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Autora: Profa. Angélica Carlini Colaboradora: Profa. Sandra Castilho Direito nas Organizações Professora conteudista: Angélica Carlini Angélica Carlini é doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Civil pela Universidade Paulista (UNIP) e mestre em História Contemporânea pela PUC-SP. Pós-doutora em Direito Constitucional pela PUCRS. Graduada em Direito pela PUC-SP. Advogada. Docente de ensino superior na UNIP, na Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) e na Escola de Negócios e Seguros (ENS). Professora de cursos de pós-graduação na Escola Paulista de Direito (EPD) e na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro da Comissão de Qualificação e Avaliação da UNIP. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) C282d Carlini, Angélica. Direito nas organizações / Angélica Carlini. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 108 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Processos judiciais. 2. Direito tributário. 3. Direito do trabalho. I. Título. CDU 342.2 U505.90 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Marcilia Brito Bruno Barros Sumário Direito nas Organizações APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 O QUE É DIREITO .................................................................................................................................................9 1.1 Sistema jurídico brasileiro ....................................................................................................................9 1.2 A Constituição Federal brasileira: a lei mais importante do país...................................... 10 1.3 Conflito de leis no tempo ................................................................................................................. 11 1.4 Territorialidade da lei .......................................................................................................................... 13 1.5 Organização Judiciária Brasileira ................................................................................................... 15 1.6 A atividade dos magistrados e sua proteção ............................................................................ 18 2 REGRAS FUNDAMENTAIS DOS PROCESSOS JUDICIAIS NO BRASIL ............................................ 21 2.1 Processos judiciais no Brasil ............................................................................................................. 26 2.2 Mediação, conciliação e arbitragem ............................................................................................. 35 3 DIREITO TRIBUTÁRIO: CONCEITOS E PRINCÍPIOS ............................................................................... 40 3.1 O que são tributos? ............................................................................................................................. 41 3.2 Competência tributária ...................................................................................................................... 42 3.3 Espécies de tributos ............................................................................................................................. 43 3.4 Princípios da tributação .................................................................................................................... 55 3.5 Imunidades tributárias ....................................................................................................................... 59 3.6 Crédito tributário: criação e extinção .......................................................................................... 59 4 PRINCIPAIS TRIBUTOS PRATICADOS NO BRASIL ................................................................................ 61 Unidade II 5 DIREITO DO TRABALHO: CONCEITOS E PRINCÍPIOS ......................................................................... 69 5.1 Trajetória histórica do direito do trabalho ................................................................................. 70 6 DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO ....................................................................................................... 73 6.1 Diferentes formas de contratação de empregados ................................................................ 75 6.2 Contrato de trabalho .......................................................................................................................... 81 6.3 Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) .................................................................... 81 6.4 Alterações dos contratos de trabalho .......................................................................................... 82 6.5 Encerramento do contrato de trabalho ...................................................................................... 83 6.6 Duração da jornada de trabalho .................................................................................................... 87 6.7 Intervalos para descanso ................................................................................................................... 89 6.8 Descanso semanal remunerado ...................................................................................................... 89 6.9 Férias .......................................................................................................................................................... 89 7 DIREITO COLETIVO DO TRABALHO ............................................................................................................ 90 7.1 Assédio moral e assédio sexual nas relações de trabalho .................................................... 91 8 DANO EXTRAPATRIMONIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO .......................................................... 94 7 APRESENTAÇÃO Esta disciplina tem como objetivo mostrar ao aluno a relevância do direito na atividade empresarial, levando-o a dominar conceitos e princípios que poderão ser muito relevantes no trabalho diário do gestor de empresas. Além de noções gerais de direito, que são necessárias para a administração de empresas, o objetivo é que o aluno tenha contato com áreas específicas de direito do trabalho e direito tributário, que regulam as relações com os trabalhadores e com o Estado arrecadador. Essas duas relações podem se tornar fonte de grandes problemas para o administrador de empresas se não forem gerenciadas com conhecimento e segurança. Hoje sabemos que o conhecimento técnico não se constrói de forma isolada, mas imbricado com outras áreas do sabercom as quais dialoga necessariamente. O direito tem sido muito importante para a atuação de várias áreas profissionais, mas, em especial, com a administração ele fornece importantes conceitos e princípios de aplicação prática e cotidiana que orientam as decisões dos administradores para que elas estejam sempre em consonância com as melhores práticas empresariais. INTRODUÇÃO Abordamos aqui dois aspectos do vasto campo do direito, o direito tributário e o direito do trabalho. Inicialmente vamos compreender a relevância do direito para a área de administração e, em seguida, analisaremos os principais aspectos do trabalho dos administradores. Trataremos dos aspectos gerais referentes à estrutura das leis e da justiça no Brasil; de igual modo, discorreremos também sobre o direito tributário, com o objetivo de apresentar seu viés constitucional, os principais conceitos e princípios que regem essa área do conhecimento, os tributos a que estão sujeitas as atividades empresariais e as consequências do não recolhimento desses tributos, inclusive no âmbito penal. Discutiremos a respeito do direito do trabalho, área do direito que sofreu recente reforma legislativa, com o objetivo de aprimorá-lo e flexibilizá-lo. A reforma trabalhista está no centro de várias mudanças que as relações de trabalho têm sofrido nos últimos tempos, no Brasil e no mundo, e para as quais os profissionais da área precisam estar muito atentos. Também no campo do direito do trabalho, o descumprimento de leis pode levar a péssimas consequências, em especial ao pagamento de indenizações aos funcionários e multas aplicadas pelo Estado. Aproveite ao máximo a disciplina e bom estudo! 9 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Unidade I 1 O QUE É DIREITO Direito é o conjunto de leis e costumes que organizam a vida de um determinado grupo social – historicamente situado – e que modifica essas regras à medida que adota novas formas de organização. Todos os grupos sociais em todas as épocas da história da humanidade adotaram regras de conduta com o objetivo de organizar a vida social e impedir que a força física prevalecesse, já que ela não é um atributo de todas as pessoas e, consequentemente, não gera resultados justos. O Direito pode ser classificado em público e privado: • Direito público: é a área do direito que tem por objetivo regular os interesses gerais da sociedade (interesses públicos). Os principais ramos do direito público são o direito constitucional, direito administrativo, direito penal, direito processual (civil ou penal), direito ambiental e direito internacional. • Direito privado: é a área do direito que tem por objetivo regular os interesses dos particulares nas relações que estabelecem entre si, por exemplo, contratar, casar, locar um imóvel, constituir uma sociedade empresária, entre outros. Assim, nesse campo do direito estão o direito civil e o direito empresarial. As duas áreas do direito que vamos estudar aqui – tributário e trabalhista – são classificadas como direito público e direito privado, respectivamente, mas alguns estudiosos classificam o direito do trabalho como direito social, ao lado do direito do consumidor. Esta é uma forma de classificação válida, embora haja intenso debate de ideias, pois há uma parcela entre os estudiosos que não defende a existência de um ramo denominado direito social. 1.1 Sistema jurídico brasileiro O Brasil adota o sistema jurídico de civil law, que significa que o sistema jurídico brasileiro é regido prioritariamente por leis e que nelas se encontram os principais fundamentos para que os magistrados decidam os casos concretos que forem levados ao Poder Judiciário. O sistema de prevalência das leis, ou civil law, é adotado também em alguns países europeus e na América do Sul. Outros países do mundo, no entanto, adotam o sistema da common law, que significa que as decisões de processos judiciais anteriores têm mais relevância que o texto da lei, como acontece na Inglaterra, Escócia, Irlanda, Estados Unidos e Austrália, por exemplo. Nesses países, o magistrado, ao julgar um caso concreto, estuda que decisões foram adotadas no passado em casos semelhantes e julga com base nessas decisões anteriores. 10 Unidade I No Brasil, as decisões anteriormente adotadas por um tribunal também são levadas em conta, é a chamada jurisprudência. É o conjunto de decisões semelhantes anteriores e que podem ser aplicadas para a solução de um caso posterior, desde que estejam presentes as semelhanças que autorizem a utilização do julgado anterior. É o que acontece na atualidade com situações como a batida na traseira de um automóvel contra outro. Há jurisprudência consolidada no Brasil a respeito da culpabilidade do condutor do veículo que colide contra o carro da frente, independentemente de haver uma lei específica que determine essa culpabilidade. Mas utilizar os julgados anteriores como parâmetro para decisões atuais não torna o Brasil um país inserido no sistema da common law. Continuamos sendo um país de sistema jurídico em que prevalece a força da lei escrita e hierarquizada, ou seja, algumas leis são mais importantes que outras. Lei é a norma que está escrita, foi publicada e se tornou obrigatória para conhecimento de todos os que vivem no Brasil. Deve ser elaborada por autoridade competente, ou seja, aquela designada para tratar desse assunto. No Brasil, exercem essa autoridade o Poder Legislativo e, excepcionalmente, o Poder Executivo. A lei é tão importante no sistema jurídico brasileiro que o artigo 5º da Constituição Federal determina que: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988). Em outras palavras, se existir lei para um determinado assunto, ela deverá ser cumprida; e se não existir lei, ninguém poderá exigir nenhuma conduta do cidadão. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que é o Decreto-lei n. 4.657, de 1942, alterado pela Lei n. 12.376, de 2010, determina em seu artigo 3º que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” (BRASIL, 1942). Assim, aprovada e publicada a lei, todos os cidadãos devem conhecê-la, porque não poderão alegar em sua defesa que, por desconhecimento, deixaram de fazer alguma coisa a qual estavam obrigados. Existindo a lei, não é possível indagar sobre se queremos ou não cumpri-la, porque isso é obrigatório, mesmo que não nos agrade. É o caso do recolhimento de tributos. Ninguém paga com alegria, mas todos somos obrigados a pagar nas hipóteses previstas na lei, como quando somos proprietários de um imóvel, temos de pagar o Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU), ou se somos proprietários de um veículo, o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). 1.2 A Constituição Federal brasileira: a lei mais importante do país A organização política mais conhecida nos diferentes países do mundo é aquela que estrutura o Estado em Três Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, competindo ao primeiro estabelecer as leis que deverão ser cumpridas por todos os integrantes daquele país. A primeira lei que um país constrói quase sempre é sua Constituição Federal, a lei mais importante, porque estabelece as regras gerais para todos os Poderes, para os cidadãos e para as organizações. É comum que a Constituição Federal seja denominada Carta Magna ou Lei Maior, denominações que simbolizam sua condição de lei no topo do ordenamento jurídico de um país e que não pode ser descumprida por ninguém, nem mesmo por outras leis emanadas do próprio Poder Legislativo. No Brasil, a Constituição Federal é a lei mais importante, e nenhuma outra lei pode colidir com o que está disposto na Constituição. Caso isso ocorra, a lei colidente será denominada inconstitucional e deverá ser excluída do ordenamento jurídico para não gerar mais nenhum efeito. 11 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Além do Poder Legislativo federal – representado pela Câmara dos Deputados, com representantes do povo,os deputados – e do Senado federal – com senadores que representam os estados federativos –, temos no Brasil poderes legislativos estaduais e municipais, representados pelas assembleias legislativas e pelas câmaras municipais. Todos esses órgãos podem emitir leis, mas nenhuma delas poderá se confrontar com a Constituição Federal, sob pena de ser classificada como inconstitucional e prontamente afastada do ordenamento jurídico. É a Constituição Federal que estabelece os assuntos para os quais os poderes legislativos poderão criar leis. Alguns temas são exclusivos do legislativo federal, como as leis trabalhistas e as leis penais, por exemplo; outros temas são exclusivos do legislativo municipal, como a organização do trânsito nas cidades; outros, ainda, podem ser de competência concorrente, como a fixação de tributos que poderão ser criados no âmbito federal, estadual e municipal. Saiba mais Consulte os artigos 22, 23, 24, 25 e 30 da Constituição Federal brasileira e conheça mais detalhadamente as competências legislativas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 9 mar. 2020. 1.3 Conflito de leis no tempo Para garantir a harmonia social, as leis devem obedecer a alguns critérios com o objetivo de evitar o conflito de normas. Os principais critérios são a irretroatividade da lei e o respeito ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada e ao direito adquirido. Irretroatividade da lei significa que nenhuma lei produzirá efeito para situações anteriores a ela, somente será aplicada a situações que ocorram depois de sua entrada em vigor, que, aliás, nem sempre coincide com a data da publicação oficial. É comum que as leis sejam aprovadas, publicadas e entrem em vigor apenas um período de tempo depois, o chamado período de vacatio legis – em tradução literal “vacância da lei”, “vazio da lei” –, no qual a lei está aprovada, mas ainda não pode ser aplicada. Esse período de tempo é determinado exatamente para que a sociedade tenha tempo de se adaptar à nova lei. Enquanto a nova lei não entra em vigor, prevalece a aplicação da lei antiga, e somente cumprido o prazo é que entrará em vigor a nova lei. Isso aconteceu em 2002 com o Código Civil, que corresponde à Lei n. 10.406, de 2002, cujo artigo 2.044 determinava que ela só entraria em vigor um ano após a sua publicação. Durante esse período de tempo, vigorou o Código Civil anterior, que era de 1916. No dia 10 de janeiro de 2003, sem que fosse necessária nenhuma outra solenidade ou publicação, entrou em vigor o novo Código Civil, que já havia sido aprovado em 2002. 12 Unidade I Esse lapso de tempo e a determinação de que a nova lei só seja aplicável para fatos que ocorram após sua entrada em vigor são aspectos fundamentais para garantir a segurança jurídica, porque se a lei pudesse ser aplicada a fatos passados e já decididos pelos tribunais, não haveria harmonia social. A cada aprovação de nova lei estaríamos sujeitos a ter que modificar toda nossa vida, inclusive com a perda de direitos. Mas isso não ocorre no Brasil. Lembrete Mundialmente, a organização política mais conhecida é a que estrutura o Estado em Três Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, determina: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (BRASIL, 1988). No mesmo sentido dispõe a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em seu artigo 6º: Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso (BRASIL, 1942). Por vezes, a lei entra em vigor na data de sua publicação sem que seja necessário cumprir o período de vacatio legis. Mesmo nesses casos, no entanto, não será aplicada a fatos anteriores, somente àqueles que vierem a ocorrer após a sua publicação e entrada em vigor. 