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Lúria Niemic – MED UNIC 34 Cirrose hepática é um processo patológico irreversível do parênquima hepático caracterizado por dois componentes: (1) fibrose hepática “em ponte”, com formação de shunts vasculares no interior dessas traves fibróticas, (2) rearranjo da arquitetura lobular nos chamados nódulos de regeneração, desprovidos de comunicação com uma veia centrolobular. É a resposta comum do parênquima hepático a qualquer estímulo lesivo persistente, representado geralmente por inflamação e necrose hepatocitária. FISIOPATOLOGIA Os sinusoides conduzem o sangue das circulações porta e sistêmica (ramos da veia porta e artéria hepática presentes nos espaços porta) para a veia centrolobular (pertencente ao sistema cava). Durante esta passagem, substâncias provenientes do sangue são captadas pelos hepatócitos para serem metabolizadas, que depende dos sinusoides hepáticos, que são diferentes dos demais capilares do corpo devido a serem altamente fenestrados (“buracos” em sua parede) e (2) são desprovidos de membrana basal (facilitando a saída de macromoléculas para fora do vaso). Assim, todas as substâncias presentes no sangue podem atravessar livremente as fenestras sinusoidais e alcançar o espaço de Disse, que fica entre o sinusoide e o hepatócito. Ele representa o interstício lobular, e contém as células mais importantes para a gênese da cirrose hepática – as células estreladas ou de Ito. As células estreladas normalmente são “quiescentes” (pouca atividade metabólica) e têm a função primordial de armazenar vitamina A. Entretanto, na presença de certos estímulos (ex.: atividade necroinflamatória crônica no parênquima) podem se transformar em células altamente capazes de sintetizar matriz extracelular (em particular colágeno tipo I e III). Essa transformação é induzida por efeitos parácrinos de citocinas pró-inflamatórias, secretadas pelas células de Kupffer ativadas e outras células do sistema imunológico. A deposição de fibras colágenas no espaço de Disse leva ao fenômeno de capilarização dos sinusoides, onde uma camada de colágeno, pouco permeável, fecha as fenestras e impede o contato entre os hepatócitos e as substâncias oriundas do sangue, inclusive fazendo desaparecer as microvilosidades na membrana hepatocitária (refletindo a diminuição na captação celular). Com isso, a capacidade de metabolização hepática – bem como a secreção, no sangue, de macromoléculas produzidas pelos hepatócitos – vai sendo comprometida. A capilarização dos sinusoides também diminui seu calibre, o que aumenta a resistência vascular intra- hepática (fator crucial na gênese da hipertensão porta). E as próprias células estreladas, em seu processo de transformação patogênica, acabam adquirindo capacidade contrátil (tornando-se miofibroblastos), o que reduz ainda mais o diâmetro sinusoidal. O processo de deposição de fibras colágenas e a consequente capilarização dos sinusoides, em meio a segmentos de necrose hepatocitária, caracteriza a fibrose em ponte (porta-centro). O sangue passa a circular por dentro dessas traves fibróticas sem entrar em contato com as placas de hepatócitos, numa espécie de shunt intra-hepático, indo diretamente dos espaços- porta para as veias centrolobulares. E como existe uma doença hepática crônica, com atividade necroinflamatória persistente, os ciclos de necrose, fibrose e regeneração celular continuam se alternando, até que a regeneração hepatocitária fique restrita aos espaços formados entre diversas traves fibróticas interligadas. Originando os “nódulos de regeneração”. Problema 1 – HDA, Cirrose e Hipertensao Portal CIRROSE HEPÁTICA Lúria Niemic – MED UNIC 34 Ao contrário dos lóbulos hepáticos normais, onde as placas de hepatócitos e a rede de sinusoides são rigorosamente coordenados, de modo a fazer o sangue fluir em direção à veia centrolobular (sistema cava), os nódulos de regeneração são constituídos por uma massa de hepatócitos desprovida de funcionalidade, uma vez que eles não possuem relação com uma veia centrolobular. Com isso, representam uma tentativa (frustrada) do fígado em reestabelecer sua citoarquitetura funcional em meio à fibrose intensa e disseminada secundária ao processo necroinflamatório crônico! O desarranjo estrutural que caracteriza a cirrose hepática pode ser decorrente de qualquer doença hepática crônica, e quando bem estabelecido, infelizmente, é irreversível. QUADRO CLÍNICO ACHADOS PERIFÉRICOS • Sinais de Hiperestrogenismo/ Hipoandrogenismo – Acontece alteração da homeostase dos hormônios sexuais. O achado característico da cirrose hepática é a associação de hiperestrogenismo com hipoandrogenismo. Nas fases iniciais, pode-se detectar um aumento dos níveis séricos de estrona, devido à maior conversão periférica de androgênios em estrogênios no tecido adiposo. O aumento da SHBG (globulina ligadora de hormônio sexual) e pode contribuir para a detecção de níveis altos de estrógenos nesses pacientes. Com o avançar da hepatopatia, caem os níveis séricos de testosterona pela diminuição da síntese deste hormônio nas gônadas. O hiperestrogenismo é o responsável pelas alterações vasculares cutâneas, representadas pelo eritema palmar e pelas telangiectasias do tipo “aranha vascular”. Sabe-se que altos níveis de estrogênio causam proliferação e dilatação de vasos cutâneos, especialmente na porção superior do corpo. As telangiectasias do tipo “aranha vascular” (spider angioma) são caracterizadas por uma dilatação arteriolar central ligando-se a capilares dilatados com disposição radial. O enchimento após a compressão da lesão ocorre do centro para periferia. São encontradas no pescoço, na porção superior do tronco e dos MMSS. O eritema palmar é decorrente da vasodilatação cutânea restrita à região palmar, principalmente nas regiões tenar e hipotenar. O fluxo sanguíneo para essa região pode aumentar em até 6x. O hipoandrogenismo é responsável pela queda da libido, impotência masculina, atrofia testicular, redução importante da massa muscular (evidenciada pela atrofia dos músculos interósseos das mãos) e rarefação de pelos (distribuição no padrão feminino). A ginecomastia é decorrente do hipoandrogenismo associado ao hiperestrogenismo. • Baqueteamento (ou Hipocratismo) Digital – A ponta dos dedos torna-se “abaulada” na base da unha, dando ao dedo um aspecto de “baqueta de tambor”. O que ocorre é um aumento volumétrico do tecido subcutâneo vascularizado da extremidade digital, por mecanismos ainda desconhecidos. DISTURBIOS HEMODINÂMICOS Embora sejam altamente dependentes da hipertensão portal, a disfunção hepatocelular também pode contribuir para sua formação. A teoria da vasodilatação explica esses distúrbios: Uma das primeiras alterações hemodinâmicas que surgem na cirrose hepática é a vasodilatação arteriolar esplâncnica (hiperemia mesentérica). O mecanismo é o aumento da síntese local de NO pelo endotélio vascular (potente vasodilatador endógeno). A hipertensão portal contribui para a gênese desse fenômeno – ao desviar o sangue mesentérico para a circulação cava, sem passar pelo fígado, perde-se o “filtro hepático” contra as bactérias Gram-negativas provenientes da translocação intestinal. A endotoxina das bactérias Gram-negativas (LPS) estimula a síntese endotelial de NO. A vasodilatação esplâncnica desloca uma parte da volemia para este território vascular, reduzindo o volume sanguíneo que perfunde os outros órgãos e tecidos – chamado “volume arterial efetivo”. A queda desse volume estimula os barorreceptores renais e carotídeos, causando a ativação do sistema renina-angiotensina- aldosterona, SN simpático e liberação de ADH. Estes sistemas estimulam os rins