Prévia do material em texto
Caroline de Oliveira Leão – VII período - FASAI Distocias Distocias do Trajeto As muitas considerações patológicas do canal do parto dificultam a evolução do trabalho e constituem as distocias do trajeto, que ocorrem nas partes moles (distocia do trajeto mole) ou no arcabouço ósseo da pelve (distocia do trajeto duro – vícios pélvicos). Distocias do trajeto mole Podem ser ocasionadas pelas anomalias localizadas em qualquer uma das porções do canal do parto (colo, vagina, vulva) e por tumorações prévias, genitais ou extragenitais. Distocias do colo ▶ Rigidez. Caracterizada por dureza, resistência e inextensibilidade do colo, é observada em primigestas idosas, nas pacientes de cervicites ou como consequência de operações plásticas e cauterizações. A rigidez cervical dificulta ou impede a dilatação, podendo, nos casos mal conduzidos, levar à amputação espontânea do órgão. Nessa complicação, as contrações uterinas comprimem a apresentação e produzem zona isquêmica na porção intravaginal do colo. A prova de trabalho de parto é uma medida que se pode tentar; verificada a impossibilidade da dilatação, a cesariana passa a ser necessária. ▶ Aglutinação. Decorre de processos infectuosos que, destruindo os epitélios da cérvice, determinam a justaposição das bordas do orifício externo. Ao toque, no parto adiantado, percebe- se, em vez de orifício, tubérculo ou depressão punctiforme, circunscrito por anel resistente. Limitando-se a aglutinação ao orifício externo, o colo se apaga completamente; ele é delgado e, muitas vezes, são percebidas, através dele, suturas e fontanelas, o que leva o parteiro inexperiente a supor que a dilatação esteja completa. A pressão do dedo, seguida de movimentos em espiral, para desfazer bridas e deslocar o polo inferior do ovo, é uma técnica singela, mas capaz de resolver a maioria dos casos. No entanto, devido a aderências mais fortes (conglutinação), essa medida pode ser ineficaz e, nesse caso, a operação cesariana é o melhor caminho; extraído o feto, é necessário, por via retrógrada, restabelecer o canal cervical. ▶ Distopias. As alterações da estática uterina, espontâneas ou determinadas pelas operações corretoras de prolapso ou retroversão, podem acarretar expansão desigual do segmento inferior, na maioria das vezes com predominância de sua parede anterior, ocasionalmente da posterior ou das laterais, originando saculação que produz desvio do colo para trás, para a frente ou para os lados. Trata-se da dilatação saciforme, confundida com a bolsa das águas e a dilatação completa. Por meio do segmento, muito fino, é possível notar suturas e fontanelas. A. Desvio do colo para a frente. B. Desvio posterior. ▶ Edema. É observado nos partos prolongados, por compressão do colo entre a apresentação e a pelve. No geral, abrange toda a cérvice e é predominantemente encontrado no lábio anterior. Caroline de Oliveira Leão – VII período - FASAI A infiltração edematosa dificulta a dilatação, chegando a impedi-la; caso a situação se prolongue, pode ocorrer necrose dos tecidos cervicais. Nos casos simples, com dilatação avançada, a conduta consiste em arregaçar o lábio anterior, levando-o para cima da apresentação. Quando a dilatação permanece estacionária, é preciso realizar operação cesariana. Distocias da vagina ▶ Septos. Geralmente congênitos, podem ser longitudinais ou transversais, completos ou incompletos. Os longitudinais são mais frequentes e, muitas vezes, vêm acompanhados de outras anomalias do aparelho genital. Os septos longitudinais totais quase sempre se associam ao útero duplo, havendo dois orifícios cervicais e duas cavidades uterinas independentes. Poderá surgir gravidez em um ou em outro hemiútero (a ocorrência em ambos é rara) e o parto evoluir normalmente. Quando distocia se interpõe, geralmente é motivada pelo hemiútero vazio e não pelo septo vaginal. Distocias da vulva Em geral, não causam dificuldades consideráveis ao desprendimento da apresentação, sendo, em sua maioria, resolvidas pela episiotomia. ▶ Varizes. Não acarretam maiores transtornos; no entanto, é necessário ter atenção quanto a rupturas, que ocasionam hematomas vulvovaginais, próprios do sobreparto, embora também ocorram na gravidez. ▶ Cistos e