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Eduardo Almeida e Kiko Kislansky O PODER DO PROPÓSITO Como viver com mais sentido e potencializar resultados por meio do Método IKIGAI 2019 O Poder do Propósito – Como viver com mais sentido e potencializar resultados por meio do Método IKIGAI Autores: Eduardo Almeida e Kiko Kislansky Coordenação editorial: Claudia Kubrusly, Joana Mello e Priscila Seixas Revisão: Raquel Benchimol e Priscila Seixas Capa: Suiane Cardoso Diagramação e produção digital: Maurício Carneiro Prefixo Editorial: 67886 Número eISBN: 978-85-67886-30-5 O poder do propósito : como viver com mais sentido e potencializar resultados por meio do método Ikigai Tipo de suporte: Ebook Formato Ebook: EPUB IMPRESSO NO BRASIL CADEIA RESPONSÁVEL UM POR UM: CADA LIVRO, UMA CONTRAPARTIDA SOCIAL Editora Doyen Ltda. Rua Ébano Pereira, 11, conj. 1203, Curitiba/PR 80.410-240 www.editoravoo.com.br https://editoravoo.com.br/ Gratidão a todos aqueles que se somam nessa jornada de promoção da fisolofia Ikigai no Brasil, em especial Vitor, Darius e Karina. À Andrea, meu grande amor, pelo suporte que sempre dedicou a mim, dividindo comigo com entusiasmo as vitórias e suportando os momentos difíceis. - Edu A todos e todas que influenciaram a minha jornada e que, assim como eu, acreditam no poder do propósito como ferramenta de transformação da humanidade. Em especial, gratidão à minha amada mãe, Isabel Oppitz, por ser uma guerreira do bem e por ter contribuído para que eu reconhecesse e vivesse meu propósito plenamente. - Kiko Sumário PREFÁCIO Carta de abertura Introdução: um livro com propósito Parte I – CONTEXTO HISTÓRICO DO PROPÓSITO Nossa eterna busca por propósito Uma vida com sentido Trabalho e nossa identidade O propósito e o trabalho Saindo da matrix O mundo industrial que já está morto O nascimento da sociedade pós-industrial A vida na modernidade líquida A era dos negócios regidos por consciência, propósito e humanização Uma nova visão em relação ao capitalismo Parte II – PROPOSITOLOGIA: UM ESTUDO ACERCA DA IMPORTÂNCIA DO PROPÓSITO EM NOSSA VIDA Compreendendo o propósito O altruísmo está no nosso DNA O propósito na História Um olhar pragmático sobre o propósito Teorias sobre propósito A relação do propósito com a motivação A relação do propósito com a felicidade A relação entre sucesso e propósito A relação entre propósito e a inteligência espiritual A relação entre propósito e as necessidades humanas A relação do propósito com nossas emoções A relação do propósito com a performance Maslow e a busca por propósito A essência do propósito Um propósito como base da minha missão Seja o ator principal de sua história Caia, levante e aprenda Parte III – IKIGAI: UMA FILOSOFIA REVOLUCIONÁRIA Do Oriente para o Ocidente Ikigai, uma vida com sentido O meu Ikigai Ikigai no Ocidente A mandala Ikigai Explorando as quatro dimensões da mandala Ikigai O que me faz acordar pela manhã? Que contribuição eu posso agregar com meus talentos? O que deixarei com minha passagem? O que de fato ganharei ao realizar meu trabalho? Compreendendo a mandala Ikigai incompleta Dez principais benefícios de viver seu Ikigai Quatro estágios do Ikigai Parte IV – IKIGAI NA PRÁTICA Mais vale a prática do que a gramática Exercícios práticos – Reconhecendo seu Ikigai Declaração Ikigai Sobre a Voo PREFÁCIO O Poder do Propósito materializa tudo o que aprendi em minha jornada, e confesso que não foi fácil traduzir essa força que existe em mim durante muitos anos. Foi ao conhecer Kiko Kislansky e Eduardo Almeida que encontrei a clareza e o sentido do “para que fazemos o que fazemos” no mundo dos negócios. Para explicar, precisarei fazer um resgate histórico na trajetória da minha carreira e da minha vida pessoal – era assim mesmo, separadamente, que tudo parecia acontecer – e relembrar as angústias e inquietações que vivi ao olhar todos os dias para os ambientes de negócios que conheci e notar que a maioria das pessoas estava sempre criticando-os e sofrendo com seus trabalhos e projetos de vida. Nos bares, restaurantes, cafés e outros locais públicos, sempre ouvi pessoas criticarem seus chefes, as empresas em que trabalhavam e, em alguns casos, criticavam os próprios colegas, fazendo-me pensar: “O que posso fazer para despertar a humanização nesses ambientes e ajudar essas pessoas a encontrar um sentido?”. Durante muito tempo, olhei para os ambientes empresariais que eram apontados como admiráveis e busquei conhecer suas boas práticas, com o objetivo de encontrar respostas para melhorar aquilo que estava no meu controle e sobre o qual eu tinha influência. Até que funcionou bem e me ajudou a mudar cenários de baixo engajamento para formar organizações com bons índices de comprometimento e satisfação das pessoas. Mas, ainda assim, a inquietação tomava conta da minha mente e eu vivia com muito desconforto por não saber exatamente o que faltava nas pessoas para que elas pudessem encontrar um significado para os seus trabalhos e traduzir seus dias em um movimento intenso para evoluir e servir. Quando buscamos respostas de maneira incansável, parece que vamos organizando o universo para nos entregar o que precisamos, e nessa busca tive o prazer de encontrar Kiko Kislansky. Juntos, demos passos importantes para o despertar do propósito. A jornada foi começando a ganhar sentido, pois fui levado por ele a entender que as respostas não estavam em como, mas sim em por que fazemos o que fazemos. Essa luz de inspiração ficou mais clara quando trabalhamos em um projeto para o despertar do propósito de equipes de liderança. Kiko nos guiou para um novo olhar na organização, fazendo-nos enxergar a importância do significado de por que acordamos todos os dias para exercer o nosso melhor no trabalho. E como, realmente, as nossas vibrações vão atraindo mais pessoas que seguem na mesma frequência, Kiko logo me apresentou o brilhante Eduardo Almeida, e ambos me proporcionaram uma maravilhosa imersão na compreensão da filosofia Ikigai. Trouxeram definitivamente para mim a compreensão e as ferramentas que busquei durante tantos anos para despertar as pessoas para uma vida com significado, incluindo seu trabalho. A partir daquele momento, entendi que os pilares que proporcionariam a transformação dos ambientes de negócios estavam diante dos meus olhos e poderiam me ajudar a quebrar os conceitos da repetição, despertando nas pessoas a compreensão do verdadeiro sentido de tudo o que fazem. Eu queria ajudá-las a se perguntar “para que” existimos de modo que entendessem que não somos seres robotizados que passam a vida em busca de recompensas e fazem escolhas apenas para otimizar a conquista desses resultados. Infelizmente, somos doutrinados na maioria das vezes para exercer profissões que nos tornem pessoas bem-sucedidas. Assim, realizamos uma jornada de infelicidade na busca de algo que não faz o menor sentido em nossa vida. Despertamos para o significado de nossa existência apenas quando estamos próximos de nos despedir dela e, por isso, acabamos vivendo um enorme vazio durante anos. Ciclos de frustração que geram arrependimento ao final da vida, quando encontramos a melhor idade. Reconhecer nossa essência em evoluir e servir nos abre novos horizontes. Neste livro, somos chamados a ampliar nossa consciência para entender quais necessidades do mundo podemos atender. Aprendemos a olhar para nossos talentos de maneira a encontrar seus pontos fortes e aprimorá-los ainda mais em busca da excelência. Ao nos apaixonarmos pelo que fazemos, colocamos esses talentos à disposição do mundo de forma consciente, enxergando como nossas contribuições são transformadoras. Tudo isso conectado à nossa prosperidade, reconhecendo e sendo recompesados pelo valor que geramos. Quebramos assim o fluxo da escassez e nos proporcionamos viver em abundância. O Poder do Propósito traduz de maneira clara e simples os passos que precisamos dar para uma transformação exponencial, em que as pessoas abraçam o sentido de serem quem são e fazero que fazem. Desse modo, contribuem para que mais e mais pessoas despertem para o seu potencial e reconheçam a sua razão de existir, conectando o talento de cada um com as transformações que quer ver no mundo. O melhor para mim nesta leitura foi a descoberta de que muitas pessoas acordam para a necessidade de encontrar sua essência e seu propósito enquanto alguns, diante da angústia, tomam a decisão de recomeçar a vida seguindo uma nova jornada. Para isso, é claro, Kiko e Edu nos trazem a reflexão sobre a importância de evoluir de dentro para fora, mas também mostram como são essenciais a conexão e a evolução junto aos outros, em uma jornada colaborativa. Tranquilamente somos levados a reconhecer que nosso propósito não está em algum lugar externo, pois ele já nos encontrou e temos tudo para vivê-lo intensamente, basta despertarmos para a presença dele e para o quanto impulsiona nossa vida. Alguns se perdem na busca incansável por seu “eu” interior, mas o grande desafio e o ápice de felicidade encontraremos no equilíbrio das nossas relações com o outro e na maravilha de evoluirmos lado a lado. Prepare-se para uma viagem cheia de luz, que ampliará sua sabedoria e proporcionará que olhe para o mundo ao seu redor – como, no meu caso, olho hoje para os ambientes de negócios – e reconheça o potencial que temos para despertar as pessoas para o seu propósito e sua missão. Dessa forma, proporcionamos resultados nunca antes imaginados, pois o grau de motivação e energia que as pessoas podem ter e propagar está diretamente ligado à influência da força do propósito. Muitos mergulham na busca por saber se existe vida após a morte, porém tantos outros seguem sem reconhecer que há vida antes dela. Você está disposto a transformar tudo ao seu redor em momentos mágicos e incomparáveis para as pessoas? Luiz França Empreendedor e Humanizador de Organizações Sumário Carta de abertura Sintonizar-se com o seu propósito é incrível. Mas ter a coragem necessária para manifestá-lo para o mundo é simplesmente extraordinário. É