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Universidade São Judas Tadeu Luis André dos Santos BUILDING INFORMATION MODELING NO ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO: Percepção e disseminação do BIM nas Instituições de Ensino Superior do Estado de São Paulo São Paulo 2017 Luis André dos Santos BUILDING INFORMATION MODELING NO ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO: Percepção e disseminação do BIM nas Instituições de Ensino Superior do Estado de São Paulo Dissertação apresentada ao curso de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Fernando Guillermo Vázquez Ramos. São Paulo 2017 BUILDING INFORMATION MODELING NO ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO: Percepção e disseminação do BIM nas Instituições de Ensino Superior do Estado de São Paulo Luis André dos Santos Orientador: Prof. Dr. Fernando Guillermo Vázquez Ramos Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo, da Universidade São Judas Tadeu, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Área de concentração: Arquitetura e Cidade. Linha de pesquisa: Projeto, produção e representação. BANCA EXAMINADORA: ________________________________________________________________________ Prof. Dr. Fernando Guillermo Vázquez ______________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Kátia A. Teixeira ______________________________________________________________ Prof. Dr. Sérgio L. Abrahão São Paulo 2017 Santos, Luis André dos. S237b Building Information Modeling no ensino de arquitetura e urbanismo: percepção e disseminação do BIM nas Instituições de Ensino Superior do Estado de São Paulo / Luis André dos Santos. - São Paulo, 2017. 138 f.: il.; 30 cm. Orientador: Fernando Guillermo Vazquez Ramos. Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2017. 1. Ensino. 2. Modelagem de informação da construção. 3. Projeto pedagógico. I. Ramos, Fernando Guillermo Vazquez. II. Universidade São Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo. III. Título CDD 22 – 720 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Universidade São Judas Tadeu Bibliotecária: Cláudia Silva Salviano Moreira - CRB 8/9237 RESUMO Nesta dissertação analisamos a legislação sobre o ensino da arquitetura e do urbanismo vigente e a viabilização que as Instituições de Ensino Superior (IES) dão às chamadas disciplinas de informática aplicada, onde tradicionalmente o BIM (Building Information Modeling, ou Modelagem de Informação da Construção) pretende ser ensinado. O estudo que se apresenta parte da análise de matrizes curriculares, ementas e projetos pedagógicos das 122 Instituições de Ensino Superior de arquitetura e urbanismo presentes no estado de São Paulo em 2016, identificando como e de que maneira o BIM está sendo incorporado aos cursos de Arquitetura e Urbanismo. O objetivo deste trabalho é ponderar se realmente será possível o ensino do BIM, uma vez que deve existir uma relação entre o que se ensina nas escolas de arquitetura e urbanismo e a prática profissional, até porque as diretrizes curriculares determinam os conhecimentos e aptidões que os profissionais da arquitetura e do urbanismo devem possuir. No entanto, tem se verificado que o mercado profissional já está sendo afetado pela implantação do BIM, mas a incorporação do BIM à atual estrutura de ensino de arquitetura no Brasil é incipiente. Apresenta uma série de desafios, a começar pela falta de metodologia em razão de ser um processo relativamente novo e não se limitar a um campo disciplinar que possa ser resumido a uma única disciplina. Pelo contrário, sua formulação com base numa atividade multidisciplinar, que permeia praticamente todas as disciplinas do curso, dificulta sua aplicação desde o ponto de vista do ensino tradicional da arquitetura e do urbanismo, embasado em disciplinas independentes. Palavras-chave: Informática aplicada, Ensino, BIM, Diretrizes curriculares. ABSTRACT In this dissertation we analyze the legislation on the teaching of Architecture and Urbanism current and the viability that the Institutions of Higher Education (IES) give to the so-called disciplines of applied informatics, where traditionally BIM (Building Information Modeling) intended to be taught. The study starts from the analysis of curriculum guidelines and pedagogical projects of the 122 Institutions of Higher Education of Architecture and Urbanism present in the state of São Paulo in 2016, identifying how the BIM is being incorporated into the Architecture courses and Urbanism. The aim of this work is to consider whether the teaching of BIM will really be possible, since there must be a relationship between what is taught in Architecture and Urbanism schools and professional practice, even because the curricular guidelines determine the knowledge and skills that professionals of Architecture and Urbanism must own. However, it has been verified that the professional market is already being affected by the implementation of BIM, but the incorporation of BIM to the current structure of Architecture teaching in Brazil is insipient. It presents a series of challenges, starting with the lack of methodology because it is a relatively new process and not limited to a disciplinary field that can be summarized in a single discipline. On the contrary, its formulation based on a multidisciplinary activity, which permeates practically all the subjects of the course, makes difficult its application from the point of view of the traditional teaching of Architecture and Urbanism, based on independent disciplines. Keywords: Applied Informatics, Education, BIM, Curriculum Guidelines. LISTA DE FIGURAS Figura 1. SAGE (Semi Automatic Ground Environment). ................................. 18 Figura 2. Cubo criado no sistema B-Rep. ........................................................... 19 Figura 3. Geometria criada com CSG. .............................................................. 20 Figura 4. Level of Development. ......................................................................... 29 Figura 5. Ciclo de vida BIM. .................................................................................. 34 Figura 6. Objetivos educacionais. ....................................................................... 35 Figura 7. Hierarquia de competência BIM − Taxonomia multinível para a organização individual de competências BIM. ............................................... 36 Figura 8. Níveis de proficiência BIM. ................................................................... 37 Figura 9. Ano de Implementação do BIM na IES. ............................................. 39 Figura 10. Cursos que introduziram BIM no período de 1990-2009. ............... 40 Figura 11. A evolução do ensino do BIM. .......................................................... 41 Figura 12. Teses, dissertações e artigos sobre temática BIM. ......................... 42 Figura 13. Publicações técnicas com temática BIM. ...................................... 43 Figura 14. Classificação de experiências nacionais de ensino de BIM quanto ao nível de competência. ..................................................................... 45 Figura 15. Legislação sobre o ensino e a profissão do arquiteto urbanista. 47 Figura 16. Estrutura documental de uma IES. .................................................... 61 Figura 17. Constituição de um campo disciplinar. .......................................... 68 Figura 18. Mapa doscursos de Arquitetura e Urbanismo no Estado de São Paulo. ....................................................................................................................... 78 Figura 19. Carga horária dos cursos de Arquitetura e Urbanismo. ................ 79 Figura 20. Novos cursos de Arquitetura. ............................................................. 80 Figura 21. Palavras-chave relacionadas ao paradigma BIM. ........................ 84 Figura 22. Informática aplicada no decorrer do curso. .................................. 85 Figura 23. Softwares utilizados no curso de arquitetura e urbanismo. Fonte: Arquivo do autor. ................................................................................................... 86 Figura 24. Informação extraída do quadro de análise dos conteúdos curriculares. ............................................................................................................. 89 Figura 25. Quadro de organização didático-pedagógica. ........................... 90 LISTA DE ABREVIATURAS ABEA – Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura BIM – Building Information Modeling CAD – Computer Aided Design CAM – Computer Aided Manufacturing CAU – Conselho de Arquitetos e Urbanistas CDU – Comissão de Desenvolvimento Urbano CEAU – Comissão de Especialistas de Ensino de Arquitetura e Urbanismo CES – Comissão de Ensino Superior CNE – Conselho Nacional de Educação GTRU – Grupo de Trabalho da Reforma Universitária IES – Instituição de Ensino Superior INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB – Lei de Diretrizes e Bases MCT – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior MEC – Ministério da Educação MIT – Massachusetts Institute of Technology MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão NCF – Núcleo de Conhecimentos de Fundamentação NCP – Núcleo de Conhecimentos Profissionais PPC – Projeto Pedagógico de Curso PPI – Projeto Pedagógico Institucional PPP – Projeto Político-Pedagógico REDE – Rede de Educação para a Diversidade SERES – Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior SESu – Secretaria de Educação Superior UIA – União Internacional dos Arquitetos UNESCO – União das Nações Unidas SUMÁRIO Introdução ................................................................................................................. 