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2 1 Fragmentação, efeito de borda e perda de biodiversidade. 2 Corredores ecológicos, dispersão de fauna e flora e trocas genéticas. 3 Conservação e manejo de populações e de metapopulações in situ e ex situ. 4 Introduções indesejadas de animais exóticos ou alóctones e seus efeitos sobre populações e comunidades em ambientes naturais. 5 Estratégias para conservação da diversidade biológica: hotspots (áreas de alta biodiversidade) e centros de endemismos. 6 Estratégias de conservação de habitats e de espécies. 7 Estrutura de populações e manejo sustentável de fauna na natureza e em semiliberdade. 8 Estatística paramétrica e não paramétrica. 9 Ecologia da paisagem. 10 Biomas e fitofisionomias brasileiros: características e evolução da fauna e flora. 11 Desenvolvimento econômico do país e conservação da biodiversidade amazônica. 12. Política Nacional da Biodiversidade, Decreto nº 4.339/2002. 13 Decreto nº 2.519/1998. 14. Acesso ao patrimônio genético, Medida Provisória nº 2.186-16/2001 e Decreto nº 6.159/2007. 15 Lei nº 5.197/1967. www.klimanaturali.org www.klimanaturali.org 3 FRAGMENTAÇÃO, EFEITO DE BORDA E PERDA DE BIODIVERSIDADE O crescente avanço do desenvolvimento em direção da Amazônia tem sido responsável pelo acelerado processo de fragmentação das paisagens do bioma da Amazônia. Atividades agrícolas (pastagem e cultivo), incêndios florestais, construção de barragens, mineração e exploração de recursos da fauna e flora resultam na perda da biodiversidade. Para crescer de forma sustentável é preciso que as instituições governamentais e não governamentais busquem alternativas para valorizar os elementos da biodiversidade. Anseia-se que esses valores sejam considerados nas discussões voltadas para o desenvolvimento econômico e nas aplicações de educação e gestão ambiental. Estudos sobre os efeitos da fragmentação florestal sobre a estrutura genética das espécies são importantes para o planejamento e gerenciamento de estratégias de conservação. A fragmentação de habitats é uma das mais importantes e difundidas conseqüências da atual dinâmica de uso da terra pelo homem (Brooks et al. 2002). A taxa com que o homem está alterando as paisagens naturais é muitas vezes maior do que a da dinâmica de perturbação natural dos ecossistemas (Goling e Willian 2000). A transformação de habitats em pequenos remanescentes impõe uma grande ameaça para muitas espécies selvagens (Ricklefs 2003, Pattanavibool 2004), devido à diminuição da capacidade dos organismos em se deslocarem em decorrência das modificações ocorridas. A ocupação humana e a modificação do uso das terras, esta convertendo paisagens naturais em áreas de cultivo, pastagem e urbanização (Brooks et al. 2002; Myers et al 2000; Goling and Willian 2000; Begon et al. 1999). Com isso, restam apenas pequenos fragmentos de paisagens naturais, muitas vezes isoladas, tornando-se numa área insular entre as atividades humanas (Brooks et al. 2002). A resposta das espécies existentes nesses fragmentos dependerá da sua capacidade de sobrevivência dentro desses fragmentos (Laurence 1991). Algumas espécies conseguem se adaptar, prosperar e circular livremente nas áreas fragmentadas, ao passo que a maioria, que não consegue, sofre extinção local. Portanto, muitas vezes os remanescentes naturais são pequenos e(ou) isolados e acarretam a extinção local das espécies (Goling e Willian 2000). A destruição de habitats resulta na fragmentação destes, aumenta a perda de habitat original, reduz o tamanho e aumenta o isolamento das manchas de habitat (Scribner et al 2001, Curtis e Taylon 2004). O perfil dos remanescentes florestais pode diferir na forma, tamanho, microclima, regime de luminosidade, solo, grau de isolamento e tipo de propriedade. Conseqüentemente, a fragmentação da floresta pode influenciar os padrões locais e regionais de biodiversidade devido à perda de micro- habitats únicos, isolamento do habitat, mudanças nos padrões de dispersão e migração e erosão do solo (Laurence 1991). Adicionalmente, os efeitos de borda, que podem alterar a distribuição, comportamento e sobrevivência de espécies de plantas e animais, serão magnificados em áreas de alta intensidade de fragmentação florestal. As modificações nas paisagens afetam de forma diferenciada os parâmetros demográficos de mortalidade e natalidade de diferentes espécies e, portanto, a estrutura e dinâmica dos ecossistemas. No caso de espécies arbóreas, a alteração na abundância de polinizadores, dispersores, predadores e patógenos afetam as taxas de recrutamento de plântulas. Os incêndios e mudanças microclimáticas atingem de forma mais intensa as bordas dos fragmentos, alterando as taxas de mortalidade de árvores (Brooks et al. 2002). As evidências científicas sobre esses processos têm crescido nos últimos anos. No Brasil, a exploração antrópica da Amazônia tem ocasionado a perda da sua biodiversidade devido à substituição das paisagens naturais por campo agrícola, pastagens e urbanização (Klink 2005). Estima- se que já tenha perdido mais de 30 % da sua área original, e que os cenários científicos mostram uma tendência de aumento desse processo. A criação de gado, exploração da madeira, atividades relacionadas com mineração e mais recentemente com a possibilidade da expansão agrícola por causa do programa de biocombustível e geração de energia hidrelétrica incentivado pelo governo, estão entre as principais ameaças. Assim, o grande desafio dos órgãos ambientais é evitar que a floresta Amazônica tenha o mesmo destino do Cerrado e da Mata Atlântica, sobretudo porque há muitas espécies que ainda não foram catalogadas. Além do mais, a perda da biodiversidade do bioma 4 Amazônico poderá trazer consequências globais. O planejamento e manejo de reservas naturais deve necessariamente considerar os efeitos da fragmentação da floresta relacionados à persistência das espécies e dos mecanismos ecológicos. Se a área de uma reserva natural está abaixo do tamanho mínimo necessário para que seja mantida a população de uma espécie, então a espécie estará em risco de extinção nessa reserva. A fusão rápida do conhecimento científico com políticas públicas, relacionadas ao uso e ocupação do solo, é urgente para evitar uma degradação ambiental intensa e, pró-ativamente, manejar as áreas naturais que irão enfrentar grande onda de desenvolvimento no futuro. As ações econômicas, social, política e ambiental decidirão sobre o destino das espécies e dos mecanismos que sustentam a vida. Dessa forma, a sociedade deverá tomar decisões embasadas nos conhecimentos científicos e tecnológicos. Dore e Webb (2003) analisaram um estudo de caso para determinar o valor da biodiversidade. Foi realizada uma prospecção da biodiversidade para procurar compostos químicos e informação genética produzidos por organismos silvestres e, que pudesse ter algum valor comercial, cujo preço refletisse no mercado. O comércio agrícola, a indústria farmacêutica e de cosméticos têm grande interesse nessas aplicações. Esperava-se que a prospecção fosse utilizada para determinar um valor comercial para a preservação de áreas ricas em biodiversidade. Mas, existem diversos problemas de regulamentação de direito a propriedade. Por isso, as companhias farmacêuticas freqüentemente contratam coletores. De fato, seu custo de prospecção está associado às despesas com o coletor, ficando a preservação da área para segundo plano. Uma ampla classe de valoração, utilizada por economistas de recursos, tem sido valorar o estoque de uma espécie (Perrings et al. 1995 apud Dore e Webb 2003). Essa abordagem engloba diversos conceitos de valoração econômica, novos e antigos. A abordagem dos economistas de recursos é uma forma de valorar passo a passo uma única espécie, tentando primeiramente calcular sua biomassa.Dada a natureza do crescimento biológico, a equação logística tem sido muito utilizada para estimar a biomassa de uma espécie. A essa biomassa poderá ser atribuído um valor de diversas formas: pode ser atribuído um valor direto (de consumo) como alimento ou como uma espécie estruturante. Valores diretos de existência e herança também podem ser atribuídos à espécie. Contudo, de uma forma geral, os diferentes métodos podem ser classificados em dois grandes grupos, os métodos diretos e indiretos de valoração econômica da biodiversidade. A economia da natureza interpreta que relação ambiente-economia em termos da segunda lei de termodinâmica. A segunda lei vê a atividade econômica como um processo dissipativo. A partir desta perspectiva, a produção de bens econômicos e serviços invariavelmente requerem o consumo de matéria e energia disponíveis no ambiente. A economia necessariamente se alimenta de recursos de energia/matéria de alta qualidade (baixa entropia) para crescer e desenvolver. Isso tende a desordenar e homogeneizar a ecosfera. A ascendência da humanidade acompanhada por uma taxa crescente de degradação ambiental, resultando na perda da biodiversidade, redução dos sistemas naturais e poluição da água, ar e solo. Em suma, o paradigma dominante de desenvolvimento econômico baseado no crescimento é fundamentalmente incompatível com a sustentabilidade social e ecológica (Rees 2003). Então a valoração da biodiversidade deve ser estudada, utilizada e difundida, sendo uma ferramenta aliada e imprescindível nas políticas econômicas e sociais. Além disso, a valoração é essencial dentro da nova visão da economia ecológica, que prevê a internalização das externalidades (positivas ou negativas). Portanto, entre o desafio de