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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ Curso de Licenciatura em História – Campus EAD MARCELO DORZÉE DOS SANTOS A REPRESENTAÇÃO DO CANGAÇO NAS PESQUISAS ACADÊMICAS: A figura de Lampião e sua dualidade enquanto herói e vilão RIO DE JANEIRO Novembro – 2021 MARCELO DORZÉE DOS SANTOS A REPRESENTAÇÃO DO CANGAÇO NAS PESQUISAS ACADÊMICAS: A figura de Lampião e sua dualidade enquanto herói e vilão Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de História da Universidade Estácio de Sá, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura em História Orientação: MARCELO DE ALMEIDA RIO DE JANEIRO Novembro – 2021 MARCELO DORZÉE DOS SANTOS A REPRESENTAÇÃO DO CANGAÇO NAS PESQUISAS ACADÊMICAS: A figura de Lampião e sua dualidade enquanto herói e vilão Aprovada em: _/_/_ Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de História da Universidade Estácio de Sá, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura em História. Orientação: MARCELO DE ALMEIDA BANCA EXAMINADORA ________________________________ Orientador: Prof. ________________________________ Avaliador: Prof. Ms. ________________________________ Avaliador: Prof. Dr. RIO DE JANEIRO Novembro – 2021 RESUMO Lampião é uma das figuras mais importantes e controversas da história do sertão brasileiro. Apesar de toda a dualidade de sua existência, ora bandido, ora herói, representa um dos maiores meios pelos quais a cultura e a vivência desses povos são difundidas pelo Brasil e até mesmo pelo mundo. O objetivo geral da pesquisa que aqui se apresenta é realizar uma análise teórica sobre a figura do Lampião e a ambiguidade histórica que se associa a sua passagem e a formação do cangaço no sertão nordestino do Brasil. Os objetivos específicos se relacionam com a contextualização do cangaço, de Lampião e a da importância de trazer essas discussões para as salas de aula do Brasil. A metodologia de pesquisa é descritiva e qualitativa, podendo ser classificada como uma pesquisa bibliográfica. Os resultados demonstram não ser possível associar a imagem e a história de Lampião a de um bandido e nem tão pouco a de um herói, uma vez que sua existência é muito mais complexa do que essas definições, bem como ocorre com o sertão e o povo que nele vive, que não podem ser apenas associados a seca, violência e cordel. Palavras-chave: História; Cultura; Sertão; Cangaço; Lampião. ABSTRACT Lampião is one of the most important and controversial figures in the history of the Brazilian hinterland. Despite all the duality of its existence, now bandit, now hero, it represents one of the greatest ways in which the culture and experience of these peoples are spread throughout Brazil and even around the world. The general objective of the research presented here is to carry out a theoretical analysis of the figure of Lampião and the historical ambiguity associated with its passage and the formation of cangaço in the northeastern hinterland of Brazil. The specific objectives are related to the contextualization of Lampião's cangaço and the importance of bringing these discussions to classrooms in Brazil. The research methodology is descriptive and qualitative and can be classified as a bibliographic research. The results show that it is not possible to associate Lampião's image and story with that of a bandit and neither with that of a hero, since its existence is much more complex than these definitions, as well as with the sertão and the people who live in it, which cannot only be associated with drought, violence and string. Keywords: Story; Culture; Sertão; Cangaço; Lampião. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 06 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 07 2.1 O cangaço nas pesquisas acadêmicas brasileiras 07 2.2 Lampião: uma figura controversa 09 2.3 A importância das questões sociais para a formação dos alunos modernos 11 3 METODOLOGIA 15 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 17 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 20 REFERÊNCIAS 21 6 1 INTRODUÇÃO Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião, é o principal e mais famoso cangaceiro do Brasil. Era chamado de "Rei do Cangaço" e foi uma figura simbólica em torno do sertão nordestino, tendo sua história moldada pela violência e pela injustiça, principalmente tendo os pais assassinados e esquecidos, mas que também viveu introduzindo terror e guerra por onde passava. Pelas suas inúmeras façanhas e polêmicas em várias cidades do Nordeste pelas quais passou, esse personagem acaba se confundindo, mesclando-se com realidade e ficção. O protagonista de várias tramas às vezes é cultuado como bandido, às vezes um herói, isso porque era, de fato, uma figura ambígua que às vezes atuava em nome da justiça social e às vezes legislava através da violência em causa própria. O objetivo geral desta pesquisa é realizar uma análise teórica sobre a figura do Lampião e a ambiguidade histórica que se associa a sua passagem e a formação do cangaço no sertão nordestino do Brasil. Os objetivos específicos se relacionam com a contextualização do cangaço, de Lampião e a da importância de trazer essas discussões para as salas de aula do Brasil. 7 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O capítulo tem como finalidade apresentar os resultados da pesquisa teórica realizada sobre o tema em questão, visando trazer as bases bibliográficas sobre o cangaço, a figura de Lampião e a História Local e seus impactos no processo de ensino brasileiro. 2.1 O cangaço nas pesquisas acadêmicas brasileiras O cangaço, inicialmente, deve ser definido como uma parte integrante extremamente significativa para a história e para a cultura do país. Porém, ainda existe muita desinformação, ou até mesmo falta de interesse, nas discussões e representações desse espaço e dessas pessoas, sobretudo no meio acadêmico. Clemente (2007) contribui para a presente discussão pontuando que o cangaço não deixa de ser citado e discutido no ambiente acadêmico, porém ainda existem diversas lacunas nessas pesquisas que não são preenchidas, gerando uma representação extremamente estereotipada do nordeste brasileiro, principalmente do sertão, e das pessoas que nele vivem. Contribuindo, assim, para a associação do sertão apenas a violência, sofrimento, seca e pobreza. A riqueza cultural dessa região é, na verdade, inegável. O sertão foi o palco de uma das maiores revoluções da história do Brasil: o cangaço. Clemente (2007) define o cangaço como o maior fenômeno de manifestação social e cultural da região do nordeste, sobretudo do sertão. Discute-se que sua duração pode ter sido significativamente maior, tendo sua origem remetida até mesmo ao século XVIII, porém seu auge é associado ao período que compreende a 1870 e 1940. Para que essa origem seja discutida, torna-se importante pontuar que durante o século XVIII a economia da região nordeste do país estava altamente ligada à produção do açúcar viabilizada pela mão de obra escrava, 8 principalmente na parte do Litoral da região e com o objetivo de exportar o produto. Os frutos desse processo geraram a expansão das terras utilizadas para esse cultivo, bem como da mão de obra necessária, fazendo com que o cultivo do açúcar e a mineração passassem a fazer parte do cenário nordestino e do sertão (BARROS, 2018). Bem como todo o restante do país, as terras que hoje compreendem ao sertão foram tomadas do povo nativo ao longo do processo violento de colonização do país. A região passou a ser utilizada para a criação de animais, principalmente debois, a cultura do charque e para a produção de couro (BARROS, 2018). Cita-se ainda que a importância do couro não se associa apenas a um material de produção e comercialização, mas sim de um dos aspectos mais característicos da cultura do sertão, uma vez que era amplamente utilizado pelos trabalhadores da região como forma de proteção do sol extremo, da vegetação rasteira e até mesmo de insetos e pequenos animais que fazem parte do ecossistema da caatinga (BARROS, 2018). O começo do século XIX é marcado pelo trabalho dos chamados “homens livres”, sobretudo escravos libertos que sem opções de moradia e de ocupação, seguiam trabalhando nas fazendas da região em troca, geralmente, de alimentação e moradia. Os senhores das terras continuavam ocupando suas fazendas e conflitando