a reterem sal e água, na tentativa de restaurar o “volume arterialefetivo”. A retenção hidrossalina, na verdade, aumenta a volemia total, porém esse volume sanguíneo adicional está quase todo “sequestrado” nos vasos esplâncnicos dilatados e, portanto, não corrige o deficit de “volume arterial efetivo”. O processo então se perpetua. A retenção hidrossalina continua e progride, e o paciente começa a formar ascite, pois o excesso de líquido presente no território mesentérico começa a transudar diretamente para a cavidade peritoneal em consequência ao aumento de permeabilidade que acompanha a vasodilatação, fenômeno potencializado pela hipoalbuminemia (queda na pressão coloidosmótica do plasma) que tipicamente está presente neste momento. No final das contas, o paciente apresenta: (1) redução do “volume arterial efetivo”, comportando-se como um paciente hipovolêmico, inclusive com tendência à hipotensão arterial e azotemia pré-renal; (2) aumento da volemia total, só que distribuída basicamente no Lúria Niemic – MED UNIC 34 território esplâncnico e portal; (3) aumento do sódio e da água corporal total, que se distribui principalmente no peritônio (ascite) e no interstício (edema); (4) redução da resistência vascular periférica, pela intensa vasodilatação; e (5) aumento do débito cardíaco, já que o coração está bombeando contra uma baixa resistência – fenômeno semelhante ao que ocorre na sepse. ENCEFALOPATIA HEPÁTICA Uma das principais funções do fígado é a depuração de toxinas provenientes da absorção intestinal. Estas substâncias são absorvidas pelos enterócitos, ganham a circulação venosa mesentérica e em seguida a veia porta, para então penetrar nos espaços-porta, atingindo os sinusoides hepáticos. Entre tais substâncias, a mais importante é a amônia, derivada dos enterócitos e do metabolismo das bactérias colônicas. Sua não depuração (tanto pela insuficiência hepatocelular quanto pela hipertensão portal, que desvia o sangue do sistema porta para a circulação sistêmica) causa a encefalopatia hepática. As principais fontes de amônia intestinal são: (1) enterócitos – metabolismo do aminoácido glutamina; (2) bactérias colônicas – catabolismo de proteínas alimentares e da ureia secretada no lúmen intestinal. Os hepatócitos transformam esse composto de alta toxicidade em glutamina ou ureia. Efeitos da amônia no metabolismo cerebral – (1) aumenta a captação de aminoácidos aromáticos pela barreira hematoencefálica; (2) aumenta a osmolaridade das células gliais (astrócitos), fazendo com que se tornem edemaciadas – edema cerebral do tipo celular; (3) inibe a atividade elétrica neuronal pós- sináptica; (4) estimula a produção de GABA (depressor da atividade cortical). Os aminoácidos aromáticos dão origem a neurotransmissores inibitórios do tipo serotonina e aos falsos neurotransmissores (octopamina, feniletanolamina), caracteristicamente aumentados na encefalopatia hepática. DÉFICIT DA SÍNTESE HEPÁTICA • Hipoalbuminemia – A albumina é a proteína presente no plasma em maior concentração, sendo a principal responsável pela pressão oncótica ou coloidosmótica do plasma. Esta é a pressão que “prende” o líquido no compartimento intravascular. Nos vasos capilares, existe um balanço de forças no qual a pressão hidrostática “empurra” o líquido para fora do vaso, enquanto a pressão oncótica “puxa” o líquido para o interior do vaso. Na hipoalbuminemia, existe uma tendência à saída de líquido para o interstício, predispondo o paciente ao edema. As condições de maior potencial edemigênico são aquelas em que encontramos ao mesmo tempo hipoalbuminemia com aumento da pressão hidrostática capilar, tal como ocorre na cirrose hepática e na síndrome nefrótica. • Coagulopatia – A disfunção hepatocelular grave compromete a síntese dos fatores de coagulação. De todos os fatores, aquele que tem a meia-vida mais curta é o fator VII – o fator da via extrínseca. O exame que avalia esta via da coagulação é o TP (Tempo de Protrombina). Como o fator VII é o primeiro a se reduzir na insuficiência hepática, o primeiro exame que altera é o TP (ou TAP). No paciente hepatopata, o TP alargado (com atividade de protrombina baixa e INR alto) também pode ser colestase intra ou extra-hepática. Ela reduz a secreção biliar e, portanto, há menos sais biliares chegando ao intestino para auxiliar na absorção das vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K). A má absorção da vitamina K pode causar uma coagulopatia pela redução na síntese dos fatores II, VII, IX e X, mais uma vez predominando a depleção do fator VII. O coagulograma é muito parecido com o da insuficiência hepática! ➲ Quando suspeitar de colestase? Geralmente o paciente está ictérico (predomínio da bilirrubina direta), com colúria e hipocolia fecal; a FA e a gama-GT estão elevadas. Porém não são obrigatórios. Por isso, todo hepatopata com TP alargado deve ser submetido a uma prova terapêutica com vitamina K exógena, dose única, ou por até 3 dias, de 10 mg SC ou IV, obtendo-se novo TP (INR) 24h depois. Se houver resposta significativa do coagulograma, há uma boa chance de colestase! MANIFESTAÇÕES HEMATOLÓGICAS • Anemia da Hepatopatia Crônica – seu mecanismo mais comum é a hemodiluição. Contudo, outros fatores podem estar presentes como: Redução da meia-vida das hemácias devido a: (1) o hiperesplenismo (devido à esplenomegalia congestiva); (2) alterações no metabolismo eritrocitário, tornando as hemácias instáveis; e (3) alterações da composição lipídica de suas membranas, com aumento do teor de colesterol e lecitina. Menor resposta eritropoéticas devido a: (1) efeito direto do álcool na medula óssea (etiologia alcoólica); (2) anemia megaloblástica por carência de folato (secundária à desnutrição que quase sempre acompanha o cirrótico); (3) anemia ferropriva por sangramento crônico, geralmente proveniente do TG alto (varizes, doença ulcerosa); e (4) provável queda na produção de eritropoetina hepática. Na verdade, a anemia da hepatopatia crônica pode até ser diretamente resultante da doença hepática em si, mas com frequência tem como causa principal algum distúrbio associado (etilismo, ferropenia pelo sangramento, megaloblastose pela carência de folato) • Hiperesplenismo – uma das funções do baço é a hemocaterese, que significa a destruição de hemácias senescentes ou defeituosas. Além disso, também funciona como uma espécie de “armazenador” de plaquetas e, em menor grau, de leucócitos. Na cirrose, a instalação da hipertensão portal determina uma esplenomegalia congestiva. O baço Sinal laboratorial de insuficiência hepática: Atividade de Protrombina < 50%. INR > 1,7. Lúria Niemic – MED UNIC 34 destes pacientes aumenta o seu poder de hemocaterese, pois o sangue passa com maior lentidão pelos cordões esplênicos congestos. O resultado é a hemólise extravascular, um dos componentes da anemia da hepatopatia crônica. Este tipo de anemia hemolítica tende a ser leve, pois o poder de destruição do baço congesto geralmente é contrabalançado pelo aumento na produção de hemácias pela medula óssea. Os pacientes então desenvolvem reticulocitose. Mais importante do que a anemia é a trombocitopenia do hiperesplenismo, uma de suas principais consequências. Um baço normal “armazena” ou “sequestra” cerca de 1/3 das plaquetas circulantes. Um baço congesto é capaz de “sequestrar” um percentual muito maior, acarretando plaquetopenia. SINDROMES Síndrome Hepatorrenal – é uma forma de insuficiência renal funcional (não acompanha alterações histopatológicas renais), que ocorre geralmente em indivíduos com hepatopatia crônica avançada, insuficiência hepática grave e hipertensão portal. É caracterizada pela perda progressiva da função