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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Ana Lúcia Pereira AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA: com a palavra os estudantes de Pedagogia Doutorado em Educação: Psicologia da Educação SÃO PAULO 2017 ANA LÚCIA PEREIRA AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA: com a palavra os estudantes de Pedagogia Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência para a obtenção do título de Doutora em Educação: Psicologia da Educação. Orientadora: Profa. Dra. Laurinda Ramalho de Almeida Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Educação: Psicologia da Educação Co-orientador: Prof. Dr. Bento Duarte da Silva Universidade do Minho – Portugal Ciências da Educação: Tecnologia Educativa SÃO PAULO 2017 Banca Examinadora: Para Rodrigo e Alice que, sendo tão eles em suas acentuadas diferenças, também me permitem enxergar o que há de mim neles. Parafraseando Nando Reis, eu não sei quanto o mundo é bom, mas ele está melhor depois que vocês chegaram e perguntaram: tem lugar para nós? AGRADECIMENTOS Ao meu amado filho, Rodrigo Azevedo, que sempre apoiou os meus projetos, mesmo quando deles resultaram períodos prolongados de ausência. Ao querido amigo, Guilherme Henrique Lima Barati, pelo apoio incondicional em todos os momentos deste projeto, pela presença solidária, que foi um bálsamo nos momentos de cansaço ou de tensão na finalização deste trabalho, pelas conversas, almoços, cafés e todos os outros momentos compartilhados. Aos meus pais, Ana Aparecida Pereira e João Pereira Alves, que me ensinaram o valor da integridade, da honestidade e do esforço necessário para a realização de qualquer objetivo. Ao meu namorado, Delmarcos Barbosa, cujos telefonemas proporcionaram os poucos momentos de intervalo a que me permiti nos últimos meses de elaboração desta tese, após os quais sempre retornei mais leve e revigorada para dar continuidade ao trabalho. À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Laurinda Ramalho de Almeida, por ter me aceitado como orientanda pela segunda vez, pelas conversas afetuosas e pelo apoio nas decisões que contribuíram para a realização deste trabalho. Ao Prof. Dr. Bento Duarte da Silva, por ter me aceitado como co- orientanda, ter me recebido com tanta gentileza no Instituto de Educação da Universidade do Minho, orientado e apoiado, o que fez com que o meu Estágio Científico Avançado fosse produtivo e enriquecedor. Também agradeço pelas ricas aulas de Tecnologia e Comunicação Educacional, nas quais muito aprendi. À Prof.ª Dr.ª Marli Eliza Dalmazo Afonso de André, pelas valiosas contribuições na banca de qualificação e pelas maravilhosas aulas de Seminários de Pesquisa II. Com ela aprendi que existem variadas formas de se fazer pesquisa, e todas têm o seu valor, desde que em nenhuma delas o pesquisador prescinda do comprometimento e do rigor. À Prof.ª Dr.ª Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, por me mostrar com tanta competência que os contextos de aprendizagem transcendem os muros das instituições de ensino, e pelas contribuições na banca de qualificação. À Prof.ª Dr.ª Regina Prandini, por ter aceitado compor a banca examinadora e pelas contribuições realizadas. À Prof.ª Dr.ª Mitsuko Aparecida Makino Antunes, a querida Mimi, pelas aulas sempre tão inspiradoras e pela generosidade com que compartilha a sua sabedoria. À Prof.ª Dr.ª Maria João Gomes, da Universidade do Minho, pela gentileza com que me recebeu nas aulas de Educação a Distância e E-learning, que foram valiosas para a construção do referencial teórico desta tese. À Prof.ª Dr.ª Altina Ramos, pela simpatia com que me recebeu, a qual, desde então, foi a sua marca registrada em todas as interações que tivemos na Universidade do Minho. Às queridas amigas, Ana Lúcia Ferrari e Lilian Pêssoa, cuja amizade foi um presente que a PUC/SP me deu. À minha irmã, Cristiane Azevedo, e às amigas, Sandra Sasaki, Tatiani Zuppani, Simone Abreu, Rute Mercurio, Yone Fonseca, Raquel Mesquita, Marilza Viana e Cristina Esteves, mulheres fortes que admiro pela fibra com que conduzem a vida, e que, em diferentes momentos desta trajetória, estivessem perto ou longe, cada uma, à sua maneira, sempre me apoiou e acreditou no meu trabalho. Ao meu