como se estivéssemos conectados profundamente com um sol que reside dentro de nós, percebendo a sua luz tocar o mundo ao nosso redor. Este livro, para mim, nada mais é do que a manifestação desta luz que reconheci no meu mundo interior. Percebi que o mundo está bagunçado, com valores invertidos e desassociado da sua verdadeira essência. Percebi, também, que a mensagem contida neste livro pode ajudar a curar esse caos. Bom, tenho convicção de que não será possível mudar o mundo inteiro. Mas, quer saber a verdade? Estou mais preocupado com a jornada do que com o destino final. Só quero estar no caminho da mudança. Quero fazer parte dela. Rejeito a possibilidade de ser parte da doença. Reconheci que faço parte de algo maior e quero trabalhar para curar a humanidade – mesmo sabendo que não serei capaz de fazer isso. O que me move é a jornada, é a trajetória. Dia após dia. Você conhece a história do beija-flor? Vou contar para você: um incêndio enorme se espalhava por uma bela floresta, onde moravam um beija-flor e um jacaré. Ao perceber o incêndio, o beija- flor rapidamente foi até o lago mais próximo e voltou com algumas gotas de água para derramar no fogo. Logo depois, ele fez isso mais uma vez. E outra vez. E mais uma. Ali perto, o jacaré assistia aos voos intensos do beija-flor com uma expressão que misturava surpresa e ironia. Assim que o beija-flor passou próximo a ele, o jacaré interrompeu seu voo e perguntou: “O que você está fazendo? Não percebe que não vai conseguir apagar o incêndio? Nossa floresta já era, simplesmente aceite essa realidade. Eu, com esta boca imensa, não estou fazendo nada... imagine você com essa boca pequenina!”. Após ouvi-lo, o beija-flor retomou o voo e prontamente foi até o lago mais uma vez. E lá voltava ele com mais algumas gotas para derramar nas chamas do fogo. O jacaré o interrompeu de novo, aproximou-se e perguntou: “Você não vai me responder?”. Com toda naturalidade, o beija-flor falou: “Eu já respondi.”. Essa história traz duas lições: primeiro, de que as palavras convencem, mas o exemplo arrasta. Segundo, o que importa é fazer a nossa parte. Afinal, cada pequeno ato pode realmente fazer a diferença. Na verdade, “pequeno” é apenas assistir ao incêndio. Muitas pessoas se tornam vítimas porque acreditam que não podem mudar o mundo, que não podem acabar com o incêndio. Outras se escondem por trás do argumento de que “não adianta eu fazer nada, se os outros não vão fazer”. Assim, vivemos uma carência de protagonismo no mundo. Pense comigo: quem são os grandes líderes da humanidade hoje? São pouquíssimos. Infelizmente, a humanidade está infectada com o vírus do vitimismo. Precisamos despertar para a ideia de que cada pessoa é um mundo! E, se ajudamos a mudar uma única pessoa, já estamos ajudando a mudar o mundo. Um mundo de cada vez... E foi nessa minha jornada de ajudar a mudar um mundo de cada vez que conheci Eduardo Almeida. Após voltar dos Estados Unidos, onde me formei em 2012, comecei a empreender a Euzaria, uma marca de moda consciente que transforma compras em atos de solidariedade. Em 2014, iniciei a jornada da Cazulo, centro de transformação de negócios a partir do propósito. E foi durante alguns programas de educação corporativa da Cazulo que conheci o conceito do Ikigai. Fiquei absolutamente encantado e passei a utilizá-lo como ferramenta para ajudar meus clientes. Em 2017, navegando pela internet, descobri que havia uma formação em Coaching Ikigai. Fiquei fascinado ao ver o conceito que eu tanto tinha amado como base de uma formação. Senti um forte chamado e liguei para o telefone que estava no site. Alguns minutos depois, já estava conversando via Skype com o Edu, e ele me contava como tinha transformado a filosofia Ikigai em um método de desenvolvimento humano. Para a minha surpresa, a formação começaria em cinco dias na cidade de São Paulo. Algumas horas depois, minha passagem já estava comprada. Convidei dois grandes amigos, Vitor Igdal e Luiz França, e lá fomos nós! Foi uma experiência absolutamente incrível e o nível de conexão com Edu foi extraordinário. Houve uma sintonia surreal entre nós, pois percebemos uma sinergia muito grande entre nossos propósitos de vida. Assim, Edu se tornou um grande mentor para mim. E, inevitavelmente, trouxemos o Coaching Ikigai para Salvador em parceria. Depois de centenas de pessoas impactadas por nossos cursos presenciais, seguimos juntos nessa missão de levar o Ikigai para cada vez mais pessoas por meio do Instituto IKIGAI Brasil, ao lado de uma equipe fantástica. Para mim, é um grande sonho poder escrever este livro ao lado de um dos meus mentores. Edu é um grande mestre – um dos indivíduos mais sábios que tive a honra de conhecer. O que mais me impressiona nele é a sua capacidade de compreender o todo, com sua visão sistêmica, e a sua forma genial de conectar os pontos ao seu redor, fazendo associações profundas de forma simples e natural. Ao mesmo tempo que ele é profundo, é também simples. Uma mistura entre a sabedoria de um guru e a simplicidade de uma criança. Além disso, sua capacidade de provocar o máximo potencial em cada um de nós é simplesmente fantástica. Poderia falar também sobre a sua capacidade de decifrar pessoas com tamanha sensibilidade, da sua capacidade de perceber suas imperfeições ou até da competência em definir a visão e fazer acontecer com excelência, mas nada do que eu fale aqui será capaz de descrever esse cara que tanto admiro. Apenas espero que você tenha a oportunidade de conhecê-lo e possa tirar suas próprias conclusões... À medida que escrevo esta carta, percebo meu coração bater mais forte e sinto uma energia de realização muito forte no meu corpo. Neste momento, estou imerso em uma viagem interior e conectado com o desejo de poder impactar positivamente a sua vida, de você que nos deu o privilégio da sua leitura e parceria. De uma coisa, pode ter certeza: o meu mundo, você já mudou. Aproveite a jornada. Esvazie sua xícara. Escolha o caminho da descobertaem vez do caminho do julgamento. Esteja presente. Acredite que este livro não chegou até você por acaso. E simplesmente desfrute de cada página... Gratidão pela oportunidade de estarmos juntos! Kiko Kislansky Sumário Introdução: um livro com propósito No IKIGAI Brasil, organização a qual temos o prazer de coordenar, assumimos o firme compromisso de levar as bases dessa fantástica filosofia para o maior número de pessoas no mundo. Somos realmente movidos por um propósito: permitir que todos possam conhecer o que é Ikigai e, mais do que isso, possibilitar a cada ser humano aprender a RECONHECER e APLICAR seu Ikigai para se converter em um agente de transformação da sua própria vida e do mundo em que vivemos. Por causa disso, dizemos que nosso foco não é capacitar pessoas que são coaches ou líderes: acreditamos que formamos sempre embaixadores de uma causa, seres humanos que INSPIRAM e TRANSPIRAM propósito. Dentro dessa premissa, ajudamos nossos embaixadores a entender que existe uma enorme distinção entre aqueles que querem ser os melhores profissionais DO MUNDO e aqueles que querem ser os melhores profissionais e seres humanos PARA O MUNDO. Diferente de muitas linhas de coaching, nosso tema de estudo não é o sucesso, mas o sentido e o propósito. Com isso, acreditamos que Ikigai tem pouco a ver com VENCER NA VIDA, pois o que nos move é demonstrar que existe muito mais prazer e realização quando você VEM SER NA VIDA. Queremos transformar a sociedade do TER HUMANO para uma que valorize o SER HUMANO. Se isso é o que nos move a “acordar todos os dias pela manhã” (tradução da palavra Ikigai), então não é preciso dizer que tudo o que fazemos tem um propósito. Nesse caso, este livro que agora está em suas mãos é a materialização de todo esse compromisso, pois quem tem um PORQUÊ estará sempre disposto a enfrentar qualquer COMO. Nos cursos que ministramos, frequentemente nos deparamos com uma quantidade incrível de potencial humano e de sonhos não realizados. E, na vida, existem dois tipos de situação com que temos que lidar: as coisas que nos INCOMODAM e as que nos INQUIETAM. Por exemplo, particularmente, nós nos incomodamos com a falta de educação das pessoas no trânsito das cidades brasileiras. Mas isso não nos inquieta o suficiente para nos mobilizar a fazer um projeto específico para transformar essa realidade. Acreditamos que ela é fruto da falta de conexão e autoconhecimento das pessoas no mundo atual, por isso preferimos focar nesses temas. Porém, quando vemos pessoas presas a crenças limitantes e quando observamos nossos irmãos e irmãs de caminhada sem ter a menor noção de qual é sua RAZÃO DE SER, sentimo-nos profundamente inquietos, a ponto de perder o sono ou chorar de tristeza. Essa inquietação permitiu que reconhecêssemos qual é nosso Ikigai, pois sabemos que as coisas que FAZEM SENTIR são aquelas que FAZEM SENTIDO, sendo elas as que merecem a nossa atenção e o nosso empenho. Dito isso, podemos afirmar que este não é um livro de autoajuda, um manual da felicidade e do propósito que apresenta fórmulas fáceis e infalíveis para que você possa ENCONTRAR seu propósito. Até porque na filosofia Ikigai aprendemos que ninguém encontra seu propósito: nós o reconhecemos e, muitas vezes, é ele que nos encontra. Mas, quando o propósito bate à porta, nem todos conseguem abrir, pois é preciso coragem (agir com o coração) para assumir o compromisso com seu próprio Ikigai. Assim, as páginas deste livro foram todas carinhosamente desenhadas para gerar o máximo de inquietação em você, para dar batidas poderosas em sua porta. Buscamos promover com essas provocações o sentido de URGÊNCIA e a atitude de PROTAGONISMO, bases que o levarão a assumir um compromisso real e inadiável com a manifestação de seu propósito. Afinal, se você estudar a história dos grandes expoentes da sociedade, homens, mulheres, líderes que mudaram o mundo com seu exemplo, compreenderá que URGÊNCIA e PROTAGONISMO são sempre as marcas que os acompanham. URGÊNCIA para não aceitar mais postergar seus sonhos e