renal, secundária à vasoconstricção renal (com consequente diminuição da Taxa de Filtração Glomerular) e vasodilatação extrarrenal(principalmente no leito mesentérico), havendo queda da resistência vascular periférica e, eventualmente, hipotensão arterial. Síndrome Hepatopulmonar – se refere a uma tríade clínica composta por: 1) doença hepática crônica; 2) hipoxemia: com gradiente alvéolo arterial aumentado (indica presença de shunt arteriovenoso) e; 3) evidências de alterações vasculares intrapulmonares, referidas como “Dilatações Vasculares IntraPulmonares (DVIP)”. Hipertensão Portopulmonar – por conta do acúmulo de substâncias endotélio-tóxicas não depuradas pelo fígado, as artérias pulmonares periféricas sofrem remodelamento, com vasoconstricção, hiperplasia da média, espessamento da íntima e formação de trombos in situ. Existe a hipótese de que pequenas embolias pulmonares de repetição, com pequenos trombos provenientes do sistema porta submetido à estase, possam contribuir para a hipertensão arterial pulmonar destes pacientes. DIAGNÓSTICO Testes hepáticos, testes de coagulação, hemograma completo e testes sorológicos para causas virais. Às vezes, a biópsia (quando os exames clínicos e não invasivos forem inconclusivos ou quando os resultados da biópsia puderem modificar o tratamento). Elastografia por ultrassom ou elastografia por ressonância magnética Identificação da causa com base na avaliação clínica, testes de rotina para causas comuns e testes seletivos para causas menos comuns. A veia porta difere dos demais sistemas vasculares do corpo por ligar estrategicamente 2 importantes redes capilares – veia mesentérica superior e veia hepática (as outras veias envolvidas são suas tributárias). Assim, todas as substâncias que vêm do intestino e do baço chegam ao fígado pelo sistema porta, através dos espaços-porta interlobulares e ganhando a circulação sinusoidal que banha os hepatócitos. A hipertensão portal é definida como a elevação do gradiente de pressão venosa hepática (GPVH) para > 5 mmHg. As varizes esofagogástricas começam a ser formar quando o HVPG ultrapassa 10 mmHg, tornando- se o risco de sangramento significativo a partir de valores > 12 mmHg. Valores > 20 preveem hemorragia incontrolável ou chance elevada de ressangramento em pacientes submetidos à terapia endoscópica durante um episódio de hemorragia aguda. A síndrome da hipertensão porta é composta pela esplenomegalia congestiva, varizes gastroesofágicas e circulação colateral visível no abdome. Muitas causas de hipertensão porta, como a cirrose hepática, também cursam com outro sinal importante – a ascite. Na cirrose, ela contribui ainda para a encefalopatia hepática (ao desviar para a circulação sistêmica parte do sangue portal, rico em amônia), ganhando a sinonímia de encefalopatia portossistêmica. ANATOMIA DO SISTEMA PORTA O fígado recebe seu aporte sanguíneo de 2 fontes: a veia porta e a artéria hepática. A veia porta é formada atrás do colo do pâncreas, pela confluência das veias mesentérica superior e esplênica. Ela segue um trajeto na borda livre do ligamento gastro-hepático até alcançar o porta hepatis, onde se divide em ramos esquerdo e direito. A veia gástrica esquerda ou coronária drena a porção distal do esôfago e a pequena curvatura gástrica. Ela entra na veia porta em cerca de 2/3 dos casos e drena para a veia esplênica no terço restante. Ela é uma das principais responsáveis pela formação das varizes esofagogástricas. A veia mesentérica inferior drena para a veia esplênica em cerca de 2/3 dos indivíduos normais e para veia mesentérica superior no terço restante. HIPERTENSÃO PORTAL Lúria Niemic – MED UNIC 34 VEIAS COLATERAIS PORTOCAVA O sistema porta, em condições normais, possui baixa pressão. Uma resistência aumentada a seu fluxo determina uma diferença de pressão (> 5 mmHg) entre a circulação porta e a sistêmica, representada pela veia cava inferior. Imediatamente, vasos colaterais se desenvolvem, numa tentativa de igualar as pressões em ambos os sistemas e escoar o sangue porta. A rede colateral constituída pela veia coronária (diretamente da veia porta) e pelas veias gástricas curtas (pela veia esplênica), que drenam, através das veias esofagianas e paraesofagianas, para a veia ázigos (no tórax), é a mais importante clinicamente, pois determina a formação das varizes esofagogástricas. Outros sítios que ocorrem a formação de colaterais incluem: Recanalização da veia umbilical, ligando o ramo esquerdo da veia porta com as veias epigástricas (sistema cava). A acentuação desta rede colateral dá origem a “cabeça de medusa”. É a chamada “circulação colateral abdominal tipo portocava” Plexo venoso hemorroidário, conectando as veias hemorroidárias superiores (tributárias da mesentérica superior) com as hemorroidárias médias e inferiores (que drenam para o sistema cava). A acentuação do fluxo sanguíneo nestes vasos colaterais, em consequência à hipertensão porta, justifica o surgimento de varizes anorretais. Que não são a mesma coisa que hemorroidas!!! Os vasos que dão origem às hemorroidas não apresentam comunicação com o sistema porta, logo, a incidência de hemorroidas não está aumentada na hipertensão porta. FISIOPATOLOGIA A hipertensão portal é consequência do aumento da resistência ao fluxo venoso portal causado por um aumento da resistência vascular em nível pré-hepático (esquistossomose), intra-hepático (cirrose) ou pós- hepático (síndrome de Budd-Chiari), além de um aumento no fluxo sanguíneo portal, em decorrência da vasodilatação esplâncnica. Na hipertensão portal da cirrose hepática a obstrução ao fluxo portal é resultante de 2 componentes: (1) resistência estrutural secundária à fibrose e à formação de nódulos regenerativos; (2) elevação primária do tônus vascular intra-hepático pela contração das células hepáticas estreladas, miofibroblastos e células de músculo liso vascular. O bloqueio ao fluxo portal (pré, intra ou pós-hepático) é o fator principal do aumento de pressão da veia porta, mas não é o único. O sistema se autoalimenta pela retenção de vasodilatadores esplâncnicos (especialmente o ON) que, redistribui a volemia de forma a reduzir a perfusão orgânica e a ativar o sistema RAA, catecolaminas e ADH. A ativação neuro-hormonal então aumenta o fluxo de sangue na veia porta, aumentando ainda mais a pressão no sistema. A baixa resistência vascular justifica o estado circulatório hiperdinâmico típico dos pacientes cirróticos. Existe ainda outro mecanismo de retroalimentação: o ON produzido pelo sistema intestinal, no paciente saudável, chega ao sistema porta intra-hepático, dilatando-o. Na hipertensão porta esse ON deixa de chegar ao fígado, provocando vasoconstrição no leito hepático, ao mesmo tempo em que acumula no sistema esplâncnico, promovendo vasodilatação e aumentando o fluxo em direção ao sistema porta. ETIOLOGIA As causas pré-hepáticas são aquelas que afetam o sistema venoso portal antes de penetrar no fígado; elas incluem trombose da veia porta e trombose da veia esplênica. As causas pós-hepáticas englobam aquelas que afetam as veias hepáticas e a drenagem venosa para o coração; elas incluem SBC, doença venoclusiva e congestão cardíaca crônica do lado direito. As causas intra-hepáticas são responsáveis por mais de 95% dos casos de hipertensão portal e são representadas pelas principais formas de cirrose. Podem ser subdivididas em causas pré-sinusoidais, sinusoidais e pós-sinusoidais. As causas pós-sinusoidais incluem doença venoclusiva, enquanto as causas pré incluem fibrose hepática congênita e esquistossomose. As causas sinusoidais estão relacionadas com a cirrose de várias causas. QUADRO CLÍNICO As 3 complicações primárias da