13 1 Breve histórico do BIM ...................................................................................... 18 1.1 Sobre os conceitos que compõem o acrônimo BIM ...................................... 24 1.2 Organização do projeto BIM ......................................................................... 28 1.3 O BIM como um campo disciplinar ............................................................... 33 1.4 Experiências e resultados do ensino do BIM ................................................ 39 2 Diretrizes curriculares e legislação no ensino da Arquitetura no Brasil ............. 47 2.1 Primeira Lei Geral − 1961 ............................................................................. 49 2.2 Segunda Lei geral − 1968 ............................................................................. 50 2.3 Arquitetura e urbanismo − Perfis de área e padrões de qualidade ............... 52 2.4 Arquitetura e urbanismo − Conteúdo Mínimo do curso ................................ 53 2.5 Terceira Lei geral − 1996 .............................................................................. 54 2.6 Arquitetura e urbanismo − Diretrizes curriculares do curso .......................... 55 2.7 Arquitetura e urbanismo − Regulamentação da profissão ............................ 57 2.8 Carta para educação dos arquitetos − UNESCO ......................................... 58 2.9 Comissão de desenvolvimento urbano ......................................................... 59 3 Estruturação dos cursos de graduação no Brasil.............................................. 61 4 O papel da IES frente ao mercado/estado/sociedade ....................................... 69 5 A disciplina de informática aplicada no curso de arquitetura e urbanismo ........ 74 6 Instituições de Ensino Superior no Estado de São Paulo ................................. 78 7 Análise dos dados coletados ............................................................................ 82 7.1 Análise das matrizes curriculares ................................................................. 82 7.2 Análise das ementas disciplinares e projetos pedagógicos .......................... 85 7.3 Estudo de caso: Implementação do BIM na UNICAMP ................................ 94 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 117 ANEXOS ................................................................................................................. 121 Referências ............................................................................................................. 127 13 INTRODUÇÃO Por sua importância econômica, o mercado de arquitetura, engenharia e construção é campo fértil para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de ferramentas tecnológicas, seja do ponto de vista do projeto, seja do da gestão e, ultimamente, da construção propriamente dita. Os benefícios são óbvios: mais precisão, rapidez e melhorias tanto no processo de concepção como na execução, no acompanhamento, na conclusão e até mesmo nos protocolos e procedimentos do pós-obra, um tema relativamente novo, mas que, impulsionado por empresas gerenciadoras e incorporadoras, começa a se constituir como um espaço de trabalho digital (superando ou aperfeiçoando os mecanismos tradicionais de gestão de obra e os sistemas de avaliação pós- ocupação). Segundo Kassem; Amorim (2015, p. 5), a indústria da construção – pelo menos em países mais desenvolvidos e nos em desenvolvimento, mas com economia robusta, onde o Brasil deveria estar inserido – passa por uma mudança de modelos de produção e de gestão que, em muitos casos, consiste na plena incorporação de conceitos e tecnologias do mundo digital, como é o caso do BIM. Por conta da expectativa de que o BIM leve a mudanças tanto no mercado de arquitetura, engenharia e construção como no desempenho dos profissionais de arquitetura, é plausível pensar que essa tecnologia e suas particulares formas de enfrentar os problemas do projeto e da construção acabem sendo incorporadas aos sistemas pedagógicos dos programas de ensino nas Instituições de Ensino Superior (IES) do país. Trata-se, evidentemente, de uma inversão dos valores e das premissas que se encontram nas disposições legais que instauram e avaliam os cursos superiores. É o Estado (MEC) que determina as características (habilidades e competências) desejáveis de uma profissão regulamentada. E cabe às IES ministrar cursos seguindo o disposto nas Diretrizes Curriculares para preparar e habilitar, por meio de um diploma universitário, estudantes que se enquadrem nessas habilidades e competências. Ainda assim, salvo raríssimas exceções, as IES tendem a preparar seus alunos para o mercado de trabalho, que 14 demanda determinados conhecimentos e usos da tecnologia, adaptando seus programas para atender a essa demanda. É considerando tanto as normas legais do estado como as necessidades do futuro profissional, que devemos discutir a inserção das novas tecnologias no ensino. O caso específico das tentativas de ensinar o BIM tem criado complicações adicionais, pois não é um programa nem um campo específico de trabalho, mas uma metodologia que abarca desde a concepção, passando pela construção, até terminar nos procedimentos de controle pós-ocupação, que podem ounão encerrar o ciclo de atividade econômica da indústria da construção. A transposição direta de uma metodologia tão complexa para o sistema de ensino das IES precisa de uma abordagem mais abrangente e de uma discussão sobre um processo que está em curso e que envolve muitos agentes, não sempre alinhados em entendimentos e conceitos consensuais. O ensino do BIM começou a ser implantado internacionalmente a partir do ano de 2003 e se intensificou entre 2006 e 2009 (BARISON; SANTOS, 2011, p. 70). As Universidades dos Estados Unidos estão lutando duramente porque até o momento não há um entendimento comum de quais habilidades são necessárias na indústria, nem quais devem ser os conteúdos, princípios e métodos de educação nos campos que incluem o BIM, conforme apontam Sacks e Pikas (2013, p. 1). No Brasil o cenário que se apresenta não é diferente, e cursos de Arquitetura e de Engenharia Civil têm procurado introduzir o assunto em seus currículos. Como relatam Barison e Santos (2014, p. 3), podemos considerar que o currículo já está sobrecarregado e há pouco espaço para novas disciplinas. Para Ruschel et al. (2011, p. 12), “um dos primeiros passos para a consolidação do BIM no ensino é a rediscussão dos currículos dos cursos de arquitetura e engenharia civil”. Também cita que, na maioria dos cursos as disciplinas de projeto aparecem isoladas, situação que conflita com a proposta do BIM, que é colaborativa e fomenta a interoperabilidade. Não só no aspecto metodológico, mas é o corpo docente que deve ter conhecimento técnico e repertório prático sobre os processos do BIM, e é 15 justamente no corpo docente que a implementação do BIM pode encontrar os maiores desafios. Berwald (2008) cita que o ensino BIM requer maior coordenação em três níveis: professores, currículos e universidades. Uma intervenção completa no currículo pode gerar outro tipo de problema, sendo que a preocupação é não transformar um Arquiteto e Urbanista em um especialista BIM (DELATORRE, 2014). O foco está no potencial que o conceito e as ferramentas oferecem à formação do aluno, conforme argumento de Vivian Delatorre (2014). O BIM altera a maneira de desenvolver um projeto. Implementá-lo não é apenas introduzir uma nova ferramenta aplicada ao desenvolvimento do projeto. É preciso haver a transformação de pensamento e de atitude e ocorrerem práticas colaborativas e multidisciplinares e maior envolvimento dos diversos agentes da construção civil. Mesmo estando num estágio incipiente de amadurecimento, o que se pode observar é que algumas universidades1 já estão realizando experiências de adoção de BIM em cursos de Arquitetura e Urbanismo, como apontam Ruschel, Andrade e Morais (2013). Durante a graduação, os estudos acabam se restringindo a estudos preliminares, não levando o aluno a uma compreensão global de como se constrói uma edificação, conforme argumenta Wilson Flório (2007): O processo BIM propicia um aprendizado integrador, onde os elementos construtivos vão sendo paulatinamente definidos em três dimensões. Enquanto o aluno modela a estrutura, vedações e caixilharias, etc., ele percebe as relações espaciais que cada um desses componentes assume no processo de construção. Quando procuramos por bibliografia especializada, com exceção do Manual de BIM2, poucas publicações são encontradas no Brasil. Entretanto, no âmbito acadêmico, existem hoje diversas pesquisas apresentando a implementação do BIM em universidades (BARISON, 2015; CHECCUCCI, 2014; CHECCUCCI e AMORIM, 2014; DELATORRE e PEREIRA, 2014; RUSCHEL, 2011; 1 UNICAMP (Universidade de Campinas) e USJT (Universidade São Judas) estão com cursos em andamento com disciplinas focadas no BIM e seus processos. 2 Tradução do livro BIM Handbook de Eastman, Teicholz, Sacks e Liston (2008), que foi publicado no Brasil em 2013. 