atribuir valores aos elementos da biodiversidade, reduzir os processos de fragmentação das paisagens naturais e buscar um desenvolvimento de forma sustentável, está a necessidade urgente da aplicação dos instrumentos de gestão ambiental. Inclui-se não só o estabelecimento e aplicação das leis, mas a ética em todos os setores - político, governamental, empresarial e social - para inserir nas discussões econômicas e sociais os valores ecológicos (Ricklefs 2003). Por outro lado, é preciso que haja aplicação da educação ambiental nos setores da sociedade. Por meio da educação ambiental é possível sensibilizar as pessoas e mostrar que os seres humanos dependem do ambiente para obtenção dos recursos que necessitam para a sua sobrevivência 5 e, principalmente, que esses recursos são finitos. Ainda, que sejam levadas as informações dos cientistas e pesquisadores a todas as camadas da sociedade, para que a mesma possa refutar os acontecimentos. Tais informações devem ser avaliadas por cada indivíduo, pois a sustentabilidade do planeta depende primordialmente da ação de todos. Entretanto, a esfera política precisa estar bem assessorada para tomar decisões corretas que contribuam para manutenção dos ecossistemas. Além disso, devemos ter ciência que nós fazemos parte da biodiversidade e, não temos a moral de sentenciar uma espécie à extinção e beneficiar outra porque a consideramos mais valiosa economicamente em relação à anterior. Para isso, torna-se necessária a mudança dos nossos valores e só assim teremos a possibilidade de ter um planeta sustentável. Dessa forma, a prática da educação ambiental como instrumento de gestão, juntamente com as políticas públicas eficientes, e governância são imprescindíveis para que o Brasil minimize e conserve seus recursos naturais. Dentre os vários temas integrados possíveis de investigação na Amazônia, os que estão mais relacionados com o processo de gestão territorial da região são o planejamento e a implementação de territórios sustentáveis, ou seja, um mosaico de usos de terra complementares gerenciados de forma integrada que permitam conservar a biodiversidade e manter tanto a dinâmica dos processos ecológicos como a dinâmica socioeconômica de um determinado território. É necessário o manejo florestal sustentável (Litlle 2003) e a participação social (Nascimento 2003). Para isso, é preciso integrar e aplicar os conhecimentos científicos para desenvolver modelos sustentáveis de uso do território na região. Outros mecanismos de resposta à conservação ambiental incorporam, também, a importância da agricultura familiar, a lógica dos créditos de carbono, a agricultura de floresta, o artesanato e o ecoturismo sustentável para diminuir os impactos dos produtores nessas regiões. A sustentabilidade depende de modelos alternativos de gestão ambiental. Políticas locais, regionais e federais devem convergir na mesma direção. Da prática coerente de instrumentos de educação e gestão ambiental com instrumentos econômicos de desenvolvimento (Bursztyn 2001). Assim, os recursos naturais existentes na Amazônia dependem de políticas públicas eficientes para minimizar o processo de fragmentação que ocorre na região de forma crescente. Portanto, a sociedade brasileira juntamente com as comunidades existentes na Amazônia deve atribuir valor aos elementos da biodiversidade e aplicar valores morais que possam contribuir para a sustentabilidade do planeta. EFEITO DE BORDA Efeito de borda é uma alteração na estrutura, na composição e/ou na abundância relativa de espécies na parte marginal de um fragmento. Tal efeito seria mais intenso em fragmentos pequenos e isolados. Esta alteração da estrutura acarreta em uma mudança local, fazendo que plantas que não estejam preparadas para a condição de maior estress hídrico, característico das regiões de borda, acabem perecendo, acarretando em mudanças na base da cadeia alimentar e causando danos à fauna existente na região. Muitas vezes essa morte dentre os integrantes da flora na região de borda, acarreta na ampliação desta região, podendo atingir segundo alguns autores, até 500m. Na Floresta Atlântica, a maior parte dos remanescentes florestais, especialmente em paisagens intensamente cultivadas, encontra-se na forma de pequenos fragmentos, altamente perturbados, isolados, pouco conhecidos e pouco protegidos (Viana & Pinheiro, 1998). A fragmentação florestal é um dos fenômenos mais marcantes e graves do processo de expansão da fronteira agrícola no Brasil (Viana et al., 1992), provocando o isolamento de trechos de floresta de diferentes tamanhos, em meio a áreas perturbadas, ficando a periferia do fragmento mais exposta à insolação e à modificação do regime dos ventos. Essas mudanças provocadas pelos limites artificiais da floresta sãochamadas efeito de borda e têm enorme impacto sobre os organismos que 6 vivem nesses ambientes fragmentados . Uma forma de se estudar essas mudanças é observar o padrão de agregação das espécies que pode ocorrer em resposta a diferenças locais entre habitat. Pelas mudanças provocadas nas condições do local, o efeito de borda afeta o padrão de distribuição espacial das espécies. A distribuição diamétrica busca permitir a avaliação prévia de condições dinâmicas da floresta, possibilitando previsões futuras quanto ao desenvolvimento da comunidade vegetal. E, através da avaliação da estrutura vertical em populações, pode-se identificar o comportamento ecológico e o hábito de cada população. Outro ponto importante no estudo do comportamento das espécies seria com relação ao estudo de grupos sucessionais. A separação das espécies arbóreas em grupos ecológicos é uma maneira de possibilitar o manuseio do grande número de espécies da floresta tropical, mediante seu agrupamento por funções semelhantes e de acordo com as suas exigências. Os estudos dos grupos sucessionais servem não apenas para que se possa recuperar a vegetação original mas, também, porque em cada uma de suas fases se encontram potenciali- dades biológicas de grande utilidadepara o homem, por exemplo, os grupos de espécies de rápido crescimento, que podem ser exploradas comercialmente . PERDA DE BIODIVERSIDADE Será que deveríamos nos preocupar com a extinção das espécies? Até pouco tempo atrás, a diversidade da vida vem aumentando aos níveis mais elevados de que se tem conhecimento na história da Terra (Chapin et al . , 2000). Contudo, a exploração da natureza pelo homem tem tido , e ainda tem, conseqüências prejudiciais para a biodiversidade do planeta . Segundo estimativas, cerca de 150 t ipos únicos de organismos são extintos diariamente (Lamont, 1955). É bem verdade que muitas espécies de plantas e animais estão desaparecendo e continuarão a desaparecer em decorrência de atividades humanas no passado e no presente (Chapin et al . , 1996) , mas será que essa perda afeta o funcionamento dos ecossistemas e inf luenciam o bem-estar da humanidade? A ciência conhece quase dois mi lhões de espécies, mas acredita -se que existam pelo menos 10 milhões (e talvez até 30 milhões) de espécies (May, 1990). Com esse grande número de espécies, e a vasta diversidade que representam, seria realmente tão importante se perdêssemos algumas, ou mui tas que sejam? Afinal, a extinção é um processo natural – mais de 99% de todas as espécies que já exist iram estão hoje extintas (Leakey, 1996). Além disso, muitas espécies são consideradas redundantes (Walker, 1992), o que significa que desempenham as mesmas funções dentro de um ecossistema. Sendo assim, a perda de todas as espécies que desempenham uma certa função, com exceção de uma, não deveria importar. Ou deveria? Em primeiro lugar, qualquer possível efeito negativo no funcionamento do ecossistema deve-se não apenas à perda de espécies propriamente ditas, mas à velocidade com que estão desaparecendo. Hoje em dia, as espécies estão desaparecendo de 100 a 1.000 vezes mais rapidamente do que em épocas anteriores à existência do homem na terra, e a extinção adicional das espécies ameaçadas pode acelerar substancialmente essa perda (Chapin et al . , 1998). Além disso, para cada 10.000 espécies que se extinguem, somente uma nova espécie chega a evoluir (Chapin et al . , 1998) . Portanto, a velocidade de pe rda de biodiversidade atual supera largamente a velocidade com que a natureza consegue efetuar uma compensação e se adaptar. Em segundo lugar, as espécies redundantes conseguem se proteger contra as mudanças de função do ecossistema, no caso de p erda de espécies, somente 7 até certo ponto. Contudo, os organismos classificados por nós como idênticos em função muitas vezes demonstraram diferir o suficiente para adquirir uma importância significativa no funcionamento do ecossistema. Mesmo que algumas espécies sejam redundantes em termos da função que desempenham, elas geralmente têm diferentes condições ambientais favoráveis ao seu crescimento e reprodução, o que é uma proteção contra as mudanças no ecossistema se as condições ambientais se alterarem (Chapin et al . , 1995). Conseqüentemente, a perda de espécies pode não só causar efeitos diretos num ecossistema, mas também afetar sua capacidade de proteção contra futuras mudanças ambientais. Portanto, verificamos que as espécies estão desaparecendo mais rapidamente do que nunca, que a natureza não consegue acompanhar essa grande rapidez de extinção e que as espécies ecológicas equivalentes (se é que existem) são importantes como proteção contr a futuras mudanças no ambiente. Portanto, existem motivos de preocupação. Mas será que existe alguma prova de que a perda de biodiversidade