hipertensão portal são as varizes gastresofágicas com hemorragia, a ascite e o hiperesplenismo. Assim sendo, os pacientes podem apresentar-se comhemorragia digestiva alta, que ao exame endoscópico demonstra ser devido a varizes esofágicas ou gástricas; com surgimento de ascite juntamente com edema periférico; ou com baço aumentado de volume com redução associada das plaquetas e dos leucócitos nos exames laboratoriais de rotina. DIAGNÓSTICO Deve-se suspeitar de hipertensão porta em todo paciente que apresente combinação de: ascite, esplenomegalia, encefalopatia ou varizes esofagogástricas. Os exames laboratoriais iniciais ajudam a identificar a existência ou não de disfunção hepatocelular associada e incluem a dosagem sérica de albumina, hemograma completo, provas de função hepática e a determinação do TAP. Lúria Niemic – MED UNIC 34 • US-Doppler – Utilizado na avaliação inicial do sistema porta em pacientes com suspeita de HP. O calibre da veia porta, em casos de hipertensão, acha-se em torno de 15 mm, entretanto, um valor normal (até 12) não afasta esta condição. A inabilidade de visualizar a veia porta é sugestiva de trombose. O uso concomitante da fluxometria pelo Doppler permite uma estimativa do fluxo porta. Um sentido hepatopetal (em direção ao fígado) é observado em indivíduos normais e nos casos menos severos de HP. O fluxo hepatofugal (contrário ao fígado) revela a existência de HP grave. • Endoscopia digestiva alta – Sempre indicada na suspeita ou após o diagnóstico de HP. A presença de varizes esofagogástricas sela o diagnóstico de HP. Alguns com HP não possuem varizes. Uma contagem plaquetária < 140.000/ mm³ e um diâmetro da veia porta > 13 mm na US têm se correlacionado melhor com a presença de varizes. Outros achados endoscópicos que se correlacionam com o risco de ruptura incluem manchas vermelho-cereja (cherry-red spots) e manchas hematocísticas. • Angio-TC e RM – Métodos não invasivos. Diagnosticam com boa acurácia a trombose de veia porta, além de determinar a patência de derivações cirúrgicas. São indicados em casos de dúvida diagnóstica ao US- Doppler. • Angiografia – Método radiológico invasivo útil para delinear a anatomia das colaterais do sistema porta, a patência dos vasos, a presença de aneurismas, fístulas e lesões vasculares intra-hepáticas. Utilizado no planejamento cirúrgico da HP. • Medidas hemodinâmicas – A cateterização da veia hepática para medida do HVPG é empregada apenas em casos duvidosos, nos quais os demais métodos não invasivos não conseguem firmar o diagnóstico de HP, ou então após implantação do TIPS ou cirurgia de derivação portocava, a fim de avaliar a eficácia do tratamento (cujo objetivo é a obtenção de um HVPG < 12 mmHg). Essa medida não é útil para o diagnóstico das causas pré-hepáticas e intra-hepáticas pré- sinusoidais de HP, pois, nestes casos, a pressão “encunhada” da veia hepática, que reflete a pressão dos sinusoides, estará normal ou levemente aumentada. • Elastografia transitória (Fibroscan) – Método não invasivo capaz de estimar com excelente precisão a “carga” de fibrose no parênquima hepático. Ela mede a “dureza” do parênquima através de cálculos determinados pela velocidade de reflexão das ondas de US. COMPLICAÇÕES As consequências clínicas mais importantes da HP estão associadas à formação de colaterais portossistêmicos. • Varizes esofagianas – As varizes evoluem para sangramento em pelo menos 30-40% dos casos e são a causa mais comum de hemorragia digestiva alta em pacientes com HP. Para os pacientes que sobrevivem à hemorragia inicial, 70% voltam a sangrar em um período de 1 ano, com uma letalidade de 30%. A mortalidade está principalmente relacionada com o grau de disfunção hepática. • Varizes gástricas (VG) e gastropatia hipertensiva portal (GHP) – As VG podem ser isoladas ou associadas às esofágicas (mais comum), sendo mais frequentes na hipertensão porta pré-hepática. São responsáveis por 10% dos episódios de hemorragia digestiva alta no cirrótico. O diagnóstico requer, além da endoscopia convencional, o uso de US endoscópica. Após um primeiro episódio de sangramento por VG, a recidiva varia de 25-90%. A mortalidade encontra-se em torno de 20%. A GHP é caracterizada por alterações na mucosa do estômago relacionadas à HP. Histologicamente, observam-se dilatações dos capilares e vênulas da mucosa. O sangramento da GHP é difuso por toda a mucosa, sendo conhecido como sangramento “em lençol”; ele pode ser crônico e insidioso, sendo uma causa de anemia ferropriva nos cirróticos, ou agudo, apresentando-se com melena. CONDUTA NO SANGRAMENTO • Controle respiratório e hemodinâmico – 1. Estabilizar a PA. 2. Fazer reposição de solução cristaloide e mesmo sangue. 3. Emprego de plasma fresco congelado está indicado quando o INR está > 1.7, e a transfusão de plaquetas quando a plaquetometria for < 50.000. 4. Intubar pacientes confusos ou com rebaixamento do nível de consciência. 5. A EDA deve ser realizada o mais rápido possível, embora com o doente estabilizado do ponto de vista respiratório e hemodinâmico. • Terapia endoscópica – 1. Após estabilização a hemodinâmica, o estômago deve ser lavado vigorosamente; e uma EDA realizada, de preferência dentro das primeiras 12h. Isso permite a localização do sítio de sangramento, confirmando ou afastando o sangramento por varizes esofagogástricas rotas. Visto que, 30-40% dos pacientes com HP possuem sangramentos decorrentes de outras lesões, como a síndrome de Mallory-Weiss e a esofagite ou gastrite erosiva. A escleroterapia tem como princípio a injeção de substâncias esclerosantes no interior das varizes ou na região paravariceal, provocando irritação na parede vascular e trombose. Lúria Niemic – MED UNIC 34 Na ligadura elástica ou ligadura endoscópica de varizes (LEV) ocorre estrangulamento do vaso, e o sangramento cessa. Está associada a uma obliteração mais rápida e apresenta menor potencial de complicações que a escleroterapia. • Tratamento farmacológico – Usa-se vasoconstritores esplâncnicos IV, que reduzem o fluxo e, portanto, a pressão portal. As opções incluem: terlipressina (análogo da vasopressina – mantida por 2-5 dias), a droga de escolha; a somatostatina; o octreotídeo e seus derivados (análogos da somatostatina). Estes últimos inibem a ação vasodilatadora esplâncnica do glucagon. A terapia com estas medicações deve ser iniciada de imediato, uma vez diagnosticado o sangramento por varizes, sendo adjuvante à terapia endoscópica ou terapia isolada nas varizes gástricas e na GHP sangrante. O potencial de controle da hemorragia é de 80%, quando em terapia isolada. A terapia farmacológica é a conduta de primeira linha para a hemorragia das varizes gástricas ou da GHP. A antibioticoterapia profilática deve ser instituída já na admissão, idealmente antes mesmo da endoscopia digestiva. O antibiótico de escolha tem sido a norfloxacina, 400 mg 12/12h, por 7 dias. • Balão de Sengstaken-Blackmore – Feito na ausência de procedimentos endoscópicos de urgência ou nos pacientes que permanecem sangrando a despeito da terapia endoscópica e farmacológica. O balão deve ser mantido por curta permanência (< 24h) até que o paciente encontre-se estável hemodinamicamente para submeter-se a procedimento cirúrgico descompressivo ou o procedimento endoscópico (se ainda não realizado). O tamponamento com balão é eficaz em 90% dos casos, porém a maioria dos pacientes volta a sangrar se não realizada terapia definitiva. As complicações são ruptura de esôfago, obstrução de via aérea e aspiração pulmonar. Nas hemorragias digestivas altas refratárias ao tratamento clínico + endoscópico inicial, a implantação de um TIPS seria mais segura e eficaz do que a passagem