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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DA AMAZÔNIA GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DAYSE SOUZA MARQUES Interação entre comunidades ribeirinhas e lontras (Lontra longicaudis): um estudo de caso na Mesorregião Nordeste Paraense CAPITÃO POÇO/PA 2019 DAYSE SOUZA MARQUES Interação entre comunidades ribeirinhas e lontras (Lontra longicaudis): um estudo de caso na Mesorregião Nordeste Paraense Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Bacharelado em Ciências Biológicas da Universidade Federal Rural da Amazônia – Campus Capitão Poço, como pré-requisito para a obtenção do título de Biólogo. Área de concentração: Ecologia Orientador: Dr. Cesar França Braga CAPITÃO POÇO/PA 2019 Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Ficha Catalográfica Biblioteca Maria Auxiliadora Feio Gomes / UFRA - Capitão Poço M 357 Marques, Dayse Souza Interação entre comunidades ribeirinhas e lontras (Lontra longicaudis): um estudo de caso na Mesorregião Nordeste Paraense./ Dayse Souza Marques. - Capitão Poço, 2019. 65 f. Orientador Dr. Cesar França Braga Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação – Ciências Biológicas) – Universidade Federal Rural da Amazônia, Capitão Poço, 2019. 1. Mustelidae – interação homem-animal. 2. Comunidade pesqueira – conhecimento tradicional – Pará. 3. Etnoecologia. I. Braga, Cesar França, orient. II. Título CDD: 23 ed. 639.2098115 Bibliotecária-Documentalista: Sheyla Gabriela Alves Ribeiro CRB-2/1372 À minha mãe, que me apoiou e ajudou durante todos esses anos, sem ela nada disso seria possível. AGRADECIMENTOS Agradeço à minha família, por toda ajuda, apoio e compreensão. Em especial ao meu namorado, Vitor Almeida, que esteve presente nesta reta final e ficou ao meu lado nos momentos mais difíceis, sempre me dando força, conselhos e procurando resolver os problemas comigo. Obrigada pela paciência, pelos puxões de orelha e por nunca desistir de mim apesar da distância. À Izabelle Mendes, minha amiga/irmã, por todos esses anos de parceria, seja na sala de aula ou na pesquisa, pela ideia de trabalhar com lontras e por todas as aventuras vividas. Nossa dupla sempre funcionou muito bem e não sei o que seria de mim sem ela como companheira de trabalho. Aos meus professores de curso pelo conhecimento compartilhado. Em especial, aos professores do Laboratório de Ecologia e Conservação da Amazônia (LABECA), incluindo a Drª. Annelise D’ Angiolella, minha orientadora de monitoria. Agradeço ao meu orientador, Dr. Cesar França Braga, por todos os conselhos, correções e orientações. Por acreditar nas nossas ideias e por muitas vezes fazer além do papel de orientador, como tirar dinheiro do próprio bolso para ajudar nas nossas pesquisas. Á Drª. Maura Elisabeth Sousa pelos conselhos e orientações sobre etnobiologia e pela oportunidade de trabalhar com outros mamíferos aquáticos, através da Instituto Bicho D’Água. Agradeço imensamente aos pescadores da vila de Igarapé-açu, por me receberem e sempre estarem disposto a me contar um pouco das suas experiências com pesca e sua convivência com as lontras. Em especial, ao Marquinhos, nosso guia durante o monitoramento. Muito obrigada! Também agradeço a Karina Reis por ter sido uma ponte entre os pescadores e eu, além de fotógrafa auxiliar em parte das entrevistas. Por fim, agradeço a todos que contribuíram de alguma forma nessa caminhada, direta e indiretamente. RESUMO A lontra neotropical, Lontra longicaudis (OLFERS, 1818), é um carnívoro semiaquático pertencente à família Mustelidae. Os peixes geralmente representam a maior parte da sua dieta. Por este motivo acabam interagindo com as populações ribeirinhas que também dependem dos recursos pesqueiros, e muitas vezes essa relação é negativa. O objetivo deste estudo foi confirmar a ocorrência da Lontra longicaudis e analisar suas interações com uma comunidade pesqueira numa localidade da Mesorregião Nordeste Paraense, a partir da percepção de pescadores. Foi utilizada a metodologia Snow ball e o monitoramento das margens do rio Guamá, confirmando a presença de lontras nesta localidade. Foram realizadas 29 entrevistas com pescadores artesanais da vila de Igarapé-açu. O período seco é mais favorável a pesca, devido a concentração de peixes no rio principal. Os ribeirinhos através de suas percepções possuem informações sobre a ecologia de lontras, tornando-se fonte alternativa de novos dados. A interação entre pescadores e lontras ocorre por causa do hábito piscívoro da última. A lontra interfere na pesca por danificar os equipamentos ao retirar peixes, gerando conflitos. Também há relatos da criação de lontras como animais domésticos. Portanto, a interação entre lontras e pescadores nessa região é negativa para ambos, para os pescadores por causa do prejuízo econômico e para as lontras pelas ameaças à sua conservação. Sendo necessário medidas para minimizar estes conflitos, como um programa de educação ambiental. Palavras-chave: Etnoecologia. Interação homem-animal. Conhecimento tradicional. Pesca. Mustelidae. ABSTRACT The neotropical otter Lontra longicaudis (OLFERS, 1818) is a semi-aquatic carnivore belonging to the Mustelidae family. Fish usually account for most of their diet. For this reason they end up interacting with the riverine populations that also depend on the fishing resources, and this relationship is often negative. The aim of this study was to confirm the occurrence of Lontra longicaudis and analyze its interactions with fishing communities in a locality in the Mesoregion Northeast of Pará, based on the perception of fishermen. The Snow ball methodology was used and the Guamá River margins were monitored, confirming the presence of otters at this site. A total of 29 interviews were conducted with artisanal fishermen in the Igarapé-açu village. Dry season is the most suitable period for fishing due to the concentration of fishes in the main river. Through their perception, riverside dwellers have information on the ecology of otters, and are thus an alternative source of new data. On the other hand, the interaction between fishermen and otters occurs due to the latter's piscivorous habit. As otters interfere with fishery by damaging equipment when removing fishes, there are conflicts. There are also reports of otters reared as domestic animals. Hence, the interaction between otters and fishermen in this region is negative for both of them; it is negative for fishermen due to economic loss and it is negative for otters as their conservation is threatened. Therefore, measures to mitigate these conflicts are required, such as an environmental education program. Keywords: Ethnoecology. Man-animal interaction. Traditional knowledge. Fishing. Mustelidae. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo, vila de Igarapé-açu e rio Guamá, Capitão Poço, Nordeste Paraense. ..................................................................................................... 30 Figura 2 – Comparação da frequência de citação dos peixes entre períodos. ........................ 33 Figura 3 – Distribuição das locas ao longo do percurso monitorado..................................... 38 Figura 4 – Locais em que as lontras são avistadas no rio Guamá. ........................................ 39 Figura 5 – Atividades em que as lontras foramavistadas no rio Guamá. .............................. 39 Figura 6 – Presas que compõe a dieta das lontras na percepção dos pescadores da Vila de Igarapé-açu, Capitão Poço, Nordeste Paraense. .................................................................... 40 Figura 7 – Reações dos pescadores ao encontrar uma lontra em suas redes. ......................... 