cause efeitos negativos no funcionamento dos ecossistemas? Existem pelo menos algumas indicações e, no texto abaixo, vou discorrer brevemente sobre alguns resultados de estudos que investigaram os efeitos da perda de biodiversidade. Investigações dos efeitos da perda de biodiversidade Embora diversos estudos, part icularmente na ciência agrícola, tenham investigado empiricamente a importância do agrupamento de várias espécies em épocas remotas, foi só no início da década de 90 que os primeiros estudos testando especificamente os efeitos da perda de biodiversidade nos processos e funcionamento do ecossistema foram publ icados. Desde então, a pesquisa no campo da ecologia chamado Biodiversidade e Funcionamento do Ecossistema (BD-EF) aumentou consideravelmente (vide Loreau et al . , 2001, 2002, para estudos ) . A despeito de alguns problemas com projetos experimentais, estatíst icas e extrapolação de resultados para os sistemas naturais, houve progresso. A seguir, vou expor e analisar o que considero ser as mais importantes realizações desses estudos. Importância da Biodiversidade As primeiras contribuições empír icas no campo da BD -EF foram publicadas em meados dos anos 90 (Tilman e Downing, 1994, Naeem et al . , 1994, 1995). Esses dois estudos concluíram que a biodiversidade era importante para o funcionamento do ecossistema. O estud o de Naeem et al . (1994, 1995) foi realizado no Ecotron, na Inglaterra, em ecossistemas art if iciais consti tuídos de vários níveis tróficos (i .e. produtores primários, consumidores e predadores) contendo biodiversidade baixa, média ou alta. Descobriu -se que a biodiversidade afeta substancialmente diversos processos diferentes do ecossistema e que alguns processos aumentaram com a biodiversidade, enquanto outros diminuíram. Tilman e Downing (1994) realizaram seus estudos nos ecossistemas de pastagens em Cedar Creek, estado de Minnesota, EUA. Util izaram tratamentos experimentais contendo de uma a 24 espécies, e ver ificaram que a produtividade e a retenção dos nutrientes do solo aumentaram com a diversidade vegetal . Esses estudos receberam muita atenção quando p ublicados; portanto, t iveram grande importância no impulso da pesquisa em BD -EF, aumentando a conscientização das conseqüências da perda de biodiversidade, tanto na comunidade científica como entre os tomadores de decisão. Propiciaram também um bom alicerce para futuras pesquisas. Importância do projeto experimental 8 Após esses primeiros estudos empír icos sobre os efeitos da perda de espécies, houve alguma polêmica sobre a causa desses resultados (Aarsen, 1997, Huston, 1997) . Uma das sugestões era que, em vez da biodiversidade propriamente dita, algumas poucas espécies com forte impacto nos processos do ecossistema e a crescente probabil idade de essas espécies terem sido incluídas nos agrupamentos de alta diversidade poderiam ser responsáveis pelas correlações entre a biodiversidade e o funcionamento do ecossistema. Em outras palavras, os resultados poderiam ser fabricados pelo projeto experimental ( i .e. “efeito de amostragem”). Contudo, outros ecologistas argumentaram que a importância de determinadas espécies e sua maior taxa de ocorrência em agrupamentos com maior número de espécies poderiam ser também uma característ ica importante dos sistemas naturais (Tilman et al . , 1997). Essa questão foi solucionada de certa forma quando foram apresentadas téc nicas estatíst icas para separar os efeitos da biodiversidade e determinadas espécies (Jonsson e Malmqvist , 2000, Loreau e Hector, 2001). Além disso, a importância de determinadas espécies e determinadas composições de espécies deveria também ser objeto de interesse em estudos sobre fatores que afetam o funcionamento do ecossistema. De qualquer modo, esse debate foi importante pois conduziu a projetos experimentais mais sólidos sobre os efeitos da biodiversidade. Redundância das espécies Alguns estudiosos argumentaram que não é a biodiversidade per se, mas sim a diversidade funcional do grupo que é importante para o funcionamentodo ecossistema. Esse argumento fundamenta -se na crença de que as espécies pertencentes ao mesmo grupo funcional são redun dantes. De acordo com essa l inha de raciocínio, as espécies podem se extinguir sem causar nenhum efeito no funcionamento do ecossistema, contanto que cada grupo funcional seja representado por pelo menos uma espécie. No entanto, embora as espécies possam parecer redundantes quanto à função que desempenham, elas podem se dist inguir de inúmeras outras maneiras , i .e. at ividade no tempo e no espaço, preferências ambientais (climáticas), escolha específica da presa, vulnerabil idade a predadores, e a ssim por diante. Sustentando a noção de que espécies aparentemente redundantes diferem o suficiente para que cada uma seja importante no funcionamento dos ecossistemas, existem estudos que investigaram os efeitos da perda de biodiversidade dentro de grupos funcionais (ex.: Jonsson e Malmqvist , 2000, Jonsson et al . , 2001, Cardinale et al . , 2002, Dangles et al . , 2002, Huryn et al . , 2002 Jonsson et al . , 2002, Jonsson e Malmqvist , 2003a,b). Esses estudos constataram fortes efeitos de mudança na biodiversidade, embora as espécies uti l izadas desempenhassem funções idênticas. Conseqüentemente, além dos efeitos definidos no funcionamento do ecossistema quando as últ imas espécies de um grupo funcional desaparecem, a perda de espécies dentro de grupos funcionais também tem grande importância. Embora alguns desses estudos tenham comprovado o aumento do funcionamento do ecossistema com declínio da biodiversidade, eles ainda demonstram que a redundância de espécies, nesse sentido, é um conceito disfuncional. Além do mais, as espécies redundantes podem, até certo ponto, atuar como um seguro biológico, minimizando o efeito das mudanças no funcionamento do ecossistema quando as condições ambientais mudam . Por exemplo, imaginemos que duas espécies aparentemente re dundantes (A e B) desempenhem uma mesma função e que a espécie A predomine sobre a espécie B em abundância, já que as condições ambientais existentes favorecem a espécie 9 A. Então, quando o ambiente se altera de modo que as novas condições passam a favorecer a espécie B, causando declínio do desempenho da espécie A, a espécie B aumenta em abundância e desempenho de modo que o funcionamento do sistema permanece inalterado. Se a espécie A fosse a única espécie do sistema no momento da mudança ambiental , ocorre ria uma perda no funcionamento do ecossistema. Portanto, nesse sentido, a redundância das espécies é um traço importante dos sistemas naturais. Explicações mecanicistas para os efeitos da biodiversidade Explorar os mecanismos por trás dos efeito s da perda de biodiversidade é fundamentalmente importante se quisermos compreender as conseqüências da rápida perda de biodiversidade atual . A complementaridade de nicho é freqüentemente uti l izada como a explicação mais provável para os efeitos de biodiversidade modificada, principalmente se tanto a “diferenciação de nicho” como a “facil i tação” estiverem incluídas na definição (ex.: Loreau e Hector, 2001). As característ icas de uma espécie determinam como, quando e onde ela uti l iza os recursos (o nicho). Embora todos os indivíduos de uma mesma espécie comparti lhem essas característ icas, eles geralmente se diferenciam entre espécies (diferenciação de nicho). Portanto, a diferenciação de nicho permite que as espécies coexistam, evitem uma forte concorrência e , conseqüentemente, desempenhem um processo com eficiência (ex.: Volterra, 1926, Lotka, 1932, Jonsson e Malmqvist , 2003a). A perda de espécies pode, portanto, reduzir o número de nichos uti l izados, aumentar a concorrência e baixar a velocidade do processo, afetando negativamente o funcionamento do ecossistema. As interações posit ivas entre espécies, como a facil i tação, por exemplo, são potencialmente muito importantes no funcionamento do ecossistema. Embora vários estudos tenham comprovado a facil i tação ent re alguns pares de espécies (ex., Soluk e Collins, 1988, Kotler et al . , 1992, Soluk, 1993, Soluk e Richardson, 1997, Cardinale et al . 2002, Jonsson e Malmqvist , 2003a), não se sabe bem até que ponto tais interações são comuns ou importantes nos ecossistemas naturais. Contudo, tanto a diferenciação de nicho como a facil i tação provavelmente são importantes para manter a velocidade do processo e o funcionamento do ecossistema. Assim, no caso de perda de espécie, o funcionamento do ecossistema poderia ser afeta do negativamente seja pelo aumento da competição, pela lacuna de nicho ou pela perda de interações facil i tadoras. Investigação da perda de biodiversidade natural ou aleatória Para testar realmente os efeitos da biodiversidade, um estudo deve uti l izar espécies escolhidas aleatoriamente em um amplo grupo de espécies. A maioria dos estudos, contudo, uti l izou determinadas espécies, ou composições de espécies aleatórias, colhidas em grupos menores e, portanto, não conseguiu t irar conclusões sobre os efeitos da biodiversidade propriamente dita. Em vez disso, os resultados podem ser relevantes somente para as espécies uti l izadas no estudo. Embora possa ser interessante investigar se existe algum efeito geral da perda de biodiversidade no funcionamento do ecossistema uti l izando-se espécies escolhidas aleatoriamente, a extinção de espécies muitas vezes segue padrões previsíveis, dependendo da espécie do sistema e do t ipo de perturbação. Portanto, a melhor maneira de estudar os efeitos da perda de biodiversid ade seria sujeitar uma comunidade natural a uma perturbação (Petchey et al . , 1999), ou uti l izar uma ordem de extinção previs ível (Jonsson et al . , 2002). Isso, é claro, l imita a aplicabil idade geral dos resultados, mas, ao mesmo tempo, fornece resultados ma is realistas e um conhecimento específico dos efeitos da perda de espécies no s istema estudado. 