irmão, João Carlos Pereira, e aos queridos amigos, Maier Augusto dos Santos e Amilton Martins dos Santos, com cuja amizade e carinho sempre pude contar, apesar dos prolongados momentos de ausência impostos pela necessidade de concluir este trabalho. Aos amigos e colegas de PUC/SP, Rodnei Pereira, Rodrigo Toledo e Lisandra Príncipe, pelo companheirismo e apoio em momentos fundamentais deste trabalho. Aos amigos que fiz na Universidade do Minho, Viviane Gomes, Ranniéry Souza, Simone Maneira e Dionísio Tumbo, pela troca de ideias, conversas, cafés e momentos inspiradores compartilhados na sala 2090 do Instituto de Educação da UMinho. Aos estudantes e ao professor que gentilmente se voluntariaram a participar desta pesquisa, contribuindo com informações e experiências tão preciosas, sem as quais este estudo não teria sido possível. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento que possibilitou a dedicação exclusiva a este trabalho no período do Doutorado Sanduíche na Universidade do Minho (Portugal) e nos últimos meses que antecederam a sua conclusão. Não posso deixar de lembrar que, ao agradecer à CAPES, estou agradecendo ao contribuinte brasileiro, que possibilitou a ela o financiamento deste estudo. Agradeço, dessa forma, ao povo brasileiro, que, com o suor do seu trabalho e a persistência da sua luta cotidiana, muitas vezes, tão sacrificada, financia este e vários outros programas governamentais. Tantos são os que nunca tiveram a oportunidade de concluir os estudos, ou sequer de iniciá-los, mas que, embora possam não ter consciência disso, já contribuíram com os seus impostos para a formação de muitos Doutores. A eles o meu mais sincero reconhecimento, junto com o desejo de poder, de alguma forma, retribuir com os frutos deste trabalho um pouco do muito que recebi. Mesmo quando pensamos que a nossa razão comanda a situação, ela dança ao ritmo das emoções. (Nicholson) RESUMO PEREIRA, Ana Lúcia. Afetividade na Educação Superior a Distância: com a palavra os estudantes de Pedagogia. Tese (Doutorado em Educação: Psicologia da Educação). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, 2017. Este estudo foi motivado pela inquietação da pesquisadora, que, após seis anos atuando como professora universitária em cursos presenciais, viu-se diante do desafio de exercer a docência também na modalidade a distância (EaD). O cerne dessa inquietação se concentrava nos desafios a serem enfrentados para que as interações estabelecidas com os estudantes por intermédio dos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) pudessem favorecer os processos de ensino e aprendizagem. O estudo teve como objetivo geral “averiguar a percepção de estudantes de Pedagogia na modalidade a distância a respeito do papel da afetividade nas interações estabelecidas no decorrer do curso”, e norteou-se a partir da seguinte questão de pesquisa: Como se dá a afetividade no curso de Pedagogia ministrado a distância, segundo a percepção dos discentes? Participaram da pesquisa estudantes que cursavamPedagogia na modalidade a distância em uma universidade superior privada, de grande porte, e um professor dessa mesma instituição. Optamos pela abordagem de pesquisa qualitativa e a Psicogenética Walloniana foi a teoria escolhida para subsidiar a análise dos dados. A coleta de dados ocorreu em três etapas: (1) distribuição de questionários para estudantes de Pedagogia na modalidade EaD, resultando em 134 respostas; (2) entrevistas semiestruturadas com oito estudantes oriundos do grupo que respondeu o questionário; (3) entrevista semiestruturada com o professor. Para a análise dos dados coletados por meio do questionário, foram utilizadas técnicas de Estatística Descritiva. Para analisarmos as entrevistas, inspiramo-nos na análise de prosa, proposta por André (1983). A análise nos permitiu constatar que a afetividade esteve presente desde a escolha dos estudantes pela Pedagogia e pela EaD, continuando, no decorrer do curso, a permear os relacionamentos estabelecidos com os professores, os tutores e os colegas, e também em relação ao curso, à Universidade e a si mesmos. Dentre os sentimentos de nuances positivas que emergiram dos relatos, destacam-se: admiração, afeição, apreço, calma, entusiasmo, felicidade, gratidão, satisfação e