abscessos da glândula de Bartholin. Em pequenas dimensões, não costumam causar distocias; caso estejam muito desenvolvidos, devem ser extirpados ou incisados. ▶ Condilomas acuminados. Não costumam dificultar a expulsão do feto, mas acarretam rupturas complicadas, difíceis de reparar. A episiotomia será feita em local livre de vegetações; conforme a extensão, indica-se a cesárea. ▶ Linfogranulomatose venérea. Durante o período expulsivo, a infiltração e a reduzida elasticidade dos tecidos vulvoperineais e perirretais dificultam a progressão e a expulsão; esta ocorre à custa de rupturas importantes, cuja cicatrização é lenta devido à infecção. O traumatismo do parto é também desfavorável à evolução da doença, o que facilita a disseminação. A operação cesariana evita esses agravos e outras complicações. ▶ Hímen. Casos de parturiente com hímen normal e íntegro são exceções. Não há razões médicas para indicar cesariana. O hímen anormal é uma condição que oferece considerável resistência ao desprendimento da apresentação e constitui ponto de origem de grandes rupturas, sendo necessário seccionar o anel fibroso ou desinseri-lo à ponta de tesoura. Tumorações prévias Denominam-se prévias as tumorações que ficam à frente da apresentação fetal e, por sua localização, dificultam ou impedem a progressão do móvel. Distinguem-se em genitais e extragenitais, sendo as primeiras mais frequentes. ▶ Miomas uterinos. Os miomas do corpo raramente obstruem o canal do parto; somente os subserosos, com grande pedículo, tendem, eventualmente, a penetrar na pelve. Os nódulos que se desenvolvem no segmento inferior, por sua situação mais baixa que a apresentação, costumam prejudicar ou impedir o parto transpélvico. Não é rara a ascensão do tumor durante a gravidez ou no decurso do trabalho, tornando possível a passagem da cabeça fetal. No parto, deve-se atentar para a possibilidade de ocorrer ruptura uterina quando a parturição é obstruída. Nos miomas prévios bloqueantes, a via única é a abdominal, cesárea seguida ou não de ablação do tumor (miomectomia ou histerectomia), conforme o caso. Caroline de Oliveira Leão – VII período - FASAI ▶ Cistos e tumores do ovário. Cistos do ovário e tumores sólidos, ocasionalmente, podem tornar-se bloqueantes, impedindo o parto pela via natural. Ao contrário dos miomas, apenas excepcionalmente sofrem deslocamento espontâneo para cima. A ruptura dos cistos papilíferos pode causar a disseminação das papilas epiteliais pela cavidade peritoneal; elas aderem ao peritônio e proliferam. A indicação adequada é a laparotomia, para histerotomia e ooforectomia parcial. Tratamento A operação cesariana resolverá os casos impeditivos do parto vaginal. Distocias do trajeto duro (vícios pélvicos) A pelve viciada apresenta acentuada redução de um ou mais de seus diâmetros, ou modificação apreciável de forma. Diagnóstico Os vícios pélvicos de grande porte são facilmente diagnosticados durante os exames pré-natais, pela pelvimetria externa ou à simples inspeção; causam transtornos já durante as últimas fases da gravidez – a cabeça se mantém alta, provocando dificuldades respiratórias. Esses distúrbios são mais acentuados nas cifoescolióticas, porque o espaço abdominal apresenta-se diminuído devido à descida do tórax; não é raro o nivelamento das costelas com os rebordos da pelve. Em tais circunstâncias, há comprometimento da circulação e diminuição da ventilação pulmonar, motivos de mau prognóstico. Defeitos mais discretos costumam ser rastreados somente no decurso do trabalho, que nãoprogride, apresenta-se distócico, sendo incapaz de se resolver pelas vias naturais. Parto no vício pélvico Neste caso, é muito difícil estabelecer o prognóstico; deformidades ligeiras podem possibilitar o parto natural. O tamanho reduzido do feto, a plasticidade da cabeça (se a apresentação for cefálica) e a boa cinética uterina tornam possível a expectação armada. Os graves vícios obrigam, desde logo, à via alta. O parto prolongado e os tocotraumatismos ameaçam a higidez do feto e da mãe. Como norma, está indicada a operação cesariana; nos casos duvidosos, no entanto, pode ser tentada a prova de trabalho, comentada mais adiante. Desproporção Cefalopélvica A desproporção cefalopélvica (DCP) implica