10 Extrapolação dos resultados experimentais para sistemas naturais A persistência dos efeitos da biodiversidade observados em experiências controladas e de curta duração foi questionada (e.g. Symstad et al . , 2003) . Como, até o momento, a maioria dos estudos foi realizada durante períodos relativamente curtos, não se sabe ao certo se os efeitos (iniciais) são transitórios ou persistentes e, portanto, se são relevantes quanto aos efeitos da biodiversidade nos sis temas naturais. Entretanto, constatou -se num longo estudo de pastagens que o efeito inicial da biodiversidade persist iu ao longo do tempo, embora os mecanismos subjacentes tenham mudado (Tilman et al . , 2001). Outro problema com a maioria dos estudos até agora é que, embora os sistemas naturais sejam em geral al tamente complexos, as montagens experimentais têm uti l izado relativamente poucas espécies e níveis tróficos. Os estudos que uti l izaram baixa complexidade muitas vezes obtiveram resultados bastante diretos, mas os resultados de sistemas experimentais mais complexos têm sido difíceis de interpretar. Portanto, há uma troca entre a complexidade e a interpretabil idade dos resultados e ainda não há b oas soluções para esse problema, apesar das tentativas para realizar estudos úteis sobre os sistemas complexos (vide Finke e Denno, 2004, como um exemplo). O Futuro Até hoje, os estudos têm demonstrado que a biodiversidade é importante para a velocidade dos processos do ecossistema e para o funcionamento do ecossistema – pelo menos em escalas espaciais relativamente pequenas e por curtos períodos de tempo. Além do mais , foram encontradas evidências de mecanismos por trás dos efeitos da biodivers idade. Assim, o desafio para os estudos no futuro seráexpandir em espaço, tempo e complexidade, de forma que os resultados obtidos sejam mais relevantes para os sistemas naturais. A pergunta se e como a biodiversidade é importante para o funcionamento dos ecossistemas é uma das questões mais importantes da ecologia hoje. Uma vez que a atual perda de biodiversidade ameaça seriamente os serviços que um bom funcionamento dos ecossistemas presta à humanidade (Luck et al . , 2003), preservar a biodiversidade também pode nos ajudar a preservar a humanidade. CORREDORES ECOLÓGICOS Como instrumento de gestão territorial, os Corredores Ecológicos atuam com o objetivo específico de promover a conectividade entre fragmentos de áreas naturais. Eles são definidos no SNUC como porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquelas das unidades individuais. Os Corredores Ecológicos visam mitigar os efeitos da fragmentação dos ecossistemas promovendo a ligação entre diferentes áreas, com o objetivo de proporcionar o deslocamento de animais, a dispersão de sementes, aumento da cobertura vegetal. São instituídos com base em informações como estudos sobre o deslocamentos de espécies, sua área de vida (área necessária para o suprimento de suas necessidades vitais e reprodutivas) e a distribuição de suas populações. A partir destas informações são estabelecidas as regras de utilização destas áreas, com vistas a possibilitar a manutenção do fluxo de espécies entre fragmentos naturais e, com isso, a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade. São, portanto, uma estratégia para amenizar os impactos das atividades humanas sob o meio ambiente e uma busca ao ordenamento da ocupação humana para a manutenção das funções ecológicas no mesmo território. 11 As regras de utilização e ocupação dos corredores e seu planejamento são determinadas no plano de manejo da Unidade de Conservação à qual estiver associado, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas. Os Corredores Ecológicos são criados por ato do Ministério do Meio Ambiente. Até o momento foram reconhecidos dois corredores ecológicos: Corredor Capivara-Confusões Corredor Caatinga DISPERSÃO DE FAUNA E FLORA Muitos animais vivem em comunidade, formando grupos sociais, compostos por elementos da mesma espécie: bandos, alcateias, cardumes, etc. Há também animais que vivem isolados. Mas até estes têm necessidade de se juntar para se reproduzirem, nem que seja apenas no acto do acasalamento. Além disso, mães e crias formam grupos, mais ou menos temporários, conforme as espécies. A fêmea de Urso-pardo passa cerca de três anos com a cria. Por outro lado, algumas espécies de aves são nidífugas, isto é, assim que nascem abandonam o ninho, o que não quer dizer que os pais, ou pelo menos um deles, não acompanhem a prole. No fundo, todos os animais têm a necessidade de, pelo menos em algum momento, partilhar o espaço com outros animais da mesma espécie. Qualquer grupo obedece a regras internas, normalmente definidoras de hierarquia social, mantendo assim o equilíbrio dos laços existentes. São inúmeros os comportamentos sociais das diversas espécies que os etólogos tentam registar e compreender. O facto de os animais poderem viver isolados ou em comunidade, poderá estar ligado a factores derivados da pressão competitiva: em grupo aumenta a pressão por alimento, por parceiro sexual ou pelo local de reprodução. O risco de contágio por doença aumenta também, além de que vários animais juntos são mais facilmente detectáveis pelos predadores, do que quando se encontram isolados. Mas viver em comunidade também aumenta o número de olhos, narizes e orelhas alerta para o perigo. Entre os predadores, a cooperação conjunta torna mais fácil a caçada, além de poder proporcionar a captura de presas muito maiores do que seria possível obter isoladamente. Existem também casos de cooperação na criação da prole, com as evidentes vantagens de tal facto. Os jovens adultos, dependendo de vários factores, podem ficar no grupo familiar ou partir para formarem a sua própria família ou para viverem isoladamente. O habitat, a distribuição de alimento, o sistema de acasalamento e os riscos de endogamia, parecem determinar, em grande medida, o nível de dispersão dos jovens animais em relação ao seu local de nascimento. Dependendo da espécie, os factores que mais influenciam a dispersão variam, e dentro de cada espécie, pode também haver diferentes formas de dispersão. Quando os jovens ficam na sua área natal, partilhando o território com os progenitores, falamos em filopatria natal. Esta estratégia tem vantagens e custos. O grau de parentesco entre os elementos do grupo aumento o risco de endogamia, com a consequente redução de variabilidade genética, o que é uma evidente desvantagem evolutiva. No entanto, a consanguinidade pode favorecer a “selecção” de genes que determinem uma boa adaptação a um determinado habitat. Entre outros custos da vida em grupo, podemos referir o aumento da densidade populacional, que fará subir a competição por recursos e parceiros sexuais, bem como por abrigos ou locais de reprodução. Segundo algumas teorias sociobiológicas, porém, a vida em sociedade leva à redução da agressividade entre os membros e ao aumento dos comportamentos altruístas. Outra vantagem da vida social dos animais é a de um melhor conhecimento do local onde o grupo habita. 12 A dispersão tem, também, custos e benefícios. Se, por um lado, evitam assim a consanguinidade, por outro, dispendem muita energia deambulando à procura de novos territórios, além de que não conhecem as novas áreas para onde se deslocam. Podem ainda encontrar muita resistência e agressividade por parte de indivíduos que habitem territórios por onde passem ou para onde se desloquem. Portanto, a dispersão e a filopatria têm, cada qual, os seus custos e benefícios. Uma solução de compromisso, que adoptasse comportamentos de dispersão e de filopatria poderia ser uma boa estratégia. Foi o que fizeram muitas espécies, especialmente entre as aves e os mamíferos. Em geral, dá-se uma diferenciação por sexos: enquanto os elementos de um dos sexos ficam no local de nascimento, os do outro sexo partem. Assim, evitam os problemas de endogamia, e os membros que permancem, desfrutam das vantagens da filopatria. Curiosamente, parece haver uma tendência para que, nas aves, se dispersem as fêmeas, enquanto nos mamíferos são os machos que maioritariamente se dispersam. Alguns etólogos têm tentado explicar esta tendência que, reafirme-se, é uma tendência, com excepções. Um dos etólogos que se debruçou sobre o assunto, Paul Greenwood, publicou um artigo em 1980, onde explana duas hipóteses para explicar o comportamento de aves e mamíferos quanto à dispersão. Começando por admitir que uma separação comportamental entre sexos, um deles ficando no local onde nasceu o outro partindo para novas paragens, traria evidentes vantagens para a espécie, e acrescenta uma explicação para as diferenças entre aves e mamíferos. Essa diferença, segundo Greenwood, baseia-se no modo diverso como os machos de aves e de mamíferos competem por parceiras. Os mamíferos são maioritariamente poligínicos, isto é, cada macho defende um grupo de fêmeas, competindo com outros machos pelas parceiras. Os machos jovens e os subordinados, impedidos de chegar às fêmeas, aumentam as suas possibilidades de acasalamento quandose dispersam. As fêmeas, normalmente, vivem em grupos matralineares (compostos por mães, filhas e netas), beneficiando das