de um BSB. • TIPS (transjugular intrahepatic portosystemic shunt) – É um dispositivo colocado por via percutânea (transjugular), criando uma conexão intra-hepáticaentre a veia hepática e a veia porta, o que descomprime subitamente o sistema e alivia de imediato a HP. São bastante indicado nos casos de hemorragia refratária. • Cirurgia de urgência – É o método mais eficaz em fazer parar o sangramento. É reservada para os casos de sangramento incontrolável pela endoscopia e/ ou terapia farmacológica em hospitais que não dispõem do TIPS. A cirurgia de urgência mais utilizada é a derivação portocava (não seletiva). É rápida e eficaz, porém, com mortalidade de até 25%, quando realizada em emergência. A transecção esofágica com grampeador é um método mais simples de executar, embora tenha um risco alto de ressangramento. PROFILAXIA DO SANGRAMENTO • Profilaxia primária do sangramento – Prevenção do primeiro episódio de hemorragia em pacientes com varizes esofagogástricas. Como 30-40% das varizes na HP evoluem para sangramento, que possui alta letalidade, todo cirrótico deve ser submetido à EDA para rastrear as varizes esofagogástricas. Nos pacientes sem varizes, a EDA deve ser realizada a cada 2-3 anos e, nos pacientes com varizes de pequeno calibre, mas sem sinais de alto risco, a EDA deve ser repetida anualmente. Na presença de varizes de médio ou grosso calibre (F2 ou F3), ou pequeno calibre com sinais de alto risco (pontos vermelhos, Child B ou C) a profilaxia primária está indicada. Aqui, pode-se optar pelo uso de betabloqueadores não seletivos ou pela estratégia de erradicação endoscópica das varizes, isto é, diferentemente da profilaxia secundária (onde ambos os tratamentos devem ser feitos em conjunto), na profilaxia primária escolhe-se apenas 1 (betabloqueadores ou ligadura). Na ausência de varizes, não há indicação de profilaxia, nem mesmo betabloqueadores. • Profilaxia secundária do sangramento – Realizada após o primeiro episódio de hemorragia já controlada. É feita pela combinação de: (1) terapia endoscópica e (2) betabloqueadores. Os betabloqueadores não seletivos (propranolol, nadolol) são benéficos em reduzir a incidência de ressangramento. O bloqueio dos receptores beta-2 é o responsável pela vasoconstricção esplâncnica, e o bloqueio beta-1, pela diminuição do débito cardíaco e fluxo portal. O objetivo é reduzir a FC em 25%, atingindo níveis entre 55-60 bpm. As doses são nadolol 20-40 mg 1x/dia ou propranolol 20- 240 mg/dia, em doses divididas. O nadolol é preferível, pela sua eliminação exclusivamente renal e pela sua longa meia-vida. No entanto, utiliza-se mais o propranolol, que é mais barato. A terapia endoscópica erradicadora de varizes, como profilaxia secundária, consiste na ligadura elástica. Os procedimentos devem ser realizados a cada 1-2 semanas até a erradicação das varizes (geralmente 3 a 5 sessões). Lúria Niemic – MED UNIC 34 Se apenas a terapia endoscópica for feita, sem o uso regular de betabloqueadores, o risco de ressangramento continua relativamente alto (pela possibilidade de sangramento por varizes gástricas ou GHP). Assim, a associação de terapia endoscópica com ligadura elástica + terapia betabloqueadora apresenta resultados superiores. Após a erradicação, revisões endoscópicas a cada 6 meses são recomendadas. Deve-se ressaltar que a cirurgia para HP ainda é o método mais eficaz na profilaxia secundária, mas por se tratar de um procedimento cirúrgico, não é o método de escolha. A HDA refere-se ao sangramento derivado de lesões no TG superior (esôfago, estômago e duodeno) – antes do ângulo de Treitz – e são comumente associados à hematêmese ou melena ou a casos de sangramento de origem obscura. O sangramento GI configura uma emergência médica frequente, sendo essencial o diagnóstico preciso, a fim de se obter melhor prognóstico e uma redução da mortalidade intra-hospitalar, uma vez que está associado a taxas consideráveis de morbimortalidade. Nesse contexto, a HDA tem sua etiologia classificada como não varicosa e varicosa. Sendo que a hemorragia varicosa é consequente da ruptura de varizes esofágicas, como uma das complicações da Hipertensão Portal. Por outro lado, 80-90% são de origem não-varicosas, representadas pela úlcera péptica, a causa mais frequente de hemorragia GI aguda, sendo os fatores causais a infecção por H. pylori e consumo de AINES, com o risco hemorrágico aumentado de 3-5x. A HDA na grande maioria dos casos é autolimitada. Cerca de 80% cessam espontaneamente. Choque ou hipotensão ortostática, coagulopatia associada, hemorragia no hospital, múltiplas transfusões, imunossupressão e hemorragia grave, são sinais de mau prognóstico. CLASSIFICAÇÃO Causas mais prevalentes: Quanto a gravidade do sangramento: NÃO VARICOSA – • Doença Ulcerosa Péptica – Lesões que ultrapassam a muscular da mucosa e tem diâmetro ≥ 0,5 cm. A hipercloridia sem o devido tratamento e com a exposição continuada a AINES, estresse e infecção por pylori, são os principais fatores associados a HDA nesses pacientes. A úlcera pode ser gástrica ou duodenal, sendo o surgimento da gástrica mais associado com o uso abusivo de AINES, e a duodenal, com a infecção por H. pylori. • Síndrome de Mallory-Weiss – Laceração da mucosa na junção gastroesofágica associada ao grande esforço para vomitar e por repetidas vezes, ocorrendo sangramento quando envolve o plexo venoso ou arterial esofágico. Ocorre mais em etilista e grávidas. • Gastropatia hemorrágica e erosiva (“gastrite”) – Erosões e hemorragias subepiteliais visualizadas durante uma endoscopia. São lesões mucosas e não causam hemorragias importantes devido à ausência de artérias e veias na mucosa. Geralmente ocorre devido ao uso de AINEs, ingestão de álcool e o estresse. HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA O marco anatômico para definir se é alta ou baixa é o ligamento de Treitz (região anatômica que determina o fim do duodeno e início do jejuno). A HDA corresponde aos sangramentos que ocorrem antes desse ligamento. Lúria Niemic – MED UNIC 34 A lesão da mucosa gástrica relacionada com o estresse ocorre apenas em pacientes extremamente enfermos, como aqueles que sofreram traumatismo grave, grande cirurgia, queimaduras que atingem + 33% da superfície corporal, doença intracraniana grave ou doença clínica grave (dependência do respirador, coagulopatia). A hemorragia grave não se desenvolve, a menos que aconteça a ulceração. • Outras causas – São menos frequentes e compreendem a duodenite erosiva, neoplasias, fístulas aortoentéricas, lesões vasculares (incluindo telangiectasias hemorrágicas hereditárias [Osler-Weber- Rendu] e ectasia vascular do antro gástrico [“estômago em melancia”]), lesão de Dieulafoy (na qual um vaso aberrante na mucosa sangra em decorrência de um defeito puntiforme na mucosa), gastropatia por prolapso (prolapso do estômago proximal para dentro do esôfago com o esforço para vomitar, especialmente em alcoolistas) e hemobilia ou suco pancreático hemorrágico (sangramento do ducto colédoco ou do ducto pancreático). CONTUDA FRENTE A ESSE PACIENTE • Avaliação inicial – Determinar a FC e a PA é o melhor meio para começar a avaliar um paciente com HD. O sangramento clinicamente significativo leva a alterações posturais na FC ou PA, taquicardia e hipotensão, com o paciente deitado. Por outro lado, o nível de Hb não cai imediatamente no caso de uma HD aguda, devido às reduções proporcionais nos volumes plasmático e eritrocitário (“perdem sangue total”). Assim, a Hb pode se apresentar normal ou levemente diminuída à apresentação inicial de um episódio hemorrágico grave. Conforme o fluido extravascular penetra no espaço vascular para equilibrar o