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Pós-colonialismo, cultura, migração e xenofobia O século XX foi um período de profundas transformações de caráter político, econômico e social. Este rápido processo na história do mundo explicitou uma nova divisão internacional do trabalho, a transnacionalização da produção e do consumo, o multiculturalismo, a diluição de fronteiras e a pretensa multipolaridade de um mundo que até então era bipolar, e um pouco antes disso, imperial. No contexto marcante que tinha como base a descolonização de grandes continentes (Ásia e África), uma drástica mudança no cenário geopolítico internacional que significou a libertação do domínio europeu, uma reflexão dos regimes coloniais e das consequências até então desconhecidas dos fenômenos ocorridos fez emergir análises e estudos voltados ao novo cenário mundial advindo do falido colonialismo. Tomando grandes proporções e delineando uma nova corrente teórica, o Pós-Colonialismo nasceu. Segundo Zachariah (2013), em uma visão otimista, o pós-colonialismo nasceu buscando desconstruir modos eurocêntricos de ler e escrever a história. Nesse sentido, não apenas se posiciona como cronologicamente posterior ao período colonial, mas também como uma alternativa às formas como, mesmo atualmente, ainda se constroem pensamentos – inclusive sobre o Sul Global – baseados em um passado colonial, negligenciando a riqueza de culturas, identidades, subjetividades que os povos dessa região do mundo possuem – ademais da própria capacidade de interpretação e fala que esses dispõem. Homi K. Bhabha (2019) também irá trazer sua definição, que nos diz que nossa existência hoje é marcada por uma tenebrosa sensação de sobrevivência, de viver nas fronteiras do ‘presente’ , para as quais não parece haver nome próprio além do atual e controvertido deslizamento do prefixo ‘pós’”. Embora seja muitas vezes interpretado de forma pessimista, como vemos na fala de Homi K. Bhabha, O pós-colonialismo, segundo Charlotte Epstein (2014), oferece, antes de mais nada, um lugar de onde teorizar. Oferece uma perspectiva situada, em que o lugar da teorização (...) é inseparável do quê. Em segundo lugar, a perspectiva pós-colonial enfatiza a importância de um encontro original, talvez nem sempre violento, mas necessariamente traumático, em termos das profundezas das mudanças postas em movimento, entre um eu e um outro muito diferente (...). Terceiro, as perspectivas pós-coloniais enfatizam até que ponto as relações de poder sustentam a normatização do internacional. Essa preocupação com a forma como o poder influencia as ordens internacionais ideológicas requer, em quarto lugar, uma mudança do conceito estático de normas para a captura dos processos dinâmicos de normalização; ou as maneiras pelas quais determinados comportamentos foram inicialmente estabelecidos como normais e outros descartados como inaceitáveis. (...) Em sexto lugar (...), a experiência da diferença é colocada em primeiro plano (...) centralmente nas problematizações da identidade, subjetividade e agência (...)". O pós-colonialismo, por mais que tenha alcançado diversas áreas das ciências humanas e sociais, abrindo caminhos à debates nunca antes pensados, ele foi durante muito tempo ignorado no âmbito das Relações Internacionais como disciplina, ausentando-se de debates teóricos maiores e das grades curriculares, assim como dos manuais e revistas especializadas deste campo de estudos. O expresso pensamento de Kenneth Walz (1979) onde este discorre que seria (...) ridículo construir uma teoria da política internacional baseada na Malásia e na Costa Rica (...), mostra-nos que sempre existiu uma falta de diálogo entre o pós-colonial e a Teoria das Relações Internacionais, e isto pode ser explicado por duas razões: por um lado, pelo fato de os estudos pós-coloniais estão relacionados aos chamados estudos culturais e encontram certa resistência em transcendê-lo; porém, apenas articulando-se com os primordiais estudos de economia política internacional se torna possível a elaboração de uma crítica ao capitalismo global. De outro lado, o establishment protecionista e conservador das Teorias das Relações Internacionais recusando-se em reconhecer uma abordagem que, epistêmica e politicamente, revoluciona a maior parte de seus pressupostos centrais. É um fato que as Relações Internacionais e sua produção teórica fazem eco ao Realismo e limita-se às suas preocupações tradicionais, ainda que readequadas aos novos tempos, mas “e se as Relações Internacionais mudassem sua visão usual (...) que não começassem com Estados, organizações fundamentalistas, estratégias, questões convencionais de segurança e um sistema de armas, e não com o objetivo de estabelecer as causas da guerra, como frequentemente é o caso? E se pensarmos (...) que até o momento, grande parte das RI têm operado confortavelmente em um mundo de abstrações teóricas – Estados, sistemas, equilíbrios de poder, partes interessadas, tomadores de decisão, paz, guerra – deixando tacitamente as pessoas e a guerra para jornalistas, romancistas, memorialistas, socorristas, antropólogos, estudos das mulheres e história social para dar corpo (...) negligenciando os elementos humanos para a política estratégica e de interesse” Christine Sylvester (2012, p. 483-484), que tal olharmos além dessa forma tradicional de ver o sistema? Acerca da segunda parte da aula, pensando na questão pós-colonialista, nos locais de fala e no chamado terceiro mundo, iniciamos o debate de migração x refúgio e xenofobia. Apesar de ser cada vez mais comum os termos “refugiado” e “migrante” serem usados abertamente como sinônimos, diferenciá-los é estritamente importante, pois além de haver uma diferença legal crucial entre os dois, confundi-los traz consequências para a vida e a segurança de pessoas refugiadas. Entendendo que as definições guardam diferenças fundamentais entre si, carregando uma série de direitos e deveres próprios, iniciaremos discorrendo sobre o refugiado. Os refugiados, de acordo com a ACNUR (2016), são pessoas que deixam seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, opinião política, ou pertencimento a um determinado grupo social e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. Ou ainda, pessoas que estão fora de seu país de origem devido a conflitos, violência ou outras circunstâncias que perturbam seriamente a ordem pública e que, como resultado, necessitam de “proteção internacional”. Quanto aos migrantes, são compreendidos por pessoas que migram voluntariamente; por exemplo, alguém que cruza uma fronteira em busca de melhores oportunidades econômicas. Este não é o caso dos refugiados, que não podem retornar às suas casas em segurança e, consequentemente, têm direito a proteções específicas no escopo do direito internacional. Mantendo a clareza sobre as causas e o caráter dos dois movimentos, destacando também as obrigações devidas às pessoas refugiadas, é importante que se diferencia ambos os conceitos, pois tratando essas definições como sinônimos retira o foco de proteções legais e das necessidades específicas vivenciadas por pessoas refugiadas, como proteção contra a devolução e contra ser penalizado por cruzar fronteiras para buscar segurança sem autorização. Procurar refúgio é legal e é um direito humano universal. (ACNUR, 2016) Referências utilizadas: Slides de aula, bem como as referências usadas nestes. https://www.acnur.org/portugues/2016/03/22/refugiados-e-migrantes-perguntas-frequentes/
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