PROTAGONISMO para assumir no dia de hoje o compromisso com a AÇÃO CONSCIENTE que o levará em direção a uma vida repleta de sentido e alta performance. Pessoas, empresas e até países que não sentem a urgência de mudar tendem a permanecer “deitados eternamente em berço esplêndido”. Permanecem vivendo aquém do que são ou do que poderiam ser, porque, em primeiro lugar, estão amortecidos e já não acreditam que exista um mundo melhor do que aquele em que estão inseridos. E, em segundo lugar, porque não reconhecem que, nesse filme chamado “a minha vida”, são os atores principais e também os roteiristas do que será vivido. São eles que devem construir o mundo que esperam, em vez de esperar que esse mundo simplesmente surja em seu horizonte. Como diria Martin Luther King, um campeão do propósito: “Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito”. Triste não é fazer e não conseguir. Triste é parar de acreditar no valor de uma vida com propósito. E você? Qual é o seu Ikigai? Qual motivo o inquieta e faz querer acordar todos os dias pela manhã? Se você já sabe a resposta, temos a certeza de que este livro o ajudará a manifestar ainda mais seu propósito, para que ele alcance sua potência máxima. Se você não sabe, bem-vindo à realidade de nada menos que 99% da humanidade! Então, fica aqui o convite: vamos assumir o compromisso sincero e profundo de mudar essa estatística? Como? Simples: comece por mudar a sua realidade, pois cada pessoa que acorda para o seu Ikigai é uma luz que acende no mundo. E, temos certeza, um mundo repleto de luz não é apenas possível como também altamente necessário. Sumário Parte I CONTEXTO HISTÓRICO DO PROPÓSITO Nossa eterna busca por propósito Quando buscamos entender mais sobre o tema propósito, percebemos que essa é uma daquelas palavras que entraram perigosamente na moda nessa última década. Apesar das críticas que essa banalização vem recebendo, é preciso compreender que a razão é bastante óbvia: a falta de propósito e sentido para o estilo de vida que levamos começa a cobrar um preço bem alto. Entre outras coisas, estamos percebendo que, na sociedade da hiperconexão, tornamo-nos completamente desconectados, vivendo vidas com baixíssima percepção de propósito e sentido. Somos, por assim dizer, uma sociedade de excêntricos, pessoas voltadas para fora, para um mundo que está sempre distante e que se apresenta virtualmente pelas redes sociais e os meios digitais de comunicação. Nesse cenário, nós nos tornamos voyeurs, vivendo de observar a vida, o corpo e as conquistas alheias, invejando aquilo que não temos e acreditando que aquelas fotos são representações verdadeiras e fidedignas do “filme” que é a vida real. Talvez por isso, num movimento reativo e desesperado, também passamos a produzir nossa própria versão desse fenômeno, postando cenas tão relevantes quanto “eu e meu amor tomando café da manhã”, “eu malhando na academia”, “eu e minhas amigas superfelizes e realizadas na balada”. Nessas fotos, fingimos que nossas vidas têm propósito, mascarando a tremenda falta de sentido no restante do filme que vivemos todos os dias, com trabalhos pouco gratificantes, relacionamentos conflituosos e a eterna insatisfação com o corpo e com os bens que possuímos. A grande contradição é que, por meio de WhatsApp, Facebook e Instagram, as pessoas que estão longe parecem estar perto e as pessoas que estão do nosso lado são completamente esquecidas. E agimos assim porque quem está próximo dá trabalho, cobra atenção, quer carinho e comprometimento de verdade. São pessoas complexas que demandam habilidades sociais que nem sempre possuímos. Por isso é melhor focar sempre em quem está longe e se apresenta para nós em um quadro estático, fotografado em um cenário idílico e vivendo a vida que pretensamente gostaríamos de viver. Todo esse movimento, se não traduz propósito para nossa vida, ao menos cria a percepção de “estarmos bem nafoto”, podendo, com isso, imaginar que somos vistos pelos outros como pessoas relevantes e referências de felicidade e realização. O que não percebemos é o quanto essa ilusão pode ser um fator crucial para nos distanciar de nosso propósito. No poema épico Odisseia, de Homero, que narra as aventuras e desventuras de Odisseu (ou Ulisses, como foi eternizado em sua versão latina) para tentar voltar para casa (a ilha de Ítaca) e para Penélope, o seu grande amor, existe uma passagem muito relevante, que narra quando o protagonista aporta na ilha dos Lotófagos com a sua tripulação. Na mitologia grega, os Lotófagos são uma tribo de uma ilha perto do Norte de África, que se alimenta de plantas narcóticas – os frutos do lótus – responsáveis por causar um sono pacífico aos seus habitantes, tirando-os da realidade e fazendo com que se esqueçam do tempo e do espaço. Três homens da tripulação são enviados, então, para investigar o local. Na ilha, eles começam a fazer como os nativos e passam a comer o fruto do lótus. Isso provoca a distração do que buscavam, deixando-os em um estado de torpor no qual o tempo e o espaço perdem todo o sentido e a jornada de seu verdadeiro propósito é esquecida. Não poderia haver melhor alegoria para o mundo em que vivemos hoje e o lótus que voluntariamente consumimos todos os dias por meio das mídias e redes sociais. A ilusão que esse modelo de vida está propiciando já demonstra suas consequências, pois as estatísticas do uso desmedido das redes sociais (em especial do Instagram – rede exclusivamente voltada para imagens) desmentem o sentimento de propósito e plenitude. Um estudo da pesquisadora Hanna Krasnova, da Humboldt University de Berlim, demonstrou que, em comparação às outras redes sociais, o Instagram tem essa tendência mais recorrente de forjar uma vida perfeita. “Em uma foto, você tem sinais mais explícitos e implícitos de como é ser uma pessoa feliz, rica e bem-sucedida do que teria a partir de uma atualização de status. A foto provoca comparação social imediata, o que pode desencadear sentimentos de inferioridade”, aponta em sua pesquisa. Segundo o estudo, esse sentimento gera inveja, ressentimento e, com o uso frequente, pode causar depressão. Outro estudo recente publicado pela revista Exame atesta que os brasileiros desbloqueiam o celular, em média, 78 vezes ao dia. As mulheres são as que mais mexem no smartphone, apresentando a média de 89 vezes, contra 69 dos homens. O número é maior entre pessoas de 18 a 24 anos. Elas checam seus dispositivos 101 vezes ao dia. Esses resultados são de uma pesquisa chamada Global Mobile Consumer Survey, realizada pela consultoria Deloitte, que traz também outros dados retratando o uso do smartphone no Brasil. O aparelho já faz parte do começo do dia das pessoas, que o tem ligado logo nos primeiros cinco minutos após despertar – 57% dos brasileiros assumiram ser esse um de seus primeiros hábitos do dia. O estudo também revela que a principal atividade realizada no aparelho é bater fotos (67%), seguida pelo acesso às redes sociais (55%) e a visualização de vídeos curtos (40%), desviando seu propósito primário para algo que provavelmente nem passaria pela cabeça de Graham Bell. Agora, calcule o seguinte: se cada vez que desbloquear o celular (com especial ênfase no uso das redes sociais e no WhatsApp), você investir três minutos em seu uso, estaremos falando de um total de 280 minutos por dia em média, ou seja, quatro horas e meia de seu dia dedicadas para o mundo virtual. E, como o tempo é um só, percebe-se que são essas horas que farão falta para aqueles que realmente buscam realizar uma vida extraordinária. Tudo isso tem trazido consequências complexas para nossa forma de viver. Por exemplo, apesar de vivermos um momento histórico, em que as três grandes questões da humanidade estão na maior parte superadas (as grandes fomes, as grandes epidemias e as grandes guerras), não podemos dizer que esse estado de plenitude se converteu em percepção de felicidade. Sobre esse fato, observamos a alarmante estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontando que cerca de 880 mil pessoas se matam no mundo a cada ano. É mais gente do que todos os mortos em guerras, vítimas de homicídios e desastres naturais – coisas que, somadas, tiram cerca de 670 mil vidas por ano. E um novo estudo indica que o ritmo dos suicídios está acelerando. A Universidade de Oxford estudou o crescimento das taxas de suicídio nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa. Em todos os casos, elas apresentaram crescimento: 4,8%, 4,5% e 6,5%, respectivamente. Os suicídios no mundo já vinham aumentando (o número global de casos cresceu 60% desde a década de 1970), mas agora assumiram um ritmo mais intenso. Ao mesmo tempo, as pessoas nunca estiveram tão sós: segundo um estudo feito nos EUA, 40% dos adultos se consideram solitários (o dobro da década de 1980), e isso pode estar impulsionando a depressão e as tentativas de tirar a própria vida. “Quanto maiores os laços sociais em uma cultura, menores as taxas de suicídio”, afirma o psiquiatra Humberto Corrêa, especializado em suicídio. Da mesma forma, as chamadas “doenças da alma” (como a depressão e a ansiedade) viraram pandemias globais. Nas grandes cidades, uma quantidade significativa de pessoas convive com alguém que está usando medicamento específico para esses transtornos, se é que você também não faz uso deles. Hoje até se ironiza que você pode escolher entre ser deprimido, ansioso, sofrer de pânico ou distúrbio de atenção. Mas, para ser normal, não pode afirmar que não possui nenhuma disfunção emocional. De acordo com um relatório divulgado pela OMS, a população brasileira é a mais deprimida da América Latina. Essa triste constatação acaba de receber reforço de um levantamento realizado pela SulAmérica Seguros: em seis anos, houve um salto de 74% no número de antidepressivos adquiridos pelos segurados dessa operadora. Foram 35.453 unidades em 2010 contra 61.859 em 2016. Há ainda outros fatores que surgem como uma resposta a um estilo de vida com baixo propósito. Por exemplo, a hiperalimentação, um dos