42 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Aspectos socioeconômicos dos entrevistados da Vila de Igarapé-açu, Capitão Poço, Pará...................................................................................................................................... 32 Tabela 2 – Comparação da frequência de citação entre períodos. ......................................... 34 Tabela 3 – Lista dos peixes de importância para os ribeirinhos presentes no rio Guamá em Capitão Poço, Pará. .............................................................................................................. 35 Tabela 4 – Frequência de peixes citados pelos pescadores distribuídos em Ordens. ............. 37 Tabela 5 – Lista das espécies de animais que interferem na pesca artesanal da Vila de Igarapé- açu. ...................................................................................................................................... 41 SUMÁRIO CAPÍTULO I – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................ 11 1 INTRODUÇÃO GERAL ............................................................................................ 12 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................... 13 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 19 CAPÍTULO II – ARTIGO ................................................................................................. 25 Interação entre Comunidade Ribeirinha e Lontras (Lontra longicaudis): um estudo de caso na Mesorregião Nordeste Paraense, Brasil ............................................................... 26 RESUMO ........................................................................................................................... 26 ABSTRACT ....................................................................................................................... 26 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 27 2 MATERIAL E MÉTODOS ........................................................................................ 29 2.1 Área de estudo ...................................................................................................... 29 2.2 Coleta de dados .................................................................................................... 30 2.3 Análise de dados ................................................................................................... 32 3 RESULTADOS ........................................................................................................... 32 3.1 Perfil socioeconômico dos entrevistados ............................................................. 32 3.2 Caracterização da pesca ...................................................................................... 33 3.3 Levantamento de etnoespécies de peixes importantes para os ribeirinhos ........ 34 3.4 Confirmação da ocorrência ................................................................................. 38 3.5 Interação pescador-lontra ................................................................................... 38 3.5.1 Percepções sobre ecologia e comportamento ................................................... 38 3.5.1.1 Hábito semiaquático .................................................................................... 38 3.5.1.2 Hábito carnívoro/piscívoro .......................................................................... 40 3.5.1.3 Organização social ...................................................................................... 40 3.5.1.4 Horário de atividade .................................................................................... 40 3.5.2 Interferência na pesca ..................................................................................... 41 3.5.3 Lontra como animais domésticos .................................................................... 42 4 DISCUSSÃO ............................................................................................................... 42 4.1 Perfil socioeconômico dos entrevistados ............................................................. 43 4.2 Caracterização da pesca ...................................................................................... 44 4.3 Levantamento de etnoespécies de peixes importantes para os ribeirinhos ........ 46 4.4 Confirmação da ocorrência ................................................................................. 47 4.5 Interação pescador-lontra ................................................................................... 47 4.5.1 Percepções sobre ecologia e comportamento ................................................... 47 4.5.1.1 Hábito semiaquático .................................................................................... 47 4.5.1.2 Hábito carnívoro/piscívoro .......................................................................... 48 4.5.1.3 Organização social ...................................................................................... 48 4.5.1.4 Horário de atividade .................................................................................... 49 4.5.2 Interferência na pesca ..................................................................................... 49 4.5.3 Lontra como animais domésticos .................................................................... 52 4.5.4 Contato com animais domésticos .................................................................... 53 5 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 53 6 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 54 APÊNDICE A – ENTREVISTA APLICADA AOS PESCADORES DA VILA DE IGARAPÉ-AÇU ................................................................................................................. 62 APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ........... 63 CAPÍTULO I – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 12 1 INTRODUÇÃO GERAL A lontra neotropical (Lontra longicaudis Olfers, 1818) é um mamífero pertencente à família Mustelidae, subfamília Lutrinae, que juntamente com a ariranha (Pteronura brasiliensis Zimmermann, 1780) são as únicas espécies de mustelídeos semiaquáticos ocorrentes no Brasil (CHEIDA et al., 2006), sendo consideradas assim por dependerem do ambiente aquático para conseguir suas principais fontes de alimento, possuindo adaptações morfológicas e fisiológicas para o mergulho, assim como dependem do ambiente terrestre (não muito distante dos corpos d’água) para desenvolver suas demais atividades (LARIVIÈRE, 1999; CHEIDA et al., 2006; ALMEIDA; PEREIRA, 2017a; RHEINGANTZ et al., 2017). A Lontra longicaudis encontra-se amplamente distribuída (RHEIGANTZ et al. 2014), e são encontradas associadas a diversos ambientes aquáticos (RHEINGANTZ; TRINCA, 2015). No geral, as lontras são animais solitários (LARIVIÈRE, 1999) e apresentam um padrão de atividade diurno, e em pequena frequência hábitos noturnos (RHEINGANTZ et al. 2016; ALMEIDA; PEREIRA, 2017a). A espécie está inclusa na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas de Extinçãoda IUCN (International Union for Conservation of Nature) e na lista nacional de espécies ameaçadas do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), em ambas com o status “Quase Ameaçada” (NT) (RODRIGUES et al., 2013; RHEINGANTZ; TRINCA, 2015). Esses animais são carnívoros topo de cadeia, possuindo uma dieta com presas diversificadas, porém, sendo os peixes sua principal fonte de alimento, são consideradas piscívoras (CARTER; ROSAS, 1997; CARVALHO-JUNIOR et al., 2010; ROSAS-RIBEIRO et al., 2012; SILVA et al., 2013). É através do hábito piscívoro que as lontras acabam interagindo com comunidades ribeirinhas, povos que habitam os arredores de rios, possuindo uma relação diferenciada com a natureza (CASTRO; OLIVEIRA, 2016). Essa interação ocorre principalmente por causa dos recursos pesqueiros, já que a lontra se alimenta de peixes e os pescadores dependem desse recurso para subsistência ou renda (ZANATA, 2009). A relação entre esse carnívoro e os pescadores por vezes resulta em conflitos (BARBIERI et al., 2012; CASTRO et al., 2014). Apesar dos conflitos, é através dessa interação que as comunidades pesqueiras obtêm etnoconhecimentos sobre biologia e ecologia desse mustelídeo, podendo contribuir em pesquisas científicas, por estas estarem presente dia-a-dia no ambiente natural desses animais e área de estudo de um pesquisador (FONSECA; MARMONTEL, 2011). Isso ocorre devido a frequência desses ribeirinhos nos rios, habitat natural das lontras. 