16 RABBI, CALMON e CONDE, 2016; ROMCY, TINOCO, CARDOSO, 2015; MEDEIROS, 2015), (DELATORRE, 2014), (MENEZES et al., 2015), (MENEZES e LÉLIS, 2013), porém ainda não é possível perceber o impacto e a abrangência do BIM nas IES do Brasil, país para o qual essa pesquisa se propõe a traçar um panorama do cenário do alcance do BIM nos cursos de arquitetura e urbanismo. A quantidade de cursos de Arquitetura e Urbanismo no Brasil varia de acordo com a fonte consultada. Segundo a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA), em lista atualizada em dezembro de 2015, existem 466 cursos, já no site do MEC, conforme consulta realizada em dezembro de 2015, existem 577 cursos, e segundo o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), no início de 2016, temos 398 cursos de Arquitetura e Urbanismo, dos quais 122 estão localizados no estado de São Paulo. A presente pesquisa tem por objetivo analisar as 122 IES que ministram o curso de Arquitetura e Urbanismo no estado de São Paulo, investigando a presença do BIM, observando como está sendo realizada a sua assimilação por parte das IES e, consequentemente, sua difusão. Desta forma, a pesquisa foi dividida em três etapas, sendo a primeira um levantamento da legislação ante o campo de atuação do arquiteto urbanista, identificando quais as aptidões e conhecimentos necessários para os profissionais que atuam nesta área, levando-nos, consequentemente, à segunda etapa, na qual os conhecimentos que o arquiteto deve ter estão especificados nas diretrizes curriculares, que é o documento que rege a estruturação dos cursos de Arquitetura e Urbanismo. Em razão da autonomia concedida às universidades e estendida aos centros universitários, cada IES tem a atribuição de elaborar e reformar seus estatutos e regimentos internos, o que torna necessário um levantamento de toda documentação disponível para os cursos, concentrados os esforços em matrizes curriculares, ementas e projetos pedagógicos. Analisando as diretrizes curriculares dos cursos de arquitetura e urbanismo, ainda não temos nenhuma menção sobre o BIM, sendo assim, esse conteúdo passa a ser integrado à grade curricular dos cursos por uma 17 iniciativa das próprias IES. Holland et al. (apud BARISON e SANTOS, 2011, p. 68)3 justificam, ainda para a realidade europeia,4 que: Muitas empresas, no mundo todo, estão atualmente desenvolvendo projetos utilizando a Modelagem da Informação da Construção (BIM – Building Information Modeling). Estas companhias estão procurando profissionais que possam efetivamente trabalhar com esse novo conceito. Para atender a esta demanda, as escolas têm implementado uma variedade de disciplinas para expor os alunos às novas ferramentas. Contudo, essas experiências acadêmicas são relativamente novas e baseadas em pedagogias ainda não consolidadas. Para identificar quais IES estão implementando o BIM em seus cursos, foi realizado um levantamento documental focado nas matrizes curriculares, ementas das disciplinas e projetos pedagógicos dos cursos de arquitetura e urbanismo, cujo foco não será no como, e sim no se e de que forma o BIM está sendo incorporado e transmitido aos alunos, permitindo traçar um cenário mais amplo tanto da absorção do BIM quanto dos conhecimentos que os novos arquitetos que ingressarão no mercado de trabalho trarão em sua bagagem. Para a terceira etapa, será feita uma análise de como o BIM foi incorporado ao currículo dos cursos de Arquitetura e Urbanismo nas IES em que sua presença foi identificada. 3 Holland, R., Messner, J., Parfitt, K., Poerschke, U., Pihlak, M., and Solnosky, R. (2010). “Integrated Design Courses Using BIM as the Technology Platform”. Proc., The BIM-Related Academic Workshop, Salazar and Raymond Issa, Washington D.C. Disponível em: <http://www.personal.psu.edu/rls5008/CV/Linked%20Papers/Holland%20et%20al%202010%20Inte grated%20Design%20Courses%20Using%20BIM%20as%20the%20Technology%20Platform.pdf>.Acesso em: 17 out. 2017. 4 Apesar de os autores se referirem a uma realidade cultural e econômica diferente, verificamos que a afirmação é condizente com nossa experiência sobre o tema aqui no Brasil. 18 1 BREVE HISTÓRICO DO BIM Os primeiros indícios do BIM remetem aos primórdios da computação, no qual Douglas C. Englebart sugere que a atuação do arquiteto se dará em projetos baseados em objetos, manipulação paramétrica e um banco de dados relacionado, como apresentado em seu artigo “Augmenting Human Intellect” (1962), no qual apresenta sua visão do futuro: [...] o arquiteto começa a inserir uma série de especificações e dados - uma laje de seis polegadas, paredes de concreto de doze polegadas com oito pés de altura dentro da escavação, e assim por diante. Quando ele terminar, a cena revisada aparece na tela. Uma estrutura está tomando forma. Ele a examina, a ajusta. Essas listas crescem em uma estrutura cada vez mais detalhada, interligada, que representa o pensamento amadurecido por trás do projeto atual. (QUIRK, 2012) Apesar de se tratarem de fundamentos conceituais, já nos davam um vislumbre da expectativa existente na época em relação ao futuro da execução dos projetos arquitetônicos. Mas o primeiro sistema de representação gráfica que surgiu foi, no entanto, o sistema de defesa aérea SAGE (Semi-Automatic Ground Environment), em meados de 1950 (figura 1), da Força Aérea dos EUA, envolvendo o uso de displays CTR para mostrar dados de radar processados por computador e outras informações (MBSOLUTION, 2003). Figura 1. SAGE (Semi Automatic Ground Environment). Disponível em: <http://www.computerhistory.org/revolution/networking/19/399/2161>. Acesso: 02 out. 2017. 19 Já as primeiras ferramentas de representação de formas 3D com o propósito de visualização foram desenvolvidas no final dos anos 1960, permitindo compor imagens, entretanto não podiam ser empregadas em projetos mais complexos (EASTMAN et al., 2014). Nos anos 1970 temos o surgimento de métodos de criação e edição de sólidos 3D, conforme nos apontam Eastman et al. (2014): Em 1973, a fácil criação e edição de formas 3D sólidas foram separadamente desenvolvidas por três grupos: Ian Braid, na Universidade de Cambridge; Bruce Baumgart, em Standford; e Ari Requicha e Herb Voelcker, na Universidade de Rochester... esses esforços produziram a primeira geração de ferramentas práticas de projeto com modelagem 3D. Neste processo, surgiu o sistema de representação por fronteiras (boundary representation – B-Rep), que trabalha utilizando as operações de união, intersecção e subtração, conhecido por operações booleanas (figura 2), permitindo a criação de formas mais sofisticadas e complexas. Figura 2. Cubo criado no sistema B-Rep. Disponível em: <https://www.ielm.ust.hk/dfaculty/ajay/courses/ieem575/lecs/cad_1/lecCAD1.html>. Acesso em: 02 out. 2017. 20 Ainda nos anos 1970, surgiu o sistema de Geometria Sólida Construtiva (Constructive Solid Geometry – CSG) que representava uma forma como uma árvore de operações até chegarmos à forma final (figura 3). Figura 3. Geometria criada com CSG. Disponível em: <http://www.cs.carleton.edu/faculty/jgoldfea/cs311/inclass/csg.html>. Acesso em: 02 out. 2017. Posteriormente, os métodos B-Rep e CSG se fundiram. O sistema Computer Ayded Design (CAD) teve sua origem no início dos anos 1970, no Liverpool University's Center for Computer Aided Building Design, onde Davison e John Watts, ajudaram a desenvolver um conceito exclusivo para o CAD – o da modelagem de edifícios, um sistema chamado RUCAPS (PORT, 1989). Já em 1975, temos o mais antigo exemplo documentado do BIM, conforme aponta Jerry Laiserin (2014), em um Protótipo de trabalho, o “Building Description System” publicado no extinto jornal AIA por Charles M. Eastman (1975), que nos apresentam noções de BIM, que hoje damos por comuns: [...] definir elementos de forma interativa... deriva[ando] seções, planos isométricos ou perspectivas de uma mesma descrição de elementos... Qualquer mudança no arranjo teia que ser feita apenas uma vez para todos os desenhos futuros. 21 Todos os desenhos derivados da mesma disposição de elementos seriam automaticamente consistentes... qualquer tipo de análise quantitativa poderia ser ligada diretamente à descrição... estimativas de custos ou quantidades de material poderiam ser facilmente geradas... fornecendo um único banco de dados integrado para análises visuais e quantitativas... verificação de códigos de edificações automatizando na prefeitura ou no escritório do arquiteto. Empreiteiros de grandes projetos podem achar esta representação vantajosa para a programação e para os pedidos de materiais. A Building Description System (BDS), projeto de Eastman, foi financiado pela Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA), que possibilitou o desenvolvimento de projetos atrelados a um banco de dados, que classifica, recupera e aplica estas informações em um projeto, exigindo uma taxonomia de todos os componentes de uma construção, organizada em uma biblioteca precisa. Todavia, o BDS foi desenvolvido antes da era dos computadores pessoais, então não ficou claro se algum projeto foi efetivamente desenvolvido dentro deste sistema, que acabou sendo mais uma experiência que identificou alguns dos problemas fundamentais do projeto arquitetônico dos próximos 50 anos (EASTMAN et al., 2014). Finalmente, em 1992, G.A. van Nederveen e F. Tolman publicam o artigo “Modelling Multiple Views on Buildings. Automation in Construction”, que emprega o acrônimo Building Information Modeling pela primeira vez. Apesar da rápida evolução do desenvolvimento do BIM no Estados Unidos, no bloco soviético temos a colaboração fundamental no que hoje entendemos como BIM sendo orquestrada por Leonid Raiz e Gábor Bojár, respectivamente cofundador e fundador do Revit e Archicad, conforme apresentado por Quirk (2012, tradução nossa5): ArchiCAD foi desenvolvido em 1982 em Budapeste, na Hungria, por Gábor Bojár, um físico que se rebelou contra o governo 5 Texto original: ArchiCAD developed in 1982 in Budapest, Hungary by Gábor Bojár, a physicist who rebelled against the communist government and began a private company. Gábor wrote the initial lines of code by pawning his wife’s jewelry and smuggling Apple Computers through the Iron Curtain (Story). Using similar technology as the Building Description System, the software Radar CH was released in 1984 for the Apple Lisa Operating System. This later became ArchiCAD, which makes ArchiCAD the first BIM software that was made available on a personal computer. 