mais graves problemas que enfrentamos nos tempos atuais. O ano de 2006 foi eleito o primeiro na história da humanidade no qual mais pessoas morreram por condições ligadas à hiperalimentação do que à desnutrição e à fome. Aprendemos a descontar nossa carência, ansiedade, depressão e falta de sentido em alimentos ricos em açúcar. Eles são, segundo diferentes estudos, responsáveis em nosso cérebro por efeitos similares às recompensas emocionais das chamadas drogas opiáceas. Um estudo de 2012 com ratos, realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia (UCLA), descobriu que uma dieta rica em frutose (o açúcar natural das frutas, usado muitas vezes em concentrações danosas nos produtos industrializados) dificulta a aprendizagem e a memória, ao retardar literalmente o cérebro. Os pesquisadores descobriram que os ratos que consumiram altos teores de frutose (dissociada das fibras e antioxidantes presentes naturalmente nas frutas) tinham danificadas as atividades sinápticas no cérebro, ou seja, a comunicação entre as células cerebrais foi prejudicada. Em média, um norte-americano consome atualmente 45 quilos de açúcar por ano contra 4,5 quilos que eram consumidos por um norte-americano médio no período anterior à Segunda Guerra Mundial. Todo esse estilo de vida traduz fatores que dificultam a construção de uma vida com propósito e sentido para a maioria das pessoas, hoje inseridas em um cenário no qual são tratadas apenas como meios para a sustentação de indústrias multimilionárias, que entregam prazer momentâneo ao custo de nossa felicidade real. Porém, escolher romper com esse modelo demanda elevação do nosso nível de consciência e clarificação do nosso propósito, que são os temas centrais deste livro. Sumário Uma vida com sentido Diante de tudo o que foi exposto e de nossa total alienação virtual, a pergunta “por que eu existo?” vem tomando uma grande dimensão em nossa vida, surgindocomo um grito que teima em não se calar em nossa mente e coração, que começam a perceber a futilidade e a falta de propósito desse modelo existencial. Ainda assim, são pouquíssimos aqueles que encontraram uma resposta satisfatória para essa fatídica questão ontológica. Para ser mais exato – levando em conta os trabalhos de mais de mil coaches formados pela metodologia Ikigai e outras pesquisas acadêmicas –, essa pergunta está satisfatoriamente respondida por menos de 3% da população. E a coisa fica pior: dentre as que reconhecem, menos de 10% têm um plano para viver ou colocar em prática seu propósito. Ou seja, neste exato momento, menos de 1% da humanidade está vivendo uma vida SIGNIFICATIVA e repleta de PROPÓSITO. Se formos levar essa questão para o campo da estatística, isso significa dizer que, dentre as atuais 7,2 bilhões de pessoas existentes sobre a Terra, aproximadamente 35 milhões estão vivendo seu propósito. Para muito além de indagarmos se esse número é pequeno ou não (o que me parece bastante óbvio), gostaríamos de direcionar essa questão para a verdadeira pergunta a que devemos responder com este livro: Você é uma delas? Você sente, neste minuto, que sua vida é plena, significativa e que está aplicando hoje seu propósito e potencial máximo? Se levarmos em conta a estatística, acreditamos que infelizmente sua resposta deva recair sobre o não, assim como acontece com 99% da humanidade. O triste é que para a maioria das pessoas a justificativa para não viver o seu propósito está em fatores externos, e não nas escolhas que norteiam seu modelo mental ou mindset. Mas – pressupondo que você não esteja vivendo em uma zona de guerra ou de profunda exclusão social – essa não é uma justificativa plausível, pois veremos neste livro que as pessoas que apresentam maior sentido de propósito no mundo não são necessariamente aquelas que têm tudo de que precisam ou que conquistaram o maior reconhecimento social. Neste livro você entenderá que propósito não é algo que se conquista ou encontra: propósito é algo que se reconhece! Qual é a diferença? Conquistamos coisas que são novas e que estão fora de nós. Encontramos coisas que perdemos. Por outro lado, reconhecer significa “conhecer novamente”, o que traduz a ideia de que o seu propósito é algo que já está em seu coração e o acompanha como uma voz de fundo em sua consciência. Assim, ele se manifesta quando você tem a coragem de acessar seu coração para se fazer a mais importante das perguntas: Que sentido quero dar para a minha existência neste planeta? Mark Twain dizia que os dois dias mais importantes na vida de um ser humano são quando ele nasce e quando descobre por que nasceu. Por isso acreditamos que o segundo dia mais importante da vida da maioria das pessoas sobre a Terra ainda está por acontecer. Porém, se quisermos entender por que nascemos – resposta que conduzirá ao reconhecimento de nosso propósito –, precisamos aprender a mudar as perguntas que nos fazemos. Quando você era criança, seus pais provavelmente lhe fizeram aquela fatídica pergunta: O que você quer ser quando crescer? Então você cresceu e, se foi afortunado e disciplinado, encontrou uma profissão. Apesar disso, é muito provável que ainda esteja em busca desta resposta: Qual é o meu propósito? Isso acontece porque uma profissão não é o que você quer ou vai SER, mas sim uma das formas pelas quais pretende manifestar seu propósito ou essência. Por isso, nem sempre uma pessoa consegue encontrar seu propósito em uma profissão. Quando é assim, percebe-se que sua essência (O QUE VOCÊ É) não está em sintonia ou dialogando com o que você faz. Nesses casos, é provável que POR QUE você faz esteja muito menos claro do que O QUE e COMO você faz. E todo trabalho que não é a manifestação de um propósito acaba por ser pobre e de pouco valor para quem o realiza, o que justifica os dados assustadores de outra pesquisa, de que em média 80% das pessoas são infelizes com seus trabalhos.[1] Porém, se entendemos o PORQUÊ inserido no que fazemos, prontamente compreendemos que temos muito mais do que um trabalho ou até uma profissão: somos agentes de uma CAUSA que se materializa em tudo o que somos e fazemos. São as pessoas que trabalham por um PORQUÊ aquelas que se enquadram no universo dos 20% de seres humanos realizados com seus trabalhos. Ou, como preconizado pelo sábio chinês Confúcio: “Escolhe um trabalho de que gostes e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida”. Considerando esse fato, fica claro que, para atingirmos esse nível de compreensão e realização, é necessário antes de tudo recodificar nossa relação com o trabalho. 1. Tendências Globais de Capital Humano, 2018, Deloitte. Sumário Trabalho e nossa identidade Em uma sociedade obcecada pelo trabalho, não à toa a pergunta de nossos pais é orientada ao fazer, no lugar do ser. Munidos de ótima intenção, eles tentaram estimular você a encontrar uma carreira sólida para que pudesse ganhar a vida de forma digna. Sem perceber, você passou a viver esse mito, ao acreditar que a vida é feita para ser “ganha ou perdida”. Se sua resposta a eles foi “eu quero ser médico ou advogado” (se é que existem crianças que sonharam um dia em ser advogados), tudo ficou muito bem. Mas talvez não tenha tido a mesma receptividade se disse “quero ser músico ou bailarina”. O que nossos pais não sabiam é que a profissão não é o nosso propósito, mas uma forma que usamos para expressar o que seria o nosso propósito. Por isso, quando uma criança diz que quer ser médico, ela na verdade quer dizer que se sente motivada a salvar vidas. E talvez seja justamente esse o motivo pelo qual muito mais crianças dizem querer ser bombeiros do que advogados. Para elas, é muito mais fácil perceber o valor do trabalho de um bombeiro pelo bem que eles propiciam. Portanto, para construir uma sociedade na qual o propósito surge na vida de seus integrantes, precisamos rever a maneira como entendemos o trabalho, estimulando as pessoas a perseguir o seu propósito. Esse é, no fundo, o elemento por trás da diferenciação dos grandes profissionais. Os pais ajudariam muito mais seus filhos a reconhecer seu propósito e a se diferenciar em suas futuras profissões se fizessem perguntas como: Que causa você quer transformar no mundo quando crescer? Se uma criança for estimulada a responder a essa pergunta, estará andando a passos largos em direção ao seu propósito, pois ele se manifesta não pelo foco nas metas que temos para nossas vidas, mas sim pela certeza de que nossa atuação contribuirá com a vida de outras pessoas. Além disso, o foco no “ganhar dinheiro” e no “buscar estabilidade” é um medo que os adultos transferem para as crianças, limitando assim seu potencial e roubando o futuro sentido de suas vidas. Até porque essas são crenças pautadas em medos e não em potencialidades, sendo que não se vive uma vida significativa partindo do medo. Pense que estrago teria sido se os pais de Steve Jobs o tivessem convencido a “buscar estabilidade”! Muito mais do que isso, quando os pais agem assim, estão criando na criança o sentimento de que trabalhar é um fardo. De que o trabalho deve ser assumido com medo e baseado em escassez e não com foco em abundância, em gerar valor para o mundo e para a vida da própria pessoa. Sendo assim, para mudar essa realidade, precisamos entender que trabalho, quando manifestação do propósito, não é e nem precisa ser um castigo. A própria origem do termo, no entanto, trouxe de fato um peso negativo à palavra no inconsciente coletivo: trabalho vem de um instrumento de tortura romano denominado de tripalium – três paus no qual se pendurava como castigo o escravo que não queria trabalhar. Fica evidente na origem dessa palavra por que o trabalho sempre foi visto no Ocidente como uma “punição”, algo que só fazemos pelo fato de sermos obrigados. Com esse modelo mental, é difícil conseguirmos correlacionar o ato de trabalhar com a ideia de felicidade e realização pessoal. Na Idade Média, houve uma leve mudança nesse cenário, com a introduçãodo trabalho como fator de enobrecimento do homem, com a Igreja e os nobres preconizando