13 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Os três aspectos a seguir precisam ser bem compreendidos porque são muito importantes: o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. • Ato jurídico perfeito: é aquele que atende a todas as formalidades legais da época em que foi firmado por livre vontade das partes, como acontece, por exemplo, nos contratos de compra e venda de imóveis. Se o ato foi praticado com toda a solenidade exigida pela lei, não poderá vir a ser impugnado por uma nova lei que altere alguns aspectos da transação. Isso se aplica a todos os atos de nossa vida, inclusive casamento, locação, compra de bens móveis, contratação de prestação de serviços, entre outros. Formalizado o ato jurídico em conformidade com a lei em vigor, nenhuma outra lei poderá anular esse ato, que estará protegido pelo fato de ter sido um ato jurídico perfeito à luz das normas então vigentes. • Direito adquirido: é aquele que já pertence a uma pessoa, seja ele um direito da personalidade ou um direito patrimonial. Um exemplo recente é o da mudança da lei de aposentadoria no Brasil. Muitas pessoas que já estavam aposentadas ou que já haviam cumprido as regras e ingressado com o pedido de aposentadoria não perderam esse direito com a entrada em vigor da nova norma, porque se tratava de um direito adquirido. • Coisa julgada: é a decisão judicial para a qual não cabe mais nenhum recurso processual e, por isso, não pode mais ser modificada, nem mesmo por uma nova lei que regule a matéria. Assim, por exemplo, uma decisão judicial que solucionou um conflito entre uma empresa e um banco, determinando que a dívida já estava quitada e que não seria necessário nenhum outro pagamento. Se uma nova lei for aprovada autorizando a incidência de um custo de administração pelo banco nos contratos de financiamento empresarial, essa nova lei não poderá ser aplicada ao contrato da empresa com o banco porque ele está regulado por uma decisão judicial transitada em julgado; ou seja, para essa situação já não há nenhum outro recurso que possa modificá-la, porque se operaram os reflexos da coisa julgada que tornam a decisão imutável para todos os fins e efeitos de direito. Respeitados esses três princípios, as leis podem ser alteradas, modificadas ou atualizadas sem gerar insegurança para os cidadãos e para suas atividades empresariais. Isso é muito importante para que uma sociedade se desenvolva em harmonia. 1.4 Territorialidade da lei O Estado brasileiro tem soberania em seu território para adotar as leis aprovadas pelo Poder Legislativo, mas o campo de aplicação dessas leis é o território brasileiro, porque não há autoridade fora dos limites de nosso território, na medida em que cada país do mundo adota e cumpre suas próprias leis. Território é a porção de terra contínua ou não em que uma nação vive, se organiza e determina as regras de cumprimento obrigatório para todos. O território compreende o solo, o subsolo, o espaço aéreo e as águas fluviais e marítimas. Também compreende as embaixadas, navios e aeronaves. 14 Unidade I Observação Julian Paul Assange, ativista australiano fundador do site WikiLeaks, que publica postagem de fontes anônimas, em especial documentossecretos de governos e empresas que foram vazados para serem conhecidos do púbico, morou durante sete anos na Embaixada do Equador, na cidade de Londres, Inglaterra, sem poder sair de lá para não ser preso pelas autoridades inglesas. Essa história mostra, na prática, como a embaixada é o território de um país, ainda que, geograficamente, instalada em outro sob outra legislação. Um estrangeiro que viva no Brasil deverá seguir estritamente as normas brasileiras para todos os atos de sua vida, inclusive na administração de empresas, compra de bens móveis ou imóveis, casamento ou qualquer outro ato que pretenda praticar. No entanto, se for possuidor de bens em outro país serão as normas desse Estado que regerão o regime de propriedade dos bens, sem nenhuma interferência das normas brasileiras. Os estrangeiros deverão seguir as leis brasileiras também para envio de dinheiro ao exterior, mesmo que seja para sustentar suas famílias. O dinheiro poderá ser enviado, porém seguindo as regras de direito brasileiras. Também poderão ser aplicadas normas de tratados internacionais dos quais o Brasil tenha se tornado signatário. Quase sempre são normas decretadas por organismos internacionais dos quais o Brasil é membro, como é o caso da Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização do Mercado Comum do Sul (Mercosul), Tribunal Penal Internacional, Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), entre vários outros dos quais o país participa. Sempre que uma dessas entidades aprovar uma lei, ela deverá ser cumprida por todos os membros signatários, ou seja, por todos os países que concordam com o cumprimento dela. Muitas vezes, os países concordam em cumprir a lei internacional, mas precisam de mais tempo para se adequar, ou pretendem fazer a implantação por etapas. Isso ficará registrado no documento de assinatura, e o órgão internacional acompanhará as etapas de implantação. Figura 1 – Prédio da ONU em Nova York, estampado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 15 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Quando o Brasil se torna signatário de um acordo internacional, os termos do acordo são submetidos ao Poder Legislativo federal para que sejam aprovados e comecem a ser obrigatoriamente cumpridos por todos. Saiba mais O Brasil ratificou o Estatuto de Roma de 1998, por meio do qual a ONU deliberou a criação do Tribunal Penal Internacional, que se localiza em Haia, na Holanda. O Brasil entende que esse tribunal é um avanço na luta contra a impunidade pelos crimes de maior gravidade praticados no cenário internacional. O Tratado de Roma foi incorporado à legislação brasileira pelo Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002. Para saber mais sobre o Tribunal Penal Internacional, consulte o site: www.icc-cpi.int/Pages/Main.aspx 1.5 Organização Judiciária Brasileira O sistema do Poder Judiciário no Brasil está regulado pelo artigo 92 e seguintes da Constituição Federal e estabelece que o mais importante tribunal é o Supremo Tribunal Federal (STF), sediado em Brasília, e que conta com 11 juízes que são denominados como ministros. O STF tem por força de lei a obrigação de decidir os conflitos que envolvem a aplicação da Constituição Federal e, por isso, é chamado de “guardião da Constituição Federal”. Ele julga ações judiciais que tenham tido origem em outras instâncias, mas cujo assunto dependa da aplicação de norma constitucional; também trata dos casos daqueles que têm a prerrogativa legal de serem julgados pelo STF, como acontece com o presidente da República, ministros de estado, parlamentares, entre outros. O portal do STF na internet informa que o órgão: É composto por onze Ministros, todos brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988). Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro. 16 Unidade I Na área penal, destaca-se a competência para julgar, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, entre outros (art. 102, inc. I, a e b, da CF/1988). Em grau de recurso, sobressaem-se as atribuições de julgar, em recurso ordinário, o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, e, em recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição (BRASIL, 2019). O Superior Tribunal de Justiça (STJ), outro tribunal federal brasileiro localizado em Brasília, é chamado comumente de “tribunal da cidadania” porque é a ele que os cidadãos comuns se dirigem em último grau para solução de conflitos das áreas de direito de família, contratos, relações de consumo, propriedade, direito penal entre tantos outros temas corriqueiros na vida do cidadão. No portal do STJ lê-se: Criado pela Constituição Federal de 1988, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil. É de sua responsabilidade a solução definitiva dos casos civis e criminais que não envolvam matéria constitucional nem a justiça especializada. [...] O STJ é composto por 33 ministros. Eles são escolhidos e nomeados pelo Presidente da República, a partir de lista tríplice formulada pelo próprio tribunal. O indicado passa ainda por sabatina do Senado Federal antes da nomeação. A Constituição prevê que os ministros tenham origem diversificada: um terço deve ser escolhido entre desembargadores federais, um terço entre desembargadores de justiça e, por fim, um terço entre advogados e membros do Ministério Público (BRASIL, [s.d.]b). Para os conflitos na área de direito do trabalho existe o Tribunal Superior do Trabalho (TST), composto por 27 ministros, aos quais incumbe a decisão final sobre a aplicação do direito do trabalho no plano coletivo e individual. Esse órgão julga em última instância no Brasil os processos coletivos e individuais que versam sobre relações trabalhistas. No site do TST na internet temos que: O Tribunal Superior do Trabalho (TST), com sede em Brasília-DF e jurisdição em todo o território nacional, é órgão de cúpula da Justiça do Trabalho, nos termos do artigo 111, inciso I, da Constituição da República, cuja função precípua consiste em uniformizar a jurisprudência trabalhista brasileira. 17 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Nos processos de sua competência, o TST é dividido em turmas e seções especializadas para a conciliação e julgamento de dissídios coletivos de natureza econômica ou jurídica e de dissídios individuais. O TST é composto de vinte e sete Ministros, escolhidos entre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, nomeados pelo Presidente da República após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo: I – um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94; II – os demais entre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da magistratura da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior (BRASIL, [s.d.]c). A capital federal brasileira sedia, ainda, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem a incumbênciade julgar todos os conflitos que envolvem eleições no país, em qualquer nível – federal, estadual e municipal –, no sentido de que sempre estejam garantidas a regularidade dos partidos, dos candidatos e das próprias eleições. O site do TSE informa: O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão máximo da Justiça Eleitoral, exerce papel fundamental na construção e no exercício da democracia brasileira. Suas principais competências estão fixadas pela Constituição Federal e pelo Código Eleitoral (Lei n. 4.737, de 15-7-1965). O TSE tem ação conjunta com os tribunais regionais eleitorais (TREs), que são os responsáveis diretos pela administração do processo eleitoral nos estados e nos municípios. A Corte é composta por sete ministros: três são originários do Supremo Tribunal Federal, dois do Superior Tribunal de Justiça e dois representantes da classe dos juristas – advogados com notável saber jurídico e idoneidade. Cada ministro é eleito para um biênio, sendo proibida a recondução após dois biênios consecutivos. A rotatividade dos juízes no âmbito da Justiça Eleitoral objetiva manter o caráter apolítico dos tribunais, de modo a garantir a isonomia nas eleições (BRASIL, [s.d.]c). O último tribunal superior em Brasília é o Supremo Tribunal Militar (STM), composto por 15 ministros e que tem como principal competência o julgamento de conflitos no âmbito das forças armadas. 18 Unidade I Saiba mais Para informações complementares sobre o STM, consulte a página do tribunal no link a seguir: www.stm.jus.br No âmbito de cada unidade da federação brasileira temos juízes civis e criminais, e tribunais de justiça para causas civis, empresariais e de consumo. Para a solução dos conflitos de direito do trabalho temos varas trabalhistas e tribunais regionais do trabalho; e para os conflitos que envolvem matéria federal, como alguns da área de direito tributário, teremos justiça federal e tribunais regionais federais. O Brasil possui 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) localizados nas seguintes regiões: Rio de Janeiro, São Paulo (2), Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco, Ceará, Pará, Amapá, Paraná, Distrito Federal, Tocantins, Roraima, Amazonas, Santa Catarina, Paraíba, Acre, Rondônia, Maranhão, Espírito Santo, Goiás, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte, Piauí, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O país tem ainda cinco Tribunais Regionais Federais com sede em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Recife. Além desses tribunais federais e regionais, cada estado da federação brasileira possui magistrados em comarcas e também seus Tribunais de Justiça. Comarca é uma extensão territorial sobre a qual um juiz de primeira instância, ou de primeiro grau, exerce sua atividade jurisdicional. Em outras palavras, é uma porção territorial que está sob responsabilidade de um magistrado que será a única autoridade judicial a poder aplicar o direito ali. Por vezes, a comarca possui uma única cidade e, às vezes, engloba várias cidades que responderão para o mesmo magistrado. Cidades mais populosas são comarcas com vários juízes que, às vezes, atuam em áreas separadas, como direito civil, direito penal, direito de família e sucessões, direito empresarial e outras. Essa organização é definida pelo Tribunal de Justiça de cada estado federativo por meio de seu código de organização judiciária. Assim, temos magistrados federais ou estaduais, mas não há previsão constitucional para justiça municipal. 1.6 A atividade dos magistrados e sua proteção Os magistrados brasileiros de qualquer instância, juízo ou tribunal estão garantidos pela Constituição Federal em relação a três garantias muito relevantes, em conformidade com o disposto no artigo 95, incisos I, II e III, assim redigidos: Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: I – vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado; 19 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES II – inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII; III – irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998) (BRASIL, 1988). As três garantias se destinam a assegurar que os magistrados brasileiros no desempenho de suas atividades possam agir com independência e imparcialidade, sem temer nenhuma retaliação em decorrência de suas decisões, seja das próprias partes, seja dos governantes. Assim, o juiz tem garantida a vitaliciedade, que significa que o magistrado não perderá seu cargo em razão das decisões que adotar. Somente poderá perder o cargo de magistrado após sentença judicial transitada em julgado em processo no qual tenha tido a garantia da ampla defesa e de contrariar todos os fatos e argumentos apresentados contra ele (princípio do contraditório, garantido pela Constituição Federal). Ensina Ronnie Herbert Barros Soares que: Os magistrados de carreira, assim compreendidos os que ingressam no Poder Judiciário por meio do concurso público, após submeterem-se a um estágio probatório de dois anos, em que são avaliados e orientados pelas Corregedorias de Justiça, Escolas de Magistratura e Administração dos Tribunais, sem que tenham enfrentado problemas de ordem profissional ou pessoal que afetem o exercício do cargo, são declarados vitalícios, o que significa que somente podem ser demitidos, só perdem o cargo, por decisão judicial transitada em julgado (art. 95, I, da CF) (MAGISTRATURA, [s.d.]). O magistrado, após tomar posse como juiz substituto, está sujeito à confirmação no cargo e, enquanto não vitalício, pode ser desligado da magistratura por decisão administrativa do Tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça. Ao contrário do que comumente se afirma nos meios de comunicação, o magistrado pode ser demitido por infração disciplinar, como previsto no artigo 92, inciso VI, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Em se tratando de juiz não vitalício, a decisão pode ser proferida em processo administrativo. Mas para o magistrado vitalício, a perda do cargo depende de decisão judicial transitada em julgado, proferida em ação proposta para a perda do cargo. Como ressalta Olavo de Oliveira Neto, essa garantia constitucional busca assegurar a independência funcional do magistrado, a fim de impedir que “venha a perder o cargo por proferir uma decisão contrária aos interesses de pessoas que poderiam, inexistente tal garantia, por meios políticos, forçar a sua demissão” (MAGISTRATURA, [s.d.]). Sem a garantia da vitaliciedade, um magistrado que desagradasse lideranças políticas com suas decisões, poderia ser demitido sumariamente sem que pudesse se defender. No Brasil contemporâneo, em que tantas decisões difíceis têm sido tomadas pelos magistrados, inclusive levando à prisão importantes figuras do mundo político e empresarial, é fácil compreender a importância da garantia da vitaliciedade. 20 Unidade I Os magistrados têm, ainda, a garantia da inamovibilidade, que significa que um magistrado não poderá ser removido do local em que se encontra trabalhando, sem que tenha manifestado sua prévia concordância. Claro que existem hipóteses de remoção do magistrado de uma comarca para outra por razões de comprovado interesse público. Mas, em geral, a remoção do magistrado de um lugar para outro somente pode ser realizada com a concordância deste, para impedir a transferência arbitrária, como vingança em decorrência de uma decisão tomada pelo magistrado. Imaginemos que um juiz de uma comarca instalada em cidade grande provida de todos os recursos seja removido para uma pequena cidade do interior, muito distante da capital, simplesmente porque tomou uma decisão judicial que contrariou políticos locais. Essa possibilidade colocaria o magistrado em umavida tormentosa, sempre à mercê daqueles que estivessem contrários às suas decisões. A lei prevê a hipótese de o magistrado recusar uma promoção se, por acaso, perceber que ela está sendo concedida apenas para disfarçar o interesse de removê-lo da comarca em que ele está trabalhando e na qual, com certeza, está tomando decisões que contrariam o poder político ou econômico. Imaginemos que um magistrado de uma pequena cidade do interior do país julga um caso em que o ministério público tenta impedir grave dano ambiental com a instalação de uma usina hidrelétrica que vai derrubar área de preservação. O juiz analisa o caso, as provas produzidas e ao final impede a instalação da hidrelétrica contrariando um poderoso grupo econômico que apoia o prefeito. Em seguida, o juiz recebe a informação de que será removido da comarca por promoção para a capital e o grupo econômico aprova um novo projeto de construção de hidrelétrica desta vez alguns quilômetros acima do projeto inicialmente apresentado para aprovação. Essa hipótese pode ocorrer muitas vezes em um país de grandes dimensões como o Brasil e é fundamental que os magistrados tenham garantia de que não sofrerão consequências negativas em razão de suas decisões. Os magistrados possuem ainda garantia de irredutibilidade de vencimentos, ou seja, nenhum juiz sofrerá redução de seu salário como forma de inibir sua independência, ou como vingança contra atos praticados. Os magistrados estão sujeitos a descontos em seu salário como todos os demais trabalhadores, em especial de imposto de renda e contribuição previdenciária, porém essas são hipóteses previstas em lei e aplicáveis a todos os trabalhadores. Por outro lado, os juízes estão proibidos de exercer outras atividades além da magistratura por força do que determina a Constituição Federal, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, os Regimentos Internos dos Tribunais e as normas do Conselho Nacional de Justiça. Assim, além da atividade como magistrado eles só podem exercer o magistério, ou seja, podem ser professores. Mas não podem exercer atividade empresarial embora possam ser sócios ou acionistas de empresas. A vedação está restrita ao exercício de atividade administrativa ou gerencial à frente da empresa o que, certamente, é incompatível com o exercício da magistratura. É vedado aos magistrados, também, receberem auxílio ou contribuições de pessoas físicas ou jurídicas ou, ainda, de custas processuais recolhidas pelas partes no processo. Quando se aposentam da atividade judicial deverão cumprir um período de três anos para que possam exercer a advocacia perante o tribunal no qual trabalhavam, como garantia da transparência e da integridade ética. 