vantagens daí decorrentes. Assim, os machos são “forçados” a dispersarem-se para evitar os problemas de uma elevada taxa de consanguinidade. Por outro lado, as aves são maioritariamente monogâmicas. Os machos, em vez de competirem directamente pelas fêmeas, competem por locais com bons recursos (em alimentação e em locais de nidificação), locais esses que atrairão as potenciais companheiras. O conhecimento do local será, então, mais importante para os machos do que para as fêmeas. Estas, dispersando-se evitam os problemas genéticos da endogamia e escolhem os territórios com melhores recursos. Mas estas hipóteses, funcionando bem na generalidade, têm muitas excepções, como no caso dos mamíferos territoriais, em que seria de esperar que se verificasse a hipótese dos machos teritoriais das aves, e que ocorresse a dispersão das fêmeas. Tal não acontece na maioria dos casos. Surgiram então mais hipóteses para explicar as diferenças entre sexos na dispersão. Primeiro, em 1989, em relação aos mamíferos, por Clutton-Brock, e depois expandido às aves, por Wolff e Plissner, em 1998. Em ambos os casos, os autores partem do princípio de que a filopatria é preferencial à dispersão. E que o primeiro sexo a ter oportunidade de se reproduzir será o que escolherá ficar no território, enquanto o outro sexo irá dispersar-se. Uma vez que as fêmeas dos mamíferos amamentam e cuidam das suas crias, os machos, geralmente, não apresentam cuidados parentais. Daqui resulta que os machos estão livres para vaguear para longe. Quando a sua descendência feminina alcança a idade de reprodução, muito provavelmente, o pai não estará presente, permitindo às filhas não terem de se ausentar para evitar a consanguinidade. Se o macho reprodutor estiver presente quando as suas filhas atingem a idade reprodutora, são estas que se dispersam. Uma outra hipótese, sustentada por Stephen Dobson em 1982, afirma que nos mamíferos poligínicos, a competição por parceiros sexuais é maior nos machos do que nas fêmeas, daí serem os machos a dispersarem-se. Por outro lado, nos mamíferos monogâmicos, os níveis de competição por parceiros sexuais serão mais equivalentes, pelo que a dispersão entre sexos tenderá a efectuar- 13 se em proporções equivalentes. Os dados parecem corroborar esta hipótese. Mas também aqui existem lacunas: como explicar, então, por exemplo, o comportamento das fêmeas nas espécies de aves monogâmicas, em que, maioritariamente, são estas a dispersar-se? Em 1985, surge uma terceira hipótese, desenvolvida por Olof Liberg e Torbjörn von Schantz, apelidada de Hipótese de Édipo. Aqui, os autores colocam a enfase nos reprodutores e não nos jovens adultos, como o fizeram os anteriores autores. Segundo esta nova hipótese, são os pais que expulsam os jovens do território, forçando-os a dispersarem-se, e não estes que tomam a iniciativa de o fazerem. Para Liberg e von Schantz as diferenças na dispersão entre sexos, tanto nas aves como nos mamíferos, reduz a competição em termos reprodutivos entre pais e filhos. Assumem que para a descendência, na maioria dos casos, seria preferível ficar. Mas os pais ocupam uma posição hierárquica superior, e são estes que “decidem” da partida ou não dos filhos, e de qual dos sexos. E se os progenitores beneficiarem com a permanência dos filhos, mas não houver recursos suficientes para tamanha prole, poderão determinar a expulsão de alguns membros, até que o número de efectivos se “encaixe” nos recursos existentes. Assim, o sistema reprodutivo de aves e mamíferos está intimamente ligado com o tipo de competição entre os progenitores e as descendências masculina e feminina. Genericamente, nas espécies com um sistema de reprodução poligâmico ou promíscuo, a descendência masculina, se ficar em casa, tenderá a competir com o pai por fêmeas, enquanto a descendência feminina não é uma ameaça para nenhum dos progenitores. Já nos sistemas monogâmicos, seria de esperar que nem filhos nem filhas competissem com qualquer dos pais, precisamente porque estes são monogâmicos. Mas, como já vimos, as fêmeas das aves têm tendência à dispersão, o quer dizer: são expulsas pelos pais, enquanto as fêmeas dos mamíferos são toleradas. Porquê? Pelos seus diferentes modos de reprodução: postura versus gestação e nascimento. Nas aves, uma filha a quem seja permitida a permanencia junto dos pais, poderá enganar os pais colocando ovos no ninho da família, deixando assim os custos da nidificação para aqueles. Quanto às filhas dos mamíferos, estas não têm como esconder a gravidez e o nascimento aos pais, pelo que não os poderão enganar e, então, os pais nada têm a temer, em termos de competição reprodutiva com as filhas. Deste modo, segundo a Hipótese de Édipo temos quatro possibilidades: (1) nas aves monogâmicas, os progenitores expulsam as filhas, porque estas, apesar de não enganarem os pais quanto a cópulas, porque estes são monogâmicos, podem, no entanto, pôr os seus próprios ovos no ninho familiar, enganando ambos os pais. Os filhos, como não podem enganar os pais, são tolerados. (2) Nas aves poligínicas ou promíscuas, ambos os sexos da descendência são forçados a abandonar a área natal, porque ambos podem trair os progenitores. (3) Nos mamíferos monogâmicos, nem machos nem fêmeas descendentes podem enganar os progenitores, pelo que ambos os sexos tendem a ser tolerados no território dos pais. (4) Nos mamíferos poligâmicos ou promíscuos, a descendência masculina é expulsa porque poderão enganar o pai, acasalando com uma das fêmeas. As filhas, como não podem enganar os progenitores tendem a ficar em casa. A Hipótese de Édipo explica muitas contradições das outras hipóteses; no entanto, também tem a sua falha: não explica o facto de alguns descendentes abandonarem “de livre vontade” a área natal, o que se poderá ficar a dever à procura de melhores recursos ou para evitar a endogamia. Como sempre, a Natureza é equilibrada mas complexa. Nenhuma hipótese explica, por si só, todas as situações que podemos encontrar quando procuramos entender as diferenças entre sexos, em aves e mamíferos, quanto à dispersão ou à filopatria. Portanto, tendo em conta o papel que jogam tanto progenitores como descendência, e as variações que poderão ocorrer de acordo com a espécie, o sexo ou o indivíduo, devemos atender a que os animais, aves e mamíferos, se tenderão a dispersar, ou não, de acordo com a satisfação de três factores básicos: a redução da competição por recursos, a redução da endogâmia e a redução da conflitualidade entre progenitores e descendência. TROCAS GENÉTICAS 14 As trocas genéticas ocorrem com as mudanças ocasionais entres espécies, ou seja, é o procedimento pelo qual um gene sofre uma mudança estrutural. As trocas envolvem a adição, eliminação ou substituição de um ou poucos nucleotídeos da fita de DNA. A mutação proporciona o aparecimento de novas formas de um gene e, consequentemente, é responsável pela variabilidade gênica. Quando ocorre por adição ou subtração (mutações deletérias) de bases, altera o código genético, definindo uma nova sequência de bases, que consequentemente poderá alterar o tipo de aminoácido incluído na cadeia proteica, tendo a proteína outra função ou mesmo inativação da expressão fenotípica. Por substituição, ocorre em razão da troca de uma base nitrogenada purina (adenina e guanina) por outra purina, ou de uma pirimidina (citosina e timina) por outra pirimidina, sendo esse processo denominado de transição e a substituição de uma purina por uma pirimidina, ou vice-versa, denominada de transversão. Elementos Genéticos Transponíveis Elementos genéticos transponíveis são segmentosde DNA que têm a capacidade de mover de um local para outro (i.e. genes que saltam). Propriedades dos Elementos Genéticos Transponíveis Movimento aleatório Elementos genéticos transponíveis podem mover de uma molécula de DNA para qualquer outra molécula de DNA ou mesmo para outro local na mesma molécula. O movimento não é totalmente aleatório; há sítios preferenciais na molécula do DNA nos quais um elemento genético transponível irá se inserir. Não são capazes de auto-replicação Os elementos genéticos transponíveis não existem autonomamente (exceção – alguns fagos transponíveis) e assim, para serem replicados eles precisam ser parte de um outro réplicon. Transposição mediada por recombinação sítio-específica A transposição requer pouca ou nenhuma homologia entre a localização atual e o novo sítio. O evento de transposição é mediado por uma transposase codificada pelo elemento genético transponível. A recombinação que não requer homologia entre as moléculas recombinantes é chamada de recombinação sítio-específica ou ilegítima ou recombinação não homóloga. Transposição pode ser acompanhada de duplicação Em muitos casos a transposição do elemento genético transponível resulta na remoção do elemento do sítio original e inserção em um novo sítio. Entretanto, em alguns casos o evento de transposição é acompanhado pela duplicação do elemento genético transponível. Uma cópia permanece no sítio original e a outra é transportada para o sítio novo. CONSERVAÇÃO E MANEJO DE POPULAÇÕES E DE METAPOPULAÇÕES IN SITU E EX SITU Preocupados com as altas taxas de erosão de recursos genéticos e com a perda de componentes da biodiversidade e, mais ainda, interessados no incremento de esforços voltados à conservação dos recursos biológicos em todo o planeta, países, independentemente da sua condição episódica de usuário ou provedor de material genético, promoveram negociações, no âmbito do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (PNUMA), que