22 comunista e iniciou uma empresa privada. Gábor escreveu as linhas iniciais de código penhorando as joias de sua esposa e contrabandeando um computador Apple através da Cortina de Ferro (história). Usando tecnologia similar ao Sistema de Descrição do Edifício, o software Radar CH foi lançado em 1984 para o Sistema Operacional Apple Lisa. Mais tarde, tornou-se o ArchiCAD, o que fez do ArchiCAD o primeiro software BIM disponibilizado em um computador pessoal (tradução nossa). Foi no Revit que o atributo tempo foi incorporado, permitindo uma “quarta dimensão” associada ao processo de construção, assim sendo possível usar a base de dados do projeto não só como fonte de informação, mas também determinar em que momento a informação chega à obra. Outro fator crucial para o crescimento do BIM foi o sistema de trabalho colaborativo, que em determinado momento começou a gerar algumas dificuldades, devido à ampla variedade de softwares utilizados e seus respectivos formatos de arquivos, fazendo com que o arquivo fosse perdendo a fidelidade e até mesmo a precisão conforme mudavam de plataforma, já que a informação contida nos mesmos é hierárquica e específica. E foientão que em 1995 foi desenvolvido o arquivo da International Fundation Classes (IFC), de acordo com Haagenrud et al. (2007), que é resultado de um consenso da indústria sobre os processos de construção, contendo acordos comuns sobre o conteúdo, a estrutura e as restrições das informações a serem utilizadas e trocadas pelos vários participantes em um mesmo projeto, no qual utilizam diferentes softwares. Como resultado temos um esquema único e integrado de dados, sendo este esforço ampliado com o desenvolvimento de softwares de visualização, como o Navisworks, que se propõe a coordenar um mesmo projeto de vários formatos de arquivo, permitindo a coleta de dados, simulação da construção e detecção de conflitos (clash detection). A possibilidade da elaboração de um projeto que não apenas represente uma ideia, mas gere uma simulação da construção, permitindo inclusive um parecer com possíveis soluções e eventuais problemas encontrados, foi apresentada pelo software Building Design Advisor, desenvolvido no Lawrence Berkeley National Lab em 1993, foi um dos primeiros programas a integrar análises gráficas e simulações para fornecer informações 23 sobre como o projeto pode executar determinadas condições alternativas em relação à orientação dos projetos, geometria, propriedades do material e sistemas de construção (QUIRK, 2012). Com essa gama de funcionalidades, é comum que novos processos fomentem opiniões contrárias, conforme nos apresenta Quirk (2012, tradução nossa): Alguns assumiram uma posição negativa sobre o BIM e os parâmetros, pois assumem que o processo limita qualquer trabalho produzido para o conhecimento do usuário sobre o programa. Isso pode permitir que um designer novato que tenha aprendido a executar comandos básicos para se tornar um produtor incrivelmente prolífico enquanto um arquiteto altamente educado e experiente pode ser aleijado da inexperiência com uma interface de programas ou conceitos subjacentes. Isso cria um potencial para uma linha de divisão geracional que se torna mais dura quando uma nova tecnologia ganha paridade de mercado.6 Com o surgimento de técnicas cada vez mais complexas, ministrar esses conteúdos dentro do ambiente acadêmico passou a ser um importante componente curricular na formação dos futuros arquitetos, como afirma Patrick Shumacher (2008, tradução nossa) em seu “manifesto paramétrico”: O estágio atual de avanço no parametricismo relaciona-se tanto com o avanço contínuo das tecnologias de design computacional como é devido à realização do designer das oportunidades únicas formais e organizacionais que são oferecidas. O parametricismo só pode existir através de técnicas paramétricas sofisticadas. Finalmente, técnicas de design computacionalmente avançadas, como scripts (em Mel-script ou Rhino-script) e modelagem paramétrica (com ferramentas como GC ou DP) estão se tornando uma realidade penetrante. Hoje, é impossível competir dentro da cena de avant-garde contemporânea sem dominar essas técnicas.7 6 Texto original: Some have taken a negative stance on BIM and parametrics as they assume so much about the design process and limit any work produced to the user’s knowledge of the program. This can enable a novice designer who has learned how to perform basic commands to become an incredibly prolific producer while a highly educated and experienced architect can be crippled from inexperience with a programs interface or underlying concepts. This creates a potential for a generational break line that becomes more harsh as a new technology gains market parity. 7 Texto original: The current stage of advancement within parametricism relates as much to the continuous advancement of the attendant computational design technologies as it is due to the designer’s realization of the unique formal and organizational opportunities that are afforded. Parametricism can only exist via sophisticated parametric techniques. Finally, computationally advanced design techniques like scripting (in Mel-script or Rhino-script) and parametric modeling 24 O fluxo de trabalho dentro do BIM se baseia em processos existentes dentro da indústria da construção, permitindo obter informações rápidas e precisas destes processos, propondo uma interação entre todas as disciplinas e profissionais responsáveis pelo seu planejamento, projeto e construção, sendo que, frente ao atual cenário onde o profissional tem cada vez mais interação com tecnologias computacionais como realidade aumentada, arquivos na nuvem, internet das coisas, design generativo, entre outros, o mercado da construção será cada vez mais influenciado pelo BIM. 1.1 Sobre os conceitos que compõem o acrônimo BIM Definir conceitualmente o BIM é um primeiro passo necessário para categorizar suas aplicações. Não basta entender literalmente o significado do acrônimo, até porque, como já afirmamos, não há consenso sobre seu significado em inglês, e muito menos sobre suas possíveis traduções a outros idiomas. Assim, conscientes do que estamos pesquisando, é preciso apresentar corretamente o que cada uma dessas palavras pretende transmitir de um ponto de vista fatual. Ao discriminar cada palavra, esmiuçando seus significados, encontramos nuances que devem ser esclarecidas. A primeira letra, o B, refere-se à palavra building. Autores como Stefan Mordue, Paul Swaddle e David Philip (2016, p. 42) já apontaram que “a palavra Building não é clara, podendo significar diferentes coisas para diferentes pessoas”. Por sua etimologia, remete a edificações e à ação de edificar. Isto é, de um tipo específico de construção – a dos edifícios –, pois, em inglês, built é a raiz tanto de “edifício” como de “construção”. Mas, para melhor entendê-la dentro do acrônimo, pelo menos com vistas a uma futura tradução ao português, deveríamos entendê-la num sentido amplo e geral que abriga o termo construção, ou a antiga “arte edificatória”, posto que a referida plataforma vem sendo usada para construir túneis, pontes, ferrovias, estações petrolíferas (inclusive as de alto-mar) e (with tools like GC or DP) are becoming a pervasive reality. Today it is impossible to compete within the contemporary avant-garde scene without mastering these techniques. 25 muitas outras possibilidades dentro do vasto universo das construções humanas, que hoje pode até incluir cidades. Os significados da palavra construção implicam conceitos e ideias relativos às qualidades e intenções do BIM, isto é, não só o ato de construir, mas sobretudo a ação de “reunir e dispor metodicamente das partes de um todo”, ou seja, agrupar e organizar um material disponível. Assim, voltaríamos no tempo à famosa definição de Leon Battista Alberti (2011, p. 231, grifo nosso): Todo o saber da construção de uma obra consiste e resume-se apenas ao seguinte: dispor os materiais ordenadamente e ligá- los entre si com perícia, sejam eles pedras aparelhadas, argamassa, madeira ou qualquer outro, e obter, a partir deles, tanto quanto é possível, uma estrutura inteira e coesa. Diz-se que é inteiro e coeso tudo aquilo cujas partes não sejam fragmentadas e desconexas, nem colocadas fora de seu lugar, mas se sucedam em coesão e harmonia em toda a extensão das suas linhas. É esse sentido amplo da construção, como arte edificatória, e não como simples edificação, que nos parece ser a opção mais adequada ao sentido conceitual que o BIM informa. Contudo, vale esclarecer que não existe nesse entendimento que propomos um sentido puramente operativo do termo construção. Não é o construído que preocupa, mas a forma de construir, isto é, de dispor ordenadamente. O que está no cerne significativo do BIM são a sequência e a organizaçãodesse entendimento do processo de construção. A segunda letra do acrônimo BIM é I, referente à palavra inglesa information, que tem o mesmo significado que sua cognata em português, “informação”. Ainda assim, cabe