entre si por poder, maiores extensões de terra, meios de produção e parcela de participação no comércio interno e externo. É justamente nesse cenário que surgem os grupos que podem ser denominados como milicianos que agiam de forma privada em defesa dos interesses desses senhores, grupos compostos por jagunços e cangaceiros menos engajados (BARROS, 2018). Segundo Domingues (2017) essa ocupação estava acima da classificação tradicional de um emprego, uma vez que as consequências e os benefícios associados à atuação dos cangaceiros faziam com que esse fosse um estilo e uma escolha de vida que tendia a acompanhar esses indivíduos ao longo de toda a sua vida. Exemplificando essa realidade, coloca-se a forma como o cangaceiro que servia ao senhor das terras tornava-se imune as 9 consequências legais e aplicações de penas públicas por seus atos, mesmo que eles fossem atos criminosos. Assim, o sertão foi sendo tomada pela violência, impunidade, concentração de renda e fome, fatores associados a seca que afetava de maneira extremamente grave as populações que viviam nessa região. O cangaço, como bem coloca Domingues (2017), tem sua origem associada a outro fenômeno social chamado de “banditismo social” que faz referência aos diversos grupos independentes que, sem o apoio e proteção dos senhores de fazenda, dominavam pequenos pedaços de terra e com suas armas sobreviviam por meio de furtos e até mesmo mortes encomendadas. Mais tarde, esse processo de independência dos grupos armados de um senhor de terra em específico deu origem a um dos maiores marcos da história do Brasil: o cangaço. Esse movimento era composto, sobretudo, por todo e qualquer indivíduo que tinha dentro de si algum tipo de revolta muito marcante frente ao sistema que regia a sociedade da época, geralmente associada aos maus tratos, à fome e a violência das quais as pessoas eram vitimadas no sertão castigado pela seca (DOMINGUES, 2017). 2.2 Lampião: uma figura controversa Virgulino Ferreira da Silva, popularmente conhecido como Lampião, nasceu em 4 de junho de 1898, num sítio localizado em Vila Bela, sertão pernambucano. Era filho de uma família de lavradores e criadores. Fora as histórias e a representação de Lampião enquanto homem, poucas são as informações divulgadas sobre ele enquanto criança e adolescente, apenas a forma como era associado a uma pessoa inteligente por uma temporada que passou estudando com um primo letrado enquanto ainda era um adolescente (GRUNSPAN-JASMIN, 2006). Das profissões e ocupações associadas Virgulino ficam o exercício do comércio, sobretudo de rapadura e farinha, o vaquejo e até mesmo sua atuação como almocreve. Sua imagem é marcada por passagens curtas e 10 longas em todas as partes do Nordeste brasileiro: Pajeú, Salgueiro, Frei Miguelinho, Exu e Nazaré (GRUNSPAN-JASMIN, 2006). Entre seus talentos, Virgulino pode ser facilmente associado a um artista, uma vez que dominava a poesia, o violino, a sanfona e até mesmo a lida com os animais. Porém, a história do nascimento de Lampião é a resposta de uma das maiores tragédias que assolaram a vida dele. Essa história começa com um desentendimento entre a família de Lampião e a família que ocupava um sítio vizinho, chamados Nogueira. Por algumas unidades de gado que se desconfiava que haviam sido roubados pela família de Lampião, se desenvolveu um grande conflito que resultou no assassinato dos pais de Lampião pelas mãos de policiais (GRUNSPAN-JASMIN, 2006). Mesmo lutando e locomovendo-se pelo sertão e pelo Nordeste em busca de alguma autoridade que pudesse trazer justiça ao assassinato dos pais, Virgulino acumulou apenas uma série de humilhações e violências, confirmando a ideia de que não existiria nenhum tipo de justiça para uma família pobre originaria de um sítio distante. A fúria fez nascer de Virgulino a figura de Lampião que viria a ser conhecido nacionalmente (GRUNSPAN- JASMIN, 2006). Virgulino Ferreira tornou-se Lampião após ingressar no banditismo em 1921. Fazia parte do bando comandado por Sinhô Pereira, um dos cangaceiros mais assustadores do Nordeste. Virgulino atirava tão rápido, que iluminava a noite num tiroteio, assim recebeu o apelido em referência