13 Com base nisto, o objetivo deste estudo foi confirmar a ocorrência da Lontra longicaudis nesta localidade e analisar as interações entre este mustelídeo e uma comunidade pesqueira do Nordeste Paraense, a partir da percepção dos pescadores. 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA As lontras são mamíferos carnívoros pertencentes à Família Mustelidae e subfamília Lutrinae (CHEIDA et al., 2006). São classificadas nessa subfamília por possuírem hábitos semiaquáticos, isto é, vivem no ambiente aquático e no ambiente terrestre (LARIVIÈRE, 1999; KRUUK, 2006; ALMEIDA; PEREIRA, 2017a; RHEINGANTZ et al., 2017), dependendo do ambiente aquático para conseguir suas principais fontes de alimento e do ambiente terrestre (não muito distante dos corpos d’água) para desenvolver atividades como descanso, interações sociais, nascimento de filhotes, construção de locas, entre outras (LARIVIÈRE, 1999; KASPER et al., 2008; ALMEIDA; PEREIRA, 2017a; RHEINGANTZ et al., 2017). No Brasil, ocorrem duas espécies de lutríneos, a lontra neotropical (Lontra longicaudis Olfers, 1818) e a ariranha (Pteronura brasiliensis Zimmermann, 1780), podendo viver em simpatria, ou seja, podem habitar a mesma região geográfica (CARTER; ROSAS, 1997; SILVA et al., 2013). No território brasileiro, estas espécies são simpátricas nos biomas Amazônia e Pantanal e devido às diferenças entre seus nichos ecológicos (microhabitats, variedade e tamanho de presas, período de atividade), convivem sem competir (ROSAS, 2004; KRUUK, 2006). A Lontra longicaudis encontra-se amplamente distribuída, ocorrendo desde o México até o Uruguai. Rheingantz et al. (2014), através de um modelo de adequação de habitat, sugeriu que a distribuição dessa lontra poderia ser ampliada, incluindo novas regiões na América do Sul, como o Nordeste do Brasil (ROSAS-RIBEIRO et al., 2017) e também a região Norte do México e Sul dos Estados Unidos. No Brasil, esta espécie habita os biomas Amazônia, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Campos Sulinos (CHEIDA et al., 2006). Dependendo da localidade onde ocorre pode ser chamada popularmente de lontra, lontra neotropical, lontra de rio, lontrinha, neotropical otter, river otter, lobito del rio, nutria del noroeste, nutria neotropical e perro de agua (ALMEIDA, 2017). A lontra neotropical possui um corpo alongado variando de 53 a 80 cm no comprimento total e de 36 a 50 cm na cauda. Apresenta dimorfismo sexual, com os machos maiores que as fêmeas. O peso varia de 5 a 14 kg. Seu pelo é denso e apresenta uma dupla camada: internamente macios e finos e externamente longos e rígidos. A sua coloração é marrom por 14 todo o corpo, exceto na região do pescoço, que é mais clara, acinzentada. Possui adaptações morfológicas e fisiológicas para o ambiente aquático: as patas apresentam membranas interdigitais, a cauda é musculada e achatada dorsoventralmente, servindo de leme na água e as narinas se fecham durante o mergulho. Ainda dispõe de vibrissas longas que auxiliam a localizar presas embaixo d´água (LARIVIÈRE, 1999; ROSAS, 2004; CHEIDA et al. 2006; KRUUK, 2006). São encontradas associadas a diversos ambientes aquáticos, como rios, córregos, lagos, lagoas, estuários, manguezais, pântanos e áreas costeiras (ROSAS, 2004; KRUUK, 2006; RHEINGANTZ; TRINCA, 2015). De acordo com Rheingantz et al. (2014) e Rheingantz e Trinca (2015) é possível encontrar L. longicaudis vivendo em regiões com certo grau de degradação de habitat, porém, ainda não se conhece os efeitos dessa degradação sobre as populações desses animais. Os abrigos das lontras localizam-se nas margens de rios ou em ambientes próximos a corpos d’água. Utilizam desde tocas cavadas pela própria espécie, por vezes formando galerias no seu interior, assim como cavernas e troncos caídos (ROSAS, 2004; CHEIDA et al., 2006; RHEINGANTZ et al., 2017). As lontras são carnívoras topo de cadeia, sua dieta é composta, principalmente, por peixes, sendo consideradas piscívoras, e em segundo lugar por crustáceos (QUINTELA et al., 2008; CARVALHO-JUNIOR et al., 2010a; CARVALHO-JUNIOR et al., 2010b; SILVA et al., 2013). Ocasionalmente podem consumir aves, mamíferos, insetos e frutas (QUADROS; MONTEIRO-FILHO, 2000; CARVALHO-JUNIOR et al., 2010a; RESTREPO; BOTERO- BOTERO, 2012). As lontras também podem ser consideradas oportunistas (QUINTELA et al., 2008) e apresentar plasticidade em sua dieta (RHEINGANTZ et al., 2017). No geral, as lontras são animais solitários (LARIVIÈRE, 1999) ou podem viver em duplas, podendo ser mãe e seu filhote (PARERA, 1993) ou indivíduos que se juntam na época da reprodução (CASTRO et al., 2014; RHEINGANTZ et al. 2017). Apesar de ser vista raramente em bando, há estudos que registraram L. longicaudis com hábito social (LACOMBA et al., 2001). Quanto ao padrão de atividade, geralmente são diurnas e em pequena frequência possuem hábitos noturnos (RHEINGANTZ et al. 2016; ALMEIDA; PEREIRA, 2017a). O horário de atividade dessa espécie pode variar de acordo com o ambiente em que se encontra, mostrando, assim, uma possível plasticidade no seu período ativo (BARBIERI, 2014; RHEINGANTZ et al. 2016). Estima-se, também, que o horário ativo da lontra neotropical pode ser influenciado pelo padrão de atividades das suas presas e/ou pela presença de humanos (LARIVIÈRE, 1999; ALMEIDA; PEREIRA, 2017a; RHEINGANTZ et al. 2017). 15 Lontra longicaudis é um animal silvestre ameaçado de extinção, protegido por lei (Lei nº 5.197/1967 e sua alteração Lei nº 7.653/1988 – Proteção à fauna; Lei nº 9.605/1998 e Decreto nº 6.514/2008 – Crimes ambientais). Durante o período de 1950-1970 houve intensa caça das lontras por causa da sua pele, destinadas ao comércio de vestuário e acessórios de moda, resultando em uma drástica diminuição populacional dessa espécie (LARIVIÈRE, 1999). O comércio brasileiro exportou 3.710 peles. Por volta de 1990, o preço de varejo de uma pele de lontra neotropical foi de US $ 25-90 (LARIVIÈRE, 1999). Atualmente, as lontras enfrentam uma ameaça mais insidiosa: a degradação e a destruição de seu habitat natural, como o desmatamento, a mineração, a ocupação humana ao longo dos cursos d'água, o excesso de pesca, a caça ocasional, o turismo com falha de gestão, doenças adquiridas de animais domésticos, atropelamentos e conflitos com pescadores e piscicultores (STAIB; SCHENCK, 1994; GROENENDIJK, 1998; MORENO, 2008; ALMEIDA; PEREIRA, 2017a; ALMEIDA;PEREIRA, 2017b; RHEINGANTZ et al., 2017). Rodrigues et al. (2013) descrevem o status de conservação e as possíveis ameaças às lontras no Brasil por biomas. Na Mata Atlântica, as lontras apresentam status regional ‘Vulnerável’ (VU) e sofrem com a redução de habitat, caça por retaliação, devido a conflitos com pescadores e piscicultores, e atropelamentos. No Cerrado é classificada como uma espécie ‘Quase