perguntar o que devemos entender por informação na plataforma BIM, ou, em outras palavras, a que informação nos referimos nessa plataforma. Basicamente, informação é um esclarecimento, um comentário ou uma elucidação, um dado sobre o estado de alguma coisa; informação sobre o tempo, por exemplo. Tem a ver fundamentalmente com dados, pois é por meio de dados que se elucida o processo. Mas há na informação um sentido de disposição e manipulação de dados, que resulta de seu processamento e de sua organização. Esses dados organizados e processados nos oferecem 26 possibilidades que implicam mudanças no conhecimento que temos da realidade. Nesse sentido, compartilhamos uma definição, bastante difundida, que entende a informação como “a manipulação, processamento e organização de dados, de maneira que represente uma modificação (quantitativa ou qualitativa) no conhecimento do sistema que a recebe” (MORAES, 2009, p. 144). Vejamos o que acontece com a informação numa plataforma BIM. De fato, qualquer software capaz de operar nessa plataforma oferece meios de adquirir todo tipo de informação referente à construção, materiais e sua disposição, o que leva a que, num primeiro momento, a palavra informação seja perfeitamente adequada a essa aplicação. Porém, quando entendemos a proposta do BIM como a eficiência com que é trabalhada e compartilhada, a informação se apresenta como o conteúdo, e não como o meio pelo qual se transmite. O BIM contém informação, mas não é só isso. A plataforma BIM está cheia de informações, mas não são essas informações que lhe dão sentido e tampouco por ou para elas que o sistema foi pensado. Como definem alguns dicionários, o termo comunicação pode ser entendido como uma “prática ou campo de estudo que se debruça sobre a informação, sua transmissão, captação e impacto social”. Assim sendo, parece incorporar uma acepção mais eficiente para amparar a amplitude na qual o sistema BIM se propõe desenvolver seus componentes e finalidades. A palavra comunicação também significa tornar comum, ou seja, transmitir um pensamento ou uma ideia a uma ou mais pessoas. Assim, tomando-a em conjunto com a palavra construção, podemos entender comunicação da informação como o ato de tornar as informações da construção de entendimento comum a todos os envolvidos no processo construtivo de uma obra, o que lhe outorga significado e clareza, coerentes e afinadas com o que propõe o processo BIM. Contudo, não se pode excluir desse contexto o sentido de informação que subjaz ao temo comunicação, já que, para uma comunicação eficiente, a informação deve ser gerada de forma clara e correta e compartilhada no momento certo. A terceira letra do acrônimo BIM é a letra M. 27 É a que mais suscita dúvidas e desentendimentos, pois faz com que o acrônimo seja decomposto de duas maneiras: ora se usa a palavra model, que podemos traduzir como “modelo”, ora modeling, que podemos traduzir como “modelagem”. Modelo é uma imagem, desenho ou objeto que serve para ser imitado; molde, exemplar. Já a palavra modelagem é o ato de modelar, a modelação, que significa literalmente “fazer o modelo de”, “fundir em molde”, “denunciar ou insinuar as formas”. Enquanto modelo está no contexto do objeto, modelagem sugere ação. Neste último caso, BIM é uma plataforma da ação: coisas acontecem, procedimentos se sucedem, objetos se modificam. Mas o BIM é também uma plataforma que existe graças à definição precisa de um “objeto” que, em permanente mudança, é capaz de comunicar a todos os participantes de um processo (o da construção) o estágio em que ele se encontra, dando as ferramentas para verificar e confirmar os procedimentos aplicados e ainda ponderar com bastante acuidade os problemas que podem advir e indicar suas possíveis soluções. Assim, se é certo o que afirmam os já citados Mordue, Swaddle e Philip (2016, p. 30), BIM é um processo para combinar informação e tecnologia para criar uma representação digital de um projeto que integra dados de muitas fontes e evolui em paralelo com o projeto real em todo o seu ciclo de vida, incluindo desenho, construção e informação operacional em uso. Pensamos que o cerne do sistema não é o processo em si, mas o modelo que se constrói durante esse processo. Um modelo que não só funciona como receptáculo de informação e fonte de compartilhamento de dados técnicos dos mais variados campos, mas que fundamentalmente se apresenta como simulação precisa de uma realidade futura (PIAZZALUNGA, 2005, p. 26), de um objeto do mundo real ainda por vir. Diferente dos modelos físicos tradicionais (as maquetes), que acompanham a construção e a arquitetura desde tempos antigos e que não podem comunicar tudo sobre seu objeto, pois são feitos para finalidades outras e específicas (massas, detalhes, apresentação etc.) (MOON, 2005, p. 28 12), isto é, que são representações, o modelo digital resultante dos softwares que operam em BIM consegue, sim, comunicar praticamente tudo que um objeto do mundo real poderá ser quando construído, pois tem, em sua própria conformação, todas as informações pertinentes (os parâmetros) para a compreensão do objeto projetado. Assim, ainda que inicialmente e de forma genérica e abrangente possamos dizer que uma possível tradução de building information modeling é “modelagem da informação da construção”, nós nos permitimos sugerir que, de um ponto de vista conceitual, uma tradução mais completa seria: processo de comunicação da informação da construção por meio de uma simulação digital paramétrica compartilhada. Embora não respeite o acrônimo, essa tradução apresenta de forma clara, coerente e adequada os elementos constitutivos e relevantes do significado do BIM para o universo da projetação, da construção e da permanência e manutenção das construções. 1.2 Organização do projeto BIM Segundo a NBR 6492 – Representação de projetos em arquitetura (1994), em um projeto temos as etapas de: programa de necessidades, estudo preliminar, anteprojeto, projeto executivo e projeto como construído. Em cada uma destas etapas temos um nível de detalhamento e um equivalente nível de informação. Ponderar sobre a quantidade de informação/detalhes que um projeto precisa em cada uma de suas etapas também é uma das atribuições do BIM, desta forma foi desenvolvido um protocolo de nível de desenvolvimento do projeto, o Level of Development (LOD), que, conforme Latiffi et al. (2014) podemos descrever como: Um protocolo para abordar as informações de diretrizes básicas de Modelagem de Informações de Construção (BIM). O LOD foi criado para identificar requisitos de conteúdo específicos de elementos de um modelo BIM em um 29 determinado momento. Ele é usado para reduzir o problema de informações inadequadas nos projetos (tradução nossa)8. O AIA divulgou este termo em uma de suas publicações em 2008, “AIA E202-2008: Building Data Modeling Protocol Exhibit". O LOD¹ está associado à quantidade de detalhes que estão incluídos nos elementos do modelo BIM, que podemos interpretar como o grau de confiabilidade das informações compartilhadas no modelo colaborativo. Também temos sua interpretação como Level Of Detail, que se trata essencialmente da quantidade de detalhes incluídos no elemento do modelo. Em essência, Level of Detail é uma entrada para o elemento, enquanto o LOD define a saída confiável (BIM FORUM, 2016). Os níveis de LOD são LOD100, LOD200, LOD300, LOD350 LOD400 E LOD500¹, conforme figura 4, embora existam discussões quanto ao LOD250 e LOD350, que está sendo implantado na Holanda (Berlo, Bonhof e Korpershoek, 2014). Figura4. Level of Development. Disponível em: <http://lanmarservices.com/2014/05/14/lod-in-scan-to-bim>. Acesso em: 02 out. 2017. As definições fundamentais para os níveis de LOD9 são: 8 Texto original: Level of Development (LOD) is a protocol to address the basic guidelines information of Building Information Modeling (BIM). LOD is created to identify specific content requirements of a BIM model elements at a given time. It is used to reduce the problem of inadequate information needed in projects. 9 As definições de Level of Development (LOD) aqui apresentadas foram obtidas no BIM FORUM. Level of Specification, 2016. Disponível em: <https://bim-international.com/wp- content/uploads/2016/03/LOD-Specification-2016.pdf>. Acesso em: 02 out. 2017. 30 LOD100 − Representado graficamente no modelo com um símbolo ou outra representação genérica, que mostram a existência de um componente, mas não a forma, o tamanho ou a localização precisa. Qualquer informação derivada dos elementos LOD 100 deve ser considerada aproximada. LOD200 − Representado graficamente dentro do modelo de desenvolvimento do design, como uma forma genérica, com quantidades, tamanho, forma, localização e orientação aproximadas. Eles podem ser reconhecidos como os componentes que eles representam, ou podem ser volumes para reserva de espaço. Qualquer informação derivada dos elementos LOD 200 deve ser considerada aproximada. LOD300 − Modelo de produção, intenção de projeto, ou pré- construção, que representa o final do estágio de projeto. Os elementos modelados são precisos e coordenados, adequados para estimativas de custos e verificações de conformidade regulamentar. Quantidade, tamanho, forma, localização e orientação precisas. LOD350 − Representado graficamente dentro do Modelo como um sistema, objeto ou conjunto específico em termos de quantidade, tamanho, forma, localização, orientação e interfaces com outros sistemas de construção. As peças necessárias para a coordenação do elemento com elementos próximos ou anexados são modeladas. Essas partes incluirão itens como suporte e conexões. LOD400 − Representado graficamente dentro do Modelo como um sistema, objeto ou montagem específica em termos de tamanho, forma, localização, quantidade e orientação com detalhamento, fabricação, montagem e informações de instalação. Modelado com detalhes e precisão suficientes para a fabricação do componente representado. LOD500 − O Modelo de Elemento é uma representação verificada no campo em termos de tamanho, forma, localização, quantidade e orientação. Um modelo que mostra o projeto como foi construído. O modelo e os dados associados são adequados para manutenção e operações da instalação. 