ao lampião a gás. Como integrante da quadrilha Sinhô Pereira, aprendeu a sobreviver no Cangaço, a esconder seus rastros, a evitar conflitos com a polícia e a se comportar em um ataque. Com a saída de Sinhô Pereira do cangaço, Lampião tornou-se o líder do bando em julho de 1922 (BARROS, 2018). O método de ação do bando era atacar cidades e propriedades em busca de riqueza. A pilhagem, a venda de proteção, o roubo e os sequestros eram os principais “negócios” dos cangaceiros. Além desses “negócios”, eram considerados a “milícia do coronelismo”; ou seja, serviam aos grandes latifundiários denominados coronéis; que detinham na época da República velha o poder local. Os cangaceiros tomavam as terras dos inimigos políticos e 11 vingavam desavenças pessoas que estes coronéis tivessem. A reputação do bando gerou um medo generalizado do cangaço que obrigava as pessoas a pagar para evitar serem atacadas (BARROS, 2018). Com a instauração do Estado Novo em 1937 por Getúlio Vargas, o poder local dos coronéis deixa de existir. Desta forma, com a perda da proteção dos coronéis, dos grandes fazendeiros, políticos e policiais corruptos, a presidência do País determina que os governadores aniquilem os cangaceiros. A morte de Lampião ocorreu por meio de uma emboscada. Ao chegar com o seu bando, em 27 de julho de 1938, na fazenda Angicos localizada em Sergipe, foram surpreendidos por um grupo armado que realizou a execução de todos. Lampião levou três tiros que o mataram no local, sendo posteriormente decapitado e tendo sua cabeça exposta pelas regiões por onde ele passava. 2.3 A importância das questões sociais para a formação dos alunos modernos Para que a presente discussão seja iniciada, torna-se necessário pontuar que é justamente por meio do ensino e da presença da História Regional que a formação cultural dos alunos pode ser viabilizada. Como bem coloca Bittencourt (2018), segue sendo função das unidades escolares realizarem essa ponte de conexão entre o aluno e a cultura, não apenas do seu país, mas, sobretudo com a sua região. Entretanto, o processo de demonização das ciências humanas que seguem ocorrendo no Brasil, motivadas, principalmente, pelo retorno de ideologias conservadoras e de posicionamentos anticientíficos vem reduzindo tais matérias. A História, Geografia, Sociologia e Filosofia eram obrigatórias na grade escolar curricular apenas nas fases correspondentes ao ensino médio. Ainda assim, aquela especificação já trazia grandes malefícios para o ensino das matérias que compreendem essa área. Isso porque o(a) aluno(a) costuma 12 chegar ao ensino médio com muitas ideias fixas, ideologias prontas e verdades consideradas absolutas por eles. Todas essas ideias derivam de conhecimentos, vivências e influências adquiridas durante todos os anos anterioresde sua formação, não só acadêmica como também pessoal. Porém, por meio da Reforma da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), gerando o chamado Novo Ensino Médio, o ensino das humanidades tende a ficar ainda mais prejudicados e ameaçados. Isso porque a diretriz mais marcante desse novo formato é a “flexibilização do currículo”, ou seja, a retirada da obrigatoriedade das matérias de uma determinada área de estudo, sendo Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Sociais e Humanas, ao passo que apenas as Linguagens e a Matemática seguem sendo obrigatórias. O tempo retirado de algumas dessas áreas será revertido em ensino técnico, ofertado na unidade escolar e dentro do ensino regular SANTOS; MARTINS, 2021). O que, como bem foi supracitado no presente trabalho, compreende na completa retomada de um sistema de educação declaradamente focado em formar mão de obra qualificada e reduzir a capacidade crítica e a autonomia desses(as) alunos(as). O educador Freire (2004), discorre sobre a forma como a educação é um dos principais pilares sociais. No que se refere aos elementos teóricos que precisam ser abordados na construção de uma educação autônoma, Freire (2004), pontua, sobretudo: liberdade, autoridade, autoconhecimento, amadurecimento e pensamento crítico. Apenas com a união desses fatores, sendo as mesmas pautas constantes na formação acadêmica e pessoal dos(as) estudantes, seria possível formar um(a) cidadão(ã) capaz de ser o(a) principal autor(a) de seu conhecimento e da sua educação. Logo, é possível que haja a compreensão da forma como ensinamentos tão necessários e complexos, como o ensino da História Regional, ficam extremamente afetados e ameaçados. Siqueira (2012) pontua que a História Regional compreende em uma das vertentes da história que visa colocar a região em que a unidade escolar e o aluno em questão estão inseridos como objeto principal dos estudos realizados. 