suas virtudes. Tudo faria muito sentido, não fosse um único fato: ambos não trabalhavam, vivendo dos tributos que cobravam pelo trabalho alheio. Nesse cenário, o trabalho continuava a ser de “grande mérito” para aqueles que precisavam dele e não tinham ninguém que os pudesse sustentar. Do latim, o termo passou para o francês como travailler, que significa “sentir dor” ou “sofrer”. Com o passar do tempo, a palavra passou a significar “fazer uma atividade exaustiva” ou “fazer uma atividade difícil e dura”. Só no século 14 começou a ter o sentido genérico que hoje atribuímos, qual seja, o de “aplicação das forças e faculdades (talentos, habilidades) humanas para alcançar determinado fim”. Mas foi pelos adventos do protestantismo e, principalmente, do calvinismo que, segundo o sociólogo Max Weber[2], a relação com o trabalho começou a mudar, ganhando uma conotação mais nobre. Mesmo assim, a abordagem do fardo do trabalho, do olhar punitivo de Deus sobre quem não trabalha, já se fazia presente – e não a do prazer. Basta lembrar a punição que Adão recebe por sua desobediência, quando Deus lhe impõe o trabalho: “ganharás o pão com o suor do teu rosto” (Gênesis 3:19). E são esses elementos que continuam presentes e estão na base de nosso entendimento do trabalho até hoje. Isso é fácil de perceber quando lembramos que boa parte dos brasileiros tem como principal sonho ganhar na loteria para parar de trabalhar. Além disso, em nossa cultura, vemos o resultado primário do trabalho – o dinheiro – como algo negativo. No Brasil, quando se fala em salário, a pergunta que fazemos é: Quanto você GANHA por MÊS? Já nos Estados Unidos, a pergunta será: Quanto dinheiro você FAZ por ANO? (No inglês: “How much money do you make a year?”.) Nessa simples forma de perguntar, vemos a diferença de pensamento, uma vez que o dinheiro para o norte-americano é fruto do MÉRITO PESSOAL e para muitos brasileiros é fruto da BENESSE DO PATRÃO. Além disso, pensar em termos de ganhos anuais demonstra um comprometimento de longo prazo com sua própria carreira e planos pessoais. Já no Brasil, trabalhamos para “pagar as contas do final do mês”. Por isso, não conseguimos compreender que FAZER DINHEIRO é uma das manifestações primárias de nosso Ikigai (como será demonstrado na mandala Ikigai), pois quanto mais claro está o nosso PROPÓSITO, maior é a perspectiva de transformar nossa atuação em VALOR, algo que no final se manifesta igualmente em retorno financeiro. A segunda palavra que norteia nosso vocabulário de associação do trabalho ao sofrimento é o elemento ao qual todos os empreendedores do mundo estão associados, tentando desenvolver o seu “negócio”. Aqui, novamente, a dor e a privação se fazem presentes, uma vez que a origem da palavra negócio está associada a “aquilo que nega ou priva o ócio”. Na Grécia Clássica, as atividades intelectuais realizadas pelos bem-nascidos eram chamadas de “ócio”, que naquele tempo não era entendido como “o pai de todos os vícios” (outra herança da doutrinação da Igreja Medieval). Pelo contrário, ter tempo para o ócio era o que se esperava de um homem de bem, sendo esse tempo dedicado ao desenvolvimento das virtudes do corpo, da mente e do espírito. Para Platão, o ócio é o pai da Filosofia, porque só quem tem tempo livre consegue dedicar-se ao pensar filosófico. Já Aristóteles reforça que “somos ativos a fim de ter ócio”, definindo claramente que o objetivo do trabalho ou do empresário é financiar seu tempo livre, em uma visão muito pequena que reitera a falta de sentido e propósito do trabalho em si. Por isso, naquela época, todo o trabalho ficava a cargo dos escravos ou dos comerciantes estrangeiros que não possuíam cidadania grega (os metoikos) e, portanto, não podiam ter terras e direitos de cidadão. Ou seja, os negócios estavam nas mãos daqueles que não podiam gozar do ócio! Agora, precisamos entender como essas crenças continuam operando em nossa sociedade e por que devemos transcendê-las para vivermos uma vida com propósito. 2. Weber, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Companhia das Letras. Sumário O propósito e o trabalho Cada época de nossa história tem seus dilemas. História é, por definição, a ciência que estuda o passado para compreender o presente e melhor planejar o futuro. Portanto, nossa viagem histórica tem o claro objetivo de nos fazer entender nosso momento presente e o quanto podemos criar uma nova visão sobre a vida e o propósito para o futuro. Agora, fica a pergunta: Por que o estudo do trabalho e do empreendedorismo é fundamental para o tema do propósito? O problema é que, na sociedade moderna, a busca pelo sentido na vida está profundamente ligada ao entendimento de QUEM SOMOS (nossas crenças, relacionamentos, cultura, formação etc.), mas também em boa parte a O QUE FAZEMOS (profissão, vocação, trabalho, lazer etc.). Além disso, em uma sociedade acima de tudo consumista, passamos a acreditar que o que SOMOS está diretamente ligado ao que TEMOS. Por isso, para ter mais, precisamos trabalhar mais – uma conta que aparentemente nunca vai fechar. Assim, a percepção sobre nossa RAZÃO DE SER dificilmente estará completa se não encontrarmos consonância entre o que somos e o que fazemos. Em outras palavras, em um mundo no qual nossa identidade apresenta uma profunda correlação entre o ser humano e seu trabalho (talvez um vício da sociedade industrial), são poucas as pessoas que se sentem felizes e com seu propósito realizado sem ter compreendido e correlacionado aspectos pessoais e profissionais. E, talvez, não tenha como ser diferente disso no atual modelo social que adotamos, considerando-se que a maioria das pessoas que estão empregadas investe de forma direta ou indireta mais de dez horas por dia no que realiza (contando com deslocamento, almoço de trabalho e horas extras). Como podemos, então, encontrar sentido e propósito para nossa vida por meio da atividade que desempenhamos, se o inconsciente coletivo da sociedade em que vivemos correlaciona o ato de trabalhar e empreender a sofrimento, privação e dor? Por isso, a mudança que almejamos deve passar por uma ressignificação do trabalho, tornando-o mais do que um meio para prover coisas e pagar contas. Visamos elevá-lo à categoria de uma atividade que permite a manifestação de nosso verdadeiro self, algo que realizamos com prazer por ser um meio de aplicarmos nossa missão sobre o mundo. É por essa falta de sentido no trabalho que muitas pessoas no Ocidente vivem a pensar em suas aposentadorias, momento no qual “finalmente farão aquilo que desejam”. O que elas não entendem é que existem três coisas na vida que dificilmente andam juntas: tempo, energia e dinheiro. Quando jovens, temos tempo e energia, mas provavelmente não temos dinheiro. Quando adultos, podemos ter dinheiro e energia, mas já não temos tempo. Na velhice, se tudo deu certo, temos tempo e dinheiro, mas já não temos energia. Por isso, condicionar a felicidade a uma circunstância e a um momento ideal no qual tempo, energia e dinheiro estarão presentes é um caminho bastante óbvio para o sofrimento e a frustração. Como nos lembra o ex-presidente uruguaio José Mujica, o único bem que de fato possuímos é o tempo. Por isso, temos que ser sábios ao escolher trocá-lo por outros bens, pois essa troca tem que gerar o sentimento de que o tempo não foi desperdiçado. Nesse contexto, a visão Ikigai do trabalho traz algo de novo, ao propor que a felicidade não está necessariamente associada ao que você faz, mas principalmente com a sua atitude dentro daquilo que faz. Com orientação à clarificação do propósito, trabalhamos para que pessoas descubram POR QUE FAZEM O QUE FAZEM, encontrando sentido no tempo que dedicam para as diferentes atividades que realizam. Para concluirmos o entendimento histórico de nossa relação com a busca do propósito, daremos uma volta para entender a Revolução Industrial e a sociedade pós-industrial, bem como suas influênciassobre o tema. Sumário Saindo da matrix Queremos começar esta conversa com uma pergunta. À sua frente, estão duas pílulas: uma azul e outra vermelha. Qual você escolhe? Se escolher tomar a pílula vermelha, você acordará para a realidade e entenderá o que de fato é o mundo à sua volta. Se escolher a azul, continuará com a vida que hoje vem vivendo sem saber qual é a verdade, porém com um sentido assintomático de falta de propósito. Mas escolha com sabedoria, pois, se escolher a vermelha, advertimos que não estamos afirmando que a realidade é bonita: é apenas a verdade! Você reconhece essa cena? É a fala de Morpheus para Neo, o protagonista do filme Matrix, das irmãs Wachowski – talvez, a melhor metáfora sobre o mundo de ilusão que a Revolução Industrial criou para a humanidade. Nesse icônico filme, os seres humanos são usados como recurso energéticos para a manutenção das máquinas – as verdadeiras mestras do mundo –, mantidos em um sono profundo dentro de uma realidade virtual que os impedem de perceber que são escravos. Morpheus (referência ao deus grego dos sonhos) é justamente aquele que acorda as pessoas desse sonho, trazendo-as para a realidade. E quem acorda, quando está na matrix, passa a atuar como um ser com plenos poderes, com habilidades muito maiores que os humanos convencionais, porque reconhece que no fundo está atuando em um mundo que é uma ilusão. Já Neo é um nome que faz referência justamente a esse “novo homem”, a pessoa que despertou e reconheceu a ilusão desse mundo, estando apto agora a assumir com PROTAGONISMO seu papel na construção de um novo mundo. O poder de Neo advém da sua capacidade de transitar pela matrix sem se autoidentificar com essa realidade virtual. Neo e os outros despertos não são escravos, por isso podem subverter a ordem do sistema por meio de sua consciência. Toda essa metáfora é análoga ao conceito de sansara, que na filosofia indiana é atribuído ao fato de o mundo ser uma ilusão. Da mesma forma, o termo “buda” não se refere a uma pessoa histórica, sendo antes um título para a pessoa que rompeu com a prisão do sansara