volume, a Hb cai, porém esse processo poderá levar até 72 horas. A transfusão é recomendada quando a Hb cai para < 7 g/dL. Pacientes com HD crônica e lenta podem apresentarvalores muito baixos de Hb, apesar da PA e FC normais. Com o aparecimento de anemia por deficiência de ferro, o VCM será baixo e o índice de anisocitose irá aumentar. • Distinção entre HDA e HDB – A hematêmese indica uma origem da hemorragia no TG superior. A melena indica a presença de sangue no TG por pelo menos 14 horas, e por até 3-5 dias. Quanto mais proximal for o local da hemorragia, mais provável será a ocorrência de melena. A hematoquezia geralmente representa uma fonte de sangramento no TG inferior, embora uma lesão no TG superior possa sangrar tão rapidamente que o sangue ultrapasse o intestino antes que a melena se desenvolva. Quando é um sintoma de apresentação da HDA, está associada à instabilidade hemodinâmica e queda da hemoglobina. As lesões hemorrágicas do intestino delgado podem apresentar-se como melena ou hematoquezia. Outros indícios de HDA incluem ruídos intestinais hiperativos e uma elevação do nitrogênio ureico sanguíneo (devido à depleção de volume e absorção de proteínas sanguíneas no intestino delgado). Um aspirado nasogástrico sem sangue pode ser observado em até 18% dos pacientes com HDA, geralmente a partir de uma fonte duodenal. Mesmo um aspecto tinto de bile não exclui uma lesão hemorrágica pós-pilórica, porque os relatos de bile no aspirado são incorretos em 50% dos casos. O exame para sangue oculto, no aspirado que não exibe sangue macroscópico, é inútil. • Avaliação e tratamento da HDA – Na apresentação, os pacientes geralmente são classificados como de alto ou baixo risco para hemorragia posterior e óbito. Características básicas preditoras de hemorragia recorrente incluem comprometimento hemodinâmico (taquicardia ou hipotensão), idade avançada e comorbidades. A infusão de IBP poderá ser considerada no momento da apresentação: reduz os estigmas da úlcera de alto risco (hemorragia ativa) e a necessidade de terapia endoscópica, porém não melhora o prognóstico clínico, como posteriores hemorragia, cirurgia ou óbito. O tratamento para melhorar a visualização endoscópica com o agente pró-motilidade eritromicina, 250 mg, administrados por via IV, cerca de 30 minutos antes da endoscopia. Pacientes cirróticos que se apresentam com HDA devem receber antibióticos (quinolona, ceftriaxona) e iniciar um medicamento vasoativo (octreotida, terlipressina, somatostatina, vapreotida) no momento da apresentação, mesmo antes da endoscopia. Os antibióticos reduzem as infecções bacterianas, a hemorragia recorrente e a mortalidade nessa população, e parece que os medicamentos vasoativos melhoram o controle da hemorragia nas primeiras 12 horas após a apresentação. A endoscopia alta deverá ser realizada em até 24 horas na maioria dos pacientes com HDA. Os pacientes de alto risco (instabilidade hemodinâmica, cirrose) podem se beneficiar de uma endoscopia mais urgente em até 12 horas. A endoscopia precoce também é benéfica para pacientes de baixo risco nos casos de tomadas de decisões. Os pacientes com hemorragia grave e achados endoscópicos de alto risco (varizes, úlceras com sangramento ativo ou um vaso visível) beneficiam- se da terapia hemostática endoscópica, enquanto os pacientes com lesões de baixo risco (úlceras com base limpa, lacerações de Mallory-Weiss não hemorrágicas, gastropatia erosiva ou hemorrágica) que apresentam sinais vitais e Hb estáveis e nenhum outro problema clínico, podem receber alta. Lúria Niemic – MED UNIC 34 Estado de hipoperfusão orgânica efetiva generalizada – “isquemia” generalizada. Em última análise, as células não recebem o aporte de O2 necessário para manter a sua homeostase. A perfusão efetiva de um órgão ou tecido depende: (1) fluxo sanguíneo total para este órgão; (2) distribuição adequada deste fluxo através do órgão ou tecido, de forma que todas as suas células recebam um suprimento adequado de oxigênio. TIPOS DE CHOQUE • Choque Hipovolêmico – devido à redução do volume sanguíneo em relação ao espaço vascular total, levando à queda das pressões e volumes de enchimento diastólico ventricular. Pode ser: Hemorrágico: relacionado ao trauma, em que há hipovolemia devido a perda de sangue e destruição tecidual ou não relacionado ao trauma, como ocorre no sangramento espontâneo por coagulopatia ou iatrogênico, hemoptise maciça e hemorragia digestiva. Não hemorrágico: perda de volume pelo TGI (diarreia, vômitos), rins (excesso de diurético, estado hiperosmolar hiperglicêmico), perda para o 3º espaço (pancreatite aguda, obstrução intestinal), queimaduras, hipertermia. Fisiopatologia: 1. Aumento da atividade simpática. 2. Hiperventilação. 3. Vasoconstrição venosa. 4. Hipoperfusão tecidual –> metabolismo anaeróbio –> lactato • Choque Cardiogênico – devido à falência da bomba cardíaca (patologia cardíaca), seja pela perda contrátil, seja por um problema estrutural intracardíaco, levando ao aumento das pressões e volumes de enchimento diastólico ventricular. A hipoxemia e hipotensão reduzem ainda mais a pressão de perfusão coronariana, levando a isquemia e lesão miocárdica progressiva. Principais causas: IAM, valvopatias, ICC, cardiomiopatias, arritmias e miocardite. • Choque Obstrutivo Extracardíaco – devido a uma obstrução mecânica que dificulte a circulação de sangue, que gera redução do débito cardíaco e da perfusão. Achados sugestivos dele: turgência de jugular sem edema pulmonar. Causas: • Tamponamento cardíaco: trauma, uremia, câncer, doenças autoimunes, tuberculose. • Obstrução do débito de VD: embolia pulmonar, hipertensão pulmonar aguda. • Aumento da pressão intratorácica: pneumotórax hipertensivo, ventilação mecânica com altos valores de PEEP. • Obstrução extrínseca ou de estruturas adjacentes ao coração: sd da veia cava superior, tumores mediastinais. • Choque Distributivo – devido à perda do controle vasomotor e ao distúrbio microcirculatório – má perfusão tecidual –, levando à vasodilatação arteriolar e venular (periférica global) que, após a reposição de fluidos, evolui para um estado de alto débito cardíaco e baixa resistência vascular sistêmica comprometendo o fornecimento de O2 pelos capilares. Ocorre vasodilatação, porque a vasoconstrição não consegue atuar, já que a musculatura lisa arteriolar encontra-se lesada, não respondendo ao estímulo simpático. A vasodilatação periférica pode ser causada por subtipos de choque: • Séptico (inflamação -> ativação imunológica - > lesão endotelial -> aumento da permeabilidade vascular + síntese de ON). • Anafilático (prurido, rash cutâneo, rouquidão, dispneia, manifestações do TGI). • Neurogênico (lesão da medula espinal acima do nível torácico superior, grave TCE ou fármacos anestésicos). • Choque neurogênico: devido à perda do tônus simpático, a pele é quente e seca. FISIOPATOLOGIA DO CHOQUE • MICROCIRCULAÇÃO – Quando o DC cai, a RVS aumenta para manter um nível de pressão adequado à perfusão do coração e do cérebro em detrimento de outros tecidos, como os músculos, pele e, em especial, TGI. As taxas metabólicas do coração e do cérebro são altas e suas reservas de substrato de energia baixas. São dependentes de oferta contínua de O2 e nutrientes e não toleram isquemia grave por mais que minutos. A autorregulação é crucial para preservar as perfusões cerebral e coronariana apesar de hipotensão significativa. Contudo, quando a PAM cai para 60 mmHg ou menos, o fluxo para esses órgãos diminui e sua função deteriora. O músculo liso vascular arteriolar tem receptores α e β- adrenérgicos. Os receptores α1 medeiam a vasoconstrição, enquanto os β2 medeiam vasodilatação. As fibras