31 O desenvolvimento de projetos, atrelado a um sistema de representação bidimensional (2D), é decomposto em uma série de desenhos como plantas, cortes, fachadas, entre outros. Com o advento dos computadores e softwares gráficos voltados para a área de arquitetura, o 3D foi incorporado como mais uma ferramenta para auxiliar na representação do projeto. No BIM não é diferente, porém, a demanda por representações mais complexas a fim de atender as necessidades da construção e o extenso volume de informações gerados pelo projeto demandou uma organização da cadeia de informações do ciclo de vida da construção, sendo desenvolvidas as terminologias 3D, 4D, 5D, 6D e 7D. Cada terminologia abrange uma determinada etapa do ciclo de vida da construção. Sendo assim, temos: 3D: Aqui é desenvolvida uma simulação 3D, que nada mais é do que um protótipo virtual de uma construção, permitindo testar possíveis cenários, analisando possibilidades, inclusive respeitando normas de construção como NBR 9050, NBR 9077, 95.575 e quaisquer outra voltada para sua respectiva disciplina. Tudo isso em um ambiente virtual com elementos construtivos parametrizados, assegurando que interferências possam ser detectadas e devidamente corrigidas sem o risco de esses problemas chegarem à obra. Toda a informação gerada neste processo pode ser analisada e incorporada a planilhas e tabelas que poderão ser utilizadas em outras etapas como planejamento, orçamentação e análise de energia. 4D: Possibilita que o atributo tempo seja incorporado ao modelo, permitindo o planejamento e a simulação das etapas de construção antes mesmo do início da obra, viabilizando determinar a melhor estratégia de execução. Também é possível ampliar a capacidade de previsibilidade e o controle dos prazos, incorporando técnicas e tecnologias, conforme Suzuki e Santos (2015) afirmam: 32 No intuito de tentar aumentar a previsibilidade e o controle dos prazos dos empreendimentos, diversas técnicas e tecnologias são utilizados pelo mercado como, por exemplo, ferramentas de PERT-CPM (Program Evaluation and Review Technique/ Critical Path Method) como MS-Project ou Primavera, que através de processos de controle de atividades, prazos, recursos e informações relevantes permitem o melhor acompanhamento dos avanços e desvios apresentados pelas equipes de execução dentro do canteiro de obra. 5D: Incorpora a composição do orçamento e análise dos custos relacionados às respectivas etapas, trabalhando com a associação entre as etapas 3D e 4D. A extração rápida de quantitativos e listas de materiais, segundo Antunes (2013), é outro fator importante: O BIM possibilita, à medida que o projeto se aperfeiçoa, a extração rápida das listas de quantidades e materiais detalhadas automaticamente. Todas as ferramentas BIM fornecem capacidades para extrair quantidades de elementos, de áreas e volume de espaços, de materiais, e descrever estes em qualquer fase ou estado do projeto. Estas quantidades são mais do que adequadas para produzir estimativas de custo aproximadas. Importante salientar que o modelo deve ter o nível de detalhe adequado (LOD), que deve ser avaliado a fim de garantir a precisão das informações que forem extraídas. 6D: Possibilita uma análise de consumo do modelo, permitindo obter estimativas de energia precisas, que são fatores, além de importantes, necessários para a obtenção dos selos verdes (certificações ambientais)10 que garantem que a edificação tem menor impacto ambiental e menor consumo de energia em sua construção. Este processo também facilita o atendimento às solicitações da NBR 15.575 – Coletânea de Normas Técnicas – Edificações Habitacionais − Desempenho (2013). 7D: Permite a gestão do ciclo de vida dos ativos, ou seja, a etapa de manutenção e operação das instalações durante o seu ciclo de vida, podendo ir até uma fase de ampliação ou mesmo demolição. 10 Algumas das certificações e selos de construção sustentável são: Procel Aqua, Breean, Casa azul Caixa, Procel Edifica, Leadership in Energy and Environmental Design (LEED) e Deutsche Gesellschaft fur Nachhaltigies Bauen (DGNB). 33 Assim, nesta dimensão é concebível realizar a gestão das instalações, equipamentos, sendo possível efetuar planos de manutenção e obter facilmente dados de fabricantes e fornecedores de qualquer componente, incluindo custos originais e até mesmo fotos. Rastrear dados como validade de componentes, manuais de manutenção e operação, especificações, entre outros. Para que seja possível usufruir de todos os benefícios que o BIM oferece, é necessário que mudanças sejam realizadas. Todos os profissionais envolvidos em uma construção que trabalhe com BIM devem ter uma mesma coordenação, utilizando softwares que consigam se comunicar entre si, condensando toda a informação do projeto em uma mesma base de dados. 1.3 O BIM como um campo disciplinar Enxergar o BIM como um campo disciplinar exige uma série de reflexões sobre os diversos aspectos que envolvem, além de saberes e práticas, sua constante transformação,exigência essa que se deve aos avanços tecnológicos pelos quais o BIM se norteia. O primeiro aspecto a ser abordado é sobre o campo de interesses do BIM, que José D'Assunção Barros (2011, p. 254) esclarece como: Toda disciplina é constituída, antes de tudo, por certo “campo de interesses”, o que inclui desde um interesse mais amplo que define este campo como um todo, até um conjunto mais privilegiado de objetos de estudo e de temáticas a serem percorridas pelos seus praticantes (ou de desafios a serem enfrentados, para o caso dos campos disciplinares que, tal como a Medicina, envolvem uma prática, mais ainda do que uma reflexão teórica e uma pesquisa). O ciclo de vida de um projeto é o campo de interesse do BIM como um todo, sendo seu aspecto central a interoperabilidade de informações dos mais variados campos, tudo isso dentro de uma simulação virtualizada e atualizada em tempo real. 34 Figura 5. Ciclo de vida BIM. Fonte: <http://buildipedia.com/aec-pros/design-news/the-daily-life-of-building-information-modeling-bim>. Tradução Nossa. Vale ressaltar que o BIM é um processo relativamente novo, não existindo ainda uma metodologia consolidada de ensino: O que existe são recomendações de metodologias de ensino/aprendizagem que são apropriadas para o ensino de BIM. Por exemplo: aprendizagem baseada em problemas, aprendizagem baseada em casos, aprendizagem baseada em projetos, design universal e a aprendizagem pela descoberta foram experimentadas por diversos autores. (BARISON, 2015, p. 210) Entre essas recomendações, podemos citar alguns estudos, como o de Sacks e Pikas (2013), que definiram quais conteúdos BIM devem ser adquiridos, tanto na graduação e pós-graduação como no exercício da profissão, conforme apresentado na tabela da figura 6: 35 Figura 6. Objetivos educacionais. Fonte: Sacks e Pikas (2013). Tradução: Barison (2014, p. 224). Adotando outra abordagem, Bilal Succar, Willy Sher e Anthony Willians (2013, tradução nossa)11 focam no aspecto do desenvolvimento de competências individuais e justificam que: Competências individuais BIM são características pessoais, conhecimentos técnicos e habilidades técnicas necessárias a 11 Texto original: Individual BIM competencies are the personal traits, professional knowledge and technical abilities required by an individual to perform a BIM activity or deliver a BIM-related outcome. These abilities, activities or outcomes must be measureable against performance standards and can be acquired or improved through education, training and/or development. 