ou, como é dito, uma pessoa que se iluminou. Por todos esses aspectos e outros (Matrix mereceria um livro inteiro só sobre o que nos ensina), o filme é perfeito em demonstrar o preço de despertar da ilusão, pois todo aquele que acorda será tratado pelo sistema como um invasor. Porém, se o custo de acordar é alto, mais alto ainda é o de permanecer desacordado. A realidade não é muito diferente disso. Se hoje apenas 1% das pessoas pode dizer que está vivendo seu propósito, isso em boa parte está associado a dois aspectos: Dentro da matrix, todos se comportam como agentes do sistema (Agente Smith), evitando que qualquer um acorde e ganhe liberdade. Fazem isso, muitas vezes, repletos de boas intenções e movidos pelos medos que a própria matrix os programou para manifestar. A máquina devoradora de nossa humanidade chamada indústria precisava de gente alienada que se submetesse ao seu modelo de trabalho, sem o qual até então seria impossível continuar a produzir. Recentemente tive a oportunidade de assistir a um documentário sobre o uso da burca nos países muçulmanos mais radicais. No documentário eram apresentados relatos de mulheres que simplesmente nunca mostraram seu rosto em público, submetidas a um sistema de repressão que chega a tratar mulheres estupradas como criminosas. No entanto, o que mais me assustou com tudo o que vi está associado a um fato: quem impõe o uso da burca e a manutenção de todos os costumes opressivos contra as mulheres são, principalmente, as mulheres! Por mais incrível que pareça, são as mulheres dentro desse sistema de repressão que exigem que as outras mulheres obedeçam a essa lei, justificando seus benefícios segundo uma visão doutrinária distorcida que sobre elas foi imposta e que hoje passa a atuar como seu filtro para a realidade. Sem nenhum tipo de julgamento moral, meu coração se encheu de tristeza ao ter a mais absoluta certeza de que, num mundo em que as pessoas se tornaram escravas, elas mesmas passam a agir como agentes que escravizam outras. Em casos tão extremos como esse, naturalmente nos chocamos com as escolhas dessas sociedades. Porém, será que somos capazes de perceber que, em grande medida, nossas ações não são assim tão diferentes? O palestrante sobre educação Sir Ken Robinson propõe um teste que pessoalmente já validei com uma experiência prática. Em sua palestra (uma das mais assistidas do TED), ele afirma: “Se você entrar em uma sala com crianças de até sete anos de idade e perguntar quem é o melhor aluno da sala, todos dirão EU, mesmo sem o ser. Agora, se fizer o mesmo teste em uma sala com alunos de doze anos de idade, todos apontarão para uma pessoa na sala”. O alerta que Ken nos faz é de que criamos um sistema educacional (coordenado por professores e pais) que simplesmente mata a autoconfiança, a criatividade e o sentido de propósito das crianças, moldando-as aos padrões de conformidade que a indústria exigiria para seus trabalhadores. Munidos das melhores intenções, pais continuam a dizer para crianças muito novas que elas devem pensar seriamente em trocar PROPÓSITO por ESTABILIDADE, repetindo um padrão que claramente não serviu para eles próprios. E o fazem por um simples motivo: querem evitar que seus filhos sofram. Não percebem, porém, que agindo assim estão criando as bases de boa parte do sofrimento de seus filhos na fase adulta. No mundo daqueles libertos da matrix, a forma de comunicação muda da AFIRMAÇÃO para a PERGUNTA (competência associada ao modo de pensar de um coach), desenvolvendo pessoas que são emocionalmente inteligentes para bancar O PREÇO DE SUAS ESCOLHAS e sabem construir suas próprias respostas. Feliz ou infelizmente, know-how e experiência de vida não se transferem, segundo a teoria que foi profundamente validada por Jean Piaget. O pai da pedagogia moderna dizia que “inteligência é tudo aquilo que você usa quando não sabe a resposta”. Assim, o papel dos pais e professores deve ser justamente o de contribuir para que as crianças tenham a curiosidade e a determinação para construir suas próprias respostas. Após trabalharmos com vários profissionais que fizeram concurso público e hoje são regiamente remunerados e usufruem da tal estabilidade, entendemos muito bem que toda escolha tem seu preço. Conhecemos profissionais muito felizes com o que realizam, porque escolheram a vida de funcionários públicos com base em um propósito. Mas também conhecemos pessoas profundamente infelizes, porque escolheram essa profissão pensando apenas em estabilidade e remuneração, focando somente no que esperavam ganhar, e não em um sentido de contribuição. Tudo isso nos leva a perceber que a estabilidade e o dinheiro não são, por si só, garantias da falta de sofrimento. Por essa razão, no mundo da matrix, quando um jovem diz ao pai que quer ser músico ou bailarino, a resposta que ouve é: “Você está louco, menino? Isso não é profissão de gente séria e nem dá dinheiro!”. Naquele momento, pela força moral que a autoridade de um pai ou mãe exerce sobre uma criança, nasce um forte sentido de conformidade e desejo de agradar, o que tende a matar o propósito, gerando uma percepção de inadequação: “Meus pais não me amam pelo que sou e preciso me tornar algo que eles possam amar!”. Já no mundo fora da matrix, pais que acordaram perguntam para seus filhos: “Que bacana. Por que você quer ser músico? Como sua escolha ajudará outras pessoas? Você está preparado para se dedicar e enfrentar as dificuldades que existem em QUALQUER PROFISSÃO? Qual será seu nível de disciplina e comprometimento para ser um músico extraordinário?”. No mundo da matrix, tendemos a achar que algumas profissões são melhores e mais seguras do que outras. Segundo Ken Robinson[3], essa mentalidade traz as profissões de exatas e algumas biológicas no topo, as de humanas em segundo lugar e, em último lugar e com baixíssimo valor, as de artes. Portanto, ao agir assim, mesmo sem saber, esses pais nãoapenas estão aprisionando seus filhos, mas preparando-os para uma regra que já está completamente superada. Não conseguem entender o mundo que se apresenta neste momento e para o qual esse antigo paradigma simplesmente não serve mais. Formam também a ideia de que é a profissão – e não a paixão, a disciplina e a excelência – a chave para o sucesso, modelando seus filhos para uma atitude de mediocridade (estar na média) diante da vida. No lugar de formar seus filhos para o mundo do futuro, esses pais os prendem – pois eles próprios estão presos – no mundo do passado, podendo gerar consequências terríveis para as próximas gerações. Vamos então entender que mundo é este e por que IKIGAI, INTELIGÊNCIA EMOCIONAL e foco no PROPÓSITO são as respostas de que tanto precisamos? 3. Robinson, Ken. O Elemento-chave. Ediouro. Sumário O mundo industrial que já está morto O que você falaria se seus filhos dissessem que querem ser historiadores, filósofos, matemáticos ou até que não pretendem fazer faculdade? Provavelmente, no mínimo, torceria o rosto e tentaria se conter para não soltar aquele “estimulante” comentário: “Você está maluco?”. E se disséssemos que essas são três das profissões que mais formaram bilzionários no mundo, segundo pesquisa do site norte-americano Go Compare, com base em um estudo de vinte anos dos mais ricos da revista Forbes? Se parar para tentar entender a razão desse fenômeno, você perceberá que em todos os casos estamos falando de uma mesma habilidade, presente na base dessas formações, ou até na falta de qualquer formação: capacidade analítica, visão sistêmica e desejo de pensar de forma livre e estruturada, isto é, a habilidade de QUESTIONAR O STATUS QUO! Exemplos renomados desse estilo são Steve Jobs, Bill Gates e Sir Richard Branson, alguns dos bilionários que não fizeram ou concluíram a faculdade. Não estamos aqui estimulando ou dizendo que uma formação superior não é válida e importante. Estamos apenas afirmando que qualquer pessoa, para ter êxito na vida e para continuar acreditando em seu propósito, precisa sobreviver ao modelo educacional que mata a curiosidade, o empreendedorismo e o livre pensamento. Além disso, na nova visão, a educação deve estar menos associada à empregabilidade e muito mais ao prazer de aprender ou ao autoconhecimento. É senso comum que a marca dos grandes profissionais é o desejo de continuamente aprender, e a visão utilitarista da educação não estimula essa habilidade ou percepção prazerosa sobre o estudo. Então vamos entender os problemas associados ao modelo da educação atual e como ele matou essas habilidades críticas, para compreender as mudanças que estão ocorrendo neste minuto no mundo e como o propósito é parte fundamental dessa metamorfose. Todo esse cenário começou no início da Revolução Industrial (1760 - 1840) com a mudança do formato de trabalho de uma geração que era predominantemente agrícola para outra, que tinha que aceitar trabalhar em uma fábrica. Nesse contexto, consolidou-se o conceito de especialização fortemente defendido por Adam Smith (pai do liberalismo)[4]. Segundo Smith, no trabalho ideal, cada pessoa focaria em uma parcela do que seria realizado, aumentando assim exponencialmente a produtividade. Naturalmente, a ideia teve méritos e se mostrou verdadeira para gerar o máximo de produtividade, levando a uma abundância de bens de consumo a preços mais baratos, que até então era desconhecida pela sociedade humana. Se esse foi o benefício que a Revolução Industrial trouxe, é importante entender também seus males: Abrimos mão do sentido e da conexão com o que realizamos, passando a atuar apenas como a engrenagem de uma enorme cadeia produtiva; Fomos doutrinados a não questionar o que produzimos e nem nosso papel nessa engrenagem, para que o resultado final fosse o mais produtivo possível. Na visão industrial, quanto mais próximo de um robô um ser humano se torna, mais produtivo será. Agora, com o advento da indústria 4.0 (fortemente robotizada e inteligente), esse humano que não sabe pensar se torna dispensável e obsoleto; Desaprendemos a trabalhar em equipe e abrimos mão