resultou na adoção da Convenção sobre Diversidade Biológica. Recentemente, convencidos da natureza especial dos recursos fito-genéticos para a alimentação e a agricultura, conscientes de que esses recursos são motivo de preocupação comum da humanidade, cientes de sua responsabilidade para com as 15 gerações presentes e futuras e, finalmente, considerando a interdependência dos países em relação a esses recursos, os países aprovaram, no âmbito da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Tratado Internacional sobre Recursos Fito-genéticos para a Alimentação e a Agricultura, do qual o Brasil é um dos seus membros. Diversidade biológica ou biodiversidade são expressões que se referem à variedade da vida no planeta, ou à propriedade dos sistemas vivos de serem distintos. Engloba as plantas, os animais, os microrganismos, os ecossistemas e os processos ecológicos em uma unidade funcional. Inclui, portanto, a totalidade dos recursos vivos, ou biológicos, e, em especial, dos recursos genéticos e seus componentes, propriedade fundamental da natureza e fonte de imenso potencial de uso econômico. É também o alicerce das atividades agrícolas, pecuárias, pesqueiras,extrativistas e florestais e a base para a estratégica indústria da biotecnologia. A conservação global da biodiversidade significa maior segurança para os programas relacionados à produção agrícola e à conservação biológica, bem como para a segurança alimentar, constituindo-se em um componente essencial para o desenvolvimento sustentável e para a própria manutenção da diversidade genética das espécies com importância sócio-econômica atual e potencial. O Brasil, por sua própria natureza, ocupa posição de destaque dentre os países megabiodiversos. Conta com a mais diversa flora do mundo, número superior a 55 mil espécies descritas (24% do total mundial). Possui alguns dos biomas mais ricos do planeta em número de espécies vegetais - a Amazônia, a Mata Atlântica e o Cerrado. A Floresta Amazônica brasileira, com aproximadamente 30 mil espécies vegetais, compreende cerca de 26% das florestas tropicais remanescentes no planeta. O País conta ainda com a maior riqueza de espécies da fauna mundial e, também, com a mais alta taxa de endemismo. Dois de seus principais biomas, a Mata Atlântica e o Cerrado, estão relacionados na lista dos 25 hotspots da Terra, sendo que a Mata Atlântica encontra-se entre os cinco mais ameaçados. Uma em cada onze espécies de mamíferos existentes no mundo são encontrados no Brasil (522 espécies), juntamente com uma em cada seis espécies de aves (1677), uma em cada quinze espécies de répteis (613), e uma em cada oito espécies de anfíbios (630) e mais de 3 mil espécies de peixes, três vezes mais do que qualquer outro país. Muitas dessas são exclusivas para o Brasil, com 68 espécies endêmicas de mamíferos, 191 espécies endêmicas de aves, 172 espécies endêmicas de répteis e 294 espécies endêmicas de anfíbios. Esta riqueza de espécies corresponde a pelo menos 10% dos anfíbios e mamíferos, e 17% das aves descritos em todo o planeta. A composição total da biodiversidade brasileira não é conhecida e talvez nunca venha a ser na sua plenitude, tal a sua magnitude e complexidade. Nesse sentido, e considerando-se que o número de espécies existentes no território nacional, particularmente na plataforma continental e nas águas jurisdicionais brasileiras, - em grande parte ainda desconhecida, é elevado, é fácil inferir que o número de espécies, tanto terrestres quanto marinhas, ainda não identificadas, no Brasil, pode alcançar valores da ordem de dezena de milhões. Apesar dessas estimativas, a realidade é que o número de espécies conhecidas atualmente, em todo o planeta, está em torno de 1,7 milhões, valor que atesta o alto grau de desconhecimento da biodiversidade, especialmente nas regiões tropicais. Além disso, é interessante registrar que a maior parte dos conhecimentos sobre a biodiversidade no nível específico se refere a organismos de grande porte. O nosso conhecimento sobre outros organismos, a exemplo dos insetos, liquens, fungos e algas é ainda muito incipiente. A parcela da biodiversidade menos conhecida está localizada na copa das árvores, no solo e nas profundezas marinhas. Em relação aos recursos fitogenéticos, estimativas da FAO indicam a existência, em âmbito mundial, de cerca de 6,5 milhões de acessos de interesse agrícola mantidos em condição ex situ. Desse total, 50% são conservados em países desenvolvidos, 38% em países em desenvolvimento e 12% distribuídos nos Centros Internacionais de Pesquisa (IARCs), do Grupo Consultivo 16 Internacional de Pesquisa Agrícola (CGIAR). Os recursos genéticos são mantidos em condições in situ, on farm, e ex situ. A conservação in situ de recursos genéticos é realizada, basicamente, em reservas genéticas, reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável. Naturalmente, a conservação in situ de recursos genéticos pode ser organizada também em áreas protegidas, seja de âmbito federal, estadual ou municipal. As reservas genéticas, por exemplo, são implantadas e mantidas em áreas prioritárias, de acordo com a diversidade genética de uma ou mais espécies de reconhecida importância científica ou sócio-econômica. Teoricamente, essas reservas podem existir dentro de uma área protegida, de uma reserva indígena, de uma reserva extrativista e de uma propriedade privada, entre outras. Nos termos da Convenção sobre Diversidade Biológica, conservação in situ é definida como sendo a conservação dos ecossistemas e dos habitats naturais e a manutenção e a reconstituição de populações viáveis de espécies nos seus ambientes naturais e, no caso de espécies domesticadas e cultivadas,nos ambientes onde desenvolveram seus caracteres distintos. A conservação in situ apresenta algumas vantagens, tais como: (i) permitir que as espécies continuem seus processos evolutivos; (ii) favorecer a proteção e a manutenção da vida silvestre; (iii) apresentar melhores condições para a conservação de espécies silvestres, especialmente vegetais e animais; (iv) oferecer maior segurança na conservação de espécies com sementes recalcitrantes e (v) conservar os polinizadores e dispersores de sementes das espécies vegetais. Deve-se considerar, entretanto, que este método é oneroso, visto depender de eficiente e constante manejo e monitoramento, pode exigir grandes áreas, o que nem sempre é possível, além do que a conservação de uma espécie em um ou poucos locais de ocorrência não significa, necessariamente, a conservação de toda a sua variabilidade genética. A conservação on farm pode ser considerada uma estratégia complementar à conservação in situ, já que esse processo também permite que as espécies continuem o seu processo evolutivo. É uma das formas de conservação genética da agrobiodiversidade, um termo utilizado para se referir à diversidade de seres vivos, de ambientes terrestres ou aquáticos, cultivados em diferentes estados de domesticação. A conservação on farm apresenta como particularidade o fato de envolver recursos genéticos, especialmente variedades crioulas - cultivadas por agricultores, especialmente pelos pequenos agricultores, além das comunidades locais, tradicionais ou não e populações indígenas, detentoras de grande diversidade de recursos fito-genéticos e de um amplo conhecimento sobre eles. Esta diversidade de recursos é essencial para a segurança alimentar das comunidades. Dentre os principais recursos fito-genéticos mantidos a campo pelos pequenos agricultores brasileiros estão a mandioca, o milho e o feijão. Contudo, muitos recursos genéticos de menor importância para a sociedade "moderna" são também mantidos, podendo-se citar como exemplos uma série de espécies de raízes e tubérculos, plantas medicinais e aromáticas, além de raças locais de animais domesticados (suínos, caprinos e aves, entre outros). A manutenção desses materiais on farm, com ênfase para as variedades crioulas, envolve recursos nativos e exóticos adaptados às condições locais. Outra particularidade é que estas variedades crioulas, mesmo deslocadas de suas condições naturais, continuam evoluindo na natureza, já que estão permanentemente submetidas à diferentes condições edafoclimáticas. A conservação ex situ, por sua vez, envolve a manutenção, fora do habitat natural, de uma representatividade da biodiversidade, de importância científica ou econômico-social, inclusive para o desenvolvimento de programas de pesquisa, particularmente aqueles relacionados ao melhoramento genético. Trata da manutenção de recursos genéticos em câmaras de conservação de sementes (-20º C), cultura de tecidos (conservação in vitro), criogenia - para o caso de sementes recalcitrantes, (-196º C), laboratórios - para o caso de microorganismos, a campo (conservação in vivo), bancos de germoplasma - para o caso de espécies vegetais, ou em núcleos de conservação, para o caso de espécies animais. A conservação ex situ implica, portanto, a manutenção das espécies fora de seu habitat natural e tem como principal característica: (i) preservar genes por séculos; (ii) permitir que em apenas um local seja reunido material genético de muitas procedências, facilitando o trabalho do melhoramento genético; (iii) garantir melhor proteção à Dani Realce Dani Realce Dani Realce 17 diversidade intraespecífica, especialmente de espécies de ampla distribuição geográfica. Este método implica, entretanto, na paralisação dos processos evolutivos, além de depender de ações permanentes do homem, visto concentrar grandes quantidades de material genético em um mesmo