segurança. Dentre os sentimentos de nuances negativas, que apareceram de maneira mais expressiva em relação à Universidade, destacam-se: angústia, arrependimento, decepção, frustração, insegurança e preocupação. Dentre os principais resultados, evidenciou-se que os sentimentos dos estudantes em relação aos professores guardam relação com o estilo que cada um imprime na gravação das videoaulas, o que, em alguns relatos, apareceu como fator importante para os graus de interesse e motivação pelas disciplinas. Dessa forma, quanto aos professores, podemos dizer que, no caso de nossos entrevistados, a afetividade, que ganha expressão por meio dos sentimentos, deu-se por intermédio das videoaulas. A despeito de algumas críticas, de maneira geral, os estudantes se mostraram otimistas em relação à formação recebida e ao subsídio que esta forneceu para a atuação futura como professores. A esse respeito, foram nomeados sentimentos, como: esperança, felicidade, prazer e orgulho. Palavras-chave: afetividade no contexto acadêmico; educação a distância; educação superior; formação inicial de professores; Psicogenética Walloniana. ABSTRACT PEREIRA, Ana Lúcia. Affectivity in Distance Higher Education: with the floor, the Pedagogy students. Tese (Doutorado em Educação: Psicologia da Educação). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, 2017. The present study was motivated by great concern of this researcher, who, after six years working as a college professor in classroom courses, had to face the challenge of teaching in distance learning (EaD). The core of such concern was on facing challenges in order that the established interactions with the students through virtual learning environments (AVA) could promote teaching and learning processes. The general objective of the present study was to “ascertain distance learning Pedagogy students’ perception on the role of affectivity in the interactions developed throughout the course”, and it was guided by the following research question: How is affectivity developed in a distance learning Pedagogy course, according to the students’ perception? The students who participated in the research attended a distance learning Pedagogy course in a large private institution, and a professor from the same institution participated as well. We chose the qualitative research approach and the theory of Wallonian Psychogenetics to support the data analysis. The collection of data followed three steps: (1) distribution of questionnaires to Pedagogy students in distance learning, which resulted in 134 answers; (2) semistructured interviews with eight students from the group that answered the questionnaire; (3) semistructured interview with the professor. We used techniques of Descriptive Statistics to analyse the data collected through the questionnaire. In order to analyse the interviews, we were inspired by prose analysis, proposed by André (1983). The analysis allowed us to realize that affectivity had been present since the moment the students chose Pedagogy course and distance learning, and throughout the course, it went on guiding the relationships established with professors, tutors, course mates, as well as with the course, the University and themselves. Among the feelings of positive nuances that they related, we highlight admiration, affection, appreciation, calmness, enthusiasm, happiness, gratitude, satisfaction and security. Among the feelings of negative nuances, which were mostly concerned to the University, we highlight anguish, regret, disappointment, frustration, insecurity and worry. Among the main results, we point out that the students’ feelings towards the professors are related to their own way to tape the videoclasses, which, in some cases, appeared as an important factor to level interest and motivation towards the subjects. Therefore, as to the professors, we can say that, according to the interviewed students, the feeling of affectivity arose from the videoclasses. Despite some criticism, in general, the students were optimistic about their course and the support they received in order to work as teachers in the future. They related feelings such as hope, happiness, pleasure and pride. Keywords: affectivity in academic context; distance education; higher education; teacher