de nossa inteligência emocional, pois toda a interface do ser humano estava orientada para a máquina. Hoje, boa parte dos problemas em ambientes de trabalho está associada a essa inabilidade; Passamos a entender que trabalhamos para ganhar um salário, e não para ter propósito ou felicidade. Como exemplo, uma vez, vendo um funcionário triste, Henry Ford foi categórico: “Eu não pago você para ser feliz. Eu o pago para trabalhar!”; Aprendemos a ser monitorados por chefes, pois o trabalho sem amor e propósito nos leva a tentar fugir ou evitar trabalhar sempre que possível. Nos tornamos cronicamente dependentes de sistemas de controle (“bater o ponto”), pois não temos maturidade para realizar a autogestão. Realizar essa transição de forma voluntária não seria fácil, pois o homem do campo não aceitaria tantas regras alienantes. Foi preciso então que a indústria lançasse mão de um poderoso aliado nesse processo de doutrinação: a educação. Para tanto, a indústria contribuiu para que a escola – até então destinada somente para os ricos – se tornasse popular e até gratuita, permitindo levar seu estilo de vida para as massas. Você já notou as similaridades entre o formato de educação ainda vigente e a indústria? Não? Então, analise este comparativo proposto por Domenico De Masi[5]. NA INDÚSTRIA NA EDUCAÇÃO USAMOS UNIFORME USAMOS UNIFORME TEM HORÁRIO E SINAL DE ENTRADA TEM HORÁRIO E SINAL DE ENTRADA TEM INSPETORES TEM INSPETORES PRODUZIMOS COISAS SEM SABER O MOTIVO APRENDEMOS MATÉRIAS E NÃO SABEMOS O MOTIVO NÃO SE QUESTIONA OS CHEFES NÃO SE QUESTIONA OS PROFESSORES NÃO HÁ ESPAÇO PARA A FELICIDADE NÃO HÁ ESPAÇO PARA A FELICIDADE ERROS SÃO CASTIGADOS ERROS SÃO CASTIGADOS FOCO NO QUE TEM QUE MELHORAR FOCO NO QUE TEM QUE MELHORAR LINHA DE PRODUÇÃO CARTEIRAS EM LINHA ZERO INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E CRIATIVIDADE ZERO INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E CRIATIVIDADE INTERAÇÃO DO TRABALHADORCOM A MÁQUINA INTERAÇÃO DO ALUNO COM O CADERNO E O QUADRO NEGRO Figura 1 – Indústria x escola. Repare que isso não acontece só no colégio. Alunos das universidades são conformados a produzir teses de conclusão de curso (TCCs) sem manifestar qualquer opinião ou ponto de vista próprio. Afinal, são somente alunos, termo cuja origem significa literalmente “criança de peito”, “lactente” ou “filho adotivo” (do latim alumnus, derivado do verbo alere: alimentar, sustentar, nutrir, fazer crescer). Daí o sentido de que aluno é uma espécie de lactente intelectual, pois depende do saber dos mestres. Com esse tipo de visão, os alunos seguem sua trajetória acadêmica alienante. Então, quando chegam ao mestrado, o fenômeno se repete, tendo que produzir teses com base no trabalho de doutores. Porém, quando concluem o doutorado, espera-se que agora sim estejam aptos para produzir conhecimento “novo e relevante” para o bem da sociedade. Com toda honestidade, você acredita que alguém que passou a vida toda sendo doutrinado a reproduzir e requentar conhecimento, que aprendeu que seu pensamento não tem valor e que foi alienado de suas habilidades críticas estará, após tantos anos de formatação, apto a inovar ou dizer algo de novo? É por isso que nas universidades que ainda estão presas a este modelo vemos a produção de “um museu de grandes novidades”, com acadêmicos que podem ser muito consistentes sem ser nada inovadores. São ambientes em que as teses de doutorado são lidas, em média, pelo incrível número de cinco pessoas, sendo narradas em uma prosa desinteressante que busca mostrar erudição, no lugar de dialogar com quem as lê. Isso acontece porque, quando o modelo de educação atua nesse formato, passa a formar pessoas cujo objetivo não é criar, mas sim defender paradigmas e ideias antigas que lhe custaram muito caro para adquirir. Cem anos depois de esse modelo educacional entrar em vigor (somado aos rigores do padrão de educação militar extraído da Prússia, que também está em suabase), chegamos finalmente ao formato ideal de aluno: um alienado obediente, que sabe reproduzir com exatidão o que lhe foi determinado, mas que não tem nenhuma habilidade para criar ou ser disruptivo. Em uma sociedade alienada, todos os elementos se tornam fatores dessa alienação. Note como alguns elementos colaboraram com essa transição para o modelo industrial: A moda – O relógio de pulso surgiu para permitir que o trabalhador “cuidasse da hora”, estando pontualmente em seu trabalho. Na sociedade agrícola, o trabalho era dividido em ciclos, e não em horas e minutos. Já os compromissos sociais eram sem hora determinada e com longa duração. No entanto, apesar desse categórico “controle do tempo”, nunca antes demos tão pouca atenção ao uso desse recurso para a busca de nosso propósito; O café – Foi um hábito estimulado para que as pessoas ficassem “ligadas” e parassem de beber cerveja às nove da manhã, como era comum na Inglaterra antes da Revolução Industrial. Atualmente, estamos “ligados” em nossos cérebros, mas “desligados” de nosso coração; Os restaurantes – Reunir-se em família passou a ser visto como “perder tempo” e cozinhar seria um hábito contrário ao interesse industrial, pois “tempo é dinheiro”. As coisas que geravam sentido foram substituídas de forma obsessiva pelas atividades que geravam resultados; O consumo – O hábito de consumir muito criou um ciclo fantástico para toda a indústria, inclusive para a indústria da saúde (ou seria da doença?), que agora podia vender medicamentos para todas as mazelas desse estilo de vida. Continuamos a acreditar que o próximo carro, aquela roupa de grife e outros mimos e bens de consumo serão um dia realmente capazes de gerar felicidade genuína para nossa vida. Ainda que esse modelo esteja vivo e operante, não há dúvidas de que já começa a demonstrar seu fracasso e sinais de cansaço. Neste exato momento, por meio das STARTUPS, da INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, da ECONOMIA COLABORATIVA e do CAPITALISMO CONSCIENTE, surge uma revolução que promete transformar em dinossauros quaisquer pessoas e organizações que não estejam preparadas para inovar e se adaptar. Vamos agora conhecer esse movimento e sua relação com o propósito. 4. Smith, Adam. A riqueza das nações. Juruá. 5. De Masi, Domenico. O ócio criativo. Sextante Sumário O nascimento da sociedade pós-industrial Um novo mundo está nascendo e hoje, sem perceber, boa parte das pessoas está passando por uma grande revolução que poderá nos engolir ou libertar. A questão não é se gostaremos dela ou não, mas sim como assumiremos as suas rédeas para obter dela o melhor. Martin Luther King disse: “O que me surpreende não é a eloquência dos maus, mas sim o silêncio dos bons”. O alerta que King nos faz é que o mundo em que vivemos é fruto de nossas escolhas, e a pior ilusão está na ideia de que não podemos fazer nada para mudar nossa realidade. Então, se ela parece não mudar para melhor, é unicamente porque aqueles que têm consciência nem sempre têm ação. Por outro lado, as pessoas de baixa consciência são bastante barulhentas. A essa revolução que nasce dá-se o nome de sociedade pós-industrial ou, como foi chamada por Alvin Toffler[6] , “a terceira onda”. Esse advento foi definido por Daniel Bell, professor emérito da Universidade de Harvard, no ano de 1973. Ele percebeu que a sociedade que nascia seria marcada por: um rápido crescimento do setor de serviços, em oposição ao manufaturado; um rápido aumento da tecnologia de informação, levando ao surgimento da Era da Informação; o conhecimento e a criatividade como matérias cruciais das novas economias. Porém, o que poucos entenderam com base nessa tendência é que, se a sociedade mudaria da indústria para o serviço e da manufatura para o uso massivo de tecnologias e da informação, um novo homem precisaria surgir para se adaptar e dar conta dessa demanda. Ou seja, se as regras do jogo estavam mudando, as escolas que formavam os jogadores (a família, o colégio, as igrejas e a sociedade) também precisariam mudar. Veja a comparação entre os valores industriais e pós-industriais proposta por Daniel Bell no livro O advento da sociedade pós-industrial[7] e entenda o cenário que agora enfrentamos: CULTURA INDUSTRIAL CULTURA PÓS- INDUSTRIAL CONTROLE COLABORAÇÃO ESTRUTURA PIRAMIDAL ESTRUTURA EM REDE REGRAS CLARAS REGRAS LÍQUIDAS SABER DURÁVEL SABER MUTÁVEL PODER AUTORIDADE FOCO NO PRODUTO FOCO NO SERVIÇO FOCO NO PADRÃO FOCO NA CUSTOMIZAÇÃO VALORIZA O QI VALORIZA O QE CONHECIMENTO! SABEDORIA! SER COMPETENTE SER ÚTIL (PROPÓSITO) Figura 2 – Cultura industrial x Pós-industrial. Você consegue perceber que todos os valores preconizados pelas antigas tradições estão agora em xeque? Ainda assim, para que a mudança de um paradigma aconteça em escala global, geralmente é necessário que ocorra uma grande crise. As crises são processos que vêm para nos alertar sobre algo errado. Continuar na mesma direção é, se não impossível, no mínimo desaconselhável. A maioria das pessoas já percebeu que estamos vivendo essa crise, seja no contexto ambiental, de valores ou de propósito – essa última intensificando-se a cada dia em nossa vida. O que muitos ainda não sabem, talvez você também não, é que essa crise é a manifestação de uma série de fatores relacionados à mudança do modelo industrial para o pós-industrial. Quando somados, esses fatores deflagraram a existência de uma condição denominada de MUNDO VUCA, responsável pelo desconforto que vivemos hoje. VUCA é um acrônimo originário do vocabulário militar norte-americano e sua utilização mais massiva teve início no final da década de 1990. Com o tempo, foi incorporado às ideias de liderança estratégica e aplicado por muitas corporações e empresas mundo afora, por entenderem que é uma representação exata do ambiente em que nos encontramos atualmente. Fazer frente a ambientes ameaçadores foi o que impulsionou o US Army War College a criar um programa de formação para desenvolver o nível estratégico em suas lideranças militares. Essa metodologia previu a interdependência dos seus