simpáticas eferentes liberam norepinefrina, que age primariamente nos α1, ocorrendo uma das respostas compensatórias mais fundamentais para a redução da pressão de perfusão. Outrassubstâncias constritoras cujos níveis aumentam na maioria das formas de choque são a angiotensina II, vasopressina, endotelina 1 e tromboxano A2. A norepinefrina e a epinefrina são liberadas pela medula suprarrenal. Os vasodilatadores circulantes no choque incluem a prostaciclina (PGI2), ON e produtos do metabolismo local como a adenosina, que adapta o fluxo às necessidades metabólicas teciduais. O equilíbrio entre essas substâncias vasoconstritoras e vasodilatadoras influencia a microcirculação e determina a perfusão local. CHOQUE Lúria Niemic – MED UNIC 34 O transporte para as células depende do fluxo microcirculatório, da permeabilidade capilar, da difusão de O2, CO2, nutrientes e produtos do metabolismo por meio do interstício, e da troca desses produtos pelas membranas celulares. O dano à microcirculação, resulta na desorganização do metabolismo celular, que é responsável pela insuficiência orgânica. A resposta endógena à hipovolemia leve ou moderada é uma tentativa de restaurar o volume intravascular mediante alterações na pressão hidrostática e na osmolaridade. A constrição arteriolar leva à redução da pressão hidrostática capilar e do número de capilares perfundidos, limitando a área de superfície capilar por meio da qual ocorre a filtração. Quando a filtração é reduzida enquanto a pressão oncótica intravascular continua constante ou aumenta, ocorre uma reabsorção de líquido no leito vascular. As alterações metabólicas (incluindo a hiperglicemia e elevações nos produtos de glicólise, lipólise e proteólise) aumentam a osmolaridade extracelular, levando a um gradiente osmótico que aumenta os volumes intersticial e intravascular às custas do volume intracelular. • RESPOSTAS CELULARES – O transporte intersticial de nutrientes é prejudicado no choque, levando ao declínio das reservas intracelulares de ATP. A disfunção mitocondrial e o desacoplamento da fosforilação oxidativa são as causas mais prováveis disso. Em consequência, há acúmulo de íons hidrogênio, lactato, espécies reativas de O2 e outros produtos do metabolismo anaeróbio. À medida que o choque avança, esses metabólitos vasodilatadores suprimem o tônus vasomotor, agravando a hipotensão e a hipoperfusão. A disfunção das membranas celulares representa o estágio final entre as formas de choque. O potencial transmembrana celular normal cai e há um aumento da água e do sódio intracelular, ocasionando edema celular, que interfere ainda mais na perfusão microvascular. Em um evento pré-terminal, há perda da homeostase do cálcio por meio dos canais de cálcio, ocorrendo inundação de cálcio no citosol e hipocalcemia extracelular concomitante. Também há perda celular apoptótica, disseminada e seletiva, que contribui para a insuficiência de órgãos e falência imunológica. • RESPOSTA NEUROENDÓCRINA – A hipovolemia, hipotensão e hipoxia são percebidas por barorreceptores e quimiorreceptores, que contribuem para uma resposta autonômica que tenta restaurar o volume sanguíneo, manter a perfusão central e mobilizar os substratos metabólicos. A hipotensão desinibe o centro vasomotor, resultando em aumento do débito adrenérgico e redução da atividade vagal. A liberação de norepinefrina dos neurônios adrenérgicos induz vasoconstrição periférica e esplâncnica significativa, essencial para a manutenção da perfusão dos órgãos principais, enquanto a atividade vagal reduzida aumenta a frequência e o débito cardíacos. A perda de atividade vagal também suprarregula a resposta inflamatória inata da imunidade. Os efeitos da epinefrina circulante no choque são amplamente metabólicos, causando aumento da glicogenólise e da gliconeogênese, e redução da liberação pancreática de insulina. Entretanto, a epinefrina também inibe a produção e liberação de mediadores inflamatórios por meio da estimulação de receptores β-adrenérgicos nas células imunes inatas. Dor intensa ou outras causas de estresse levam à liberação ACTH, que estimula a secreção de cortisol, que contribui para redução da captação periférica de glicose e aminoácidos, aumento da lipólise e aumento da gliconeogênese. O aumento da secreção de glucagon durante o estresse acelera a gliconeogênese, elevando a concentração de glicose no sangue. Essas ações hormonais agem junto aumentando a glicemia para o metabolismo tecidual seletivo e a manutenção do volume sanguíneo. • RESPOSTA CARDIOVASCULAR – Há 3 variáveis – enchimento ventricular (pré-carga), resistência à ejeção ventricular (pós-carga) e contratilidade miocárdica que são fundamentais no controle do volume sistólico. O DC, maior determinante de perfusão tecidual, é produto do volume sistólico e da FC. A hipovolemia diminui a pré-carga, que reduz o volume sistólico. O aumento na FC é um mecanismo útil, mas limitado, para manter o DC. O choque costuma provocar redução na complacência miocárdica, que reduz o volume diastólico ventricular e o volume sistólico. A restauração do volume intravascular pode normalizar o volume sistólico, mas apenas em pressões de enchimento elevadas. O aumento das pressões de enchimento também estimula a liberação de peptídeo natriurético cerebral (BNP), que provoca a secreção de sódio e volume para aliviar a pressão no coração. Em níveis elevados correlacionam-se com pior desfecho. Além disso, sepse, isquemia, IAM, traumatismo tecidual grave, hipotermia, anestesia geral, hipotensão prolongada e acidose também podem prejudicar a contratilidade miocárdica, assim como reduzir o volume sistólico. A resistência à ejeção ventricular é influenciada pela RVS, elevada na maioria das formas de choque. O sistema venoso contém 2/3 do volume sanguíneo total circulante, servindo como reservatório para a autoinfusão de sangue. A venoconstrição desencadeada pela atividade α-adrenérgica é um mecanismo compensatório importante para a manutenção do retorno venoso e do enchimento ventricular. Já a dilatação venosa, como ocorre no choque neurogênico, reduz o enchimento ventricular. • RESPOSTA PULMONAR – O aumento na resistência vascular pulmonar, em particular no choque séptico, pode exceder o da RVS, levando à insuficiência cardíaca direita. A taquipneia induzida pelo choque reduz o volume corrente e aumenta o espaço morto e a ventilação minuto. A hipoxia relativa e a taquipneia subsequente induzem alcalose respiratória. A posição em decúbito e a restrição involuntária de ventilação secundária à dor reduzem a capacidade residual funcional, podendo resultar em atelectasia. Lúria Niemic – MED UNIC 34 O choque e a geração de espécies reativas de O2 induzidas pela ressuscitação são uma das principais causas de lesão pulmonar aguda e subsequente SARA. A hipoxemia resulta da perfusão de alvéolos subventilados ou não ventilados. A perda de surfactante e volume pulmonar, em combinação com o aumento dos edemas alveolar e intersticial, reduz a complacência pulmonar. O trabalho respiratório e as necessidades de O2 dos músculos respiratórios aumentam. • RESPOSTA RENAL – A lesão renal aguda é complicação do choque e da hipoperfusão. A necrose tubular aguda é vista como resultado das interações do choque, da sepse, da administração de agentes nefrotóxicos (aminoglicosídeos e meio de contraste angiográfico) e da rabdomiólise. A resposta fisiológica do rim à hipoperfusão é conservar o sal e a água. Além da diminuição do fluxo sanguíneo renal, o aumento da resistência das arteríolas aferentes é responsável pela diminuição da TFG, o que, junto com o aumento da aldosterona e vasopressina, responde pela redução da formação de