initial education; Wallonian Psychogenetics. RESUMEN PEREIRA, Ana Lúcia. Afectividad en la Educación Superior a Distancia: con la palabra de los estudiantes de Pedagogía. Tesis (Doctorado en Educación: Psicología de la Educación). São Paulo: Pontificia Universidad Católica de São Paulo - Programa de Estudios de Pos-Graduación en Educación: Psicología de la Educación, 2017. Este estudio fue motivado por la inquietud de la investigadora, quien, después de seis años actuando como profesora universitaria en cursos presenciales, se encontró delante del desafío de ejercer la docencia también la modalidad a distancia (EaD). La mayor inquietud se encontraba en los desafíos a ser enfrentados para que las interacciones establecidas con los estudiantes por intermedio de los ambientes virtuales de aprendizaje (AVA) pudieran favorecer los procesos de enseñanza y aprendizaje. El estudio tuvo como objetivo general “indagar la percepción de estudiantes de Pedagogía en la modalidad a distancia al respecto del papel de la afectividad en las interacciones establecidas en el transcurso del curso” y se ha orientado a partir de la siguiente pregunta de encuesta: ¿Cómo se da la afectividad en el curso de Pedagogía dictado a distancia, según la percepción de los estudiantes? En esta encuesta participaron estudiantes que cursaban Pedagogía en la modalidad a distancia de una Universidad privada, de gran tamaño, y un profesor de la misma institución. Optamos por utilizar el análisis cualitativo y la Psicogenética Walloniana fue la teoría escogida para subsidiar el análisis de los datos. La recolecta de los datos ocurrió en tres etapas: (1) distribución de cuestionarios para estudiantes de Pedagogía en la modalidad EaD, obteniendo como resultado 134 respuestas; (2) entrevistas semi-estructuradas con ocho estudiantes provenientes del grupo inicial que respondió el cuestionario; (3) entrevista semi-estructurada con el profesor. Para el análisis de los datos recolectados pro medio del cuestionario, fueron utilizadas técnicas de Estadística Descriptiva. Para el análisis de las entrevistas, nos inspiramos en el análisis de prosa, propuesto por André(1983). Este análisis nos permitió constatar que la afectividad estuvo presente desde la escogencia de los estudiantes por la Pedagogía y por la EaD, continuando, en el transcurso del curso, a traspasar las relaciones establecidas con los profesores, los tutores y los compañeros así como también en relación al curso, a la Universidad y la sí mismos. En los diferentes matices de sentimientos positivos que surgieron de los relatos, se destacan: admiración, afecto, aprecio, calma, entusiasmo, felicidad, gratitud, satisfacción y seguridad. En los matices de sentimientos negativos, que aparecen de forma más expresiva en relación a la Universidad, se destacan: angustia, arrepentimiento, decepción, frustración, inseguridad y preocupación. En los principales resultados se evidenció que los sentimientos de los estudiantes en relación a los profesores guardan un estrecho vínculo con el estilo que cada profesor imprime en la grabación de sus video clases, lo que en algunos de los relatos, aparece como factor importante para el grado de interés y motivación respecto a las disciplinas. Finalmente, en relación a los profesores, podemos decir que, en el caso específico de nuestros entrevistados, la afectividad, que gana expresión mediante los sentimientos, se da por medio de las video clases. En lo que concierne a algunas críticas, de forma general, los estudiantes se muestran optimistas en relación a la formación recibida y a la ayuda que esta proporcionó para su futura actuación como profesores. Sobre esto fueron destacados sentimientos como: esperanza, felicidad, placer y orgullo. Palabras claves: afectividad en el contexto académico; educación a distancia; educación superior; formación inicial de profesores; Psicogenética Walloniana. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Estrutura e organização da tese .....................................................................33 Figura 2 - Representação gráfica das hipóteses formais de Börje Holmberg sobre a conversação didática guiada ............................................................................................57 Figura 3 - Modelo adotado pelo Sistema Universidade Aberta do Brasil ........................ 