36 um indivíduo para executar uma atividade BIM ou entregar um resultado relacionado ao BIM. Estas habilidades, atividades ou resultados devem ser mensuráveis em relação aos padrões de desempenho e podem ser adquiridas ou melhoradas através de ensino, treinamento e/ou desenvolvimento. Para organizar os conhecimentos que cada indivíduo deve apresentar, esses autores desenvolveram uma taxonomia classificando em três níveis de competências BIM, que por sua vez são subdivididos em tópicos de competências BIM, conforme figura 7. Figura 7. Hierarquia de competência BIM − Taxonomia mul nível para a organização individual de competências BIM. Fonte: Succar, Sher e Willians (2013, p. 181). Tradução nossa. Já Barison (2015, p. 45) propõe uma análise textual com o intuito de obter informações acerca de experiências de ensino BIM no contexto internacional, conforme apresenta: A partir de análise textual, construímos nosso “sentido” a respeito de quatro fenômenos: (a) escolas utilizam diferentes estratégias para ensinar BIM; (b) escolas introduzem BIM no currículo de diferentes formas; (c) escolas enfrentam obstáculos 37 para ensinar BIM; e (d) algumas escolas superaram os obstáculos e têm se destacado no ensino de BIM. Essa análise foi baseada em artigos publicados em anais de eventos internacionais, ementas de disciplinas com conteúdo BIM e periódicos, dividida em um primeiro levantamento que se baseou em 138 textos, resultado aferido no período de 06/2009 a 06/2010, acrescido de nova pesquisa realizada entre 07/2010 e 12/2011, incluindo 99 textos, e, por fim, mais 57 textos foram acrescentados, referentes à pesquisa realizada entre 01/2012 e 07/2014. Barison (2015, p. 108) afirma que não há um referencial teórico definido para o campo “Ensino de BIM” e propõe: Assim, por meio de Análise Textual, foram identificados disciplinas e agrupamentos, o que resultou no estabelecimento de três categorias ‘emergentes’ quanto aos níveis de proficiência em BIM: introdutório, intermediário e avançado. As disciplinas que se encaixam nos três níveis propostos foram organizadas da seguinte maneira (figura 8). Figura 8. Níveis de proficiência BIM. Fonte: Barison (2015, p. 109). Willem Kymmell (2008, p. 153) pressupõe que é necessário certo nível de conhecimento básico de construção, permitindo, assim, que os alunos possam trabalhar em projetos existentes e criar os seus próprios projetos virtuais. Tal conhecimento será adquirido nas aulas universitárias, que dispõem dos 38 conhecimentos necessários para dar ao aluno o embasamento adequado para compreender a função do BIM no processo de produção. Kymmell (2008, p. 170, tradução nossa)12 também pondera sobre como o currículo do curso de arquitetura acomoda o BIM: Tradicionalmente, o currículo arquitetônico está mais bem preparado para adotar as vantagens do software de modelagem 3D para ensinar ferramentas de projeto. Isso torna um ajuste natural a transição para o BIM. Por outro lado, o BIM é geralmente mais focado no desenvolvimento de modelos de sistemas estruturais, sistemas MEP, etc., cujos detalhes geralmente não são objeto de treinamento arquitetônico. O modelo do arquiteto é um dos componentes do BIM, mas não constitui o BIM inteiro. Assim, observando o BIM como objeto de estudo, é importante salientar seus desdobramentos, isto é, como se trabalha com as informações geradas a partir da simulação tridimensional de um projeto, no qual essas informações devem ser entregues no momento certo e para as pessoas certas, que no BIM se caracteriza pelo 4D. Enquanto as informações 2D e 3D representam a dimensionalidade do projeto, a 4D corresponde ao tempo, sendo que as tarefas que compõem o cronograma da construção são associadas ao modelo 3D, possibilitando o completo entendimento da sequência de todas as tarefas que envolvem a construção, permitindo, desta forma, que as tomadas de decisão sejam muito mais precisas. Atrelar elementos gráficos do projeto ao cronograma de obra beneficia toda a equipe envolvida com o projeto, permitindo que alterações realizadas no modelo 3D sejam automaticamente corrigidas no modelo 4D, favorecendo a elaboração de um planejamento visual, gerando uma simulação virtual da programação da obra, como uma animação 4D, que nada mais é que um “filme” que exibe graficamente a etapa da obra no momento especificado. 12 Texto original: Traditionally the architectural curriculum has been more ready to adopt the advantages of 3D modeling software to teach design skills. This makes it a natural fit for the transition into BIM. On the other hand, BIM is generally more focused on the development of models of structural systems, MEP systems, etc., the details of which are generally not the subject of architectural training. The architect’s model is one of the components of the BIM, but it does not constitute the whole BIM. 39 1.4 Experiências e resultados do ensino do BIM É inegável que a adoção do BIM no ensino implica uma série de mudanças na atual estrutura de ensino de arquitetura e urbanismo, como apresentado por Cheng (2006), no relatório da AIA sobre a prática integrada sobre BIM: Independentementeda magnitude do eventual impacto do BIM na profissão, o seu recente aumento é o catalisador ideal para repensar a educação arquitetônica. O nível de conhecimento necessário para projetar inteligentemente com o BIM é significativo, e deve ser considerada seriamente a forma como pode ser ensinado. Nos Estados Unidos, o Georgia Institute of Technology foi a instituição de ensino superior precursora na implementação de ferramentas BIM, com suas pesquisas iniciadas nos anos 1990, conforme apontam Barison e Santos (2011), porém, somente a partir de 2003 é que várias universidades passaram a ensinar ferramentas BIM, período em que a U.S. General Services Administration (GSA) estabeleceu diretrizes BIM para construções de edifícios públicos e a indústria começou a produzir os modelos BIM parciais (British Standards Institutions, 2010) e entre 2006 e 2009, a adesão do BIM passou a ser ainda maior, conforme figura 9, período em que a indústria começou a produzir os modelos BIM integrados, apontam Barison (2015). Figura 9. Ano de Implementação do BIM na IES. Fonte: Barison, 2015. 40 O uso do BIM também se intensificou em países como Finlândia, Noruega, Dinamarca, Suécia e Estados Unidos, em que o BIM passou a ser uma exigência em algumas estatais para projetos de obras públicas, relata Singh (2017). A intensificação do uso do BIM refletiu nas universidades, principalmente em cursos de arquitetura e em seguida engenharia e gerenciamento13, conforme figura 10. Figura 10. Cursos que introduziram BIM no período de 1990-2009. Fonte: Barison, 2015. A forma escolhida para a adesão do BIM nos cursos foi realizada de maneira pontual, segundo Barison (2015): [...]a introdução de BIM nos currículos se deu, inicialmente, por meio de disciplinas especializadas, durante o segundo nível das práticas colaborativas, momento em que predominavam a criação e o uso de modelos BIM parciais. As abordagens colaboração intracurso, interdisciplinar e à distância surgiram na terceira fase das práticas colaborativas, quando a indústria passou a utilizar o modelo BIM integrado. Mais tarde, em 2010, surgiram os modelos de colaboração transdisciplinar, interníveis, bi/multinacional à distância e semipresencial, época do lançamento dos servidores BIM (livres e proprietários) baseado em tecnologia de computação em nuvem e no uso de BIM para gerenciamento do ciclo de vida da edificação. 13 A relação detalhada das Universidades que começaram a ensinar BIM pode ser consultada na pesquisa de Barison: Introdução de Modelagem na Construção (BIM) no currículo – uma contribuição para a formação do projetista. 41 Pouco a pouco, a abordagem do BIM dentro das universidades foi se intensificando e permitindo o trabalho colaborativo, conforme a linha do tempo representada na figura 11. Figura 11. A evolução do ensino do BIM. Fonte: Barison, 2015. No Brasil, o interesse pelo BIM se iniciou na área acadêmica, com as primeiras dissertações sendo defendidas em 1996 (KASSEM; AMORIM, 2015), na Universidade Federal Fluminense, e em 2000, teve início o projeto Classificação e Terminologia da Construção (CDCON) com base na norma ISO 12006-2, que organiza as informações sobre a construção e que deu origem à NBR 15.965 Sistemas de classificação da Informação da Construção. Em 2002, o evento Tecnologia de Informação, aplicado à Construção (TIC), que se repete a cada dois anos, e recebe boa parte da produção científica com o tema BIM. 42 A produção científica sobre BIM tem crescido desde então, ainda que de forma comedida, conforme levantamento realizado por Kassem; Amorim (2015, p. 24), conforme figura 12. Figura 12. Teses, dissertações e artigos sobre temática BIM. Fonte: Kassem; Amorim, 2015. Em revistas especializadas do setor, como AU – Arquitetura e Construção, Mercado e Construção, TÉCHNE e Finestra, publicações com a temática BIM apareceram inicialmente em 2006, e o levantamento realizado por Kassem; Amorim (2015, p. 25) tem abrangido desde 1990, conforme figura 13: 43 Figura 13. Publicações técnicas com temática BIM. Fonte: Kassem; Amorim, 2015. Na área pública, o primeiro setor em que se teve notícia do uso do BIM foi a Engenharia do Exército, em 2006, e em 2010, com o desenvolvimento da versão inicial da tipologia da biblioteca BIM do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), desenvolvidos pelo escritório Contier Arquitetura. Ainda em 2010, a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP) realizou a primeira licitação que fez referência ao BIM. Já no ano de 2014 a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) exigiu a realização de projetos em BIM para 270 aeroportos regionais (BRASIL, 2015), o Terminal III do aeroporto de Guarulhos, inaugurado em maio de 2014, teve maior fluidez na obra devido ao uso do BIM (TECHNE, 2014), além de estações das linhas metrô em São Paulo (NETO, 2016). O Comitê de obras e Serviços do estado da Santa Catarina apresentou, em 2014, um caderno que orienta que os serviços de projetos prestados para o estado devem ser apresentados em BIM, procedimento este que ainda deve ser regulamentado. 44 Quanto à adesão de empresas brasileiras ao BIM, tais informações são difíceis de obter em virtude de os dados relativos à construção serem muito limitados, salvo pesquisas realizadas por associações ou revistas especializadas, e mesmo assim, informações geralmente relativas a determinados setores do mercado ou estados. Mesmo se encontrando em um estágio de amadurecimento no Brasil, algumas IES já estão realizando experiências quanto à utilização do BIM em cursos de engenharia e arquitetura e urbanismo. Em um levantamento realizado por Ruschel, Andrade e Morais (2013), foi identificada uma série de experiências didáticas baseada na definição de estágios de adoção de BIM proposta por Succar (2008), para diagnosticar níveis de maturidade BIM e na definição proposta por Barison; Santos (2011), que propõem uma classificação referente ao nível de especialidade que o discente deve deter na prática profissional ao utilizar o BIM. Essas informações foram condensadas no quadro da figura 14. 