ameaçada’ (NT) e as principais ameaças são a redução e destruição de habitat. Na Amazônia, o status regional da Lontra longicaudis é ‘Menos preocupante’ (LC), sendo ameaçadas pelo isolamento através de construção de barragens em função das hidrelétricas e desmatamento. No Pantanal, as informações ainda são escassas e a espécie é classificada com o status ‘Dados insuficientes’ (DD). Apesar disso, sabe-se que empreendimentos hidrelétricos podem ameaçar a conservação das lontras nessa região. No Pampas o status é ‘Menos preocupante’ (LC) e as principais ameaças são a caça e retaliação por parte dos pescadores e piscicultores. Por causa dessas ameaças, a espécie está inclusa na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas de Extinção da IUCN (International Union for Conservation of Nature) e na lista nacional de espécies ameaçadas do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), em ambas com o status ‘Quase Ameaçada’ (NT) (RODRIGUES et al., 2013; RHEINGANTZ; TRINCA, 2015). De acordo com a Portaria do Ministério do Meio Ambiente Nº 43, de 31 de janeiro de 2014, espécies com o status NT são consideradas prioritárias para pesquisas sobre o estado de conservação. Por isso, locais onde habitam populações remanescentes desses mustelídeos devem receber maior atenção para futuros estudos de monitoramento conservacionista de 16 acordo com o Plano de Ação Nacional para a Conservação da Ariranha do ICMBio, que também abrange a lontra neotropical. Algumas das ações previstas neste plano são “Diagnosticar, espacializar e quantificar os conflitos entre populações humanas e grupos de ariranhas (Pteronura brasiliensis) e lontras (Lontra longicaudis)” e “Confirmar a atual distribuição de lontras, com ênfase nas regiões Norte e Nordeste” (ICMBIO, 2010). Por ser um mamífero de hábito semiaquático e piscívoro (LARIVIÈRE, 1999; SILVA et al., 2013), as lontras acabam interagindo com comunidades ribeirinhas. Essa interação de L. longicaudis com os pescadores ocorre através da frequência desses ribeirinhos nos rios, habitat natural das lontras e, principalmente, por causa dos recursos pesqueiros, já que as lontras possuem hábitos piscívoros e os pescadores dependem dos peixes para subsistência ou renda (MENDONÇA et al., 2011; ZANATA, 2009; BAHIA; BONDIOLI, 2010). Deste modo, ocorre uma interação ecológica interespecífica (espécies diferentes) por competição entre as partes envolvidas (BEGON et al., 2007). A relação entre esse carnívoro e os pescadores, por vezes, resulta em conflitos (BARBIERI et al., 2012; CASTRO et al., 2014), ocasionando uma interação negativa para ambas as partes, pois, os ribeirinhos têm prejuízos econômicos e podem ameaçar a conservação da lontra neotropical através da caça ocasional na tentativa de inibir a ação desses animais (FONSECA; MARMONTEL, 2011; CASTRO et al., 2014; RHEINGANTZ et al., 2017). Barbieri et al. (2012) descreveram os conflitos entre as lontras e duas comunidades pesqueiras (Imbé e Tramandaí) na Lagoa Tramandaí, litoral norte do Rio Grande do Sul. Todos os pescadores relataram que L. longicaudis interfere em suas atividades de pesca, alimentando- se dos peixes presos nas redes de emalhar e danificando esses petrechos. Neste local, as interações são negativas para ambos, representando uma ameaça em potencial para a conservação das lontras. Castro et al. (2014) estudaram a percepção de pescadores ‘caiçaras’ sobre as lontras neotropicais e conflitos ocorrentes nas Ilhas Cananéia e Comprida, São Paulo. Neste estudo confirmou-se a predação das lontras às armadilhas fixas. Porém, também constatou-se que a quantidade de dano atribuído às lontras foi considerada ‘pequena’ pelos ribeirinhos. Embora exista uma relação de competição entre os pescadores ‘caiçara’ e as L. longicaudis, não é prejudicial em termos de possíveis riscos à sobrevivência deste mustelídeo. Já Pinheiro (2016), observou a ocorrência de conflitos entre esses carnívoros e a comunidade pesqueira na região nordeste brasileira, mais especificamente na Área de Proteção Ambiental da Marituba do Peixe, Unidade de Conservação de uso sutentável localizada na região do Baixo São Francisco, municípios de Penedo, Piaçabuçu e Feliz Deserto, Alagoas. Os 17 ataques ocorrem nas redes de emalhar e nos covos (artefato de pesca feito de fios entrelaçados com abertura afunilada) e os prejuízos causados devido aos danos nos aparelhos de pesca são amplamente registrados na área, reduzindo em até 25% a produção, gerando perseguição, envenenamento e morte dos animais, incluindo o consumo das lontras, apontando assim para um conflito persistente e ameaças à conservação da L. longicaudis. Entretanto, Fonseca e Marmontel (2011) ao analisarem o conhecimento local de pescadores e conflitos com as espécies de lontras (lontra neotropical e ariranha), na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazonas, perceberam que os ribeirinhos possuem informações sobre a biologia e ecologia desses mustelídeos. Diferentemente de outras regiões, a lontra neotropical geralmente não é foi mencionada no contexto de conflitos neste estudo. Apesar dos conflitos, é através dessa interação que as comunidades pesqueiras obtêm conhecimento sobre biologia e ecologia desse mustelídeo, sendo este um conhecimento empiricamente desenvolvido, podendo contribuir em pesquisas científicas por estarem presentes no dia-a-dia no ambiente natural desses animais e área de estudo de um pesquisador (FONSECA; MARMONTEL, 2011). A obtenção de informações sobre essa interação é feita através da etnobiologia e etnoecologia. Segundo Begossi (1993) a etnobiologia é um campo de pesquisa multidisciplinar que pretende compreender a forma que a natureza é percebida, conhecida e classificada culturalmente pelas populações humanas. Um dos ramos da etnobiologia é a etnoecologia, podendo ser classificada como o estudo das interações entre os seres humanos e o meio ambiente em que vivem, a partir de uma concepção local, buscando a valorização dos conhecimentos adquiridos e repassados entre gerações por uma comunidade ao longo do tempo (BERKES et al., 2000; TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2009). Além disso, a etnoecologia “enfatiza a importância da participação dos povos locais em discussões que envolvem a conservação da biodiversidade e dos recursos naturais, em particular em unidades de conservação” (BARROS, 2012, p. 291). As comunidades tradicionais são aquelas que dependem da natureza para obter os recursos básicos necessários para a sua sobrevivência (BARROS, 2012), adquirindo conhecimentos através de suas vivências, chamados de ‘conhecimento tradicional’, ‘conhecimento ecológico local’ ou ‘conhecimento ecológico tradicional’ (BERKES et al., 2000; PRADO; MURRIETA, 2015; CASTRO; OLIVEIRA, 2016). “Na Amazônia, as principais atividades produtivas das comunidades tradicionais são a agricultura de base familiar, a caça, a coleta de produtos da floresta (comumente denominada de extrativismo) e a pesca” (BARROS, 2012, p. 292). As comunidades ribeirinhas são povos 18 que habitam os arredores de rios e/ou utilizam os recursos que este oferece, possuindo uma relação diferenciada com a natureza sendo, assim, detentoras de um conjunto de conhecimentos e estratégias de uso dos recursos naturais, neste caso mais especificamente relacionados à pesca artesanal (BERKES et al., 2000; BARROS, 2012; CASTRO; OLIVEIRA, 2016). A pesca é considerada artesanal quando a atividade pesqueira é desenvolvida individualmentee/ou utilizando mão-de-obra familiar ou não assalariada (‘parcerias’), com a utilização de embarcações e equipamentos simples, muitas vezes confeccionados pelo próprio ribeirinho, e ainda com baixa produtividade, sendo