local, o que torna a coleção bastante vulnerável. As três formas de conservação, in situ, on farm e ex situ, são complementares e formam, estrategicamente, a base para a implementação dos três grandes objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica: i) conservação da diversidade biológica; ii) uso sustentável dos seus componentes e iii) repartição dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos. A conservação on farm vem recebendo crescente atenção nos diversos fóruns internacionais relacionados à temática da conservação dos recursos genéticos. Nesse contexto, a Convenção sobre Diversidade Biológica, por meio das suas Conferências das Partes, tem dado especial atenção a essa questão, considerando que: i) o campo da agricultura oferece oportunidade única para o estabelecimento de ligação entre a conservação da diversidade biológica e a repartição de benefícios decorrentes do uso desses recursos; ii) existe uma relação próxima entre diversidade biológica, agronômica e cultural; iii) a diversidade biológica na agricultura é estratégica, considerando os contextos sócio-econômicos nos quais ela é praticada e as perspectivas de redução dos impactos negativos sobre a diversidade biológica, permitindo a conciliação de esforços de conservação com ganhos sociais e econômicos; iv) as comunidades de agricultores tradicionais e suas práticas agrícolas têm uma significativa contribuição para a conservação, para o aumento da biodiversidade e para o desenvolvimento de sistemas produtivos agrícolas mais favoráveis ao meio ambiente; v) o uso inapropriado e a dependência excessiva de agro-químicos têm produzido efeitos significativos sobre os ecossistemas, com impactos negativos sobre a biodiversidade; e, finalmente, os direitos soberanos dos Estados sobre seus recursos biológicos, incluindo os recursos genéticos para alimentação e agricultura. Esse posicionamento dos países nas Conferências das Partes tem permitido, além do estabelecimento de um programa de longo prazo voltado especificamente às atividades sobre agrobiodiversidade, um crescente avanço na discussão e implementação de ações relacionadas à conservação e promoção do uso dos recursos da biodiversidade agrícola. Nos últimos anos ocorreram, em âmbito mundial, importantes avanços relacionados à conservação e à promoção do uso dos recursos genéticos. Em junho de 1996, a Conferência Técnica Internacional sobre Recursos Fitogenéticos, realizada em Leipzig, Alemanha, no âmbito da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação – FAO, aprovou o Plano Global de Ação para a Conservação e a Utilização Sustentável dos Recursos Genéticos para a Agricultura e a Alimentação que tem, basicamente, como prioridades: (i) a Conservação in situ e o Desenvolvimento; (ii) a Conservação ex situ; (iii) a Utilização dos Recursos Fitogenéticos; e (iv) a Capacitação das Instituições Em novembro de 2001, foi aprovado, no âmbito da FAO, o Tratado Internacional de Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura que prevê, entre os seus objetivos, a conservação e o uso sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados de seu uso, em harmonia com a Convenção sobre Diversidade Biológica, para a sustentabilidade da agricultura e a segurança alimentar. No Brasil, o despertar da consciência conservacionista conta com mais de meio século de decisões políticas, influenciadas pela ciência e pela sociedade preocupadas com as condições do meio ambiente e, especialmente, com a conservação da flora e da fauna. Nas ultimas duas décadas tem havido um crescente envolvimento do Governo Federal, bem como uma maior conscientização da sociedade civil nos assuntos relativos à conservação da biodiversidade. Nas últimas décadas, as atividades ligadas à conservação dos recursos genéticos no País tiveram um considerávelimpulso, assegurando posição de destaque entre os países tropicais. Os avanços conduzidos por alguns órgãos de pesquisa, a exemplo da Empresa Brasileira de pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, particularmente por meio da EMBRAPA Recursos Genéticos e Biotecnologia, estão sendo fundamentais para o avanço do País na conservação e utilização dos 18 seus recursos genéticos. Paralelamente, o Brasil experimentou avanços significativos na implantação de Unidades de Conservação, ampliando fortemente a conservação in situ da biodiversidade e a promoção da utilização sustentável dos recursos genéticos nativos. A conservação on farm, apesar de ser um dos métodos mais tradicionais de conservação, é ainda bastante fragmentada no país, apesar dos recentes avanços experimentados nos últimos anos. Há de se reconhecer que a sociedade civil organizada exerce, atualmente, uma forte liderança na conservação on farm de recursos genéticos, promovendo não apenas o uso sustentável, mas também o intercâmbio de recursos genéticos entre os agricultores, dentro e entre comunidades. Neste contexto, deve-se destacar a relevância dos movimentos sociais (Movimento dos Pequenos Agricultores, Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e das ONGs, principalmente daquelas organizadas em redes, caso da Rede Ecovida e Rede Cerrado, por exemplo), que são considerados importantes atores na organização e articulação política e social das comunidades. Contudo, apesar desses avanços, deve-se reconhecer que a conservação dos recursos genéticos no País, um dos principais países de megadiversidade, está longe da condição ideal. Faltam inventários relativos às instituições (governamentais, não-governamentais e movimentos sociais) envolvidas na conservação in situ, on farm e ex situ de recursos genéticos (fauna, flora e microrganismos); representatividade, tanto em termos regionais quanto nos biomas; infraestrutura existente em cada coleção; nível de uso e intercâmbio de recursos genéticos, bem como informações sobre as necessidades e as medidas necessárias para a conservação desses materiais a curto, médio e longo prazos. INTRODUÇÕES INDESEJADAS DE ANIMAIS EXÓTICOS OU ALÓCTONES As espécies exóticas invasoras têm um significativo impacto na vida e no modo de vida das pessoas. O impacto sobre a biodiversidade é tão relevante que essas espécies estão, atualmente, sendo consideradas a segunda maior ameaça à perda de biodiversidade, após a destruição dos habitats, afetando diretamente as comunidades biológicas, a economia e a saúde humana. As espécies exóticas invasoras assumem no Brasil grande significado como ameaça real à biodiversidade, aos recursos genéticos e à saúde humana. Várias delas estão se disseminando e dominando, de forma perigosa, diferentes ecossistemas, ameaçando a integridade e o equilíbrio dessas áreas, e causando mudanças, inclusive, nas características naturais das paisagens. De acordo com a Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB, espécies exóticas invasoras são organismos que, introduzidos fora da sua área de distribuição natural, ameaçam ecossistemas, habitats ou outras espécies. Possuem elevado potencial de dispersão, de colonização e de dominação dos ambientes invadidos, criando, em conseqüência desse processo, pressão sobre as espécies nativas e, por vezes, a sua própria exclusão. A crescente globalização, a ampliação das vias de transporte, o incremento do comércio e do turismo internacional, aliado às mudanças no uso da terra, das águas e às mudanças climáticas decorrentes do efeito estufa, tendem a ampliar significativamente as oportunidades e os processos de introdução e de expansão de espécies exóticas invasoras nos diversos ecossistemas da terra. A disseminação de espécies exóticas leva a homogeneização dos ambientes, com a destruição de características peculiares que a biodiversidade local proporciona e a alteração nas propriedades ecológicas essenciais. Tais alterações são exemplificadas pelas modificações dos ciclos hídricos e de nutrientes, da produtividade, da cadeia trófica, da estrutura da comunidade vegetal, da distribuição de biomassa, do 19 acúmulo de serrapilheira, das taxas de decomposição, dos processos evolutivos e das relações entre plantas e polinizadores, além da dispersão de sementes. As espécies exóticas podem, ainda, gerar híbridos com espécies nativas, colocando-as sob ameaça de extinção. Em ecossistemas pobres em nutrientes, a presença de espécies invasoras cria, muitas vezes, condições favoráveis para o estabelecimento de outras espécies invasoras, que normalmente não se estabeleceriam. As plantas invasoras, em seu processo de ocupação, aumentam sua área de ocorrência e dominam e eliminam a flora nativa por competição direta. Os animais são eliminados ou obrigados a sair do local à procura de alimentos, antes abundantes pela diversidade de espécies existentes. Assim, lentamente as invasões biológicas vão promovendo a substituição de comunidades com elevada diversidade por comunidades monoespecíficas, compostas por espécies invasoras, ou com diversidade reduzida. Outros efeitos resultantes da ocorrência de plantas invasoras podem passar pela alteração de ciclos ecológicos, como regime de fogo; quantidade de água disponível; alteração da composição e disponibilidade de nutrientes; remoção ou introdução de elementos nas cadeias alimentares; alteração dos processos geomorfológicos; e mesmo pela extinção de espécies. As invasões biológicas podem se originar de introduções intencionais ou não intencionais, e causam danos ecológicos, econômicos, culturais e sociais. Ao longo dos últimos séculos muitas espécies foram intencionalmente introduzidas pelo homem a novos ambientes. As introduções são realizadas