a falta de proporcionalidade entre a cabeça fetal e a pelve materna. Nas apresentações cefálicas, a desproporção decorre do volume demasiado ou da atitude viciosa da cabeça. No entanto, as apresentações anômalas constituem casos particulares de desproporção, e o uso limita o estudo da proporcionalidade ao da relação cefalopélvica, excluídas, naturalmente, as atitudes defletidas. Mulheres de pequena estatura com fetos grandes correm o risco de desenvolver o problema, além de fraturas prévias da pelve ou doenças ósseas metabólicas. A. Boa proporcionalidade cefalopélvica. B. Pequena desproporção. C. Grande desproporção. Caroline de Oliveira Leão – VII período - FASAI A. Cabeça passando pelo estreito inferior normal. B. Bacia afunilada: o diâmetro sagital posterior do estreito inferior é amplo e possibilita a parturição. C. Ângulo subpúbico muito estreitado, não compensado pela amplitude do diâmetro sagital posterior; o parto não ocorre. Avaliação clínica da insinuação da cabeça fetal Na primípara, caso a cabeça não se insinue antes ou até a proximidade do parto, fica caracterizada a suspeita de desproporção cefalopélvica. Na multípara, o polo costuma se encaixar no período expulsivo, não tendo significado maior sua persistência, alta e móvel, no início do trabalho de parto. Considera-se a cabeça insinuada quando o vértice alcança ou ultrapassa a altura das espinhas ciáticas, plano “0” (zero). O aprofundamento da cabeça na escavação é anotado pelo número de centímetros que se distanciam desse ponto ao ápice da apresentação. Para cima: “–1”, “–2” etc., para baixo: “+1”, “+2” etc. Suspeita-se de desproporção cefalopélvica se: O progresso do parto for lento e arrastado, apesar da eficiente contratilidade uterina; Não houver insinuação da cabeça fetal (nas primíparas) O toque vaginal revelar moldagem acentuada da cabeça e bossa serossanguínea • A cabeça estiver deficientemente aplicada ao colo. ▶ Sinal de Farabeuf. Pelo toque vaginal, é possível procurar esse sinal, muito do apreço dos clássicos, mas de valor relativo, pois mostra apenas a altura do ápice da apresentação. Atualmente, o diagnóstico da DCP baseia-se na observação de trabalho de parto protraído ou das “paradas de progressão” durante a fase ativa. Estas, por sua vez, podem decorrer de distocias funcionais, malposições (p.ex., deflexão, assinclitismo) ou apresentações anômalas (p. ex., mento posterior, fronte), condições mais frequentes que a DCP em si. Na prática, após o diagnóstico da parada de progressão, a primeira medida deve ser otimizar a atividade uterina com amniotomia e ocitocina. Caso a contratilidade uterina já tenha sido otimizada e o parto permaneça distócico, devem ser implicadas causas mecânicas. O uso do partograma é indispensável para monitorar o progresso do parto, tornando possível a identificação de anormalidades e a realização de intervenções adequadas. Em geral, as alterações de parada secundária da dilatação e parada secundária da descida auxiliam na suspeita da Caroline de Oliveira Leão – VII período - FASAI possibilidade de DCP, especialmente quando o feto não está insinuado. Tratamento Pode ser permitida a prova de trabalho, embora a cesariana seja o procedimento de escolha. É importante ressaltar: o fórceps é péssimo instrumento na desproporção cefalopélvica. Distocia de Ombros A distocia de ombros ocorre quando a extração dos ombros não se realiza após a tração de rotina, sendo necessárias manobras adicionais. Na maioria dos casos, a distocia ocorre no ombro anterior impactado na sínfise materna. Trata-se de verdadeira emergência obstétrica, pois quase 50% dos fetos morrem por hipoxia/acidose dentro de 5 min da liberação da cabeça. Predição e prevenção Embora haja inúmeros fatores de risco associados à distocia de ombros, na verdade, ela é imprevisível; até mesmo a macrossomia fetal, o principal fator de risco, não é bom preditor. A maioria dos bebês > 4.500 g não desenvolve a distocia de ombros e quase 50% dos bebês com essa complicação pesam menos de 4.000 g. Além disso, a ultrassonografia de terceiro trimestre tem apenas 60% de sensibilidade para macrossomia (peso > 4.500 g). A cesárea eletiva para evitar a distocia de ombros somente está indicada em pequeno grupo de mulheres