109 Figura 4 - Matriculados versus formados entre 2010 e 2013.......................................... 112 Figura 5 - Representação gráfica da distribuição percentual das matrículas em cursos de graduação (a distância e presenciais) por categoria administrativa (2014) .................... 117 Figura 6 - Representação gráfica da distribuição percentual de matrículas em cursos de licenciatura na modalidade EaD (2005 a 2014) nos setores público e privado ............... 120 Figura 7 - Dados contemplados nos núcleos da Análise de Dados ................................ 143 Figura 8 - Dados contemplados no núcleo Caracterização da Universidade .................. 144 Figura 9 - Representação hierárquica dos profissionais da EaD na Universidade pesquisada .................................................................................................................... 145 Figura 10 - Dados contemplados no núcleo Perfil dos Discentes ................................... 150 Figura 11 - Comparativo entre as faixas etárias nos cursos presenciais e a distância ... 152 Figura 12 - Representação gráfica da distribuição percentual dos respondentes quanto à situação profissional/atuação na educação .................................................................... 154 Figura 13 - Categorias referentes ao subnúcleo Afetividade nas escolhas dos discentes ...................................................................................................................................... 161 Figura 14 - Categorias referentes ao subnúcleo Sentimentos dos Discentes ................. 176 Figura 15 - Tira de Quino: Mafalda ................................................................................ 223 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Modelos educacionais analisados por John Bååth .........................................59 Quadro 2 - Ideias nucleares das Abordagens Teóricas apresentadas na Tese................69 Quadro 3 - Definições analisadas por Desmond Keegan .................................................75 Quadro 4 - Marcos legais da Legislação brasileira sobre EaD .........................................89 Quadro 5 - Alterações na redação dos artigos 11 e 12 do Decreto 2.494/98 realizadas em cumprimento ao Decreto 2.561/98 ...................................................................................92 Quadro 6 - Alterações nos artigos 10, 12, 14, 15 e 25 do Decreto 5.622/2005 realizadas em cumprimento ao Decreto 6.303/97 .............................................................................97 Quadro 7 - Alteração na redação do Inciso I, §4º da Lei 9.394/96, realizada em cumprimento à Lei 12.603/2012 ..................................................................................... 100 Quadro 8 - Núcleos, subnúcleos e categorias de análise ............................................... 141 Quadro 9 - Informações biográficas dos entrevistados .................................................. 151 Quadro 10 - Informações profissionais e acadêmicas dos entrevistados ....................... 155 Quadro 11 - Sentimentos dos entrevistados em relação aos professores ...................... 201 Quadro 12 - Características de professores que gravam videoaulas apreciadas pelos discentes ....................................................................................................................... 204 Quadro 13 - Características de professores que gravam videoaulas não apreciadas pelos discentes ....................................................................................................................... 205 Quadro 14 - Sentimentos dos entrevistados em relação aos tutores (presenciais, online e 0800) ............................................................................................................................. 219 Quadro 15 - Sentimentos dos entrevistados em relação aos colegas de curso.............. 233 Quadro 16 - Sentimentos nomeados e inferidos em relação ao curso ........................... 243 Quadro 17 - Sentimentos dos entrevistados em relação à Universidade ....................... 244 Quadro 18 - Mapa geral dos sentimentos por categorias/entrevistados ......................... 