a produção destinada total ou parcialmente ao mercado, ou para subsistência (CLAUZET et al., 2005; GARCEZ; BOTERO, 2005; FERNANDES, 2008; SILVA, 2014). Segundo Almeida et al. (2003) a pesca caracteriza-se como comercial quando é praticada por pescadores profissionais móveis e muitas vezes urbanos, à medida que a pesca de subsistência é desenvolvida por comunidades locais (rurais) que residem próximos aos rios principais e lagos detentores dos estoques pesqueiros. Na Amazônia a pesca para os ribeirinhos representa uma das atividades mais importantes, pois, provém renda e alimento (SILVA, 2007; BARROS, 2012). O conhecimento ecológico local representa fontes alternativas de compreensão dos aspectos relacionados à biologia e ecologia (GILCHRIST et al., 2005; BROOK; MCLACHLAN, 2008), podendo colaborar em pesquisas científicas, já que as populações locais, através de suas vivências, possuem informações sobre presença e distribuição de espécies que os cientistas teriam dificuldade de obter em projetos de pesquisa realizados em áreas remotas e pouco visitadas (DREW, 2005). Muitas vezes os dados fornecidos pelo conhecimento ecológico tradicional são usados para ampliar os conhecimentos científicos, ajudando os pesquisadores nas tomadas de decisões de ações de manejo e conservação da biodiversidade, que são mais eficientes quando feitos em parceria com as comunidades locais (DREW, 2005; GAGNON; BERTEAUX, 2009; FONSECA; MARMONTEL, 2011; RUIZ- MALLÉN et al., 2012). A etnoecologia tem sido aplicada em diversas pesquisas sobre distribuição, biologia, ecologia de espécies animais, assim como análises de interações de animais com as populações humanas, inclusive em estudos com mamíferos aquáticos: sirênios (SOUSA et al., 2013; BRITO et al., 2016; MIRANDA, 2017); cetáceos (BAREZANI, 2005; BRITO, 2012; MARTINS, 2015; SANTOS, 2017); mustelídeos (ROSAS-RIBEIRO, 2009; BARBIERI et al., 2012; MICHALSKI et al., 2012; CASTRO et al., 2014). Há registros de ocorrência da lontra neotropical no rio Guamá nas proximidades dos municípios de Ourém e São Miguel do Guamá (COSTA, 2017) e Capitão Poço e Santa Luzia 19 do Pará (MARQUES et al. 2016), assim como registros de interações entre esse mustelídeos e pescadores (MARQUES et al. 2018), porém, pouco se conhece dessa relação e como pode estar influenciando na conservação da espécie. 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, L. R. Lontra longicaudis (Olfers, 1818): Revisão do conhecimento existente e análise da influência da qualidade da água sobre a sua ocorrência na bacia do rio dos sinos, Rio Grande do Sul, Brasil. 2017. 92p. Dissertação (Mestrado em Biologia Animal) - Programa de Pós-graduação em Biologia Animal - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2017. ALMEIDA, L. R.; PEREIRA, M. J. R. Ecology and biogeography of the Neotropical otter Lontra longicaudis: existing knowledge and open questions. Mammal Research, v. 62, n. 4, p. 313-321, 2017a. 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CAPÍTULO II – ARTIGO 26 Interação entre Comunidade Ribeirinha e Lontras (Lontra longicaudis): um estudo de caso na Mesorregião Nordeste Paraense, Brasil RESUMO A lontra neotropical, Lontra longicaudis (OLFERS, 1818), é um carnívoro semiaquático pertencente à família Mustelidae. Os peixes geralmente representam a maior parte da sua dieta. Por este motivo acabam interagindo com as populações ribeirinhas que também dependem dos recursos pesqueiros, e muitas vezes essa relação é negativa. O objetivo deste estudo foi confirmar a ocorrência da Lontra longicaudis e analisar suas interações com uma comunidade pesqueira numa localidade da Mesorregião Nordeste Paraense, a partir da percepção de pescadores. Foi utilizada a metodologia Snow ball e o monitoramento das margens do rio Guamá, confirmando a presença de lontras nesta localidade. Foram realizadas 29 entrevistas com pescadores artesanais da vila de Igarapé-açu. O período seco é mais favorável a pesca, devido a concentração de peixes no rio principal. Os ribeirinhos através de suas percepções possuem informações sobre a ecologia de lontras, tornando-se fonte alternativa de novos dados. A interação entre pescadores e lontras ocorre por causa do hábito piscívoro da última. A lontra interfere na pesca por danificar os equipamentos ao retirar peixes, gerando conflitos. Também há relatos da criação de lontras como animais domésticos. Portanto, a interação entre lontras e pescadores nessa região é negativa para ambos, para os pescadores por causa do prejuízo econômico e para as lontras pelas ameaças à sua conservação. Sendo necessário medidas para minimizar estes conflitos, como um programa de educação ambiental. PALAVRAS-CHAVE: Etnoecologia. Interação homem-animal. Conhecimento tradicional. Pesca. Mustelidae. ABSTRACT The neotropical otter Lontra longicaudis (OLFERS, 1818) is a semi-aquatic carnivore belonging to the Mustelidae family. Fish usually account for most of their diet. For this reason they end up interacting with the riverine populations that also depend on the fishing resources, and this relationship is often negative. The aim of this study was to confirm the occurrence of Lontra longicaudis and analyze its interactions with fishing communities in a locality in the Mesoregion Northeast of Pará, based on the perception of fishermen. The Snow ball 27 methodology was used and the Guamá River margins were monitored, confirming the presence of otters at this site. A total of 29 interviews were conducted with artisanal fishermen in the Igarapé-açu village. Dry season is the most suitable period for fishing due to the concentration of fishes in the main river. Through their perception, riverside dwellers have information on the ecology of otters, and are thus an alternative source of new data. On the other hand, the interaction between fishermen and otters occurs due to the latter's piscivorous habit. As otters interfere with fishery by damaging equipment when removing fishes, there are conflicts. There are also reports of otters reared as domestic animals. Hence, the interaction between otters and fishermen in this region is negative for both of them; it is negative for fishermen due to economic loss and it is negative for otters as their conservation is threatened. Therefore, measures to mitigate these conflicts are required, such as an environmental education program. KEYWORDS: Ethnoecology. Man-animal interaction. Traditional knowledge. Fishing. Mustelidae. 1 INTRODUÇÃO A Lontra longicaudis (Olfers, 1818) é um mamífero semiaquático da família Mustelidae encontrado em praticamente todo o Brasil, incluindo a Amazônia (RHEINGANTZ et al., 2014). As lontras são carnívoras topo de cadeia e piscívoras (dieta composta principalmente por peixes) (CARVALHO-JUNIOR et al., 2010a; CARVALHO-JUNIOR et al., 2010b; SILVA et al., 2013). Por causa do hábito semiaquático (LARIVIÈRE, 1999), as lontras acabam interagindo com comunidades ribeirinhas, povos que habitam arredores de rios e/ou utilizam seus recursos (CASTRO; OLIVEIRA, 2016). Essa interação ocorre nos rios, habitat natural das lontras, principalmente por causa dos recursos pesqueiros, já que ambos dependem dos peixes, seja para alimento ou renda (BAHIA; BONDIOLI, 2010; MENDONÇA et al., 2011; CASTRO et al., 2014). A relação entre esse carnívoro e os pescadores pode resultar em conflitos (BARBIERI et al., 2012; CASTRO et al., 2014), pois as lontras interferem na atividade de pesca causando prejuízos aos pescadores ao retirar peixes da arte de pesca, danificando-as. Cria-se, assim, uma interação negativa para ambas as partes, pois, esses conflitos ameaçam a conservação da lontra através da caça ocasional (FONSECA; MARMONTEL, 2011; CASTRO et al., 2014; RHEINGANTZ et al., 2017). 