21 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Os magistrados são proibidos por lei de se manifestarem por qualquer meio de comunicação sobre processos que estejam julgando, ou sobre processos sob responsabilidade de qualquer outro magistrado. Somente poderão se manifestar em caráter científico ou acadêmico, numa aula, palestra ou artigo científico. Fora dessas possibilidades, as manifestações estão vedadas, em especial aquelas concedidas à imprensa. Por fim, é vedado aos magistrados exercer atividade político-partidária porque isso também é incompatível com as exigências que o cargo impõe. 2 REGRAS FUNDAMENTAIS DOS PROCESSOS JUDICIAIS NO BRASIL Na vida cotidiana das empresas e de seus administradores, não é incomum que alguns conflitos sejam levados para solução judicial, razão pela qual os setores jurídicos internos ou externos das empresas são importantes para assessorar a tomada de decisões tanto no processo judicial como para evitar que eles aconteçam. Os consultores jurídicos e advogados são essenciais para a vida empresarial, mas isso não significa que os administradores não devam possuir noções sobre processo judicial, de forma a atuar em colaboração com o setor jurídico e para que suas decisões sejam melhor fundamentadas. Vamos aqui tratar dos processos judiciais em geral que, como sabemos, podem ser para solução de conflitos de várias áreas diferentes do direito. As mais comuns na vida empresarial são temas relacionados a contratos, relações trabalhistas, recolhimento de tributos, danos ambientais, obrigações de pagamento, entre outros semelhantes. Os elementos fundamentais para um processo judicial são: a petição inicial, a contestação, as provas, as decisões judiciais e o trânsito em julgado. Vamos conhecer esses elementos dos processos judiciais, mas antes vamos saber quais são os princípios que deverão ser obrigatoriamente obedecidos. Na definição de Celso Antonio Bandeira de Mello (2008, p. 747): Princípio [...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalização do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. [...] A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que os sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada. 22 Unidade I Para Miguel Reale (1986, p. 60): Princípios são, pois verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições, que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários. As duas definições proferidas por importantes estudiosos de Direito nos permitem compreender a importância dos princípios jurídicos e, muito em especial, a importância dos princípios constitucionais que são aqueles que emanam da lei fundamental do país. Existem princípios para as diversas áreas do direito, mas são os princípios constitucionais que possuem maior relevância à medida que criam parâmetros que deverão obrigatoriamente ser obedecidos por todas as demais áreas. A respeito dos princípios constitucionais, o professor de direito e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso (1999, p. 147), afirma: [...] são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. Princípios são, portanto, a base que fundamenta uma determinada área do direito e que devem ser obedecidos da mesma forma que a lei, sob pena de sofrer sanção legal aquele que deixe de cumprir o que os princípios determinam. A seguir, os princípios processuais constitucionais: Devido processo legal Determinado pelo artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal. O cumprimento desse princípio é que garante que sejam respeitadas pelos magistrados e pelas partes todas as garantias processuais que tenham por objetivo garantir uma sentença justa e célere. Isonomia O artigo 5º, caput e I da Constituição Federal, garante que as partes recebam tratamento igualitário para o exercício de todos os seus direitos processuais. Ninguém será impedido de ingressar em juízo para defender seus direitos por qualquer razão, inclusive de caráter econômico. Para esses casos, ou seja,quando a parte precisar exercer direitos em juízo e não tiver condições econômicas para custear advogado ou pagar as custas do processo, o Estado terá obrigação de fornecer um advogado e isentar a parte da obrigação de pagar custas processuais. Claro que a parte terá que provar que não tem 23 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES condições econômicas, mas trata-se de prova simples que não causa maior ônus para ninguém. Durante o processo, as partes terão as mesmas oportunidades de manifestação, de forma a garantir a igualdade de tratamento. Contraditório Está previsto também no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal e significa a exigência de que o juiz dê ciência ao réu da existência do processo e, às partes (autor e réu) de todos os atos praticados no processo. As partes têm direito de ter ciência dos atos praticados no processo para que possam se manifestar, apresentar suas provas e argumentos. É em decorrência do princípio do contraditório que as partes recebem citações e intimações durante o processo judicial e têm que se manifestar representadas por seus advogados ou diretamente, quando são chamadas, por exemplo, para prestar depoimento. Contraditório significa na prática que a cada manifestação de uma parte processual a outra terá direito de se manifestar, até que se encerre essa fase de coleta de provas e argumentos e o juiz tenha elementos para poder decidir o conflito e apresentar os fundamentos de sua decisão. Algumas vezes, em caráter de exceção decorrente da urgência, o juiz poderá tomar decisões sem ouvir a outra parte. São as chamadas tutelas de emergência reguladas pelo Código de Processo Civil brasileiro, que determina: Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. § 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la. § 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (BRASIL, 2015a). Para conceder a tutela de urgência o magistrado deverá ter elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou riso ao resultado útil do processo. E mesmo assim, por vezes, poderá ocorrer uma audiência de justificação prévia, quando a parte requerente da liminar é chamada para apresentar provas que corroborem suas alegações e os documentos já apresentados. Isso significa que o magistrado quer ter muita convicção antes de decidir porque ainda não houve oportunidade processual de defesa para a outra parte. As tutelas de emergência são muito comuns em conflitos para embargos de obra de engenharia civil, ou para concessão de tratamento médico ou hospitalar quando o Estado ou a operadora de saúde 24 Unidade I negaram o pedido ao usuário. Nessas hipóteses, entre outras, é usual que as partes ingressem com pedido de concessão de tutela dado à emergência do assunto a ser decido e os graves prejuízos que poderão advir da demora na decisão. Inafastabilidade do controle jurisdicional Previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, significa que nenhuma lei no país poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito. Em outras palavras, esse artigo da Constituição Federal brasileira garante a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país que tenham acesso à justiça, que possam ir ao poder judiciário para solucionar seus problemas. Em muitos casos, a justiça poderá decidir que a parte não tem direito de pedir aquela solução, exatamente porque o direito não a socorre, não lhe garante a possibilidade daquele pedido. É o que acontecerá, por exemplo, se alguém ingressar com uma ação judicial alegando que não quer pagar as prestações a que se comprometeu em razão do contrato de financiamento do carro porque está cansado, não quer mais trabalhar e, por isso, não quer mais ter a responsabilidade de pagar as prestações. Não há direito que fundamente esse pedido porque a lei determina que todos aqueles que assumirem obrigações devem cumpri-las, no tempo e no modo combinados no contrato ou no instrumento jurídico que representa a obrigação legal assumida. Nesse caso, o magistrado não poderá deixar a ação judicial seguir e deverá determinar seu imediato arquivamento, porque não há legítimo interesse de agir, não há direito a ser protegido. Imparcialidade do juiz Pelo artigo 5º, incisos LIII e XXXVIII, da Constituição Federal, as partes não poderão escolher o juiz que vai decidir o conflito porque ele deverá pertencer a um tribunal que já existia anteriormente ao caso concreto, organizado em conformidade com a Constituição Federal e com as leis próprias de organização judicial. O juiz é funcionário do Estado e serve a esse Estado de forma imparcial em relação às partes, sem nenhum privilégio ou favorecimento porque poderá ser responsabilizado por atos dessa natureza, inclusive condenado a indenizar aqueles que tiverem sido prejudicados e sofrer a punição de ser exonerado do cargo por não cumprir determinações legais pertinentes. Publicidade dos atos judiciais Está prevista no artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal. Todos os atos praticados em um processo judicial são publicados no Diário Oficial do Estado ou da União, a depender de se tratar de processo tramitado em esfera estadual ou federal. Os Diários Oficiais na atualidade são eletrônicos, acessíveis a todos e a publicidade dos atos é a garantia de que a sociedade possa fiscalizar os atos praticados pelos magistrados no processo judicial para inibir qualquer prática ilegal ou imoral. A publicidade também permite que a sociedade conheça as partes litigantes e a razão pela qual litigam, o que sempre é positivo como cumprimento do direito de informação que todo cidadão possui. Como toda regra, a publicidade do processo judicial também comporta exceções e poderá ser restringida quando se tornar negativa para as partes envolvidas no processo. Nesses casos, será aplicada o chamado “segredo de justiça”, em que se ocultam os nomes das partes no processo judicial embora se publiquem os atos praticados. 25 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES O segredo de justiça é quase sempre aplicado nos casos de direito de família em que a divulgação do nome das partes será prejudicial a elas próprias, porque os fatos tratados são referentes ao núcleo de intimidade das pessoas e deverão ser protegidos na esfera da privacidade à qual todos temos direito. De fato, um processo judicial de separação litigiosa por motivo de agressão física entre os cônjuges deve ser julgado com respeito à privacidade das partes, para que não fiquem expostas além do estritamente necessário. Mas, ainda nesses casos, serão publicados os atos judiciais praticados, embora os nomes das partes fiquem ocultados por siglas. Duplo grau de jurisdição Embora não haja expressa previsão constitucional para o duplo grau de jurisdição, ele é decorrência da própria organização judicial brasileira prevista na Constituição Federal que viabilizou a existência de vários tribunais, como vimos neste trabalho. O direito de recorrer a um tribunal superior é muito importante porque dá a garantia de que as decisões dos juízes singulares serão revistas por um colegiado, composto por magistrados mais experientes e que poderão corrigir eventuais equívocos praticados na primeira decisão. Muito embora haja uma crítica quanto ao grande número de recursos que podem ser interpostos pelas partes após a decisão e o argumento de que eles atrasariam o efetivo cumprimento da decisão judicial que, não raro, quando é cumprida já se passaram tantos anos que ela sequer cumpre oseu papel, a realidade é que a existência de recursos é uma exigência da vida no estado democrático de direito. Todos os cidadãos têm direito de ver a decisão judicial, principalmente aquelas proferidas por um juiz singular, conhecida e revista por um colegiado de três magistrados (como acontece nos Tribunais de Justiça de cada Estado da federação), ou de número maior, como acontece nas Turmas dos Tribunais Superiores, para ter certeza de que a decisão está correta, bem fundamentada, que as provas apresentadas foram analisadas com rigor e, portanto, a decisão simboliza a aplicação da justiça. Sabedor de que sua decisão será analisada por um órgão superior, o magistrado fica imbuído de ainda maior cautela, cuidado e rigor na avaliação das provas e na interpretação da lei para aplicá-la ao caso concreto. Isso é positivo para a vida em sociedade e torna mais confiáveis as decisões proferidas. Princípio da razoável duração do processo Está previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. Esse princípio é uma diretriz para todos os Poderes da República. Para os legisladores, é um aviso para que editem leis de fácil compreensão, que não criem interpretações divergentes. Para os administradores, um sinal de que devem propiciar aos órgãos do poder judiciário todas as condições necessárias para que o trabalho flua sem problemas. E, para o próprio judiciário, o princípio é a exigência de trabalho célere, diligente, cuidadoso, porém ágil, de forma que os jurisdicionados – que são os cidadãos brasileiros e os estrangeiros residentes no país –, recebam sempre a melhor solução da justiça (no sentido de tecnicamente perfeita), no menor espaço de tempo entre o início e o final do processo. O Código de Processo Civil, Lei n. 13.105, de 2015, no artigo 1.048 prevê situações para as quais as partes terão prioridade na tramitação de seus processos, perante qualquer juízo ou tribunal. São os 26 Unidade I casos em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos, ou que seja portadora de doença grave; que sejam parte crianças ou adolescentes; ou, ainda, em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei n. 11.340, de 2006, denominada comumente como Lei Maria da Penha. Evidentemente que no Brasil contemporâneo, por inúmeras razões, estamos muito longe de cumprir o princípio da razoável duração do processo. Você com certeza conhece um processo judicial que se arrasta há muitos anos sem decisão final, ou já viu notícias a esse respeito e, portanto, conhece os prejuízos que as partes sofrem quando a decisão não é proferida no tempo correto. Imagine a situação da viúva com filhos pequenos que fica por dez anos aguardando a decisão da ação movida contra o empregador do marido falecido, que não fornecia os equipamentos de proteção individual adequados e, em consequência, ocorreu um acidente de trabalho que custou a vida do esposo, pai de seus filhos pequenos. Como custear a manutenção de filhos e a sua própria quando não se tem mais os recursos do salário do esposo, e ainda é preciso esperar pela decisão judicial que vai definir o dever de indenizar, o valor a ser indenizado e a forma como a indenização será paga. Esperar dez anos ou mais por uma decisão dessa é uma forma profundamente injusta de agir. Em outro exemplo que podemos utilizar para nossas reflexões, imagine uma indústria que foi multada por não recolher um determinado tributo que ela entende que não precisa ser recolhido, porque a hipótese de incidência tributária não está suficientemente clara. A empresa ficará com seus recursos econômicos comprometidos durante anos até que a decisão judicial definitiva decida que o tributo não é devido e, portanto, os valores pagos, inclusive a título de multa, deverão ser restituídos com juros e correção monetária. É, sem dúvida, uma hipótese comum na vida das empresas e sempre bastante prejudicial, porque aqueles recursos poderiam ter sido utilizados em muitas outras atividades, inclusive de expansão e modernização da empresa. Não é difícil encontrarmos casos reais de empresas que sucumbiram e fecharam suas portas por falta de decisões judiciais mais rápidas. Por outro lado, é imprescindível que as partes litigantes no processo judicial tenham direito de obter uma outra decisão além daquela primeiramente proferida, de forma que eventuais erros técnicos de aplicação da lei, de análise da prova ou de interpretação da lei possam ser corrigidos e, desse modo, que a justiça seja efetivamente aplicada. A equação é difícil de ser solucionada, mas os esforços conjuntos dos poderes da república e da sociedade brasileira certamente nos conduzirão ao aprimoramento das práticas processuais judiciais com objetivo de que tenhamos direito ao duplo grau de jurisdição, sem perder de vista a necessidade da celeridade do processo judicial. 2.1 Processos judiciais no Brasil O Brasil vive há pelo menos 20 anos um fenômeno denominado judicialização das relações sociais. Consiste em dar preferência a soluções judiciais para os conflitos em vez de procurar outras formas de negociação que permitiriam soluções mais céleres e, por vezes, menos traumáticas do que a decisão judicial. 