urina. Uma lesão tóxica causa necrose do epitélio tubular e obstrução tubular por restos celulares com fluxo retrógrado de filtrado. A depleção das reservas renais de ATP, devido a hipoperfusão renal prolongada, contribuipara a deficiência da função renal. • DESARRANJOS METABÓLICOS – Durante o choque, há ruptura do metabolismo normal de carboidratos, lipídeos e proteínas. Por meio do ciclo do ácido cítrico, a alanina, juntamente com o lactato, que é convertido a partir do piruvato na periferia devido à privação de O2, aumenta a produção hepática de glicose. Com a redução da oferta de O2, a degradação da glicose em piruvato e, depois, lactato, representa um ciclo ineficiente do substrato com produção de saldo energético mínimo. Uma relação aumentada do lactato/piruvato plasmático é preferível ao lactato como uma medida do metabolismo anaeróbio e reflete perfusão tecidual inadequada. A diminuição da depuração dos triglicerídeos exógenos, junto com o aumento da lipogênese hepática, causa um aumento nas concentrações séricas de triglicerídeos. Há aumento do catabolismo das proteínas como substrato de energia, um equilíbrio nitrogenado negativo e, se o processo for prolongado, intensa perda muscular. • RESPOSTAS INFLAMATÓRIAS – Nos pacientes que sobrevivem à crise aguda, há uma resposta contrarreguladora prolongada ao “desligamento” ou equilíbrio de resposta pró-inflamatória excessiva. Se o equilíbrio for restaurado, o paciente evolui bem. Se a resposta for excessiva, a imunidade adaptativa é suprimida e o paciente ficará suscetível a infecções. A cascata do complemento é ativada por meio das vias clássica e alternativa. A fixação do complemento nos tecidos lesionados pode progredir para o CAM, causando lesão celular adicional. A ativação da cascata da coagulação causa trombose microvascular, com consequente fibrinólise, levando a episódios repetidos de isquemia e reperfusão. O tromboxano A2 é um vasoconstritor que contribui para a hipertensão pulmonar e necrose tubular aguda do choque. A PGI2 e a PGE2 são vasodilatadores que aumentam a permeabilidade capilar e a formação de edema. O LTB4 é um estimulador para a quimiotaxia dos neutrófilos, estimulando a formação de espécies reativas de O2. O PAF causa vasoconstrição pulmonar, broncoconstrição, vasodilatação sistêmica. O TNF-α produz muitos aspectos do choque, como hipotensão, acidose láctica e insuficiência respiratória. A IL-1β também é crucial para a resposta inflamatória. Os macrófagos fixados nos tecidos produzem quase todos os mediadores principais da resposta inflamatória e monitoram sua progressão e duração. A principal via de ativação do monócito/macrófago é por meio dos TLR da membrana que reconhecem DAMP e PAMP. CHOQUE HIPOVOLÊMICO É o mais comum. O quadro clínico do não hemorrágico é o mesmo do hemorrágico, mas pode ser mais insidioso. A resposta fisiológica à hipovolemia é manter a perfusão do cérebro e do coração enquanto tenta restabelecer um volume sanguíneo circulante efetivo. Há aumento da atividade simpática, hiperventilação, colapso dos vasos de capacitância venosos, liberação dos hormônios do estresse e tentativa de repor a perda de volume intravascular graças ao recrutamento de líquidos intersticial e intracelular, e pela redução do débito urinário. A hipovolemia leve (≤ 20% do volume) gera taquicardia leve, porém poucos sinais externos. A hipovolemia moderada (20-40% de volume), gera ansiedade e taquicardia; embora a PA normal possa ser mantida na posição supina, pode haver hipotensão postural significativa. A hipovolemia grave (≥ 40% do volume), surge sinais clássicos de choque; PA declina e se torna instável mesmo na posição supina, acentuada taquicardia, oligúria, agitação ou confusão. A perfusão do SNC será bem mantida até que o choque se torne mais grave. O embotamento cerebral é um sinal ameaçador. A transição de choque hipovolêmico leve a grave pode ser insidiosa ou rápida. Se o choque grave não for revertido rapidamente, em especial nos idosos e pct com comorbidades, a morte será iminente. Um intervalo de tempo muito estreito separa os distúrbios encontrados no choque grave que podem ser revertidos com a ressuscitação agressiva daqueles com descompensação progressiva e lesão celular irreversível. DIAGNÓSTICO Pode ser imediato quando há sinais de instabilidade hemodinâmica e a causa de perda de volume é óbvia. Entretanto, se mostra mais difícil quando a causa da perda sanguínea está oculta, como no TGI, ou quando apenas o volume plasmático é depletado. Lúria Niemic – MED UNIC 34 Mesmo após hemorragia aguda, os valores da Hb e do Htc não se alteram até que ocorram os desvios compensatórios de líquido ou sejam administrados líquidos exógenos. Por isso, um Htc inicialmente normal não exclui a presença de perda sanguínea significativa. A perda plasmática causa hemoconcentração e a perda de água livre leva à hipernatremia. Esses achados devem sugerir a presença de hipovolemia. É fundamental diferenciar choque hipovolêmico e cardiogênico, pois, embora os 2 possam responder inicialmente à reposição de volume, a terapia é diferente. Ambas as formas estão associadas à redução do DC e resposta compensatória mediada pelo sistema simpático, caracterizados por taquicardia e elevação da RVS. Entretanto, os achados de turgência venosa jugular, estertores e galope de B3 no choque cardiogênico o diferenciam do hipovolêmico e a expansão volêmica contínua é indesejada. TRATAMENTO O tratamento inicial requer a rápida expansão do volume sanguíneo juntamente com intervenções para controlar as perdas. Conforme a lei de Starling, o volume sistólico e o DC aumentam conforme se eleva a pré- carga. Após a reposição, a complacência dos ventrículos pode continuar reduzida devido aumento do líquido intersticial no miocárdio. Assim, pressões de enchimento elevadas costumam ser necessárias para manter um desempenho ventricular adequado. A reposição volêmica é iniciada com a infusão rápida de soro fisiológico isotônico (evitar acidose hiperclorêmica devido à perda da capacidade de tamponamento do bicarbonato e reposição com excesso de cloreto) ou soro fisiológico balanceado, como o Ringer lactato (estar ciente da presença de potássio e potencial disfunção renal), por meio de acessos IV de grosso calibre. A infusão de 2-3 L de soro fisiológico durante 20-30 minutos deve restaurar os parâmetros hemodinâmicos normais. A manutenção da instabilidade hemodinâmica implica que não houve reversão do choque e/ou que existem perdas contínuas significativas de outros volumes ou sangue. A perda de sangue ativa aguda, com concentrações de Hb declinando para 10 g/dL ou menos, deve indicar transfusão sanguínea. Os pacientes ressuscitados costumam ser coagulopáticos devido à deficiência de fatores de coagulação em cristaloides e concentrado de hemácias estocadas no banco de sangue. A administração precoce de terapia composta durante transfusão maciça (plasma fresco congelado [PFC] e plaquetas) melhoram a sobrevida. Em emergências extremas, pode-se transfundir concentrado de hemácias tipo específico ou O (-). Após hipovolemia grave e/ou prolongada, o suporte inotrópico com norepinefrina, vasopressina ou dopamina pode ser necessário para manter o desempenho ventricular adequado, mas apenas após a reposição do volume sanguíneo. Quando a hemorragia é controlada e o paciente estabilizado, as transfusões não devem ser continuadas, exceto quando Hb < 7 g/dL. O sucesso da ressuscitação também requer suporte da função respiratória. O O2 suplementar deve ser sempre fornecido, e a intubação endotraqueal pode ser necessária para manter uma adequada oxigenação arterial.
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