45 Figura 14. Classificação de experiências nacionais de ensino de BIM quanto ao nível de competência. Fonte: Barison, 2013. A disseminação do BIM está em constante expansão, seja no aspecto de publicações acadêmicas, bem na percepção do mercado ou mesmo no 46 interesse dos estudantes em suas ferramentas, que proporcionam uma série de recursos na concepção, desenvolvimento e pós-obra. Desta formam faz-se necessária uma investigação de como o BIM está sendo assimilado dentro dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, que é o propósito desta pesquisa. 47 2 DIRETRIZES CURRICULARES E LEGISLAÇÃO NO ENSINO DA ARQUITETURA NO BRASIL Para uma compreensão adequada do campo de atuação do arquiteto urbanista, foi realizado um levantamento da legislação, focando nas habilidades e conhecimentos essenciais para seu exercício, que, conforme a figura 15, podemos vislumbrar o que será analisado, organizado por ano, tipo de legislação e uma breve descrição do assunto tratado pelo respectivo documento, buscando compreender a evolução legal da profissão. Figura 15. Legislação sobre o ensino e a profissão do arquiteto urbanista. Fonte: Arquivo do autor. 48 O ensino acadêmico de Arquitetura no Brasil teve seu início através da assinatura do decreto de criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, por Dom João VI, que no ano de 2016 completou 200 anos, porém, a primeira regulamentação da profissão de arquiteto só se tornou realidade por meio do Decreto 23.569, de 11 de dezembro de 1933. A partir dessa data, apenas os diplomados em escolas reconhecidas poderiam exercer a funçãode arquiteto. Nessa época, existiam apenas quatro escolas de Arquitetura no país: a Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, a Escola Politécnica da USP, a Escola de Engenharia do Mackenzie e a Universidade Federal de Minas Gerais (SALVATORI, 2008, p. 57). Em 2017, com uma gama tão extensa de instituições ministrando cursos de arquitetura, aparecem questionamentos quanto aos diferentes conteúdos e níveis de conhecimento que o discente adquire no decorrer do curso e como esse profissional está se qualificando para adentrar o mercado de trabalho atual. Para um entendimento mais apurado da estrutura de ensino da arquitetura no Brasil, faz-se necessária uma análise da legislação pertinente à estruturação do ensino superior no país e de como se deu essa evolução até chegarmos ao período contemporâneo. Com esse panorama, permitindo uma visão dos novos processos de ensino e suas respectivas tecnologias, no caso em questão o BIM, poderão ser incorporadas a aquela estruturação do ensino superior de forma didática, e não simplesmente como mera ferramenta de representação, dando continuidade aos constantes processos de modernização do ensino de arquitetura. Analisando a primeira lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, teremos um panorama não só dos aspectos legais, mas também de como o cenário político-social teve forte influência no direcionamento da legislação, percorrendo caminhos que impactam o ensino até os dias de hoje. 49 2.1 Primeira Lei Geral − 1961 Houve um primeiro currículo mínimo, cuja origem se remonta à tramitação da Lei nº 4.024, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1947, complementada em 1961, em um cenário de conflito de interesses entre liberais escolanovistas, que defendiam a escola pública e a centralização do processo educativo pela União, e os católicos, que defendiam a escola privada e a não interferência do Estado nos negócios educacionais (MARCHELLI, 2014, p. 1485). Essa lei contempla a base curricular para os três graus de educação de ensino: primário, médio e superior, porém abordando as questões da educação de forma generalista, já que, para que seu funcionamento ocorresse de forma consistente, foram necessários decretos, pareceres, portarias e resoluções. A expressão “currículo mínimo” aparece pela primeira vez na Lei nº 4.024 (1961), que no seu art. 70 cita especificamente esse termo para o grau superior: O currículo mínimo e a duração dos cursos que habilitem à obtenção de diploma capaz de assegurar privilégios para o exercício da profissão liberal ... serão fixados pelo Conselho Federal de Educação. No caso do curso de Arquitetura e Urbanismo, segundo Arruda et al. (2015), de 1945 a 1962, os cursos de arquitetura existentes seguiam modelos curriculares das principais instituições como padrão, principalmente da Faculdade Nacional de Arquitetura e Urbanismo (RJ). No ano de 1962, temos o primeiro currículo mínimo de Arquitetura e Urbanismo: Depois de longo debate e buscando não reproduzir o modelo que pretendia superar, surgiu, em 1962, o primeiro Currículo Mínimo de Arquitetura e Urbanismo, que já apontava para uma visão de formação generalista e única do Arquiteto e Urbanista, impedindo sua fragmentação e formação em áreas especializadas. Este currículo estava organizado em 15 matérias: cálculo; física aplicada; resistência dos materiais e estabilidade das construções; desenho e plástica; geometria descritiva; materiais de construção; técnicas de construção; 50 história da arquitetura e da arte (arquitetura brasileira − técnicas tradicionais); teoria da arquitetura; estudos sociais e econômicos; sistemas estruturais; legislação, prática profissional e deontologia; evolução urbana; composição arquitetônica de interiores e exteriores; e planejamento. (ARRUDA et al., 2015) Nesse momento da história do ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil, a presença da informática aplicada não será encontrada nestas primeiras legislações, visto que o avanço tecnológico se encontrava em um estágio ainda muito incipiente no Brasil, em que a aplicação dada a computadores no âmbito do ensino era destinada quase exclusivamente a cálculos numéricos (informação verbal)14. 2.2 Segunda Lei geral − 1968 A década de 60 apresenta o cenário conturbado do início da ditadura militar, movimentos estudantis e o excedente de alunos que passavam no vestibular, porém não conseguiam fazer a matrícula em razão da falta de vagas no ensino superior. Apesar da preocupação do governo militar em conter a ocupação de postos de docência por professores de esquerda, a questão do excedente de alunos aprovados no vestibular era alarmante, porém, não se mostra como algo inédito, já que em 1951 a Lei nº 1.392 estabelecia normas para o aproveitamento de alunos excedentes, aprovados em exame de habilitação para ingresso em cursos superiores, especialmente no que se refere às escolas particulares. Buscando solucionar estas questões, o governo militar instalou duas frentes de trabalho: Comissão Meira Mattos e o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU) (MARCHELLI, 2014, p. 1499). Essas duas frentes nos levam à Lei nº 5.540, de 1968, que entra como uma reforma da Lei nº 4.024 de 1961. Nesse cenário, surge o 2º currículo mínimo de Arquitetura e Urbanismo: 14 Notícia da aplicação dos computadores no âmbito do ensino fornecida por Carlos Eduardo Ferreira, professor titular do IME-USP, no podcast hipsters.tech, em junho de 2017. Disponível em: <http://hipsters.tech/faculdades-ciencia-da-computacao-e-sistemas-de-informacao-hipsters- 47/>. Acesso em: 19 nov. 2017. 51 No bojo da controversa Reforma Universitária de 1968, surgiu o segundo Currículo Mínimo, em 1969, que apesar de muito criticado pela área e de não contemplar o sentido e a profundidade das mudanças alcançadas pelos movimentos de reforma que a antecederam, vigorou por 25 anos. Este currículo era dividido em dois ciclos (básico e profissional) com 13 matérias consideradas como mínimo indispensável a serem desdobradas em disciplinas. As matérias eram as seguintes: A- Básicas: estética, história das artes e da arquitetura; matemática; física; estudos sociais; desenho e outros meios de expressão; plástica. B- Profissionais: teoria da arquitetura e arquitetura brasileira; resistência dos materiais e estabilidade das construções; materiais de construção, detalhes e técnicas da construção; sistemas estruturais; instalações e equipamentos; higiene da habitação; e planejamento arquitetônico. O grande mérito do currículo mínimo de 1969 foi que, na sua base conceitual relatada pelo Conselheiro do então CFE Celso Keli, introduziu a terminologia “Curso de Arquitetura e Urbanismo”, caracterizando a formação unificada e generalista e impedindo a sua fragmentação em áreas especializadas. (ARRUDA et al., 2015) Um aspecto que perdura até os dias de hoje é a alteração da estrutura dos vestibulares, por meio da qual o candidato era ordenado por notas e conceitos (exames) e, com a alteração para a forma de concurso, buscava- se a aptidão intelectual para os cursos superiores, tornando o desempenho do pleiteante classificatório (BRAGHINI, 2014, p. 137). Desta forma, o número de candidatos aprovados seria correspondente ao número de vagas, conforme disposto no Decreto 68.908, de 13 de julho de 1971. Até este momento, o processo de projetar e desenhar, tanto no ensino como nos escritórios de arquitetura, permanecia baseado na instrumentação dos projetos, mesmo que no ano de 1962 o programa CAD (Computer Aided Design) já houvesse sido desenvolvido pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology). Ainda assim, os computadores não despertaram o devido interesse nos arquitetos, segundo Sainz E. Valderrama (1992, p. 21, tradução nossa)15:
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