27 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Há um enorme desgaste material e emocional com demandas judiciais, tanto para pessoas naturais como para pessoas jurídicas. Gastos com advogados e custas processuais, organização de documentos para serem utilizados como prova, busca de testemunhas que possam provar os fatos, comparecimento em audiências e encontro forçado com a parte contra a qual se litiga, dificuldade de o magistrado compreender detalhadamente a situação porque são muitos processos e ele nem sempre tem o tempo necessário para ler minuciosamente, todos esses são momentos difíceis para quem processa judicialmente ou é processado. Existem outras formas de solucionar conflitos além dos processos judiciais e, quase sempre, elas são mais indicadas, porém ainda não estão suficientemente introduzidas na vida cotidiana dos brasileiros para quem, quando surge o conflito, prefere utilizar as ações judiciais. Assim, não será difícil que um administrador de empresas no Brasil tenha que dedicar parte de seu tempo para organizar a atuação de sua empresa no poder judiciário, seja para se defender em um processo movida contra ela, seja para ela própria iniciar ação judicial contra outra pessoa jurídica ou natural. Os conflitos mais comuns são aqueles que envolvem questões trabalhistas, contratuais, tributárias e de cumprimento de obrigações assumidas – entrega de produtos, prazo, preço fixado, modelo –, entre outras. Por isso, é importante que o administrador de empresas conheça os fundamentos essenciais do desenrolar de um processo judicial, para que possa organizar e planejar atividades quando estiver às voltas com um conflito que se desenvolve no Poder Judiciário. Por exemplo: a empresa pactua um contrato de entrega de matéria-prima que não é cumprido e gera prejuízos porque há necessidade de comprar novamente de outro fornecedor, com custo mais alto. Cobrada a empresa fornecedora se nega a pagar e é necessário ingressar com uma ação judicial. O advogado da empresa é chamado para isso e solicita documentos e indicação do nome de testemunhas para elaborar a petição inicial. Depois dessa etapa o administrador terá que planejar próximas compras, recursos destinados a isso e poderá se perguntar: em quanto tempo poderemos ter de volta esses recursos econômicos? Quando poderemos contar novamente com esses valores no caixa e dar a ele destinação útil para o planejamento da empresa? Essas e outras perguntas são comumente formuladas aos advogados empresariais. Será importante compreender as diferentes etapas de um processo judicial e poder avaliar o tempo necessário para a solução definitiva do conflito. Além disso, conhecer as diferentes etapas de um processo judicial auxilia na tomada de decisões sobre mover ou nãouma demanda judicial. Por vezes, por maior que sejam as provas documentais, técnicas e testemunhais, por maiores que sejam os percentuais de chance êxito no processo judicial, é melhor não mover a ação e solucionar o conflito por mediação ou conciliação, ou até por arbitragem que teoricamente é mais caro que as outras duas modalidades, do que custear uma demanda judicial que poderá demorar muitos anos e implicar em altos custos até que venha a solução definitiva. Um roteiro simples de uma ação judicial de natureza civil – e não penal, porque então o roteiro pode ser outro –, tem as seguintes etapas: 28 Unidade I Petição inicial Citação Contestação Produção de provas Decisão de primeira instância Interposição de recurso Resposta às razões de recurso Decisão de segunda instância Execução da sentença Figura 2 Na sequência, vamos analisar alguma dessas etapas: Petição inicial É o documento escrito e assinado pelo advogado que narra os fatos conflituosos e fundamenta os direitos da parte que ingressa com o pedido com base na lei. Na área de direito civil onde estão os direitos das pessoas naturais ou jurídicas, a parte que ingressa com a ação é chamado de autor, demandante ou requerente. A parte contra quem se propõe a ação judicial é chamado de requerido ou demandado. A palavra réu é utilizada usualmente para o direito penal, embora não seja incorreto utilizá-la no âmbito do direito civil, empresarial ou tributário. Na área do direito do trabalho, a parte que propõe a ação judicial é chamada de reclamante, e a parte contra quem se propõe a ação é chamada de reclamado. A petição inicial em conformidade com o que determina o artigo 319 do Código de Processo Civil deverá indicar: 29 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Juízo a que é dirigida Petição inicial Opção ou não por audiência de conciliação Qualificação detalhada do requerente e do requerido Valor da causa Pedido com suas especificações Provas que o autor pretende produzir Fatos e fundamentos do pedido Figura 3 Alguns esclarecimentos necessários: • Juízo a que é dirigida não significa que a parte possa escolher o juiz porque já vimos anteriormente que isso é vedado pela legislação brasileira. Dirigir a petição ao juiz significa escolher apenas: (i) a área da justiça (civil, penal ou trabalhista); e, (ii) a comarca na qual a ação judicial vai ser distribuída que, quase sempre, é a comarca do domicílio do requerente. • Qualificação das partes deve ser o mais completa possível com referência a nome, prenome, estado civil, existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu. • Fato e os fundamentos jurídicos do pedido devem ser detalhados, completos, minuciosos e, principalmente, fundamentados na lei, em decisões judiciais anteriores – jurisprudência, ou em instrumentos válidos como contratos, títulos de crédito e outros aos quais a lei reconhece a capacidade de gerar direitos e obrigações. • O pedido com as suas especificações significa que o pedido deve ser certo conforme determina o artigo 322 do Código de Processo Civil e, no pedido devem ser incluídos o principal, a incidência de juros legais, de correção monetária e as verbas de sucumbência, em especial os honorários advocatícios. Verba de sucumbência é o valor a ser pago pela parte que perde a ação judicial para o advogado da parte que ganha. É um percentual arbitrado pelo juiz e é ficado entre 10% e 20% do valor dado à causa que, quase sempre, é o valor do pedido. Assim, em uma ação de cobrança 30 Unidade I no valor de R$ 200.000,00 a parte que perder deverá pagar esse valor, acrescido de juros legais e correção monetária, de custas do processo e, de verba honorária de sucumbência que o juiz arbitrar. Esse valor de verba de sucumbência é diferente do valor que a parte paga ao advogado para que trabalhe para ela. A parte contrata seu advogado e paga a ele um valor combinado entre eles para que seja proposta a ação judicial ou apresentada a defesa. Esse valor remunera o trabalho do advogado e a verba de sucumbência remunera o êxito que ele propiciou à parte, ou seja, remunera a vitória que o advogado teve. • Valor da causa quase sempre é o valor atribuído ao direito pleiteado na ação judicial. Por exemplo, em uma ação de cobrança no valor de R$ 200.000,00, o valor da causa será o mesmo do valor do pedido. Para ações judiciais em que o pedido seja de prestação continuada como no caso de dever de alimentos dos pais para os filhos, será calculado como o valor equivalente a doze prestações mensais. • As provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados deverão ser especificadas, ou seja, se serão produzidas provas documentais, testemunhais ou provas técnicas como a perícia, por exemplo. As provas documentais devem acompanhar a petição inicial, todos os documentos que comprovam os fatos e o direito devem ser apresentados no mesmo momento da petição inicial sob pena de o autor não poder mais apresentá-los. O mesmo se dá para os documentos da defesa que devem ser apresentados no momento da juntada ao processo da contestação, sobre a qual falaremos mais à frente. • A opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação. Essa é uma novidade implementada pelo Código de Processo Civil de 2015 que substituiu o anterior, de 1973. Um dos objetivos do chamado novo Código de Processo Civil é tornar as oportunidades de conciliação mais simples e, para cumprir esse objetivo, a parte deverá indicar logo no primeiro ato processual que pratica, a apresentação da petição inicial, se concorda que seja agendada uma audiência de tentativa de conciliação para que as partes possam dialogar sobre um acordo que coloque fim à demanda. É sempre positivo concordar com a tentativa de conciliação porque ela será realizada em juízo, ou seja, por um representante do poder judiciário e isso significa que não se trata de perda de tempo, mas de excelente oportunidade para colocar fim rapidamente ao conflito. Recebida a petição inicial, o Poder Judiciário determinará que a parte contrária seja citada para apresentar sua defesa. Em conformidade com o disposto no artigo 238 do Código de Processo Civil, citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual. Integrar a relação processual tem um objetivo: apresentar os fatos e as provas necessárias para comprová-los no sentido de demonstrar que o pedido formulado na inicial não está correto ou, pelo menos, não está inteiramente correto. Citação Receber uma citação significa que começa a correr um prazo processual para que medidas sejam adotadas. Por isso, ao receber uma citação é preciso informar imediatamente o setor 31 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES jurídico da empresa ou o advogado prestador de serviços da empresa para que sejam adotadas providências legais necessárias. Prazos processuais são fixados em lei e não podem ser prorrogados nem por decisão do magistrado. São inflexíveis. É preciso ter muito cuidado para não perder o prazo processual porque isso pode significar a perda do processo judicial, ou seja, tudo o que foi alegado contra a parte será considerado verdadeiro pelo simples fato de que ela não apresentou sua resposta no tempo correto fixado pela lei. Para identificar uma citação judicial, observe primeiro os símbolos visuais do documento. Se for o brasão da República, é possível que seja citação judicial de um processo que está tramitando na Justiça Federal ou na Justiça do Trabalho. Figura 4 – Brasão de Armas do Brasil Se o documento tiver o brasão de um Tribunal de Justiça de Estado da federação brasileira, é porque o processo judicial está em tramitação numa vara cível ou criminal do estado em que as partes têm domicílio. Figura 5 32 Unidade I A palavra citaçãosempre estará em destaque, normalmente em letras maiúsculas e em negrito. Com isso você já terá condições objetivas de compreender que precisa levar esse fato imediatamente ao conhecimento de seus superiores ou dos advogados, caso sua função administrativa na empresa lhe permita fazer contato diretamente com o setor jurídico. Nunca adie essa informação, não deixe para informar no dia seguinte ou em outro momento qualquer. Essa é uma informação prioritária que a empresa precisa ter o mais cedo possível para poder adotar as medidas cabíveis e pertinentes. É bastante comum que as empresas percam o prazo para contestar uma ação judicial que era injusta, que não tinha provas documentais ou técnicas adequadas, que seria facilmente revertida em juízo com bons resultados para a empresa, apenas porque o empregado que recebeu a citação não levou ao conhecimento dos responsáveis no prazo certo. Um esquecimento dessa natureza pode levar a empresa a perder valores muito significativos e, não raro, pode significar a falência da empresa. Isso ocorre diariamente por falta de diligência de quem recebe a citação ou por falta de conhecimento sobre como agir. Fique atento, decisões judiciais não podem esperar, devem ser imediatamente cumpridos. Se o juiz determinou a sua citação ou a da empresa para a qual você trabalha, aja imediatamente! Ao receber a citação procure um advogado no mesmo dia, se for para você como pessoa natural; ou contate seus superiores ou o departamento jurídico da empresa, caso você receba a citação na condição de representante legal da empresa. Nunca deixe para outro dia porque no judiciário brasileiro o prazo perdido não volta. Outro documento importante que pode ser enviado pela justiça durante um processo judicial é a intimação. Leia a seguir publicação do site do Conselho Nacional de Justiça a respeito das intimações. Intimação: quando é obrigatório comparecer? Uma intimação é uma ordem de qualquer autoridade militar, civil ou judicial que obriga a pessoa a fazer, ou deixar de fazer, algo com base na Lei. Quem recebe uma intimação é obrigado a comparecer na data e horário estipulados no documento. O descumprimento dos termos estabelecidos em uma notificação pode trazer consequências sérias. O não comparecimento pode acarretar em uma condução coercitiva (levada à força a comparecer), a depender do motivo da intimação. A pessoa que não cumprir uma intimação pode, inclusive, responder por crime de desobediência à ordem judicial. Com isso, ela responderá a um processo criminal. As consequências estarão descritas no documento de intimação. 33 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Aliás, existem alguns tipos de intimação: • Intimação por correspondência: carta registrada com obrigatoriedade de assinatura do Aviso de Recebimento. • Intimação eletrônica: como o próprio nome diz, é feita pelos meios eletrônicos. Recentemente o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reconheceu intimações feitas pelo WhatsApp. • Intimação judicial: a ordem parte de um juiz. • Intimação por carta precatória: forma de comunicação de um juiz para outro juiz, solicitando que ele intime e ouça uma pessoa que mora em outra jurisdição. • Intimação de despacho: aviso de um juiz para que as partes de um processo tomem ciência de uma decisão tomada por ele. • Intimação por publicação: os advogados têm obrigação de acompanhar todas as publicações em seu nome. Sendo assim, os juízes determinam a publicação de suas decisões em Diário Oficial. A intimação é entregue por meio dos oficiais de justiça. Há uma crença de que, se a pessoa não aceitar receber o documento de intimação, ou não assinar o recibo de ciência, ela não poderia sofre qualquer penalidade. Todavia, os oficiais de justiça têm “fé pública”. Portanto, basta a palavra dele de que o documento foi entregue, ou de que a pessoa está ciente da intimação, para o ato ser considerado válido Fonte: Brasil (2018a). Leia atentamente as informações do Conselho Nacional de Justiça porque elas são realmente importantes. Muitas vezes movidos pela emoção negativa de sabermos que alguém nos colocou como testemunha em uma ação judicial, ou em saber que estamos sendo intimados para depor na justiça penal sobre um fato ocorrido na empresa ou na vizinhança, ou qualquer outra situação que nos desagrada, reagimos de forma intempestiva decidindo não acatar a intimação e deixar de lado. Isso é um erro! Um grande erro que pode causar consequências bastante desagradáveis. Intimado para depor como testemunha em um conflito judicial entre dois amigos, uma pessoa resolveu não ir e considerou até indelicado que um dos amigos tivesse arrolado seu nome como testemunha porque sabia que ele não desejava se envolver naquele problema, afinal, era amigo de ambos e estava até constrangido com o problema que eles estavam enfrentando. Assim, ignorou a intimação e não compareceu. Na data em que deveria ter comparecido nada ocorreu, porém, algumas semanas depois ele foi acordado logo cedinho pela política militar que o conduziu coercitivamente para o fórum da cidade onde ele permaneceu detido até o horário da audiência, quando então foi levado para depor como testemunha por meio de condução coercitiva em razão do fato de que ele havia sido 34 Unidade I intimado, porém se recusara a comparecer. Um verdadeiro vexame ter que ser conduzido em carro de polícia para cumprir uma obrigação legal! E fique atento, porque as intimações judiciais poderão ocorrer por meio pessoal quando são entregues pelo oficial de justiça; por meio de correspondência, quando chegam pelo serviço de correios; ou, ainda por meio eletrônico. Saiba mais O Conselho Nacional de Justiça é uma instituição pública que visa aperfeiçoar o trabalho do sistema Judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual. No site do Conselho você encontrará importantes informações e orientações sobre o funcionamento da Justiça brasileira. www.cnj.jus.br Contestação Depois que a ação judicial tem início e a parte contrária é citada para responder aos termos da ação, ela deverá apresentar sua contestação. Em que consiste esse documento? Na também chamada resposta do réu, momento em que o requerido, reclamante ou réu deverá apresentar suas razões de fato e de direito para o conflito apresentado na petição inicial. Na defesa, a parte deverá manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes na petição inicial e serão presumidas como verdadeiras aquelas que não forem impugnadas, salvo algumas poucas exceções como, por exemplo, quando a petição inicial não estiver acompanhada de documento que a lei considere fundamental como acontece, por exemplo, nas cobranças de título de crédito. A realidade é que a petição inicial deve ser contestada ponto a ponto com a apresentação dos argumentos de fato e de direito. Os argumentos de fato deverão ser provados por isso, não será benéfico negar que tenham ocorrido ou narrar de outra forma se não for possível provar que aquilo aconteceu. É bastante comum que as pessoas queiram mudar os fatos para se beneficiar com a versão, mas, posteriormente, perante o magistrado sejam fortemente admoestadas por terem apresentado uma versão que não pode ser comprovada. É preciso priorizar as provas que serão apresentadas porque nas ações judiciais, só se deve alegar aquilo que pode ser provado. Produção de provas Que provas podem ser utilizadas em uma ação judicial? 