13 Associando essas considerações com o tema em questão é impossível não citar a amplitude e riqueza da cultura nordestina, na qual está inserida a figura de Lampião, como uma fonte rica de conhecimento sobre as origens e a formação do Brasil como um todo. Coloca-se ainda que o ensino da História Regional possibilita o conhecimento amplificado do aluno com o espaço físico e cultural no qual vive, de modo que possa realizar reflexões críticas sobre a cultura e a regionalidade de outros espaços nacionais e internacionais. Dessa forma, pontua-se que a História Regional contribui para a ampliação do olhar histórico-social dos alunos, bem como compõem o senso crítico que um sistema de ensino emancipador visa desenvolver em seus alunos (SIQUEIRA, 2012). Em suas análises Gusmão (2015) alega que a consolidação das ideologias capitalistas moldou a educação para que ela se tornasse o que é hoje, visando formar jovens para o mercado de trabalho e para cumprirem suas funções econômicas e políticas como cidadãos do sistema. Seguindo essa diretriz a escola se tornou um ambiente que preza pela objetividade e pela adoção de sistemas metódicos, o aluno assiste à aula, resolve exercícios, assiste a correção dos mesmos, estuda o conteúdo passado, realiza a prova e assim vai avançando de série. Essas metodologias de ensino padronizadas causam uma sensação extremamente limitadora para os alunos que são submetidos a elas. As matérias lecionadas nas salas de aula são tratadas de maneira extremamente distante e poucas vezes fazem alusão à realidade real e ao cotidiano desses alunos. Como sendo a última matéria das ciências humanas, a sociologia chega às escolas na década de 90 e se alia as demais matérias do currículo na difícil função de distanciar o aluno do conhecimento geral e fazer com que ele passe a prestar atenção na sociedade em que está inserido e nos processos derivados da relação entre os homens e essa sociedade. Todas as matérias que compreendem as Ciências Humanas são fundamentais para a formação do aluno, principalmente em um contexto moderno. Isso se dá devido ao fato de que todo e qualquer tipo de educação é de natureza política por se tratar de um processo social. Apesar de parecer 14 mais distante, essa lógica também se aplica a matérias pertencentes à área de linguagens e até mesmo das ciências exatas. Muitos estudiosos acreditam que a população não estava pronta para todas as mudanças proporcionadas pela Constituição da República de 1988 e que vivemos até hoje em um processo democrático e não em uma democracia, como o senso comum prega. A ausência de conhecimentos políticos e econômicos fez com que uma boa parte da população não compreendesse de fato o que mudaria, de forma prática, e como fazer bom uso dessas mudanças no cotidiano. Isso porque, a função das ciências humanas como um todo e do seu ensino em sala de aula, é fazer com que os alunos se tornem capazes de realizar análises críticas sobre a realidade em que vivem, a classe social em que se encontram e o papel dessa dentro do modelo econômico em que vivemos: o capitalismo. Esse aluno, durante os três anos do ensino médio, deve se tornar capaz de questionar tudo e todos, por saber que essas relações sociais mudam conforme a ótica que a observamos (CARVALHO, 2004). Para Moraes (2004), os ideais lançados através da Constituição de 1988 estão diretamente relacionados à educação, ao desenvolvimento pessoal, a cidadania e ao trabalho. Os modelos de educação existentes naquela época não contemplavam nenhuma dessas competências, sendo passado apenas os ensinamentos de natureza acadêmica e noções disciplinares. Segundo Sarandy (2004), a educação pode ser considerada então, uma das primeiras instituições sociais que passaram por uma grande reforma estrutural e ideológica. Agora, era preciso ensinar os alunos a lidarem com sua liberdade, seus corpos e suas ideias. Nesse ambiente as matérias que compõem as ciências humanas são colocadas em papel de destaque como ferramentas amplificadoras do ensino nacional, sempre abordando assuntos relacionados às interações entre os homens e a sociedade. A escola tem como função, então, ensinar o aluno a conhecer, conviver, fazer e, por fim, a ser. Muitos dos conteúdos abordados durante o ensino da dessas matérias discutem sobre todos esses pilares ao lado dos contextos históricos nacionais e a sua influência nas relações sociais que se formam e se 15 alteram. O olhar crítico é adquirido dessa forma, através do estudo da função política, economia e social dos homens perante o ambiente em que estão inseridos. 3 METODOLOGIA A etimologia da palavra “metodologia” está associada ao conceito de “método”. Ou seja, por definição podemos colocar que a metodologia é o caminho utilizado para se concluir o objetivo de pesquisa, dentro do contexto acadêmico. Sendo variados os tipos de metodologia, a utilizada no presente trabalho é descritiva e qualitativa. A metodologia dos estudos acadêmicos deve ser selecionada de acordo com o tipo, os objetivos e os materiais que serão utilizados pelos autores. Análises empíricas e qualitativas, ou seja, que realizam análises de objetos de estudo deve compreender em uma metodologia de identificação, organização e utilização dos dados coletados para a pesquisa, sempre analisando as amostras, variáveis e hipóteses do estudo. Rodrigues (2007, p. 07) coloca que: Seu objetivo é a caracterização inicial do problema, sua classificação e de sua definição. Constitui o primeiro estágio de toda pesquisa científica. É a observação dos fatos tal como ocorrem. Não permite isolar e controlar as variáveis, mas perceber e estudar as relações estabelecidas. Levando em consideração o caráter exploratório do estudo que aqui se apresenta, a metodologia de pesquisa utilizada pode ser considerada alinhada aos objetivos de pesquisa e aos materiais utilizadospara viabilizar está produção acadêmica. A tipologia textual utilizada para a realização desta produção é descritiva e visa realizar a explicação e exemplificação dos temas em questão. Como bem coloca Godoy (1995), a pesquisa qualitativa deve atender a alguns critérios para que seja corretamente categorizada. Por exemplo, deve ser 16 primordialmente, descritiva. Isso é, deve descrever os fatos e aspectos conceituais envolvidos no tema da pesquisa. Os locais de busca utilizados para a elaboração do presente trabalho foram: plataformas como Google Acadêmico e Scientific Electronic Library Online (SCIELO), nos idiomas português e inglês. Os critérios de inclusão se relacionavam com o período em que o artigo ou o livro foi publicado, não podendo ser superior a dez anos, os idiomas supracitados e a relação direta com o tema e seus conceitos. Foram excluídos dos referenciais bibliográficos aqueles artigos que não sejam academicamente reconhecidos, produzidos e publicados fora do período mencionado ou que estejam em outro idioma além dos supracitados. Os dados recolhidos através das pesquisas bibliográficas realizadas nas plataformas de artigos acadêmicos foram criteriosamente analisados e compreendidos para que fosse viabilizada a produção do presente trabalho. A partir da busca geral realizada com base nos critérios selecionados, foram encontrados 87 artigos no total. Seguindo como critério de exclusão artigos que não eram da língua portuguesa ou inglesa restaram 42 publicações. Foram incluídos apenas os artigos com texto integral disponível em português, mesmo que na qualidade de traduções. Logo após essa segunda triagem baseada nos critérios de exclusão, utilizando com base nesse método os artigos que estavam em outras línguas, além de refinar a busca retirando as resenhas, monografias e TCCs restando 21 publicações. Ao final da triagem baseada na presença dos descritores em busca de especificar melhor a pesquisa, restaram 13 artigos que