componentes para que durante suas ações de riscos não ocorressem falhas. E essa é uma realidade do mundo globalizado com a qual temos que lidar agora. Vejamos a conceituação para cada uma das letras do termo VUCA em inglês, sua interpretação e consequência: Volatilidade (volatility) – Marca a aceleração das mudanças com impacto na vida das sociedades e organizações desenvolvidas. Mesmo com a Era da Informação e do Conhecimento, esses elementos muitas vezes acabam não sendo suficientes ou até atrapalham a tomada de decisão justamente pelo excesso de informação e pela eventual falta de sabedoria para decidir corretamente diante da saturação de conhecimento. Incerteza (uncertainty) – Ao assumirmos que o conhecimento atual sempre pode ser ultrapassado ou estar incompleto, já nos colocamos na incerteza. E isso é hoje uma característica do mundo, no qual mesmo as pessoas mais preparadas não conseguem prever o que acontecerá para além de dez anos. Temos apenas a certeza de que muitas coisas mudarão e os elementos que um dia já foram pilares da vida moderna (como, por exemplo, o trabalho e o comando do próprio carro ao dirigir pelas ruas) não sobreviverão da mesma forma. Mas será que estamos preparados para o que está vindo? Complexidade (complexity) – Entender os mais variados componentes de um sistema e o resultado das suas interações com consequências que se multiplicam de forma rápida e imprevisível é um dos principais desafios deste século. Tudo se tornou tão complexo que não é mais possível pensar de forma que não seja sistêmica (uma visão que contempla o todo, as partes e suas interconexões). O problema é que toda a nossa formação escolar e acadêmica não foca a visão sistêmica, mas sim a visão fragmentada e especializada das partes, algo já condenado à extinção. Isso gera uma incrível tensão para quem atua no mercado atual, promovendo diariamente um forte sentimento de estar defasado ou obsoleto. Ambiguidade (ambiguity) – É um tipo deincerteza resultante de diferenças na interpretação, em especial quando as evidências existentes são insuficientes para esclarecer o significado de determinado acontecimento. Sabe esse fenômeno de “na minha opinião” que acontece nas redes sociais diante do menor sinal de assunto polêmico? Pois é, ele é fruto da ambiguidade, pois falta a todos nós um parâmetro para avaliar as menores coisas, uma vez que nesse mundo tudo é válido se gerar a satisfação imediata (e não a felicidade). As certezas do passado se convertem nos choques de valores do presente. Por causa desses fatores, em um mundo VUCA o sentimento de insegurança se acelera e se consolida. Diariamente temos que lidar com um volume enorme de informações, riscos e pressões, sem ter elementos sólidos para parametrizar nossas decisões. Se tudo isso faz sentido para você e a busca por alternativas ainda é seu ponto de interesse, fique tranquilo que já chegaremos lá. Por enquanto, vamos estudar um pouco mais sobre esse fenômeno que vivemos, compreendendo o que outro profissional, o sociólogo Zygmunt Bauman, tem para nos dizer. Afinal, somente entendendo o mundo em que estamos inseridos conseguiremos valorizar a importância que a revolução do propósito terá para seus adotantes. 6. Toffler, Alvin. A terceira onda. Record. 7. Bell, Daniel. O advento da sociedade pós-industrial. Cultrix. Sumário A vida na modernidade líquida “Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar.” Essas são duas das frases mais famosas do sociólogo polonês Zygmunt Bauman[8], falecido em janeiro de 2017 aos 91 anos. Elas demonstram perfeitamente o zeitgeist (palavra alemã que significa “o espírito de uma época”) em que vivemos. O período que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial foi palco de mudanças rápidas e profundas de inúmeras características nas nossas relações sociais, nas instituições dos Estados, nas construções culturais e em várias outras configurações do mundo denominado “moderno”. Para alguns estudiosos das disciplinas que se dedicam ao entendimento desses fenômenos, essas mudanças foram tão significativas que acreditam ser necessário falar no fim do período moderno, o que teria nos levado à chamada era pós-moderna ou pós-industrial, aqui abordada. Essa transição teria ocorrido em função da quebra de certos paradigmas que seriam pilares de sustentação da modernidade de um ponto de vista sócio-histórico. São as chamadas narrativas sólidas, ou explicações que construímos para ter segurança em nossa relação com o mundo em que vivemos, atribuindo a elas elementos nos quais podemos nos amparar. É por isso que seguimos buscando respostas absolutas, algo que está fadado ao fracasso e à frustração em um mundo líquido. Nesse sentido, o conceito de modernidade líquida refere-se ao conjunto de relações e dinâmicas que se apresentam em nosso meio contemporâneo e que se diferenciam das que se estabeleceram no que Bauman chama de modernidade sólida pela sua fluidez e volatilidade. As mudanças que se iniciaram com o Renascimento, quando os ideais racionalistas do iluminismo começavam a ganhar força diante do pensamento tradicional, ampliaram-se no decorrer do tempo, tornando-se ponto de ruptura com as formas anteriores de organização social. Esse período é o momento que Bauman se refere como modernidade sólida, pois ainda havia certas regras claras nas relações sociais. Outra mudança profunda foi desempenhada pelo ideal do progresso fundamentado no pensamento racional e na ciência, que se tornaram motores dos avanços tecnológicos estabelecidos no período e que, por sua vez, mudaram toda a organização com a qual se relacionavam. O trabalho, por exemplo, antes basedo no processo de aprendizagem por imitação ou na tradição passada de pais para filhos, passou a se estabelecer de forma especializada e formal nas escolas técnicas em razão do progressivo aumento da complexidade das tarefas laborais relativas às indústrias e suas máquinas. Porém, quando se chega à modernidade líquida, toda estrutura social montada em torno da relativa fixidez moderna se dilui. Para Bauman, as relações transformam-se, tornam-se voláteis na medida em que os parâmetros concretos de “classificação” dissolvem-se. Basta ver as incertezas associadas ao modelo tradicional de trabalho que estamos vivendo hoje, sem saber exatamente como será seu futuro nos próximos dez anos. A liquidez a que Bauman se refere é justamente essa inconstância e incerteza que a falta de pontos de referência socialmente estabelecidos e generalizadores nos causa, que é a base de nossa inquietude também apresentada pelo conceito do mundo VUCA. São esses padrões, códigos e regras em que podíamos nos amparar, que podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar guiar (ainda que muitos deles trouxessem graves problemas) que estão cada vez mais em falta. Isso quer dizer que estamos passando de uma era de “grupos de referência” predeterminados a outra, de “comparação universal”, em que nossos parâmetros de referência não estão prontos de antemão, tendendo a permanecer em contínua mudança durante toda a nossa vida. Vivemos hoje a era do sujeito líquido, com uma identidade e até sexualidade que se moldam segundo o momento. Vivemos o amor líquido, com casamentos e famílias que já não são mais aglutinados em torno de um eixo sólido e feito de um pai e uma mãe, em relações que hoje parecem ter data para acabar. Sentimos o pensamento líquido se manifestando até nas tatuagens. A geração com mais de trinta anos tendia a grandes tatuagens com uma temática única, que se apresentava como materializações de suas crenças e essência. Já a nova geração tende a uma “somatória de inúmeros e pequenos rabiscos”, espalhados pelo corpo como lembretes de experiências pontuais que foram vividas. Muitos reagem contra essa realidade, tentando estabelecer padrões sólidos que a contraponha. É neste momento que vemos crescer visões doutrinárias de mundo que parecem mais seguras para alguns. Porém, ciclicamente, é impossível não verificar que essa tendência líquida já molda nossa sociedade e hoje temos que aprender a lidar com ela. Mas aí, surgem algumas perguntas: Como vamos encontrar sentido em um mundo líquido? Por que o propósito de repente apareceu como temática central em várias discussões e nas redes sociais? Qual é a sociedade que queremos e podemos construir se entendermos o propósito como uma questão central que estabiliza um mundo sem parâmetros? Para responder a essas questões, cabe entendermos o novo mundo que está nascendo, com suas startups e economia orientada para a colaboração. 8. Bauman, Zygmunt. Modernidade líquida. Jorge Zahar. Sumário A era dos negócios regidos por consciência, propósito e humanização Todo processo de mudança traz reações e resistências. Da mesma forma que nem tudo o que muda é necessariamente bom, existem coisas que de fato vêm para melhor. Após trabalharmos com mais de duzentos grandes clientes no mercado corporativo, percebemos o quanto estamos vivendo um choque de gerações entre os profissionais oriundos da geração X e os millennials. Gestores se revoltam ao perceber que os benefícios e a oferta de estabilidade e rentabilidade que oferecem já não são mais acolhidos como valores válidos por essa nova geração. Essa, por sua vez, clama por propósito, significado, engajamento, liberdade e desafios (gamificação) na sua forma de atuar. Definitivamente, o mundo vive uma transformação profunda. É possível perceber mudanças reais em diversos aspectos da sociedade, desde a forma com que as pessoas se alimentam até a maior busca por autoconhecimento e espiritualidade. E o mundo dos negócios não fica de fora. O modelo antigo de fazer negócios não funciona mais. Está ultrapassado. Aquele velho paradigma de que negócios existem apenas para dar dinheiro e pessoas são recursos para obtenção de lucro simplesmente não se sustenta mais. Essa visão materialista gerou danos imensuráveis na sociedade, que vive hoje a crise mais profunda de todas: a crise de significado,
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