35 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES As mais comuns são: • Prova documental: todos os documentos válidos para comprovação dos fatos. Documentos servem de prova quando são idôneos, verdadeiros, válidos. Se houver dúvida sobre a origem e a veracidade deles, não servirão para provar fatos. • Prova testemunhal: pessoas que podem narrar como os fatos aconteceram. Testemunhas prestam depoimento sobre fatos e não emitem opiniões. • Prova pericial: prova produzida por peritos ou técnicos que elaboram laudos. Tem apossibilidade de utilização de até três profissionais da área técnica sobre a qual repousa o conflito tratado na ação judicial. Um perito indicado pelo requerente da ação; um perito indicado pelo requerido; e, um perito indicado pelo juiz. As partes formulam perguntas que o perito deverá responder e ao final, o laudo pericial será a prova técnica que orientará o magistrado sobre a decisão a ser adotada. Depois de realizadas as provas o juiz já está em condições de proferir a decisão que é denominada de sentença. Lembre-se que se trata de uma decisão por juiz singular e que poderá ser interposto um recurso contra ela. Às vezes, a decisão recebe recurso de ambas as partes, autor e réu, porque contrariou interesses de ambas. Então, o processo seguirá para o tribunal no qual a causa será analisada por um colegiado. Nos tribunais de justiça estaduais os juízes recebem o nome de desembargadores e sua decisão recebe o nome de acórdão. Se existirem elementos legais para interposição de recurso especial ou de recurso extraordinário, o processo poderá ser enviado para um tribunal superior, como já mencionamos neste trabalho. Ao final, quando a última decisão for tomada e não houver mais nenhum recurso legal para ser interposto, ocorrerá o trânsito em julgado e terá início a execução da decisão. Nesse momento é que a parte derrotada será instada por lei a cumprir aquilo que era objeto do conflito, por exemplo, o pagamento do valor da dívida que nesse momento, certamente, já estará muito mais alto do que quando a ação judicial teve início. É comum no Brasil que processos de área civil ou empresarial tenham dez anos de duração. Faça os cálculos de incidência de juros legais e de correção monetária e aplique durante dez anos para um valor de R$ 50.000,00 por exemplo. O aumento é significativo e poderá ser muito prejudicial para a empresa que, sem mais nenhum recurso judicial para interpor, terá que dispor de suas reservas financeiras ou de seu patrimônio para pagamento dos valores. Para evitar essa situação sempre negativa para pessoas naturais ou jurídicas os instrumentos alternativos de solução de conflitos têm sido muito utilizados, como mediação, conciliação e arbitragem. 2.2 Mediação, conciliação e arbitragem Conflito é a discordância que decorre de expectativas ou interesses contrariados. É um acontecimento natural que surge tanto nas relações interpessoais como nas negociais. Sempre existiu historicamente e surge em maior ou menor proporção nos diferentes agrupamentos sociais. 36 Unidade I O conflito tem sido tradicionalmente tratado como algo negativo, o que não é necessariamente verdadeiro. A existência de um conflito pode ser altamente positiva se as partes souberem como agir e, principalmente, como retirar as melhores informações e experiências na solução do conflito. É muito importante olhar o conflito como oportunidade de aprendizagem se desejarmos que ele seja solucionado de forma autocompositiva, ou seja, com a participação das partes em conflito. Quem participa de ações judiciais para solução de conflitos está sempre em busca de provas e argumentos para vencer a outra parte e, com isso, conseguir resultado positivo. Quem participa de práticas de mediação e conciliação precisa adotar uma nova postura que inclui, necessariamente: Encontrar formas de proteger ou realizar os interesses comuns Reconhecer diferenças Identificar interesses comuns Figura 6 A mediação, a conciliação e a negociação são as formas mais comuns para solução de conflitos sem o uso das ações judiciais. A outra é a arbitragem, de utilização mais específica, que também vamos conhecer. Importante saber que o Código de Processo Civil brasileiro de 2015, denominado habitualmente de novo CPC, porque substituiu o que vigorava anteriormente, de 1973, adotou a solução consensual de conflitos como uma prática que deverá ser incentivada por magistrados, promotores de justiça e mesmo por advogados. Exemplo de aplicação Veja alguns artigos do novo Código de Processo Civil brasileiro (BRASIL, 2015a) que tratam dessa matéria e analise a aplicabilidade deles na vida empresarial, como solução para o gestor. “Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. 37 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] V – promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais. Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.” Importante conhecer agora a diferença entre mediação e conciliação, que são as formas mais comumente utilizadas no direito brasileiro para autocomposição das partes. Mediação é um processo dinâmico de negociação assistida, no qual o mediador, terceiro imparcial e sem poder decisório, auxilia as partes a refletirem sobre os seus reais interesses, a resgatarem o diálogo e a criarem, em coautoria, alternativas de benefício mútuo, que contemplem as necessidades e possibilidades de todos os envolvidos, sempre sob uma perspectiva voltada ao futuro da relação (PANTOJA; ALMEIDA, 2017, p. 48). O marco regulatório da mediação, no Brasil, é a Lei n. 13.140, de 26 de junho de 2015, cujo artigo 2º determina: Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios: I – imparcialidade do mediador; II – isonomia entre as partes; III – oralidade; IV – informalidade; V – autonomia da vontade das partes; 38 Unidade I VI – busca do consenso; VII – confidencialidade; VIII – boa-fé (BRASIL, 2015b). É importante reparar que o mediador deve se conduzir com imparcialidade sem manifestar preferência por nenhuma das partes envolvidas no conflito que está sendo mediado; deve garantir a igualdade de tratamento entre elas; priorizar a oralidade e a informalidade, porém sem perder de vista o respeito à dignidade da pessoa humana; deve respeitar a autonomia da vontade das partes de modo a não constrangê-las a solucionar o conflito da forma como ele, mediador, entende mais adequada; deve agir na construção de consenso, o que nem sempre é fácil para partes em conflito, porém o consenso é sempre a solução que pode ser adotada sem que ninguém sinta que perdeu mas, sim, que contribuiu para a solução. É o chamado ganha-ganha porque as partes se sentem satisfeitas por terem contribuído para construir a solução consensual. O mediador deve respeitar a confidencialidade das informações e fatos sobre os quais teve conhecimento no exercício da atividade de mediador e deve agir de boa-fé, ou seja, com honestidade e transparência de propósitos. Os mediadores deverão ser capacitados para isso, participarem de cursos e vivências que os habilitem ao exercício dessa importante tarefa. Não é algo que possa ser feito de forma apenas intuitiva ou com boa-vontade. Ao contrário, exige conhecimento técnico da lei e, muito em especial, das práticas de mediação que são realizadas em todo o mundo. Conhecimento e experiência são fundamentais para que alguém possa ser um bom mediador. O mediador não apresenta hipóteses de solução doconflito, ao contrário, ele estimula as partes para que analisem com profundidade a questão e encontrem os melhores caminhos para a solução. Ao final do processo de mediação as partes se sentem vitoriosas por terem encontrado juntas a solução e, responsáveis por tudo o que decidiram em conjunto porque aquilo expressa sua vontade e escolha. A conciliação tem outro modo de agir. É definida como: Iniciativa a partir da qual os agentes envolvidos se esforçam para sanar litígios, se valendo da ajuda de um terceiro que atua como conciliador, agindo de maneira imparcial e gerenciando as partes para uma melhor solução, também oferecendo alternativas (GUILHERME, 2016, p. 78). A conciliação é regulada pela mesma legislação que trata da mediação e que no artigo 24 determina: Art. 24. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, pré-processuais e processuais, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. 39 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Parágrafo único. A composição e a organização do centro serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2015a). A conciliação é mais conhecida e praticada no Brasil, inclusive pelos próprios magistrados nas ações judiciais, quando eles apresentam possibilidades de solução do conflito para as partes, de acordo com a avaliação de seus advogados. Normalmente, as audiências iniciam-se com o magistrado lembrando às partes sobre a importância da solução célere do conflito, sobre como será melhor para todos que o conflito seja solucionado de forma breve e, para isso, indaga se elas têm alguma proposta para formalização de acordo. Não é raro que o próprio juiz formule a proposta de acordo para as partes, esclarecendo as razões pelas quais considera aquela solução mais justa. É muito importante que o Brasil adote soluções por mediação e conciliação sempre que possível, mas, para isso, teremos que mudar a mentalidade das partes em conflito que, quase sempre, querem ganhar sem perceber o quanto se perde em recursos econômicos e emocionais com a longa duração de um processo judicial. A arbitragem é uma outra forma de solução de conflito extrajudicial. Para Elpídio Donizetti: A arbitragem consiste no julgamento do litígio por terceiro imparcial, escolhido pelas partes. É, tal qual a jurisdição, espécie de heterocomposição de conflitos, que se desenvolve mediante trâmites mais simplificados e menos formais do que o processo jurisdicional [Grifos do autor] (DONIZETTI, 2019, p. 1). Arbitragem é uma solução que virá de um árbitro escolhido pelas partes por seu notório saber sobre o assunto específico que está sendo tratado. É adotada por empresas em conflito sobre questões de ordem técnica que demandam apresentação de documentos e realização de perícias para serem solucionadas. Exatamente por ser utilizada para questões técnicas controvertidas, a arbitragem impõe um custo para as partes que deverão remunerar o árbitro e os peritos que forem utilizados na análise técnica. Além disso, a arbitragem é uma decisão que deverá ser aceita pelas partes e não construída por elas. Não é incorreto compreender a arbitragem como justiça privada ao contrário da atuação do poder judiciário que é pública. Assim, os meios de autocomposição, ou seja, aqueles em que as partes são estimuladas a buscarem soluções por elas próprias sem decisão de outra pessoa, magistrado ou árbitro, são a mediação e a conciliação. Sobre elas é importante recordar sempre: 40 Unidade I Quadro 1 Conciliador Mediador Faz propostas de solução, intervém diretamente para a realização do acordo. Deve ser estranho às partes e à relação que gerou o conflito. Atua para que as partes encontrem a solução mais adequada. Age para estimular que as partes analisem as razões recíprocas e encontrem uma solução que concilie os diferentes interesses. Deve ser estranho às partes e à relação que gerou o conflito. Observação Mediadores e conciliadores não tomam decisões pelas partes e devem ser muito bem preparados tecnicamente para atuar na construção de solução para os conflitos. 3 DIREITO TRIBUTÁRIO: CONCEITOS E PRINCÍPIOS Direito tributário é a área do direito que trata das relações jurídicas estabelecidas entre o Estado e os contribuintes, que podem ser pessoas naturais ou pessoas jurídicas. Pode ser denominado também de direito fiscal. É um ramo do direito público brasileiro porque trata de questões essenciais para a manutenção do Estado e para a realização das tarefas que ele possui. É pela arrecadação de tributos que o Estado garante os direitos dos cidadãos, tanto no aspecto de direitos fundamentais individuais e coletivos, como os direitos sociais. Pela arrecadação de tributos, o Estado garante que o cidadão tenha segurança, educação, saúde, lazer, equipamentos de uso público adequados, como estradas, viadutos, sistema de controle de tráfico aéreo. Além de garantir o funcionamento de repartições públicas, o custeio do funcionalismo, a atuação do legislativo, do executivo e do judiciário, entre tantas outras áreas importantes para a vida de todos nós. Existe muita controvérsia sobre a arrecadação tributária no Brasil e sua forma de utilização. Em geral, os cidadãos brasileiros reclamam de alta carga tributária e de pouca efetividade na utilização desses recursos. Em resumo: tributos excessivos e altos sem a contrapartida adequada. Não por outra razão 41 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES que a discussão contemporânea no país é sobre a necessidade de reforma tributária que poderá reduzir a carga de impostos e, com isso, viabilizar aumento da atividade empresarial capaz de gerar empregos. O tema da reforma tributária é bastante complexo e deve ser acompanhado por estudantes e profissionais das áreas de administração, na medida em que se trata de área importante para a gestão empresarial. 3.1 O que são tributos? Tributo está definido no artigo 3º do Código Tributário Nacional como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (BRASIL, 1966). É uma obrigação compulsória para aquele que deve pagar, já que não é possível se recusar a fazê-lo, sob pena de ser aplicada sanção. A vontade do contribuinte em pagar ou não pagar é irrelevante, porque será obrigado a isso se estiver inserido na hipótese de incidência tributária. O tributo deve ser pago em moeda nacional, não sendo previsto pela lei o pagamento in natura, ou seja, em mercadoria ou em produção agrícola, por exemplo. Também não há previsão legal para pagamento de tributos em trabalho, por meio de prestação de serviços para o Estado. Outra importante observação é que o tributo não é sanção de ato ilícito, ou seja, não é multa. No sistema jurídico brasileiro multa é uma punição aplicada quando um dever legal é descumprido, como acontece, usualmente, quando trafegamos com nosso automóvel com velocidade acima daquela permitida na via urbana ou na rodovia. Somos multados também por estacionar em local proibido, jogar lixo em local não permitido, realizar uma obra em nossa casa sem autorização da prefeitura e muitas outras hipóteses de atos ilícitos praticados no cotidiano e que são punidos com aplicação de multa. O tributo não é cobrado em decorrência de ato ilícito, mas de um ato lícito, como possuir um imóvel que enseja o recolhimento de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) ou, pelo fato de sermos proprietários de um veículo e termos que recolher o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Essas são hipóteses de incidência de um tributo – propriedade de bem imóvel ou de automotor –, e são situações lícitas. Assim, não se deve confundir o pagamento de tributo com o pagamento de multa. Outro aspectoimportante relacionado aos tributos é que eles deverão estar previstos em lei, não existindo hipótese de um tributo ser cobrado pelo Estado sem que uma lei anterior o tenha definido como obrigatório e caracterizado a situação para a qual ele se aplica. A isso se dá o nome de princípio da anterioridade da lei, que será tratado mais adiante. A Constituição Federal não cria tributos, mas em seu artigo 145 permite que municípios, estados, distrito federal e a união federal criem tributos. 42 Unidade I 3.2 Competência tributária A Constituição Federal brasileira é quem atribui competência ou faculdade tributária para que os entes políticos criem tributos. A competência legal poderá ser exclusiva, quando só um ente político como o município, por exemplo, pode cobrar um determinado tributo; poderá ser comum quando os entes políticos decidem que quem poderá cobrar é aquele que vai prestar o serviço, como acontece na cobrança de taxas de serviço de lixo, por exemplo; ou, ainda, residual, que é a competência que a União possui de instituir novos impostos além daqueles expressamente previstos na Constituição Federal. Há tratamento legal diferenciado para a tributação de empresas de pequeno porte, de microempresas e do microempreendedor individual, o que foi uma forma encontrada pelo governo para regularizar a situação de milhares de trabalhadores informais que agora, podem atuar nessas categorias empresariais. A competência tributária legalmente atribuída a um ente político é indelegável para outro e há expressa proibição de bitributação, ou seja, não é admissível no sistema tributário brasileiro que uma mesma situação gere impostos para dois entes políticos ao mesmo tempo. Assim, não é possível que o Estado e o Município cobrem impostos sobre a propriedade territorial urbana, sendo lícito que apenas um deles tenha essa competência tributária. A Constituição Federal determina que sempre que a lei criar um imposto é preciso que fique claro: Quadro 2 Hipótese de incidência - situação possível de gerar cobrança Sujeito ativo - quem pode cobrar Sujeito passivo - quem deve pagar Base de cálculo - valor econômico utilizado Alíquota - percentual aplicado sobre a base de cálculo • Hipótese de incidência tributária: é a situação abstrata definida na lei para gerar a cobrança do tributo quando essa situação se tornar um fato real. Assim, por exemplo, a hipótese de incidência é a entrada no território nacional de mercadoria adquirida no exterior, por exemplo, matéria-prima para confecção de produtos químicos. O fato gerador só se caracteriza quando a empresa realizar a importação porque até então havia somente a hipótese e não fato. Essa distinção não tem caráter meramente acadêmico ou teórico, é útil para que os gestores avaliem as hipóteses tributárias em seu planejamento e, com isso, tomem as medidas necessárias para que a empresa tenha recursos econômicos para pagar os tributos quando for materializar a hipótese ou seja, passar da hipótese para o fato gerador. É o fato gerador que faz nascer a obrigação de recolher o tributo. • Sujeito ativo da obrigação: é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento, ou seja, é o ente político autorizado a cobrar o tributo do sujeito passivo. Essa é uma definição do artigo 119 do Código Tributário Nacional. • Sujeito passivo da obrigação principal: é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Pode ser denominado de: 43 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Quadro 3 Contribuinte Quando tiver relação pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador Responsável Quando não for contribuinte mas sua responsabilidade decorra de expressa determinação da lei Um exemplo de responsabilidade ocorre nos inventários em que os herdeiros se tornam responsáveis pelo pagamento dos tributos sobre os bens imóveis, limitados ao quinhão recebido, porque são tributos de responsabilidade do espólio do falecido. O mesmo ocorre quando um bem é adquirido em leilão judicial e o adquirente se torna de imediato responsável pelo pagamento dos tributos incidentes sobre o bem, por exemplo, um apartamento que o proprietário não pagou e foi leiloado para pagamento de débitos. O adquirente em leilão será responsável pelo pagamento dos tributos. • Base de cálculo: é a grandeza ou o valor econômico sobre o qual o imposto será aplicado. O Código Tributário Nacional define a base de cálculo para os tributos como acontece, por exemplo, no imposto sobre importação – artigo 20 –, imposto sobre exportação – artigo 24 –, imposto sobre transmissão de bens móveis – artigo 38 –, entre outros. • Alíquota: é um percentual ou valor fixo que será aplicado sobre uma base de cálculo para determinar o valor exato do tributo a ser pago pelo contribuinte ou responsável. Saiba mais Você poderá encontrar a definição de muitos termos específicos da área de direito tributário na Enciclopédia Jurídica da PUC de São Paulo, disponível gratuitamente. Consulte sempre e fique informado: ENCICLOPÉDIA Jurídica da PUC-SP. São Paulo: PUC-SP, [s.d.]. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/tomo/5. Acesso em: 17 mar. 2020. 3.3 Espécies de tributos No Brasil, a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional especificam três espécies do gênero tributo que são: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. Alguns estudiosos de direito tributário entendem, no entanto, que empréstimos compulsórios e contribuições sociais também seriam espécies do gênero tributo. Sem ingressar nesse debate de caráter técnico-jurídico vamos conhecer todas essas espécies. 44 Unidade I Imposto O imposto é uma exigência que não tem vinculação direta com nenhuma contraprestação estatal para o contribuinte. O valor arrecadado não é destinado a um fundo ou função específica, mas custeia as atividades próprias do Estado como serviços de saúde, educação, segurança, entre outros. Comumente é definido como tributo aquele que não se encaixe no conceito de taxa, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório ou contribuições especiais e previdenciárias. Se não for nenhuma dessas categorias então é imposto. O pagamento do imposto não tem o condão de fazer nascer para o Estado um dever específico em relação ao contribuinte, ou seja, não há contraprestação diretamente relacionada com o pagamento do imposto. Os impostos podem ser cobrados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. A Constituição Federal nominalmente designa quais os entes políticos podem cobrar cada imposto. São impostos federais: Un iã o Imposto sobre Importação e Exportação - II e IE Imposto de Renda de Pessoa Física e Jurídica - IRPF ou IRPJ Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI Imposto sobre Operações Financeiras - IOF Imposto sobre Propriedade Territorial Rural - IPTR Figura 7 São impostos estaduais: Es ta du ai s Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS Imposto sobre Transmissão Causa Mortis ou Doação - ITCMD Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA Figura 8 45 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES São impostos municipais: M un ic ip ai s Imposto sobre Transmissão de Bens Intervivos - ITBI Imposto sobre Serviços - ISS Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU Figura 9 Taxa Taxas estão previstas no artigo 145, II, da Constituição Federal e artigo 77 do Código Tributário Nacional. Para Chimenti (2019, p. 77) taxas “têm como fato gerador o exercício regular do Poder de Polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte ou colocado à sua disposição”. Em síntese, seu fundamento é um fato do Estado. O Poder de Polícia está previsto no art. 78 do Código Tributário Nacional. É o poder de limitar e disciplinar direitos e deveres com base no interesse público, regulando questões pertinentes à segurança, higiene, à ordem (taxa de publicidade, taxade fiscalização de elevadores etc.) e preservando a primazia do interesse público sobre o particular. Observe-se que a taxa decorrente do Poder de Polícia tem por justificativa o efetivo exercício de atos relacionados a esse poder. Para cobrança com base no exercício do Poder de Polícia impõe-se que haja órgão administrativo que exercite o Poder de Polícia do ente tributante (Recurso Especial 261.571). “Presume-se o regular exercício do Poder de Polícia quando há órgão fiscalizador efetivamente instituído (Recurso Extraordinário 416.601)” (CHIMENTI, 2019, p. 75). Para melhor compreensão da definição, é preciso conhecer o conceito jurídico de Poder de Polícia, que não está relacionado somente à atividade da polícia civil, militar ou guarda municipal. Esses são poderes de policiamento e proteção dos cidadãos e do patrimônio público e privado. O Poder de Polícia do Estado, compreendidos aqui os quatro entes políticos existentes no Brasil – União, Estados Federativos, Distrito Federal e Municípios –, é diferente do poder de policiamento. Em que consiste, então, o Poder de Polícia? Esse conceito está expresso no artigo 78 do Código Tributário Nacional: Art. 78. Considera-se Poder de Polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à 46 Unidade I segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder (BRASIL, 1966). Hely Lopes Meirelles, que se notabilizou por seus estudos de Direito Administrativo, ensinava que Poder de Polícia é [...] “a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado” (MEIRELLES, 2018, p. 115). Poder de Polícia é um instrumento da Administração Pública para conter abusos dos particulares para evitar práticas nocivas ou preponderância do interesse privado sobre o interesse público que sempre deverá prevalecer em qualquer circunstância da vida cotidiana. Nenhuma pessoa tem direito que possa contrariar o interesse público, bem maior de uma sociedade politicamente organizada e que deve ser preservado mesmo quando signifique redução de direito individual. O professor Celso Antonio Bandeira de Mello afirma que o Poder de Polícia será exercido pela polícia administrativa que não é uma corporação específica como a polícia civil ou militar, mas é uma: [...] atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação, ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo (MELLO, 2008, p. 221). O Poder de Polícia é o que permite ao Estado brasileiro limitar o exercício dos direitos individuais, porém sem que isso se constitua em arbitrariedade, porque a limitação ocorrerá apenas e tão somente para proteger o interesse público e não para cercear o particular do exercício dos direitos individuais e coletivos, assim como dos direitos sociais constitucionalmente garantidos. É limitação, porém com objetivos justificáveis para proteção do interesse público, de toda a sociedade brasileira. A respeito do interesse público afirma Cláudio Brandão de Oliveira, magistrado e professor de direito, que: A vida em sociedade traz vantagens e desvantagens. Para usufruir os serviços prestados pela comunidade organizada, cada membro da sociedade deve renunciar ao conteúdo absoluto de determinados direitos, notadamente a 47 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES liberdade e a propriedade, em prol do benefício da maioria. Constitui princípio fundamental da vida em sociedade que no confronto entre interesses individuais e interesses de toda a comunidade, a opção será no sentido da preservação do interesse público, resolvendo-se, no campo indenizatório, o sacrifício do interesse individual. A interpretação desse princípio deve ser feita com as cautelas necessárias para não legitimar abusos e ilegalidades. A supremacia é do interesse público, e não da Administração Pública. Esta última somente poderá usar de forma legítima os atributos resultantes deste princípio, quando impulsionada por razões de interesse público. É ilegal o uso de prerrogativas atribuídas ao Estado, quando não há interesse público correspondente ou proporcional (OLIVEIRA, 2009, p. 45-46). Assim, o poder público tem direito de cobrar taxas na mesma medida que tem o dever de realizar os serviços decorrentes da cobrança delas. Se cobra taxa de lixo, tem o dever de recolher o lixo e não permitir que se acumule em detrimento da saúde e do bem-estar da população. Se tem direito de cobrar taxa para inspecionar e fiscalizar produtos animais e vegetais, tem o dever de fazer com que a fiscalização seja eficiente e nenhum produto contaminado ou em más condições de consumo chegue aos pontos de distribuição. Em outras palavras, os deveres do Estado devem estar muito claros para que os cidadãos possam cobrar seu cumprimento, na mesma medida em que serão cobrados para que efetuem o pagamento das taxas. São várias as taxas cobradas no Brasil. Entre as principais temos: • Taxa de Autorização do Trabalho Estrangeiro. • Taxa de Avaliação in loco das Instituições de Educação e Cursos de Graduação – Lei 10.870/2004. • Taxa de Classificação, Inspeção e Fiscalização de produtos animais e vegetais ou de consumo nas atividades agropecuárias – Decreto-Lei 1.899/1981. • Taxa de Coleta de Lixo. • Taxa de Combate a Incêndios. • Taxa de Conservação e Limpeza Pública. • Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA) – Lei 10.165/2000. • Taxa de Controle e Fiscalização de Produtos Químicos – Lei 10.357/2001, art. 16. • Taxa de Emissão de Documentos (níveis municipais, estaduais e federais). • Taxa de Fiscalização da Aviação Civil (TFAC) – Lei 11.292/2006. • Taxa de Fiscalização da Agência Nacional de Águas (ANA) – art. 13 e 14 da MP 437/2008. 48 Unidade I • Taxa de Fiscalização de Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – Lei 7.940/1989. • Taxa de Fiscalização de Sorteios, Brindes ou Concursos – art. 50 da MP 2.158-35/2001. • Taxa de Fiscalização de Vigilância Sanitária – Lei 9.782/1999, art. 23. • Taxa de Fiscalização dos Produtos Controlados pelo Exército Brasileiro (TFPC) – Lei 10.834/2003. • Taxa de Fiscalização dos Mercados de Seguro e Resseguro, de Capitalização e de Previdência Complementar Aberta – art. 48 a 59 da Lei 12.249/2010. • Taxa de Fiscalização e Controle da Previdência Complementar (Tafic) – Entidades Fechadas de Previdência Complementar – art. 12 da Lei 12.154/2009. • Taxa de Licenciamento Anual de Veículo – art. 130 da Lei 9.503/1997. • Taxa de Licenciamento, Controle e Fiscalização de Materiais Nucleares e Radioativos e suas instalações – Lei 9.765/1998. • Taxa de Licenciamento para Funcionamento e Alvará Municipal. • Taxa de Pesquisa Mineral (DNPM) – Portaria Ministerial 503/1999. • Taxa de Serviços Administrativos (TSA) – Zona Franca de Manaus – Lei 9.960/2000. • Taxa de Serviços Metrológicos – art. 11 da Lei 9.933/1999. • Taxa de Utilização de Selo de Controle – art. 13 da Lei 12.995/2014. • Taxas ao Conselho Nacional de Petróleo (CNP). • Taxa de Outorga e Fiscalização – Energia Elétrica– art. 11, inciso I, e artigos 12 e 13, da Lei 9.427/1996. • Taxa de Outorga – Rádios Comunitárias – art. 24 da Lei 9.612/1998 e nos art. 7 e 42 do Decreto 2.615/1998. • Taxa de Outorga – Serviços de Transportes Terrestres e Aquaviários – art. 77, incisos II e III, a art. 97, IV, da Lei 10.233/2001. • Taxas de Saúde Suplementar (ANS) – Lei 9.961/2000, art. 18. • Taxa de Utilização do Siscomex – art. 13 da IN 680/2006. • Taxa de Utilização do Mercante – Decreto 5.324/2004. • Taxas do Registro do Comércio (Juntas Comerciais). • Taxas Judiciárias. • Taxas Processuais do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – art. 23 da Lei 12.529/2011. 49 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Em todas elas, é possível identificar uma atividade do poder público no sentido de organizar melhor a vida em sociedade, como podemos perceber claramente nas taxas de conservação de limpeza pública, de fiscalização de produtos químicos, de coleta de lixo, de combate a incêndio, de fiscalização de atividades educacionais, de seguro, de saúde suplementar e de previdência complementar. Todas essas taxas de fiscalização revertem-se em benefício da população porque é, ou deveria ser, a certeza de que o cidadão está seguro com a atuação preventiva do Estado. Nem sempre funciona da melhor forma, é fato, mas em tese a possibilidade de prevenção existe e os recursos são arrecadados. É preciso, no entanto, que a população fiscalize o Estado para que este exerça corretamente seu papel. Um exemplo trágico pode explicar melhor o papel da sociedade brasileira na fiscalização do Estado. Em 3 de junho de 2015, o site Consultor Jurídico publicou a notícia a seguir: Falha profissional: Justiça Militar condena dois bombeiros que assinaram alvará da boate Kiss Dois bombeiros foram condenados nesta quarta-feira (3/6) a um ano de prisão por terem prestado declaração falsa nos alvarás que liberaram o funcionamento da boate Kiss, no Rio Grande do Sul. A decisão foi proferida pela Auditoria da Justiça Militar em Santa Maria mais de dois anos depois de um incêndio que resultou na morte de 242 pessoas, em janeiro de 2013. Foram condenados o tenente-coronel da reserva Moisés Fuchs e o capitão Alex da Rocha Camilo, que assinaram alvarás garantindo a aplicação de normas técnicas no local, pelo crime de inserção de declaração falsa em documento (art. 312 do Código Penal Militar). Fuchs foi condenado ainda por prevaricação, mas a pena foi suspensa e ele terá de cumprir medidas alternativas. A defesa dos dois disse que vai recorrer da decisão. Outros seis bombeiros foram absolvidos. Cinco deles (dois sargentos e três soldados) fizeram vistorias na boate em 2011 e foram acusados de descumprir instruções da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e do Decreto Estadual 37.380/1997, que fixam regras de prevenção de incêndio. Mas o próprio Ministério Público pediu que fossem absolvidos, argumentando que as instruções induziam a erro. O MP queria a condenação de um tenente-coronel da reserva que comandava a Seção de Prevenção a Incêndio (SPI) de Santa Maria por falsidade ideológica, porém o tribunal decidiu pela absolvição dele. Em andamento O caso da boate Kiss tem processos penais na Justiça estadual. Respondem por homicídio doloso e tentativa de homicídio os sócios do estabelecimento e dois integrantes 50 Unidade I da banda Gurizada Fandangueira, que tocava no momento do incêndio e cujo vocalista, segundo relatos, acendeu um artefato pirotécnico no palco. Os demais respondem por falso testemunho e fraude processual. Também tramita uma ação coletiva cobrando indenização pelos danos, ajuizada pela Defensoria Pública do estado e pela Associação dos Parentes de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria. Há ainda uma série de ações individuais de indenização. Com informações da Agência Brasil, do TJM-RS e do TJ-RS. Fonte: Justiça... (2015). Trata-se de episódio de triste memória para todos os cidadãos do país. A morte de 242 pessoas e 680 feridas, além do trauma que até hoje afeta a vida de milhares de pessoas que perderam seus entes queridos. Tudo isso poderia ter sido evitado se o corpo de bombeiros tivesse realizado corretamente seu trabalho e tivesse proibido que as bandas que se apresentavam no local utilizassem fogos de artifício. Além disso, era preciso que o local estivesse muito melhor adequado para a fuga das pessoas em caso de incêndio, o que também não ocorria. Esse não é, infelizmente, o único episódio ocorrido no Brasil que demonstra a falta de cuidado com o cumprimento do Poder de Polícia do Estado. Mais recentemente, e igualmente muito trágico, ocorreu o rompimento da barragem de rejeitos em Mariana e Brumadinho, ambas com vítimas fatais, destruição do meio ambiente e muitas sequelas materiais e emocionais para a população daquelas cidades. Por que essas tragédias acontecem? Por que o Poder Público falha nos momentos em que sua atuação fiscalizatória seria essencial para evitar essas ocorrências? Quanto tempo vai demorar para que imagens como as que vemos a seguir não aconteçam mais neste país? A vida humana e a natureza merecem muito mais respeito do que têm oferecido o poder público e as empresas privadas. Figura 10 – Brumadinho, Minas Gerais 51 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES O profissional da área de administração de empresas deve refletir profundamente sobre esses fatos que envolvem a atuação do poder público, mas também envolvem decisões tomadas por gestores de empresas privadas. Fica o convite para sua reflexão. Contribuição de melhoria A contribuição de melhoria é um tributo que tem como fato gerador a valorização do imóvel do contribuinte decorrente da realização de uma obra pública. Deve ser calculada de modo que não supere o montante de valorização individual. Ricardo Cunha Chimenti afirma: A contribuição de melhoria tem como fato gerador a valorização do imóvel do contribuinte em razão de obra pública (instalação de rede elétrica, obras contra a enchente etc.). Os beneficiários diretos da obra arcam com seu custo, total ou parcialmente. O artigo 2º do Decreto-Lei n. 195/67 só prevê a contribuição de melhoria em relação ao imóvel privado. Cada contribuinte não pode ser obrigado a pagar quantia superior à valorização de seu imóvel. O total arrecadado, por sua vez, não pode ser superior ao custo da obra (art. 81 do CTN) [...]. Pelo exposto, percebe-se que a contribuição de melhoria, assim como a taxa, é uma espécie de tributo vinculado, tributo cujo fato gerador está ligado a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Anote-se que não é qualquer obra pública que autoriza a cobrança da contribuição de melhoria. É necessária a valorização do imóvel do contribuinte em razão da obra pública (CHIMENTI, 2019, p. 87). O professor e magistrado Ricardo Chimenti ensina, ainda, que a contribuição de melhoria só pode ser cobrada do contribuinte depois que a obra estiver pronta, porque ela é decorrente da obra e não um fundo destinado à sua realização. A competência legal para cobrar a contribuição de melhoria é do ente político que tiver a responsabilidade de realizar a obra, ou seja, a União, os Estados, o Distrito Federal ou o Município. Nos grandes centros urbanos é muito comum que uma obra pública proporcione valorização dos imóveis, em especial quando são obras que facilitam o deslocamento das pessoas como acontece na instalação de estações do metrô ou construção de avenidas, pontes e viadutos. Nesses casos, os imóveis 52 Unidade I privados localizados na vizinhança são fortemente valorizados e é justo que seus proprietários tenham que pagar por isso. É parte do ônus da vida em sociedade como já mencionamos neste trabalho. Empréstimo compulsório Empréstimo compulsório é um tributo instituído por lei complementar federal e tem por hipótese de incidência aquela que a lei determinar, porém o pressuposto constitucional é que seja aplicado apenas em casos de calamidade pública, guerra ou investimento públicorelevante. Essa é a determinação do artigo 148 da Constituição Federal brasileira: Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, “b”. Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição (BRASIL, 1988). O professor Paulo Caliendo esclarece sobre o conceito de calamidade pública que: Trata-se de uma permissão constitucional para situações absolutamente extraordinárias, sob pena em se converter em uma autorização para os contínuos desastres e fenômenos naturais que se sucedem naturalmente ano após ano. A calamidade deve ser realmente avassaladora e inusitada. A ausência de previsibilidade nacional deve ser comprovada perante um fenômeno inesperado tal como uma seca, maremoto, terremoto, furacões e outros fenômenos naturais (CALIENDO, 2013, p. 38). Não seria motivação constitucional autorizada o empréstimo compulsório para fazer frente à seca no nordeste do país, por exemplo, visto que se trata de fenômeno conhecido e que deveria constar da previsibilidade nacional no combate de seus efeitos. A calamidade pública deve ser entendida em sentido amplo abarcando não somente fenômenos naturais, mas também econômicos e sociais. Tal extensão, contudo, deve depender exclusivamente da noção de extrema gravidade do fenômeno, tal como uma epidemia incontida de uma nova doença que não possa ser incorporada no sentido de investimento público urgente, do inciso II do artigo 148. Assim, uma epidemia de sarampo ou cólera não poderia ser incorporada nesta espécie de conceito de calamidade pública, nem tampouco o caso do aumento desenfreado de 53 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES criminalidade. O inciso I do artigo 148 é reservado para os casos extremos e limites de ameaça à integridade nacional (CALIENDO, 2013, p. 1608-1609). O Brasil já utilizou a figura do empréstimo compulsório pela União Federal em pelo menos três ocasiões: para estimular o setor elétrico nacional em 1962; para dinamizar o desenvolvimento nacional em 1986, quando foi aplicado aos combustíveis e aquisição de veículos automotores; e em 1990 com o Plano Collor I, também chamado de Plano Brasil Novo, que bloqueou todos os saldos de depósitos à vista superiores à quantia de NCz 50 mil (cruzados novos) transferindo os valores para a custódia do Banco Central e convertendo em nova moeda, o cruzeiro. Essa última aplicação do empréstimo compulsório foi muito polêmica e julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal por vários motivos, entre eles, porque a hipótese não se constituía em caso extraordinário previsto no texto constitucional; foi instituído por medida provisória e não por lei complementar; não ficou plenamente caracterizado o requisito de urgência da medida. Ainda sobre o empréstimo compulsório é necessário que se diga que a devolução deverá ser integral e idêntica, ou seja, a devolução ao contribuinte deve ocorrer na mesma quantidade que foi tomada emprestada porque se assim não for, será um confisco e não um empréstimo. E deve ser idêntica, ou seja, na mesma qualidade do bem tomado emprestado, mesmo gênero e mesma espécie, para não ofender a natureza do empréstimo compulsório porque se assim não for, ficará convertido em permuta e não empréstimo. Contribuições especiais Contribuições especiais são instituídas pela União Federal e têm por base o disposto nos artigos 149 e 195 da Constituição Federal combinados com o artigo 217 do Código Tributário Nacional. O artigo 149 da Constituição Federal estabelece que compete à União, com exclusividade, instituir as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. O artigo 195 trata da seguridade social e determina que ela será financiada por toda a sociedade, de forma direta ou indireta, nos termos determinados pela lei e com recursos provenientes do orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. E, o artigo 271 do Código Tributário Nacional trata de contribuições sindicais, cotas de previdência, fundo de garantia por tempo de serviço e fundo de assistência e previdência do trabalhador rural. As contribuições sociais são aquelas que têm por objetivo custear a concretização de direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal, ou seja, saúde, educação, previdência, assistência social, habitação e outros. São cobradas dos trabalhadores, das empresas e das entidades a elas equiparadas, dos prestadores de serviços sem vínculo empregatício, sobre a receita e faturamento das empresas e sobre o lucro. Incidem ainda sobre a receita das loterias legalmente praticadas no Brasil, e sobre o importador de bens ou serviços do exterior. 54 Unidade I Já as contribuições de intervenção no domínio econômico, conhecidas pela sigla Cide, possuem função regulatória da economia ou do mercado de consumo, que são chamadas de funções extrafiscais. A contribuição de intervenção no domínio econômico denominada Cide-combustíveis é o principal exemplo neste momento da vida nacional. A respeito dela, explica o Senado Federal da República: A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-combustíveis) foi instituída pela Lei 10.336/2001 com a finalidade de assegurar um montante mínimo de recursos para investimento em infraestrutura de transporte, em projetos ambientais relacionados à indústria de petróleo e gás, e em subsídios ao transporte de álcool combustível, de gás natural e derivados, e de petróleo e derivados. De 2002 e 2012, a Cide arrecadou R$ 76 bilhões, dos quais R$ 37,6 bilhões foram investidos em infraestrutura de transporte, segundo a Confederação Nacional de Transporte (CNT). Do total arrecadado pela Contribuição, 20% dos recursos são desvinculados, de acordo com o instrumento Desvinculação de Receitas da União (DRU), 29% são destinados aos estados e municípios e 51% são investidos conforme determina a lei. Entre 2003 e 2008, 70% dos recursos investidos em infraestrutura de transporte vieram da Cide. Em 2007, essa porcentagem subiu para 95,6%. Em junho de 2011, a alíquota foi zerada para compensar o reajuste nos preços da gasolina e do diesel. Em janeiro de 2015, o governo editou decreto instituindo a alíquota de R$ 0,10 por litro para a gasolina, e R$ 0,05 por litro para o diesel, que passou a ser cobrada em maio deste ano (BRASIL, [s.d.]a). 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 Re ai s p or li tr o 0,158 0,101 0,860 0,390 0,280 0,230 0,10 0,00 0,070 0,070 0 Gasolina Diesel Figura 11 – Evolução da aliquota da Cide-combustíveis de 2002 a 2015 As contribuições profissionais são destinadas aos sindicatos de empregadores e de empregados e, a partir da reforma trabalhista de 2017, somente serão descontadas se forem autorizadas pelo trabalhador. 55 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES 3.4 Princípios da tributação Já estudamos que princípios são mandamentos nucleares de um sistema, logo, servem de alicerce para sua sustentação. No sistema tributário, os princípios cumprem essa finalidade e são a base de toda a estrutura. São eles: • Princípio da legalidade tributária: está no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal e determina que os tributos só podem ser criados por lei, assim como o aumento da base de cálculo e das alíquotas aplicáveis. A regra comporta algumas exceções, quando então as alíquotas serão aumentadas por meio de ato do chefe do executivo, porém apenas nas seguintes situações: — Imposto de Importação (II). — Imposto de Exportação (IE). — Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). — Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico(CIDE) – para combustíveis. — Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – sobre combustíveis e lubrificantes por meio de convênio com o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). • Princípio da isonomia tributária: está previsto no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal e determina que é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes de situação equivalente. Compete ao legislador estabelecer normas que garantam tratamento igualitário àqueles que estiverem na mesma situação fática e jurídica, ou seja, aos iguais. Trata-se, aqui, da chamada igualdade formal que tem por objetivo garantir que todos se submetam às mesmas normas. • Princípio da capacidade contributiva: atende à determinação do parágrafo primeiro do artigo 145 da Constituição Federal que determina: “§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. Chimenti (2019, p. 92) comenta sobre essa previsão constitucional: A análise conjunta dos princípios da capacidade contributiva e da dignidade da pessoa humana determina que o mínio existencial para o bem-estar do ser humano deve ser excluído da tributação. 56 Unidade I A fim de dar eficácia ao princípio da capacidade contributiva, faculta-se à administração tributária, respeitados os direitos individuais e os termos da lei, identificar os rendimentos do contribuinte, seu patrimônio e suas atividades econômicas. As alíquotas diferenciadas do imposto de renda representam uma das formas de efetivar os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, pois distribuem de forma proporcional os ônus de prover as necessidades da coletividade. No Brasil, há alta incidência de impostos cobrados sobre o consumo, e não sobre a renda, o que torna bastante difícil para as camadas de baixa renda custearem os produtos que necessitam para sua subsistência, porque ganham menos e pagam tributos sobre consumo no mesmo percentual que aqueles que ganham mais. Leia a reportagem da jornalista Isabel Filgueiras, publicada no site do jornal Valor Investe, em 2 de setembro de 2019: Você sabe quanto paga de imposto em cada produto? O sistema tributário brasileiro tem uma característica bem marcante: cobra mais caro no consumo que na renda. As taxas nos produtos que compramos no dia a dia representam a maior parte dos impostos que pagamos e eles são cobrados igualmente de pobres e ricos. É diferente do que ocorre na maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A decisão de quanto deve incidir sobre cada item segue uma lógica. Há menos cobrança para itens básicos e mais amplamente consumidos, como arroz e feijão. Por outro lado, os produtos considerados supérfluos, de luxo ou nocivos para a saúde e para o meio ambiente sofrem as taxações mais altas. A cachaça, por exemplo, que já virou um símbolo brasileiro, tem uma das alíquotas mais caras. Cerca de 81% do preço do produto que você encontra no supermercado vai todinho para o governo, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Essa é a quantidade de imposto da cachaça brasileira. Outras bebidas alcoólicas, nacionais ou importadas, também tem alíquotas nesse patamar. Fonte: Filgueiras (2019). 57 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Tabela 1 – Impostos em alimentos e bebidas Pão francês 16,86% Arroz 17,24% Feijão 17,24% Fermento 38,48% Pizza 36,54% Manteiga 33,77% Cerveja garrafa 42,69% Vinho importado 69,73% Champagne 59,49% Cachaça 81,87% Fonte: Filgueiras (2019). Quando se discute parâmetros para uma reforma tributária no Brasil, alguns aspectos terão que ser muito bem equacionados, para que os tributos aplicados aos bens de consumo não se constituam de maneira a deixar sem aplicação o princípio da capacidade contributiva. • Princípio da irretroatividade da lei tributária: está previsto no inciso III do artigo 150 da Constituição Federal e determina que a lei nova não se aplica a fatos geradores passados. Assim, os fatos ocorridos antes do início de vigência da lei que tiver criado ou aumentado um tributo não implicam obrigação tributária para os fatos anteriores a ela, somente para aqueles que ocorrerem posteriormente. Assim, por exemplo, o aumento da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não alcança mercadorias que tenham sido adquiridas antes da entrada em vigor da lei que autorizou o aumento. • Princípio da anterioridade: está previsto no artigo 150, inciso III, letra b da Constituição Federal. A lei que cria ou aumenta tributos só pode incidir sobre fatos que venham a ocorrer no exercício subsequente ao de sua entrada em vigor. A regra é que um tributo criado ou aumentado só pode ser exigido no primeiro dia do exercício seguinte ao da sua publicação, ou seja, no dia 1º de janeiro do ano seguinte. A Emenda Constitucional n. 42, de 2003, instituiu a chamada anterioridade nonagesimal que significa que os tributos só podem ser exigidos após o prazo de 90 (noventa) dias da publicação da lei que os criou. Essa nova determinação legal deve ser aplicada em conjunto com a anterior. Assim, por exemplo, se um Estado federativo aumenta a alíquota do ICMS no dia 9 de setembro de 2016, a obrigação tributária só se torna devida em 9 de abril de 2017 porque será respeitada a entrada do novo exercício fiscal em 1º de janeiro de 2017 e, aplicados os 90 dias instituídos pela emenda constitucional. 58 Unidade I A anterioridade genérica ou nonagesimal comporta exceções que também são previstas em lei e aplicadas, principalmente, ao Imposto de Importação (II) Imposto de Exportação (IE); Imposto sobre Operações Financeiras (IOF); Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); ou, ainda, à Cide, IPVA e empréstimo compulsório. • Princípio do não confisco: nenhum tributo no Brasil pode ser cobrado em valor que impeça o exercício do direito de propriedade ou que seja uma forma de desestimular a livre-iniciativa que é um fundamento da república. • Princípio da não discriminação: os Estados federativos e os municípios não poderão praticar discriminação tributária entre bens e serviços em razão de sua procedência ou destino. • Princípio da uniformidade geográfica: os tributos federais devem ser igualmente exigíveis em todo o território nacional, exceção feita para a aplicação dos incentivos fiscais. • Princípio da liberdade de tráfego: não pode haver limitação da liberdade de ir e vir do cidadão brasileiro ou do estrangeiro residente no país, em razão de aplicação de tributos. A regra comporta exceção no caso da circulação de mercadorias e serviços. • Princípio da exigência de lei específica para a concessão de benefícios fiscais: a concessão de benefícios fiscais poderá ser feita apenas por lei específica, ou seja, que trate apenas dessa finalidade. • Princípio da transparência dos tributos: o contribuinte deverá ter ciência dos impostos que incidem sobre mercadorias e serviços. Esse princípio está estampado na Lei n. 12.741, de 8 de dezembro de 2012, que determinou em seu artigo 1º que: Art. 1º Emitidos por ocasião da venda ao consumidor de mercadorias e serviços, em todo território nacional, deverá constar, dos documentos fiscais ou equivalentes, a informação do valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de venda (BRASIL, 2012). • Princípio da proibição de sanções políticas: proíbe que os entes políticos arrecadadores de tributos impeçam a continuidade das atividades empresariais até a quitação dos tributos em atraso. Não será permitida a apreensão de mercadorias para coagir o contribuinte a pagar tributosem atraso. • Princípio da seletividade em razão da essencialidade dos produtos: determina que os produtos da cesta básica tenham alíquotas tributária menores e os produtos supérfluos ou prejudiciais à saúde tenham alíquotas maiores. Alguns estudiosos de direito tributário diferem na relação de princípios aplicáveis à matéria, não há um consenso estabelecido. Estes são, portanto, alguns dos principais princípios aplicáveis ao direito tributário no Brasil embora outros também possam ser relacionados. 59 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES 3.5 Imunidades tributárias Imunidade tributária é uma hipótese de não incidência do tributo. Está prevista no inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal: VI – Instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser (BRASIL, 1988). O Código Tributário Nacional determina que ficam excluídos do crédito tributário a isenção e a anistia. A isenção será sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para sua concessão, bem como os tributos a que se aplica e o prazo de duração. Pode ser restrita a determinada região do território nacional em razão de condições peculiares. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que as concede e não se aplica a atos qualificados em lei como crime ou contravenção, praticados com dolo, fraude ou simulação e às infrações resultantes de conluio entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, salvo disposição expressa em contrário. A anistia pode ser concedida em caráter geral ou de forma limitada. 3.6 Crédito tributário: criação e extinção Crédito tributário é o direito da Fazenda Pública em razão da comprovada existência de uma obrigação tributária. O crédito tributário é aquilo que garante ao poder público a obtenção de receitas para dar cumprimento às suas obrigações legais. Por essa razão, o poder público terá privilégios para receber os créditos tributários, em especial na falência quando estará à frente de vários credores como 60 Unidade I os créditos trabalhistas acima de 150 salários mínimos, ou de credores bancários ou empresariais, exatamente porque os recursos são destinados ao interesse público. O crédito tributário se constitui com o ato denominado lançamento, regulado pelo artigo 142 do Código Tributário Nacional e que se constitui em ato privativo de autoridade administrativa para proceder a verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente; determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Determina a lei, ainda, que atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. Em outras palavras, caso a autoridade não faça o lançamento tributário poderá ser punida em razão dessa falta. O crédito tributário pode ser extinto por: • Pagamento: forma mais comum de extinção e que consiste em o contribuinte efetuar o pagamento em moeda corrente nacional no prazo determinado pela lei. Se o pagamento for efetuado a maior gera ao contribuinte o direito de repetição de indébito tributário que consiste em requerer a devolução da quantia paga indevidamente. • Compensação: quando acontece um encontro de contas entre crédito e débito do contribuinte e do poder público. O contribuinte que for credor da Fazenda do Estado poderá compensar os valores de tributos dos quais seja devedor. • Transações: acordo de vontade das partes que implica em concessões mútuas. • Remissão: perdão da dívida por razões de justiça fiscal ou de inadequação da cobrança. • Decadência: quando a Fazenda Pública deixa transcorrer o prazo de 5 anos sem efetivar o lançamento que dá ensejo ao crédito tributário. • Prescrição: quando decorre o prazo que a Fazenda Pública tem para ingressar com ação judicial para cobrança do crédito tributário e ela não o faz. Perde o direito de interpor ação judicial e com isso, o crédito não pode mais ser cobrado. • Dação em pagamento: ocorre quando o contribuinte dá em pagamento de crédito tributário bens imóveis e, assim, quita sua dívida. • Consignação em pagamento: ocorre quando na dúvida para qual ente político deve pagar, o contribuinte deposita em juízo para que o magistrado decida qual o verdadeiro credor. Também pode ocorrer quando a Fazenda Pública cobra valores em excesso e o contribuinte deposita em juízo o valor que entende correto para evitar que haja execução do valor que ele entende indevido. 