contemplavam os critérios de inclusão com o refinamento das buscas através das palavras: “cangaço”, “lampião”, “representação”, “história”. Desses, foi realizada a leitura e releitura e assim avaliada a relevância dos artigos no âmbito da pesquisa, restando 08 artigos. Continuando a busca foram ainda excluídas todas as repetições de publicações, assim como para facilitar a leitura e o entendimento dos artigos selecionados. Também temas que não se encaixavam com o objetivo da revisão, tratando de assuntos diversos como abordagens gerais na 17 condução das aulas na educação infantil, entre outros, levando ao final de seis artigos. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO Como supracitado, os dados bibliográficos coletados resultaram na seleção de nove artigos que podem ser categorizados como adequados para contribuir para o tema da pesquisa aqui proposta. Esses artigos foram apresentados na tabela abaixo, especificando o título, os autores, ano de publicação, fonte e os resultados obtidos. AUTORES E ANO TÍTULO FONTE RESULTADOS OLIVEIRA, Arusha Kelly Carvalho de; LIMA, Stélio Torquato, 2018. Literatura X História: o Homem Lampião na mitologia do cordel. SCIELO O cangaço torna-se, assim, elemento de resistência, ainda que marcada pela ausência de reflexão mais profunda e refinada da parte dos que a ele aderem ou manifestam simpatia; nega-se a partir de um sentimento difuso de injustiça, de descaso, de falta de perspectivas, ou mesmo de indistinção, de incapacidade em reconhecer quem é verdadeiramente o mocinho ou o vilão em uma situação em que o terror e a opressão constituem os únicos meios de administração dos conflitos, seja da parte dos poderes legalmente constituídos, seja por parte dos que se põe à margem da lei. CUNHA, Angelita Gomes Fontenele Rodrigues da; LEITE, João de Deus, 2020. Representações de Lampião na literatura de cordel sob uma perspectiva discursiva. Google Acadêmico As representações apontam para um Lampião bem aceito em seu contexto nordestino, mas rejeitado tanto no céu quanto no inferno graças às suas ações de bandido, embora numa construção justificada frente às injustiças que lhe tornaram forte, fizeram-no herói. CRUZ, Angely Costa, 2021. A coluna Prestes, Padre Cícero e o Capitão Virgulíno. Google Acadêmico Como bandido odiado, ou herói idolatrado Lampião escreveu sua história, e parte da história do povo nordestino, com suas mazelas e violência. E isso não se apaga. A trajetória do cangaceiro Lampião e seu bando compõe o mosaico histórico e cultural do Nordeste, e assim, permanecerá no imaginário popular. VIEIRA, Francisco Jacson Martins, 2012. A mitificação das figuras emblemáticas de Padre Cíciero e Google Acadêmico O fato é que os mitos nordestinos tornaram-se mais presentes na cultura popular a partir do momento em que o poeta de cordel os glorificou em suas 18 Lampião através da literatura de cordel. linhas temáticas. Para melhor entender este aspecto, neste estudo abordaremos dois personagens nordestinos que até os dias atuais são tidos como herói e santo pelo povo brasileiro. SOUSA, Thays Barros de, 2012. Cangaço na figura de Lampião: a imagem de um cangaceiro memorizada nos folhetos de cordel. Google Acadêmico O cangaceiro Lampião ocupa lugar privilegiado nos discursos presentes na literatura de Cordel. Nos versos escritos entre 1926 e 2001 sua imagem é apresentada em sua ambiguidade: ora como herói e justiceiro, ora como bandido sanguinário. SARMENTO, Guerhansberger Tayllow Augusto, 2019. Virgulino cartografado: relações de poder e territorializações do cangaceiro Lampião (1920-1928). Google Acadêmico Aqui o espaço do cangaço lampiônico não é entendido como dado e preestabelecido, mas como resultado dos jogos de poder e das múltiplas relações que esse cangaceiro agenciou com sujeitos de destaque da política sertaneja dentro do contexto da chamada Primeira República. O território é aqui percebido em sua dimensão processual, possibilitando interpretar as ações de Lampião como produtoras de múltiplos territórios, que ganharam configurações espaciais diversas, como: territórios em rede, territórios em zona ou territórios em movimento. QUADRO 1 – Tabela de resultados