com diabetes e suspeita de macrossomia fetal (peso estimado > 4.500 g). Igualmente, a cesárea eletiva está indicada sempre que o peso estimado fetal for maior que 5.000 g. Complicações A morbidade e a mortalidade perinatal estão elevadas, assim como a morbidade materna, especialmente pela hemorragia pós- parto e lacerações de períneo de 3o e de 4o graus. A complicação fetal mais frequente é a paralisia do plexo braquial, seguida da fratura de clavícula e do úmero. Praticamente todas as paralisias se resolvem em 6 a 12 meses, mas 10% se tornam definitivas. Tratamento A distocia de ombros é óbvia quando a cabeça fetal se exterioriza e se retrai, o que é comumente referido como “sinal da tartaruga”. Conforme já mencionado, a distocia de ombros é emergência obstétrica e são necessárias manobras imediatas para solucioná-la. As técnicas obstétricas podem ser divididas em: 1ª linha, 2ª linha e 3ª linha. São consideradas medidas preliminares: Requisição de obstetra mais experiente, auxiliares, anestesista e neonatologista; A episiotomia por si só não soluciona a distocia de ombros, que é problema ósseo; no entanto, ela pode ser necessária para manobras internas discutidas adiante; Não deve ser aplicada força em excesso sobre a cabeça ou o pescoço nem exercer pressão no fundo do útero, porque essas manobras não deslocam o ombro impactado e podem lesionar a mãe e o feto; Colocar as nádegas da paciente na borda da mesa. Manobras de 1ª linha São consideradas de 1ª linha: a manobra de McRoberts e a pressão suprapúbica. ▶ Manobra de McRoberts. Flexão e abdução das coxas em direção ao abdome materno. Essa posição retifica o ângulo lombossacro e roda a sínfise púbica em direção cefálica, fazendo com que o ombro posterior caia na concavidade do sacro. A manobra de McRoberts é a intervenção isolada mais efetiva, com taxa de êxito de 90%, e deve ser a primeira a ser tentada. Caroline de Oliveira Leão – VII período - FASAI ▶ Pressão suprapúbica. Deve ser utilizada simultaneamente com a manobra de McRoberts. A pressão suprapúbica reduz o diâmetro biacromial e o roda para um dos diâmetros oblíquos da pelve; assim, o ombro é capaz de deslizar por baixo da sínfise com a ajuda da tração de rotina. A pressão suprapúbica externa é aplicada para baixo e para o lado, de modo a empurrar o ombro anterior em direção ao tórax fetal. Manobras de 2ª linha Constituem as manobras internas de rotação (Rubin II e Woods) e a extração do braço posterior; além disso, também está incluída a manobra da posição de 4. ▶ Manobras de rotação interna. São manobras que tentam manipular o feto e rodar o ombro anterior para um plano oblíquo da bacia, a fim de desvencilhá-lo da sínfise materna. Compreendem a manobra de Rubin II, que consiste em inserir os dedosatrás do ombro anterior, tentando rodá-lo em direção ao tórax fetal, e a manobra de saca-rolha de Woods, na qual o parteiro coloca a mão atrás do ombro posterior do feto, tentando rodá-lo a 180°. ▶ Extração do braço posterior. A mão do operador é introduzida na vagina. O cotovelo fetal é flexionado e o antebraço é liberado em movimento de varredura sobre a parede anterior do tórax fetal. A mão é segurada e o braço é estendido ao longo da face fetal, liberando-o da vagina. Isso encurta o diâmetro biacromial e possibilita que o feto caia na concavidade sacra, liberando o ombro anterior impactado. ▶ Manobra da posição de 4. Consiste literalmente em colocar a paciente em posição de 4, resultando frequentemente no desencravamento do ombro anterior. Certamente, essa manobra é mais apropriada em mulher magra e móvel, sem o efeito de anestesias de condução. Caroline de Oliveira Leão – VII período - FASAI Manobras de 3ª linha São manobras heroicas, de exceção, propostas na última tentativa de evitar o óbito fetal. São consideradas de 3ª linha: a clidotomia (fratura deliberada da clavícula anterior), a manobra de Zavanelli (recolocação da cabeça fetal no útero, seguida de cesárea) e a sinfisiotomia (secção da cartilagem fibrosa da sínfise sob anestesia local). A manobra de Zavanelli talvez seja mais apropriada para os casos raros de distocia de ombros bilateral, quando ambos os ombros estão impactados – anteriormente acima do púbis e posteriormente sob o promontório sacro.