61 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Quando o contribuinte não paga o crédito tributário em favor do ente político legitimado para receber, poderá ser inscrito na dívida ativa, ou seja, será inscrito na repartição administrativa competente – lavratura em um livro de dívida ativa –, que esgotado o prazo para pagamento este não ocorreu. Com a inscrição na dívida ativa, o contribuinte não poderá mais receber a certidão de regularidade fiscal, também denominada de Certidão Negativa de Débito (CND). Essa certidão é essencial em pelo menos três situações definidas pelo Código Tributário Nacional: (i) para as ações de recuperação judicial da empresa; (ii) para formalização de contratos com o poder público; e, (iii) para promulgação da sentença de partilha em inventários. A Certidão de Dívida Ativa (CDA) é um documento equivalente a título de crédito e, por isso, tem presunção relativa de certeza e liquidez. É o documento comprobatório da existência de crédito tributário em favor da Fazenda Pública e, consequentemente, da existência de um débito por parte do contribuinte. 4 PRINCIPAIS TRIBUTOS PRATICADOS NO BRASIL Vamos conhecer os tributos mais praticados no Brasil, lembrando que são muitas as hipóteses de incidência tributária no país e aqui conheceremos apenas as principais, que estão mais presentes na vida de todos nós. Imposto de Renda (IR) A hipótese de incidência tributária é a aquisição de renda, seja pelo trabalho; por ganho de capital (aplicações financeiras); ou pela ocorrência de ambas as hipóteses (trabalho + aplicações financeiras). É aplicada inclusive para os proventos decorrentes de aposentadoria, mas não é aplicada às verbas de caráter indenizatório. As empresas também devem declarar imposto de renda e recolher o crédito tributário quando este for devido. Podem declarar com base no lucro real – quando faturam mais de 78 milhões de reais por ano; instituições financeiras ou que tenham obtido lucro no exterior; e lucro líquido do período ajustado pelas adições, deduções e compensações. Podem declarar com base no lucro presumido as pessoas jurídicas que têm faturamento de menor porte, quando então a base de cálculo será um percentual variável conforme a atividade desenvolvida, sendo de 32% para a prestação de serviços e 8% para o comércio e indústria. Podem declarar com base em lucro arbitrado que será fixado quando a documentação contábil apresentada não for considerada merecedora de credibilidade. Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) A hipótese de incidência tributária é a propriedade do veículo automotor. Não se aplica a embarcações e aeronaves. 62 Unidade I Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU) A hipótese de incidência tributáriaé a propriedade ou a posse com ânimo definitivo – usucapião –, ou, ainda, o domínio útil, aquele adquirido pelo enfiteuta por aforamento mediante o pagamento de valor em dinheiro, que também é hipótese para pagamento de IPTU. É considerado imóvel urbano aquele localizado na zona urbana do município que, nos termos do parágrafo 1º do artigo 32 do Código Tributário Nacional, deve ter pelo menos dois dos seguintes melhoramentos: I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água; III – sistema de esgotos sanitários; IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado (BRASIL, 1966). Também será considerada urbana a área prevista em loteamento aprovado, ainda que não disponha desses melhoramentos. Imposto sobre a Transmissão de Bens Inter-Vivos (ITBI) Transmissão onerosa da propriedade ou do domínio útil ou também dos direitos reais de bens imóveis. Aplica-se igualmente nos casos de cessão de direitos. Imposto sobre a Transmissão de Bens Causa Mortis ou Doação (ITCMD) Incide nos casos de transmissão de quaisquer bens ou direitos por sucessão legítima ou testamentária; ou, ainda, nos casos de efetivação de doação de bens. A competência para cobrança desse imposto será do Estado da federação em que o imóvel estiver localizado e, no caso de bem móvel, no estado federativo em que tiver sido processado o inventário ou em que o doador estiver domiciliado. Imposto Territorial Rural (ITR) É aplicado nos casos em que haja propriedade, domínio útil ou posse de imóvel definido como rural. Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) Muito embora esteja expressamente previsto no artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal esse imposto nunca foi regulamentado e continua dependendo de lei complementar que o torne efetivo. 63 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) É aplicável em todas as operações que envolvem empréstimos, câmbio de moedas; contratação de seguros ou aquisição de títulos mobiliários. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) Tem como hipótese de incidência tributária a circulação de mercadorias de forma habitual, ou seja, em caráter empresarial. Não se aplica a mercadorias adquiridas por pessoas naturais para seu uso próprio. Também se aplica a transporte de pessoas ou cargas interestaduais ou intermunicipais; prestação onerosa de serviços de comunicação; e importação de mercadorias e serviços por pessoas físicas ou jurídicas ainda que sem habitualidade. Algumas regras que são aplicadas à cobrança desse imposto: não cumulatividade, alíquotas interestaduais serão definidas pelo Senado Federal e alíquotas internas não poderão ser inferiores às interestaduais. A alíquota do ICMS varia de acordo com o estado federativo de origem da mercadoria e o estado federativo de destino. O ICMS é uma das maiores fontes de recurso dos estados federativos. Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) É aquele aplicável aos produtos que passaram por operação de modificação de sua natureza, por exemplo, o aço que se transforma em peça automotiva; a tora de madeira que é utilizada para confecção de móveis; o plástico que é industrializado para se tornar utensílio para indústria automotiva ou de medicamentos. Incide sobre produtos industrializados nacionais e importados. Está previsto na Constituição Federal no artigo 153, inciso IV. Em conformidade com o Código Tributário Nacional, devem recolher esse tributo: I – O importador ou, quem a lei a ele equiparar; II – O industrial ou, quem a lei a ele equiparar; III – O arrematador de produtos abandonados ou apreendidos, que foram levados a leilão; e, IV – O comerciante de produtos sujeitos ao imposto [...] (BRASIL, 1966). O IPI será cobrado no desembaraço aduaneiro quando a mercadoria for de procedência estrangeira; na saída do produto industrializado do estabelecimento industrial ou a este equiparado; e na arrematação do produto apreendido ou abandonado em caso de aquisição por leilão. 64 Unidade I Imposto de Importação (II) O portal da Receita Federal define: O imposto sobre a importação de produtos estrangeiros (II) incide sobre a importação de mercadorias estrangeiras e sobre a bagagem de viajante procedente do exterior. No caso de mercadorias estrangeiras, a base de cálculo é o valor aduaneiro e a alíquota está indicada na Tarifa Externa Comum (TEC). No caso de bagagem, a base de cálculo é o valor dos bens que ultrapassem a conta de isenção e a alíquota é de cinquenta por cento (BRASIL, 2015c). O Imposto sobre Importação (II) não tem fins de arrecadação, mas foi criado por motivos de ordem política e econômica, razão pela qual é chamado de extrafiscal. Ele atua para proteger os produtos industrializados nacionais contra a concorrência dos produtos do mercado externo que, muitas vezes, chegam ao Brasil com preço inferior àqueles semelhantes que são fabricados aqui. Imposto de exportação (IE) Incide na exportação de produtos nacionais que se destinam a outro país e são cobrados na data do registro de exportação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), que é o sistema informatizado responsável por integrar as atividades de registro, acompanhamento e controle das operações de comércio exterior, através de um fluxo único e automatizado de informações (SECEX, [s.d.]). A Receita Federal informa em seu portal na internet que o IE é calculado tendo como base o preço normal que a mercadoria alcançaria em uma venda em condições de livre concorrência no mercado internacional. A alíquota se encontra em 30% na atualidade e pode ser reduzida ou aumentada pela Câmara de Comércio Exterior, limitada a 150%. Esse imposto tem função extrafiscal para equilibrar o mercado nacional e as exportações de produtos; mas, também tem caráter arrecadador porque o artigo 28 do Código Tributário Nacional determina que a receita líquida do imposto (IE) destina-se à formação de reservas monetárias na forma da lei. O fato gerador do IE é a saída da mercadoria do território nacional e isso se concretiza com a expedição da guia de exportação ou documento a ela equivalente, nos termos do que determina o Decreto-Lei 1.578, de 1977. Resumo O Direito organiza a vida da sociedade a partir de leis, princípios e costumes. Pode ser dividido em direito público e direito privado a partir do tema de que trata preponderantemente: público para as questões que envolvem o Estado e privado nas relações entre pessoas naturais ou jurídicas privadas, ou seja, que não são entes públicos. 65 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES O Brasil adota sistema jurídico da civil law em que a lei tem preponderância, ao contrário dos países anglo-saxões que adotam o sistema de common law, no qual preponderam as decisões judiciais adotadas anteriormente em casos semelhantes, que recebem o nome de jurisprudência. No Brasil também utilizamos os julgados ou a jurisprudência, mas não o fazemos com a mesma importância que nos países como Inglaterra, Austrália, País de Gales, Escócia entre outros. Aqui, a importância maior é para a lei. A Constituição Federal é a lei mais importante do país, ocupa o topo da hierarquia e nenhuma outra lei pode se contrapor a ela. Para garantir a harmonia social as leis devem obedecer a alguns critérios com objetivo de evitar o conflito de normas. Os principais critérios são a irretroatividade da lei e, o respeito ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada e ao direito adquirido. O Estado brasileiro tem soberania em seu território para adotar as leis aprovadas pelo poder legislativo. Mas o campo de aplicação dessas leis é o território brasileiro porque não há autoridade fora dos limites de nosso território, na medida em que cada país do mundo adota e cumpre suas próprias leis. Território é a porção de terra contínua ou não em que uma nação vive, se organiza e determina as regrasde cumprimento obrigatório para todos. O território compreende o solo, o subsolo, o espaço aéreo e as águas fluviais e marítimas. Também compreende as embaixadas, navios e aeronaves. O sistema do poder judiciário no Brasil está regulado pelo artigo 92 e seguintes da Constituição Federal e estabelece que o mais importante tribunal é o Supremo Tribunal Federal (STF), sediado em Brasília e que conta com 11 juízes que são denominados como ministros. Os elementos fundamentais para um processo judicial são: a petição inicial, a contestação, as provas, as decisões judiciais e o trânsito em julgado. Existem outras formas de solucionar conflitos além dos processos judiciais e quase sempre elas são mais indicadas porque são mais céleres e menos custosas. São elas a mediação, conciliação e arbitragem. Direito tributário é a área do direito que trata das relações jurídicas estabelecidas entre o Estado e os contribuintes, que podem ser pessoas naturais ou pessoas jurídicas. Pode ser denominado também de direito fiscal. 66 Unidade I No Brasil, os tributos podem ser: impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório, contribuição social e contribuição de intervenção no domínio econômico. O Direito Tributário é regido por princípios como: legalidade, isonomia, capacidade contributiva, irretroatividade, anterioridade, não confisco, não discriminação, uniformidade geográfica, liberdade de tráfego, exigência de lei específica para a concessão de benefícios fiscais, transparência, proibição de sanções políticas e seletividade em razão da essencialidade. Imunidade tributária é uma hipótese de não incidência do tributo. Crédito tributário é o direito da Fazenda Pública em razão da comprovada existência de uma obrigação tributária. O crédito tributário é aquilo que garante ao poder público a obtenção de receitas para dar cumprimento às suas obrigações legais. Os mais importantes tributos praticados no Brasil são: Imposto de Renda; Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA); Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU); Imposto sobre a Transmissão de Bens Inter Vivos (ITBI); Imposto sobre a Transmissão de Bens Causa Mortis ou Doação (ITCMD); Imposto Territorial Rural (ITR); Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF); Imposto sobre Operações Financeiras (IOF); Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); Imposto sobre Importação (II) e Imposto sobre Exportação (IE). Exercícios Questão 1. No município de Içanguintinho, o prefeito criou um imposto para ser pago por todos os moradores do local, somente pelo fato de serem moradores. Chamou de Taxa de Moradia Municipal que deverá ser paga anualmente, em conjunto com o Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU). Ele alega que os valores são necessários para manter os gastos do governo municipal, que o projeto foi aprovado pela Câmara Municipal e, portanto, tudo está regularizado. Alguns cidadãos foram ao Poder Judiciário para reclamar da cobrança indevida e obtiveram liminar em que o magistrado anula a lei aprovada pela Câmara em razão das irregularidades existentes. O prefeito vai à rádio local e afirma que vai mandar mudar o juiz porque ele não entende nada de leis e, ainda por cima, é muito arrogante. Afirma o prefeito que vai providenciar com o governador para que ele seja transferido para outro município. Você está ouvindo a entrevista do prefeito na rádio e, naquele momento pensa: A) O prefeito está certo, é melhor transferir o juiz. B) O prefeito deveria convencer o juiz de que a Taxa de Moradia é positiva para o município. 67 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES C) O prefeito está errado porque juízes não podem ser removidos sem que manifestem expressa concordância. D) O prefeito está errado porque o melhor a fazer é demitir o juiz em vez de transferi-lo para outro município. E) O prefeito está certo e deve transferir o juiz e proibir que retorne ao município para qualquer atividade. Resposta correta: alternativa C. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: os prefeitos municipais integram o poder executivo municipal e não têm poder legal para transferir magistrados, que integram o poder judiciário estadual e se submetem às ordens do tribunal de justiça de seu estado federativo e às do Conselho Nacional de Justiça, órgão federal de controle e fiscalização da magistratura. B) Alternativa incorreta. Justificativa: magistrados não devem ser convencidos. Eles analisam os fatos, as provas, os argumentos e decidem com fundamento na convicção que formam a partir da análise desses elementos. C) Alternativa correta. Justificativa: os magistrados têm a garantia constitucional da inamovibilidade, que significa que um magistrado não poderá ser removido do local em que se encontra trabalhando, sem que tenha manifestado sua prévia concordância. D) Alternativa incorreta Justificativa: os prefeitos não têm poder para demitir juízes. Essa atribuição é exclusiva dos tribunais de justiça de cada estado da federação. E) Alternativa incorreta Justificativa: prefeito não pode transferir o juiz porque não tem poderes legais para isso, porque a Constituição Federal garante ao juiz a inamovibilidade e porque a mesma Constituição garante o direito de ir e vir para todos os cidadãos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país. Aliás, o prefeito não pode impedir nenhuma pessoa de ingressar no município. Questão 2. Os moradores da Rua Flores do Campo, na cidade de São Paulo, ficaram muito felizes com a notícia de que uma estação de transporte por veículo leve sobre trilhos (VLT) vai ser instalada naquela rua. Assim, além de contarem com serviços de transporte por ônibus eles também vão poder 68 Unidade I utilizar esse sistema que é muito moderno, não poluente e bem mais rápido porque circula por trilhos e não enfrenta congestionamento. O que eles não levaram em consideração é que: I – A valorização do imóvel vai gerar a obrigação de pagar a contribuição de melhoria, prevista em lei federal. II – A instalação da estação do VLT vai gerar aumento de capacidade contributiva. III – A taxa da coleta de lixo vai aumentar porque mais pessoas vão circular pelo local. Assinale a alternativa correta: A) I, somente. B) II, somente. C) III, somente. d) I e III, somente. E) II e III, somente. Resposta correta: alternativa A. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: contribuição de melhoria é um tributo que tem como fato gerador a valorização do imóvel do contribuinte, decorrente da realização de uma obra pública. Nesse caso, em razão da obra de instalação do VLT naquela rua, os moradores terão que começar a pagar esse tributo II – Afirmativa incorreta. Justificativa: capacidade contributiva é um princípio constitucional que determina que sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. III – Afirmativa incorreta. Justificativa: no Brasil, o cálculo da taxa de coleta de lixo não é feito pela quantidade de lixo recolhida em cada via pública, mas sim um valor calculado pelo governo municipal e igual para todos os contribuintes.