247 Quadro 19 - Sentimentos em relação a si mesmos ........................................................ 252 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Categorias dos artigos consultados ................................................................27 Tabela 2 - Sistema UAB: quantidade e distribuição percentual de polos por região ....... 110 Tabela 3 - Sistema UAB: Modalidades dos cursos ofertados (2014) .............................. 111 Tabela 4 - Número de cursos de graduação (presenciais e a distância) por categoria administrativa e por grau acadêmico (2014) .................................................................. 118 Tabela 5 - Número de vagas ofertadas (presenciais e a distância) por categoria administrativa (2014) ..................................................................................................... 118 Tabela 6 - Número de vagas ofertadas (presenciais e a distância) por categoria administrativa (2014) ..................................................................................................... 119 Tabela 7 - Número de matrículas em cursos de Licenciatura (2014) ............................. 126 Tabela 8 - Distribuição percentual dos dados biográficos dos respondentes ................. 151 Tabela 9 - Informações profissionais e acadêmicas dos respondentes .......................... 154 Tabela 10 - Média aritmética simples da intensidade com que os respondentes indicaram experimentar sentimentos de nuancespositivas e negativas ......................................... 180 Tabela 11 - Distribuição percentual do grau de concordância dos participantes com afirmativas sobre sentimentos em relação aos professores e colegas ........................... 181 Tabela 12 - Distribuição percentual do grau de concordância dos participantes com afirmativas sobre interação e sentimentos em relação aos professores......................... 186 Tabela 13 - Distribuição percentual do grau de concordância dos respondentes com afirmativas sobre interação e sentimentos em relação aos colegas de curso ................ 234 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ___________________________________________________________ 19 Memorial da Pesquisadora _____________________________________________ 19 Problematização, Objetivos e Questão de Pesquisa _________________________ 23 CAPÍTULO I - ABORDAGENS CLÁSSICAS DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ____ 34 1.1 Otto Peters e a Industrialização do Ensino _____________________________ 35 1.2 Abordagens teóricas da Autonomia e Independência _____________________ 42 1.2.1 Charles Wedemeyer e o Estudo Independente ______________________________ 42 1.2.2 Michael Grahame Moore e a Distância Transacional __________________________ 47 1.3 Abordagens teóricas da Interação e Comunicação _______________________ 52 1.3.1 Börje Holmberg e a Comunicação Didática Guiada ___________________________ 52 1.3.2 John Bååth e a Comunicação Bidirecional __________________________________ 58 1.3.3 John Sagar Daniel e o Equilíbrio entre Interação e Independência _______________ 65 1.4 Terminologia e Definições: em busca de uma síntese _____________________ 70 CAPÍTULO II – EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: PANORAMA BRASILEIRO _______ 82 2.1 Marcos legais da Educação a Distância no Brasil ________________________ 85 2.2 Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) __________________________ 104 2.3 EaD nas instituições de ensino superior privadas _______________________ 117 CAPÍTULO III - PERCURSO METODOLÓGICO _____________________________ 123 3.1 Escolha e identificação dos participantes______________________________ 123 3.2 Coleta de Dados _________________________________________________ 129 3.2.1 Etapa 1: Entrevistas Estruturadas _______________________________________ 129 3.2.2 Etapa 2: Entrevistas Semiestruturadas com os estudantes ____________________ 133 3.2.3 Etapa 3: Entrevista Semiestruturada com o professor ________________________ 139 3.3 Procedimentos de análise de dados _________________________________ 139 CAPÍTULO IV – APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ________________ 143 4.1 Caracterização da Universidade ____________________________________ 144 4.2 Perfil dos discentes ______________________________________________ 150 4.3 Afetividade na Pedagogia EaD______________________________________ 159 4.3.1 Afetividade nas escolhas dos discentes ___________________________________ 161 4.3.1.1 Afetividade na escolha pela Pedagogia __________________________________ 163 4.3.1.2 Afetividade na escolha pela EaD _______________________________________ 168 4.3.2 Sentimentos dos Discentes ____________________________________________ 176 4.3.2.1 Sentimentos em relação aos professores ________________________________ 182 4.3.2.2 Sentimentos em relação aos tutores ____________________________________ 206 4.3.2.3 Sentimentos em relação aos colegas de curso ____________________________ 225 4.3.2.4 Sentimentos em relação ao curso e à Universidade ________________________ 236 4.3.2.5 Sentimentos em relação a si mesmos ___________________________________ 248 CONSIDERAÇÕES FINAIS _______________________________________________ 254 REFERÊNCIAS _________________________________________________________ 265 APÊNDICES ____________________________________________________________ 280 Apêndice 1 – Convite para responder o questionário _______________________ 281 Apêndice 2 – Questionário aplicado nos estudantes ________________________ 282 Apêndice 4 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (entrevista) _________ 292 Apêndice 5 - Roteiro dos tópicos abordados com o professor _________________ 293 Apêndice 6 - Roteiro dos tópicos abordados com os estudantes ______________ 294 19 INTRODUÇÃO "Não há nada em nossa história que justifique remotamente a classificação de qualquer tipo de aprendizagem como segunda classe, quando empreendida com propósito, iniciativa, energia e engenhosidade". (Charles Wedemeyer) Iniciaremos apresentando as motivações iniciais oriundas do percurso profissional da pesquisadora, que levaram à escolha da temática deste estudo. Dada a natureza pessoal do relato, este primeiro trecho foi redigido na primeira pessoa do singular. Prosseguiremos, expondo a problematização, os objetivos e a questão de pesquisa e, por fim, indicaremos a estrutura do relatório. Memorial da Pesquisadora Para abordar as motivações que conduziram à escolha do tema, apresento um breve memorial, que tem início no ponto que julgo conter a semente das inquietações que culminaram no projeto de trabalho que norteia esta tese. Dada a natureza pessoal do relato, este primeiro trecho foi redigido na primeira pessoa do singular. Após a conclusão do mestrado, realizado no Programa de Estudos Pós- Graduados em Educação: Psicologia da Educação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, comecei a lecionar em uma instituição de ensino superior (IES) privada, também sediada na cidade de São Paulo. No mesmo ano de meu ingresso nessa Universidade, fui convidada a fazer um curso de extensão para formação de professores na Educação a Distância (EaD). Esse foi o primeiro de vários outros cursos de curta duração que se seguiriam. Na IES em questão, por todo o período em que lá lecionei, os projetos pedagógicos para os cursos de graduação oferecidos no modelo EaD seguiam praticamente o mesmo modelo institucional dos cursos presenciais, previamente estabelecidos pelos Núcleos Docentes Estruturantes (NDE), colegiados e Direções de Departamento de cada área. Diante desse cenário, os planos de ensino da EaD eram idênticos aos dos cursos presenciais. Os cursos aconteciam 20 por meio de um ambiente virtual de aprendizagem próprio, que apresentava ferramentas de comunicação síncronas (chats previamente agendados) e assíncronas (fóruns). Havia um encontro presencial no início de cada semestre letivo, no qual os novos alunos eram recepcionados, e outros na ocasião das avaliações. As formações oferecidas aos docentes pela referida IES me muniram de subsídios no que diz respeito à prática da docência na EaD, abordando aspectos como as funções do professor-tutor1, a legislação relativa à EaD no Brasil e, naturalmente, o manejo técnico da plataforma do ambiente virtual de aprendizagem (AVA) utilizado. Entretanto, sem perder de vista o ganho profissional adquirido nessas formações, considerando-se que desde o mestrado, a afetividade no contexto escolar tem sido um dos meus principais objetos de estudo e pesquisa, algumas