28 Na Amazônia, a pesca representauma atividade importante, pois provém renda e alimento (SILVA, 2007; BARROS, 2012). A pesca artesanal é aquela desenvolvida individualmente e/ou utilizando mão-de-obra familiar ou não assalariada (‘parcerias’), com a utilização de embarcações e equipamentos simples, muitas vezes confeccionados pelo próprio ribeirinho, e ainda com baixa produtividade, sendo a produção destinada total ou parcialmente ao mercado, ou para subsistência (CLAUZET et al., 2005; GARCEZ; BOTERO, 2005; FERNANDES, 2008; SILVA, 2014). Apesar dos conflitos, a cooperação de comunidades pesqueiras em pesquisas com lontras é essencial. Ao interagir com as lontras, os pescadores adquirem conhecimentos sobre biologia e ecologia do animal (FONSECA; MARMONTEL, 2011). A obtenção de informações sobre essa interação é feita através da etnoecologia, onde as relações entre os seres humanos e o meio ambiente em que vivem são apresentadas, por uma concepção da comunidade local (BERKES et al., 2000). A etnoecologia é aplicada em diversas pesquisas sobre distribuição, biologia e ecologia de espécies animais, assim como nas análises das interações dos animais com as populações humanas, inclusive em estudos com mamíferos aquáticos: sirênios (SOUSA et al., 2013; MIRANDA, 2017); cetáceos (BRITO, 2012; MARTINS, 2015; SANTOS, 2017); mustelídeos (BARBIERI et al., 2012; MICHALSKI et al., 2012; CASTRO et al., 2014). Há registros de ocorrência da lontra neotropical no rio Guamá nas proximidades dos municípios de Ourém e São Miguel do Guamá (COSTA, 2017) e Capitão Poço (MARQUES et al., 2016), assim como registros de interações entre esse mustelídeos e pescadores (MARQUES et al., 2018), porém, pouco se conhece dessa relação e como pode estar influenciando na conservação da espécie. Sendo assim, é importante entender melhor como ocorre essa relação por meio de estudos voltados para tais questões. Neste contexto, a etnoecologia é uma importante ferramenta para compreender e caracterizar ecologicamente a Lontra longicaudis e suas interações e conflitos com ribeirinhos. Diante disso, o objetivo deste trabalho foi confirmar a ocorrência da Lontra longicaudis nesta localidade e analisar as interações entre este mustelídeo e as comunidade pesqueiras no Nordeste Paraense, a partir da percepção dos pescadores, assim como analisar as interferências das lontras na pesca. 29 2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Área de estudo A mesorregião Nordeste Paraense possui uma área de 83.316,02 km2 e uma estimativa populacional de 1.789.387 habitantes, formada por 49 municípios agrupados em 5 microrregiões: Bragantina, Cametá, Guamá, Salgado e Tomé-Açú (IBGE, 2010). A bacia do rio Guamá tem uma área de drenagem de 87.389,5 km2, apresentando um curso total de aproximadamente 380 km. O rio Guamá é um corpo d’água lótico (águas correntes) que nasce nos municípios de Ipixuna e Nova Esperança do Piriá e desagua na baía do Guajará em Belém. Seus tributários (rios que desaguam em outros rios, afluentes) mais importantes pela margem esquerda são os rios Capim, Acará e Moju (TORRES, 2007). A precipitação é uma das variáveis climatológicas mais importantes para a região tropical por influenciar outras variáveis como temperatura e umidade relativa do ar, nebulosidade e quantidade de raios solares incididos na superfície. O estado do Pará é caracterizado por chuvas abundantes e irregulares (precipitação média anual de 2.214 mm), dividindo-se em estação chuvosa e seca. O período chuvoso apresenta intensas chuvas com duração de dezembro a maio (março é o mês mais chuvoso, média de 1.657 mm) e o período seco apresenta estiagens frequentes durando de junho a novembro (setembro é o mês menos chuvoso, média de 487 mm). Já as temperaturas médias do ar encontradas nesta região apresentam pouca variação sazonal, estando acima de 25°C durante todos os meses do ano, e com média anual de 26°C (MORAES et al., 2005; TORRES, 2007). O município de Capitão Poço (1°44'53.95" S e 47°3'47.81" O), localiza-se na microrregião Guamá e possui estimativa de 54.179 habitantes (Censo de 2010 = 51.893 habitantes) e área territorial de 2.899,553 km2 (BOTH et al., 2009; IBGE, 2017). Este município é banhado pela margem esquerda do rio Guamá, que serve como divisor natural entre Capitão Poço e as cidades de Garrafão do Norte, Santa Luzia do Pará e Ourém (TORRES, 2007). Nas proximidades do rio Guamá, em Capitão Poço, existe uma vila chamada Igarapé-açu (1°34'37.25" S e 47° 2'4.31" O), e as famílias que vivem nesta localidade adotaram como atividade principal a agricultura familiar e secundariamente a pesca (obs. pessoal). A localização da área de estudo está representada na Figura 1. 30 Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo, vila de Igarapé-açu e rio Guamá, Capitão Poço, Nordeste Paraense. Fonte: Marques, D.S. (2018). 2.2 Coleta de dados 2.2.1 Entrevistas semiestruturadas Foram realizadas entrevistas semiestruturadas de julho de 2016 a abril de 2017 com pescadores artesanais que residem na vila de Igarapé-açu e utilizam os recursos pesqueiros presentes no rio Guamá. A metodologia utilizada foi a ‘bola-de-neve’ (Snow ball), onde o contato inicial foi feito com pescadores bases, utilizando-se o critério de idade. O primeiro contato foi feito com um dos pescadores mais antigos, o qual indicou outros ribeirinhos, e assim, por diante. Dessa forma, cada entrevistado, após contribuir para o estudo, era convidado a indicar outros potenciais colaboradores criando, assim, uma rede de contatos que promove 31 confiança entre pesquisadores e entrevistados (BERNARD, 2006). Há aproximadamente 50 pescadores na vila de Igarapé-açu, porém, foram realizadas 29 entrevistas. Não foi possível realizar um número maior de entrevistas devido à dificuldade de encontrar os ribeirinhos em suas residências durante o desenvolvimento da pesquisa, pois, os mesmos encontravam-se na lavoura ou no rio, pescando. Os questionários aplicados (APÊNDICE A) possuíam perguntas abertas e fechadas (diretas e de múltipla escolha), distribuídas nos seguintes temas: 1) Informações pessoais; 2) Informações sobre a pesca; 3) Interação pesca-animal; 4) Informações sobre ecologia e comportamento de lontras. Essa sequência foi escolhida na tentativa de conduzir a entrevista com mais naturalidade, deixando-os relatar suas experiências de pesca primeiro, para posteriormente descrever suas interações com as lontras. Para cada entrevistado, foi esclarecido o objetivo da pesquisa e solicitada a permissão para o registro fotográfico. Além disso, um termo pedindo o consentimento formal foi apresentado a cada pescador (APÊNDICE B). 2.2.2 Confirmação da ocorrência Com o propósito de somar informações aos dados disponibilizados nas entrevistas, foi feita a confirmação da ocorrência da lontra na localidade de estudo. Foram feitas saídas de campo mensais (julho de 2016 a março de 2017) em barco monomotor por 12 km no sentido a montante, sendo a referência do ponto de saída (1°34'36.67" S e 47°01'39.82" O), próximo à vila de Igarapé-açu e ponto final (1°36'48.68" S e 46°58'40.93" O), próximo à Comunidade Quilombola Jacaréquara. Observou-se primeiramente a margem esquerda com paradas em pontos específicos, como locas (aberturas em barrancos, troncos e raízes onde as lontras habitam) e latrinas (local de deposição de fezes, urina e muco), à procura de vestígios desses mustelídeos, segundo metodologia específica (GROENENDIJK et al., 2005; LIMA, 2009; CARVALHO-JUNIOR et al., 2012; GONZÁLEZ-CHRISTEN et al., 2014). A observação foi feita a olho nu e com auxílio de binóculos e ao se identificar as locas ou latrinas o barco se aproximava da margem para que fosse feito o monitoramento da presença de vestígios (fezes, muco, odor, arranhões/marcas das garras, vegetação quebrada, restos de peixes e etc.). Para as locas e latrinas eram registradas aslocalizações em GPS e os sinais encontrados foram anotados e fotografados. Em seguida, foi realizado o sentido inverso (sentido jusante), pela margem direita, saindo da comunidade e retornando para Igarapé-açu. 32 2.3 Análise de dados 2.3.1 Entrevistas semiestruturadas Utilizou-se estatística descritiva e univariada para a análise de entrevistas. Os dados foram analisados no software Microsoft Excel 2010. Nas perguntas com apenas uma resposta aplicou-se o uso do número de entrevistas e para as de múltipla escolha, o número de citações. As respostas de perguntas abertas foram alocadas em categorias e analisadas da mesma forma que as de múltipla escolha, através da frequência de citação. 