sempre com boas intenções. Em muitos casos elas são benéficas, a exemplo da maioria das espécies cultivadas, de muitas plantas ornamentais e de alguns organismos para controle biológico. Muitas espécies, entretanto, se tornam invasoras, cujos impactos negativos se sobressaem a eventuais benefícios. Por meio de estudos realizados nos Estados Unidos da América, Reino Unido, Austrália, Índia, África do Sul e Brasil, concluiu-se que os custos decorrentes da presença de espécies exóticas invasoras nas culturas agrícolas, em pastagens e nas áreas de florestas atingem cifras anuais da ordem de US$ 250 bilhões. Adicionalmente, os custos ambientais nesses mesmos países chegam a US$ 100 bilhões anuais. Uma projeção mundial dessas cifras indica que as perdas globais anuais decorrentes do impacto dessas espécies ultrapassa US$ 1,4 trilhões, aproximadamente 5% do PIB mundial. Considerando-se esses valores, estima-se que no Brasil esse custo pode ultrapassar os US$ 100 bilhões anuais. Esse montante pode ainda sofrer aumento significativo, especialmente, se incluirmos os custos relacionados às espécies que afetam a saúde humana. Nos Estados Unidos da América, as estimativas de custo, considerando apenas os prejuízos e os gastos com o controle de espécies exóticas invasoras, são da ordem de US$ 137 bilhões ao ano. Se valores monetários pudessem ser atribuídos à extinção de espécies, à perda de biodiversidade e aos serviços proporcionados pelos ecossistemas, o custo decorrente dos impactos negativos gerados pela presença das espécies exóticas invasoras seria muitas vezes maior. 20 Dados indicam que mais de 120 mil espécies exóticas de plantas, animais e microorganismos já foram introduzidas nos seis países acima mencionados. Com base nesses números, estima-se que um total aproximado de 480 mil espécies exóticas já foram introduzidas nos diversos ecossistemas da Terra. Considera-seque mais de 70% dessas introduções ocorreram como resultado de ações humanas. Se imaginarmos que 20 a 30% dessas espécies introduzidas são consideradas pragas e que estas são as responsáveis pelos grandes problemas ambientais enfrentados pelo homem, é fácil imaginar o tamanho do desafio que, forçosamente, temos de enfrentar para o controle, monitoramento, mitigação e, eventualmente, a erradicação dessas espécies de ambientes naturais. Desde o ano de 1600, as espécies exóticas invasoras já contribuíram com 39% das extinções de animais cujas causas são conhecidas. No caso das plantas, por exemplo, alguns autores, na década de 1970, quantificaram que os prejuízos econômicos na produção agrícola, decorrentes da ação de espécies invasoras eram da ordem de 11,5% em regiões temperadas. Já em regiões tropicais, a redução da produção se situava entre os 30 e 40%. Outros autores, na década de 1980, estimaram que essas perdas eram da ordem de 10% da produção agrícola mundial. Os prejuízos causados por espécies exóticas invasoras às culturas, pastagens e áreas de florestas na América do Sul excedem a muitos bilhões de dólares ao ano. Na Argentina, por exemplo, o gasto relacionado ao controle da mosca das frutas ultrapassa os US$ 10 milhões de dólares anuais, além da perda adicional anual de 15 a 20% da produção de frutas. Essas perdas equivalem a US$ 90 milhões de dólares ao ano, sem contabilizar os impactos econômicos e sociais indiretos gerados com a redução da produção e a perda de mercados de exportação. Na Nova Zelândia, por outro lado, onde todos os materiais postais são examinados visando prevenir a entrada de material biológico, conseguiu-se reduzir a tal ponto os prejuízos decorrentes da mosquinha-das- frutas que o saldo positivo da produção agrícola paga todo o sistema de inspeção. No Rio Grande do Sul, a espécie Eragrostis plana (capim-annoni) ameaça os sistemas seculares de produção bovina em função da perda da cobertura vegetal nativa, composta por diversas espécies de gramíneas, leguminosas e outras famílias importantes na composição dos campos naturais. Estima-se que dos 15 milhões de hectares de campos naturais presentes no estado do Rio Grande do Sul, cerca de três milhões já estejam invadidos por essa gramínea africana, com prejuízos de mais de US$ 75 milhões anuais à pecuária do Estado. Atualmente essa espécie já está presente nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná e vem se disseminando para outras regiões. Ainda na Região Sul do Brasil, as espécies Tecoma stans (amarelinho) e a Houvenia dulcis (uva do japão), entre outras, vem desenvolvendo, no estado do Rio Grande do Sul, um crescente processo de invasão. No estado do Paraná, a planta Tecoma stans encontra-se disseminada em mais de 170 dos 393 municípios do Estado, estando já registrada como invasora em 85 deles, com seu cultivo e uso proibidos no Estado. Sua presença está confirmada em cerca de 50 mil hectares de pastagens, dos quais 15 mil já estão totalmente improdutivos. Ao considerar a fauna invasora, vale registrar a crescente disseminação da Achatina fulica (caracol gigante africano), atualmente presente no Distrito Federal e 21 em mais 23 estados brasileiros. Outros exemplos que estão trazendo sérias preocupações aos governos estaduais se referem às espécies Sus scrofa (javali), Aedes aegypti (mosquito da dengue) e Callithrix jacchus (sagüi). Nos ambientes aquáticos, destacam-se as macrófitas exóticas que causam inúmeros problemas para os diversos usos da água em diferentes regiões do país. Os problemas envolvem desde o acumulo de lixo e outros sedimentos até a proliferação de vetores patogênicos, além das dificuldades relacionadas à navegação, à geração de energia, à distribuição de água à populações humanas, à irrigação, à recreação e à pesca, com prejuízos ao turismo regional, bem como perda de receita e empobrecimento dos municípios. De fato, espécies exóticas invasoras geram graves conseqüências em ambientes aquáticos continentais em todo o mundo, com destaque para: a invasão da Perca do Nilo (Lates niloticus), no Lago Victoria, na África, que, junto com a tilápia- do-Nilo (Oreochromis niloticus), causou a extinção de centenas de espécies nativas de peixes; do Mexilhão Zebra (Dreissena polymorpha) e da Lampréia (Petromyzon marinus), nos Grandes Lagos da América do Norte, que resultou no colapso da pesca comercial nessa região. Alguns estudos quantificaram as perdas econômicas associadas à introdução de 13 espécies exóticas invasoras no Canadá e obtiveram uma estimativa anual da ordem de 187 milhões de Dólares Canadenses. Em ambientes aquáticos, a invasão de moluscos e da lampréia marinha provocam perdas anuais de 32,3 milhões de Dólares Canadenses. É importante considerar que o custo de controle e manejo de espécies exóticas invasoras em um novo ambiente é elevado. Portanto, investimentos em ações de prevenção de futuras introduções podem evitar a perda de bilhões de dólares à agricultura, à floresta e a ecossistemas naturais e manejados e à saúde humana. Ao contrário de muitos problemas ambientais que se amenizam com o passar do tempo, a contaminação biológica tende a se multiplicar e se espalhar, causando problemas de longo prazo que se agravam e não permitem a recomposição natural dos ecossistemas afetados. Essas degradações ambientais colocam em risco atividades extrativistas e outras atividades econômicas ligadas ao uso dos recursos naturais. Reconhecendo a importância do problema das invasões biológicas, o Brasil, por meio do Ministério do Meio Ambiente - MMA, e em estreita articulação com os diferentes setores da sociedade, vem desenvolvendo, desde 2001, uma série de ações relacionadas à prevenção de novas introduções; detecção precoce; erradicação; controle/manejo; e monitoramento de espécies exóticas invasoras que podem afetar ecossistemas, habitas e espécies nativas. Estas ações dizem respeito à revisão e ao desenvolvimento de normativas relacionadas à matéria, realização de inventários das espécies exóticas ocorrentes nos diversos ecossistemas brasileiros, inclusive no âmbito de bacias hidrográficas, discussão sobre a elaboração de lista oficial de espécies exóticas invasoras em âmbito nacional e estímulo à abertura de linhas de financiamento para ações de controle, bem como atividades de pesquisa. Certos ambientes parecem ser mais suscetíveis que outros à invasão, especialmente quando degradados. Além da maior suscetibilidade de alguns ambientes, 22 existem espécies cujas características facilitam o seu estabelecimento em novas áreas. A ecologia das espécies invasoras é um tema complexo, que envolve desde os mecanismos de entrada e dispersão destas espécies, passando pelas características biológicas que as tornam invasoras, relação entre as atividades humanas e sua disseminação, impactos sócio-econômicos (positivos ou negativos) que causam, até os aspectos legais e técnicas de manejo. Em razão da complexidade dessa temática, as espécies exóticas invasoras envolvem uma agenda bastante ampla, com ações interinstitucionais e multidisciplinares. Ações de prevenção, erradicação, controle e monitoramento são fundamentais e exigem o envolvimento e a convergência de esforços dos diferentes órgãos dos governos federal, estadual e municipal envolvidos no tema, além do setor empresarial e das organizações não-governamentais. A implementação da presente Estratégia Nacional deverá contribuir decisivamente para a prevenção de novas introduções, bem como para a mitigação dos impactos decorrentes da presença de espécies exóticas invasoras aos diferentes biomas do país ou às suas diferentes
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