas contínuas significativas de outros volumes ou 
sangue. 
A perda de sangue ativa aguda, com concentrações 
de Hb declinando para 10 g/dL ou menos, deve indicar 
transfusão sanguínea. Os pacientes ressuscitados 
costumam ser coagulopáticos devido à deficiência de 
fatores de coagulação em cristaloides e concentrado 
de hemácias estocadas no banco de sangue. A 
administração precoce de terapia composta durante 
transfusão maciça (plasma fresco congelado [PFC] e 
plaquetas) melhoram a sobrevida. 
Em emergências extremas, pode-se transfundir 
concentrado de hemácias tipo específico ou O (-). 
Após hipovolemia grave e/ou prolongada, o suporte 
inotrópico com norepinefrina, vasopressina ou 
dopamina pode ser necessário para manter o 
desempenho ventricular adequado, mas apenas após 
a reposição do volume sanguíneo. 
Quando a hemorragia é controlada e o paciente 
estabilizado, as transfusões não devem ser continuadas, 
exceto quando Hb < 7 g/dL. O sucesso da ressuscitação 
também requer suporte da função respiratória. 
O O2 suplementar deve ser sempre fornecido, e a 
intubação endotraqueal pode ser necessária para 
manter uma adequada oxigenação arterial.

Continue navegando