3 RESULTADOS 3.1 Perfil socioeconômico dos entrevistados De acordo com os pescadores mais antigos, há a estimativa de aproximadamente 50 pescadores artesanais residindo na vila de Igarapé-açu. No total, foram realizadas 29 entrevistas, com todos os entrevistados do sexo masculino e 82,76% deles com idade acima de 40 anos (Tabela 1). Nenhum dos ribeirinhos possui a pesca como atividade principal, sendo assim, 82,76% (n=24) agricultores familiares e 17,24% (n=5) desempenhando outras atividades (pedreiro, eletricista, etc.). Tabela 1 – Aspectos socioeconômicos dos entrevistados da Vila de Igarapé-açu, Capitão Poço, Pará. Característica Categoria Número de entrevistas % Grupo etário Até 20 anos 21-30 anos 31-40 anos 41-50 anos 51-60 anos Mais de 60 anos 0 1 4 8 8 8 0,00 3,45 13,79 27,59 27,59 27,59 Profissão Pescador como profissão exclusiva 0 0,00 Pescador/Agricultor Pescador/Outras atividades 24 5 82,76 17,24 Gênero Homem Mulher 29 0 100,00 0,00 Fonte: Marques, D.S. (2018). 33 3.2 Caracterização da pesca As embarcações utilizadas são canoas simples de madeira a remo e motor. Os petrechos de pesca empregados pelos pescadores são: malhadeira/rede de espera (n=27; 36,99%), tarrafa (n=20; 27,40%), linha e anzol (n=14; 19,18%), espinhel (n=5; 6,85%), visor e arpão (n=4; 5,48%), rede de arrasto (n=2; 2,74%) e fisga (n=1; 1,37%). A malhadeira é o equipamento mais utilizado, que juntamente com tarrafa e linha e anzol, representam 83,57% dos dados. De acordo com os pescadores, o desenvolvimento da pesca é melhor durante o período seco/verão (n=23; 79,31%). Acreditam, ainda, que a sazonalidade interfira na diversidade de peixes (n=27; 93,10%). Os ribeirinhos citaram quais peixes são mais frequentemente capturados em cada período (Figura 3). Para o período chuvoso, foram citadas 28 espécies e as mais frequentemente capturadas são Anujá (n=14) e Cachorra (n=13), já para o período seco citou-se 25 espécies, sendo as mais capturadas Aracu/Piau (n=13) e Pacu (n=11). Apesar de haver um maior número de espécies citadas no período chuvoso, é possível observar que a maioria das espécies são capturadas mais frequentemente no período seco (Figura 3), já que a maior frequência de citação ocorreu no seco (n=112; 59,26%), expressos na Tabela 2. Figura 2 – Comparação da frequência de citação dos peixes entre períodos. Fonte: Marques, D.S. (2018). 34 Tabela 2 – Comparação da frequência de citação entre períodos. Período Número de citações % Chuvoso 77 40,74 Seco 112 59,26 Total 189 100,00 Fonte: Marques, D.S. (2018). 3.3 Levantamento de etnoespécies de peixes importantes para os ribeirinhos Pediu-se para que os pescadores citassem as espécies de peixes encontrados no rio Guamá que apresentavam alguma importância para eles (Tabela 3). A lista apresentou 64 etnoespécies. A maioria dos peixes citados pertencem à ordem Characiformes (n=249), seguidos das ordens Siluriformes (n=195) e Perciformes (n=127), que juntas representam 94,50% dos dados encontrados (Tabela 4). Dentre os peixes citados, encontrou-se quatro espécies consideradas invasoras (ALBUQUERQUE et al., 2017): Tambaqui (n=28), Sarda (n=3), Curimatã (n=1) e Tilápia (n=2). Além disso, foi citada uma espécie híbrida de Tambaqui com Pacu chamada de Tambacu (n=1). 35 Tabela 3 – Lista dos peixes de importância para os ribeirinhos presentes no rio Guamá em Capitão Poço, Pará. Ordem Família Etnoespécie Espécie Nº de citações % Characiformes Acestrorhynchidae Ueua Acestrorhynchus spp. 28 4,40 Anostomidae Piau/Aracu Leporinus spp. 28 4,40 Characidae Piaba papel Brachychalcinus orbicularis 2 0,31 Ctenoluciidae Pirapucu/Bicudo Boulengerella spp. 28 4,40 Curimatidae Cuaca Curimata vittata 10 1,57 Piratapioca Curimata inornata 3 0,47 Sardinha Curimata ocellata 1 0,16 Cynodontidae Cachorra/Piranderá Hydrolycus tatauaia 29 4,56 Erythrinidae Traíra Hoplias spp. 28 4,40 Aracapurí Erythrinus 1 0,16 Hemiodontidae Bari Hemiodus unimaculatus 1 0,16 Prochilodontidae Curimatã* Prochilodus nigricans 1 0,16 Serrasalmidae Piranha Serrasalmusspp. 29 4,56 Pirapitinga Piaractus brachypomus 28 4,40 Tambaqui* Colossoma macropomum 28 4,40 Pacu Myleus spp. 27 4,25 Piranha branca Serrasalmus calmoni 2 0,31 Piranha preta Serrasalmus rhombeus 2 0,31 Piranha (papo amarelo) Serrasalmus sp. 1 1 0,16 Triportheidae Piaba Triportheus spp. 1 0,16 - Tambacu** Piaractus mesopotamicus x Colossoma macropomum 1 0,16 Siluriformes Auchenipteridae Mandubé Ageneiosus brevis 28 4,40 Anujá Trachelyopterus galeatus 26 4,09 Carataí Centromochlus heckelii 1 0,16 Callichthydae Tamatá Hoplosternum littorale 3 0,47 Corredora Corydoras spp. 1 0,16 Doradidae Bacu Platydoras costatus 23 3,62 36 Erythrinidae Jeju Hoplerythrinus unitaeniatus 26 4,09 Loricaridae Acari Lipossarcus pardalis, Squaliforma emarginata 7 1,10 Acari pinima Leporacanthicus galaxias 1 0,16 Acari bola Peckoltia oligospila 1 0,16 Pimelodidae Surubim Pseudoplatystoma fasciatum 29 4,56 Mandi/jandiá Pimelodus spp. 27 4,25 Piracujubi Pimelodus ornatus 8 1,26 Barba chata/Piranambu Pinirampus pirinampu 5 0,79 Pirarara Phractocephalus hemioliopterus 3 0,47 Filhote Brachyplatystoma filamentosum 2 0,31 Piranambú Platynematichthys notatus 2 0,31 Pseudopimelodidae Pacamum Batrochoglanis spp. 2 0,31 Perciformes Cichlidae Tucunaré Cichla spp. 29 4,56 Jacundá Crenicichla spp. 29 4,56 Cará/Caratinga/Branco Cichlasoma spp. 28 4,40 Mereré Heros severus 2 0,31 Tilápia* Tilapia rendalli 2 0,31 Cará amarelo Geophagus proximus 2 0,31 Mereré branco Heros sp. 1 2 0,31 Mereré preto Heros sp. 2 2 0,31 Cará-bola Cichlasoma amazonarum 1 0,16 Jofrago (cará) Cichlasoma sp. 1 1 0,16 Boca de Pote (cará) Cichlasoma sp. 2 1 0,16 Sciaenidae Pescada branca Plagioscion squamosissimus 28 4,40 Gymnotiformes Sternopygidae Ituí/Sarapó Sternopygus macrurus 8 1,26 Gymnotidae Poraquê Electrophorus electricus 3 0,47 Rhamphichthyidae Ituí terçado Rhamphichthys rostratus 3 0,47 NI Ituí preto NI 2 0,31 Clupeiformes Pristigasteridae Sarda* Pellona spp. 3 0,47 Myliobatiformes Potamotrygonidae Arraia NI 5 0,79 37 NI NI Caraponga NI 4 0,63 Itoara 2 0,31 Ielo 1 0,16 Jacaraponga 1 0,16 Liru 1 0,16 Peninha 1 0,16 Assa 1 0,16 Total 636 100,00 Legenda: *: espécies exóticas; **: híbrido; NI: Não Identificado. Fonte: Marques, D.S. (2018). Tabela 4 – Frequência de peixes citados pelos pescadores distribuídos em Ordens. Ordem Nº de citações % Characiformes 279 43,87 Siluriformes 195 30,66 Perciformes 127 19,97 Gymnotiformes 16 2,52 Clupeiformes 3 0,47 Myliobatiformes 5 0,79 NI 11 1,72 Total 636 100,00 Fonte: Marques, D.S. (2018). 