FONTE: Próprio autor (2021) Oliveira e Lima (2018) contribuem para a presente discussão pontuando para a forma como, apesar das atitudes e ações criminosas e controversas de Lampião, sua figura tem um papel fundamental na difusão da vida levada e nos meios de sobrevivência em meio a seca, a violência e o desamparo por parte do Estado no sertão nordestino. A literatura de cordel e a cultura nordestina, extremamente rica e importante para a compreensão da História do Brasil, tiveram Lampião como um personagem marcante, ultrapassando até mesmo as limitações geográficas do Brasil. Nessa mesma linha de argumentação CUNHA, e Leite (2020) discorrem sobre como existem inverdades no discurso que acusa a literatura de cordel e a cultura nordestina como um todo associam a imagem de Lampião apenas com a figura de um herói. Uma vez que diversas passagens, inclusive de cordel, evidenciam experiências extremamente negativas e violentas que famílias e moradores da região por onde ele passou narradas justamente por 19 esses moradores, nordestinos e conhecedores da lenda que se tornou o cangaço. Cruz (2021) é o responsável por uma pesquisa documental acerca de um dos maiores eventos históricos que marcam o século XX: a Coluna Prestes que é, inclusive, responsável pela narrativa que descreve o momento em que duas das maiores figuras culturais da história do sertão nordestino se encontram, Padre Cícero e Lampião. É justamente nesse cenário que se discute a ambiguidade de Lampião, um herói que alimentava os pobres ao tirar dos ricos ou um criminoso que havia enlouquecidoapós amargar na injustiça que tirou a vida de seus pais. Para Vieira (2012) é preciso que haja a compreensão de que a literatura de cordel, enquanto movimento literário e manifestação cultural que se relaciona com um estilo de escrita que necessita de narrativas onde existam a figura de um vilão e de um herói, bem como de um contexto específico e de uma história que evidencie as mazelas sofridas pelo povo e como a resistência e a fé auxiliam essas pessoas a sobreviverem. Sendo essa a maior motivação para o heroísmo associado à figura de Lampião e a extensa difusão de sua história e de suas ações. Lampião, junto com o cangaço, são figuras eternizadas na literatura de cordel, na cultura nordestina e são importantes pilares na História do Brasil e sua construção (SOUSA, 2012). 20 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim, o cangaço torna-se um elemento de resistência, embora se caracterize por quem insiste ou expressa simpatia sem uma reflexão mais profunda e detalhada, nega que tenha sentimentos universais de injustiça, abandono, imprevidência e até imprecisão. Caso o terror e a opressão sejam os únicos meios de gestão de conflitos, é impossível identificar quem é o verdadeiro herói ou o vilão, se é um poder estabelecido por lei ou um poder fora da lei. A motivação para a ambiguidade da figura de Lampião e toda sua popularização se associa com a sua história e sua origem. Até pelo que se tem como confirmado, enquanto Virgulino, Lampião foi um bom filho, trabalhador e se aprimorou em diversas habilidades artísticas. Mas, a injustiça e a violência contribuíram para o desenvolvimento de um homem motivado pelo ódio, pela vingança e exercendo sua natureza acentuada de liderança. 21 REFERÊNCIAS BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti. A Derradeira Gesta: Lampião e Nazarenos Guerreando no Sertão (3ª. edição). Mauad Editora Ltda, 2018. BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti. Cangaço–violência no sertão do Nordeste. Ponta de Lança: revista eletrônica de história, memória & cultura, v. 12, n. 22, p. 62-77, 2018. BITTENCOURT, Circe Fernandes. Reflexões sobre o ensino de História. Estudos Avançados, v. 32, p. 127-149, 2018. CLEMENTE, Marcos Edílson de Araújo. CANGAÇO E CANGACEIROS. Fênix- Revista De História E Estudos Culturais, v. 4, n. 4, p. 1-18, 2007. CRUZ, Angely Costa. A coluna Prestes, Padre Cícero e o Capitão Virgulino. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 7, n. 6, p. 333-338, 2021. CUNHA, Angelita Gomes Fontenele Rodrigues da; LEITE, João de Deus. 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