38 3.4 Confirmação da ocorrência Todos os pescadores relataram encontrar vestígios de lontras. Os vestígios mais citados foram: Locas/tocas (n=29), fezes (n=28), avistamento (n=28), pegadas (n=26), odor (n=25) e clareira/caminhos na areia (n=24), que juntos representam 80,40% dos dados. Os demais vestígiosobservados pelos pescadores foram: resto de peixes, vocalizações e marcas de garras. Durante o monitoramento feito pela equipe de pesquisa, foi possível identificar 22 locas/tocas, 50 fezes e 1 avistamento. As locas foram georreferenciadas e sua distribuição no trecho percorrido estão representadas na Figura 2. Figura 3 – Distribuição das locas ao longo do percurso monitorado. Fonte: Marques, D.S. (2018). 3.5 Interação pescador-lontra 3.5.1 Percepções sobre ecologia e comportamento 3.5.1.1 Hábito semiaquático 39 Os pescadores responderam positivamente sobre avistamento de lontras na região de estudo (n=28; 96,55%). A visualização de L. longicaudis pelos ribeirinhos ocorre nos seguintes locais (Figura 4): margem dos rios/locas (n=29; 59,19%), rio principal/meio do rio (n=9; 18,37%), troncos caídos (margem e rio) (n=5; 10,20%), lagos (n=3; 6,12%), onde tem alimento (n=2; 4,08%) e entrada de igarapé (n=1; 2,04%). Margem dos rios/locas, rio principal/meio do rio e troncos caídos representam 87,76% dos dados. Quanto às atividades (Figura 5) que as lontras eram avistadas praticando pelos pescadores, foram citadas as seguintes: nadando (n=17; 43,59%), forrageando/comendo (n=15; 38,46%), socializando (n=5; 12,82%) e descansando (n=2; 5,13%). Nadando e forrageando/comendo representam 82,05% dos dados. Figura 4 – Locais em que as lontras são avistadas no rio Guamá. Fonte: Marques, D.S. (2018). Figura 5 – Atividades em que as lontras foram avistadas no rio Guamá. Fonte: Marques, D.S. (2018). 40 3.5.1.2 Hábito carnívoro/piscívoro Sobre a composição e preferência da dieta das lontras (Figura 6), os pescadores citaram principalmente peixes (n=24; 46,15%) e crustáceos (n=17; 32,69%), seguidos de pequenos mamíferos (n=2; 3,85%) e insetos (n=1; 1,92%). Porém, alguns ribeirinhos disseram acreditar que estes animais não fazem distinção de presas, alimentando-se de qualquer animal que conseguir capturar (diversos grupos n=8; 15,38%). Na percepção dos pescadores, peixes e crustáceos representam 78,84% da dieta das lontras. Figura 6 – Presas que compõe a dieta das lontras na percepção dos pescadores da Vila de Igarapé-açu, Capitão Poço, Nordeste Paraense. Fonte: Marques, D.S. 3.5.1.3 Organização social Sobre a organização social, foi relatado que as lontras são avistadas em sua maioria sozinhas (n=21; 37,50%) ou em duplas (n=20; 35,71%), mas também há a visualização de animais em grupo (n=15; 26,79%), neste caso para três ou mais indivíduos. As respostas ‘sozinhas’ e ‘duplas’ representam 73,21% dos dados. Quanto ao avistamento de filhotes, 86,21% (n=25) dos entrevistados já visualizaram lontras com suas proles, embora 21 pescadores (72,41%) disseram ser difícil efetuar este registro. 3.5.1.4 Horário de atividade Outro questionamento feito aos pescadores foi sobre os horários em que viam as lontras, ou em que horário esses animais praticavam suas atividades. A maioria dos ribeirinhos afirmou 41 que a lontra neotropical apresenta hábito diurno (n=15; 51,72%) a L. longicaudis, ainda foi citado o hábito noturno (n=6; 20,69%), porém, o restante não atribuiu horário fixo para a atividade (n=8; 27,59%). Dessa forma, as lontras nesta área de estudo seriam diurnas e noturnas, mas com prevalência do hábito diurno. 3.5.2 Interferência na pesca Perguntou-se sobre a existência de algum animal que interferia na pesca e que poderia ser considerado prejudicial a esta atividade (Tabela 5). A lontra foi citada praticamente por todos os entrevistados (n=28; 96,55%), sendo o animal mais citado (n=26; 48,15%), em segundo é aparece o boto (n=18; 33,33%), que juntos representam 81,48% dos dados. É importante atentar-se para o fato de que 2 entrevistados disseram que Pteronura brasiliensis seria o animal a interferir, e isto significaria que as duas espécies poderiam estar vivendo em simpatria na região de estudo (CARTER; ROSAS, 1997). Porém, os entrevistados que citaram as ariranhas não sabem diferenciar as duas espécies, além disso, durante o monitoramento não foi possível verificar vestígios da presença de ariranhas. Tabela 5 – Lista das espécies de animais que interferem na pesca artesanal da Vila de Igarapé-açu. Legenda: NI: Não Identificado; *: Não foi possível identificar a qual grupo de animal pertence. Fonte: Marques, D.S. (2018). As interferências por L. longicaudis foram classificadas da seguinte forma: (1) Direta - danificar e/ou retirar peixes dos petrechos acarretando prejuízos físicos e/ou financeiros; (2) Local - afugentar os peixes pela sua presença, podendo ser temporária ou permanente; (3) Predação - competir pelos recursos pesqueiros como alimento (adaptado de Rosas‐Ribeiro et Qual animal Nome Científico Nº de citações % Somatória (%) Lontra Lontra longicaudis 26 48,15 81,48 Boto Inia sp. 18 33,33 Poraquê Electrophorus electricus 3 5,56 Ariranha Pteronura brasiliensis 2 3,70 Tracajá Podocnemis unifilis 2 3,70 Jandaí* NI 1 1,85 Ararú Crustacea 1 1,85 Mucura d'água Chironectes minimus 1 1,85 Total 54 100,00 42 al., 2012, p. 438-439). As interferências mais relatadas foram a direta (n=27; 64,29%) e local temporária (n=13; 30,95%), juntas representando 95,24% do total. Os pescadores foram questionados sobre qual seriam suas reações ao encontrar o animal em suas redes, 27,59% responderam ‘mataria’(n=8), esta palavra foi a segunda mais frequente. Porém, os pecadores afirmam que o animal morto não apresenta nenhum valor para eles (n=26; 86,21%). Na Figura 7 estão expostas as demais respostas para essa pergunta. Figura 7 – Reações dos pescadores ao encontrar uma lontra em suas redes. Fonte: Marques, D.S. (2018). Os ribeirinhos acreditam, ainda, que as lontras não correm risco de extinção na região estudada (n=23; 79,31%) e que seu número populacional tem aumentado ao logo dos anos (n=24; 82,76%), atribuindo isto a proibição da caça (n=19; 70,37%). 3.5.3 Lontra como animais domésticos Perguntou-se sobre a utilização de Lontra longicaudis como animal de estimação e a maioria afirma que não criaria (n=21; 58,33%), porém, 7 entrevistados conhecem quem criou (19,44%), 5 afirmam que criariam (13,89%) e 3 relataram que já criaram (8,33%). 4 DISCUSSÃO 43 4.1 Perfil socioeconômico dos entrevistados A pesca na vila de Igarapé-açu é uma atividade realizada, predominantemente, por homens com mais de 40 anos. Foi registrada apenas uma mulher pescadora, a qual não foi entrevistada para evitar constrangimento por esta apresentar dificuldades auditivas. Não foi possível identificar se há a participação indireta (pós-pesca) das mulheres desta comunidade na atividade pesqueira. Daaddy et al. (2016), ao caracterizar o perfil socioeconômico dos pescadores artesanais da região dos lagos de Pracuúba, Amapá, perceberam que apesar de haver mulheres trabalhando como pescadoras, a prática de pesca é predominantemente do sexo masculino e as mulheres cuidavam das tarefas domésticas e/ou tinham outra ocupação para complementar a renda familiar. Segundo Brito et al. (2015), a pesca (costeira e interior) no Pará vem sendo desenvolvida predominantemente por homens, cenário comum nas comunidades pesqueiras da região norte do Brasil (ZACARDI et al., 2017). Isso pode estar relacionado com o padrão de divisão sexual de trabalho nas comunidades pesqueiras. Esse padrão é tradicional, em que a mulher é excluída das atividades diretas da pesca, sendo o homem responsável pela pesca e obtenção de renda e a mulher responsável pelos afazeres domésticos, como cuidar da casa e/ou dos filhos. E quando há a participação esse trabalho é visto apenas como ‘ajuda’ (LEITÃO, 2013;
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