outras inquietações foram se fazendo presentes na minha prática docente, entre elas: o relacionamento interpessoal entre professores/tutores/alunos e alunos/alunos nos cursos superiores a distância; os desafios enfrentados para que tais relacionamentos afetem os estudantes de forma a favorecer a aprendizagem; o quanto a qualidade do relacionamento estabelecido entre docentes e discentes poderia ou não interferir na decisão dos estudantes de permanecerem ou desistirem do curso. Em 2012, a convite da IES em que então trabalhava, iniciei um curso de extensão em Docência Universitária, oferecido no formato B-Learning2. Essa formação me proporcionou uma primeira experiência como aluna em um curso superior que não era totalmente presencial, mostrando-me “o outro lado” de uma experiência que eu já vinha adquirindo como docente. Os aprendizadosobtidos no curso foram valiosos, entretanto, nas etapas a distância, frequentemente sentia falta da sensação de que existiam pessoas reais do “outro lado da tela”. Essa sensação, bastante pessoal, intensificou o meu interesse pelos relacionamentos estabelecidos nos ambientes virtuais de aprendizagem, 1 Na IES em questão, na ocasião em que lá lecionei, os papéis de professor e tutor eram assumidos pelo mesmo profissional. 2 B-Learning é a abreviatura da expressão blended-learning, usada por Charles Graham (2005) para nomear os cursos que propõem uma mistura harmoniosa entre momentos presenciais e a distância. 21 convencendo-me de que eles eram fundamentais para que a “mistura” fosse realmente harmoniosa. Em outubro de 2014, tive a oportunidade de apresentar, em parceria com Pêssoa, Vieira e Almeida (Pereira et al., 2014), um trabalho relacionado ao tema no Primeiro Congresso da International Study Association on Teachers and Teaching (ISATT), promovido pela Universidade do Minho (UMinho). Esse Congresso teve como tema central a formação e trabalho docente na sociedade da aprendizagem, dentro do qual uma das várias vertentes discutidas foi a aprendizagem mediada pela tecnologia. Eu já havia entrado em contato com o trabalho de professores da Universidade do Minho (Silva et al., 2014; Ramos, Faria, 2012; Silva, Osório, 2009; Gomes, 2005), que têm desenvolvido pesquisas sobre a educação a distância e o uso da tecnologia na educação; mas foi na ocasião do ISATT que tive a oportunidade de interagir com alguns pesquisadores desses grupos de estudo, o que ampliou o meu interesse pela UMinho. Tendo em vista que pesquisadores e professores da Universidade do Minho já vinham se dedicando à questão da educação a distância há algum tempo, considerei de relevância para adensar a minha pesquisa a realização de um Doutorado Sanduíche3 na Universidade do Minho. Para tanto, entrei em contato com o Prof. Dr. Bento Duarte da Silva, catedrático da Universidade, que aceitou a incumbência de ser o co-orientador deste estudo. Diante do parecer favorável do co-orientador e do Conselho Científico do Instituto de Educação da Universidade do Minho, o projeto de trabalho que norteou esta tese foi submetido à avaliação de uma comissão formada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, para a realização do Processo de Seleção para Candidatura do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE), sendo posteriormente aprovado e subsidiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). As atividades do Doutorado Sanduíche foram realizadas no período de doze meses e decorreram conforme um Plano de Atividades proposto pelo co- orientador, contemplando: 3 Nas universidades portuguesas o Doutorado Sanduíche é chamado de Estágio Científico Avançado. 22 - frequência de duas disciplinas que compõem a grade curricular do Mestrado em Ciências da Educação, área de especialização Tecnologia Educativa, sendo elas: Tecnologia e Comunicação Educacional, ministrada pelo Professor Doutor Bento Duarte da Silva; Educação a Distância e E-Learning, ministrada pela Professora Doutora Maria João Ferreira Gomes; - pesquisa de literatura no âmbito da Educação a Distância, tendo em vista o aprofundamento teórico e a redação dos capítulos desta tese; - frequência de diversas ações de formação doutoral no âmbito do Programa “Aprendizagem Enriquecida pela Tecnologia e Desafios Societais”, que é organizado a partir de uma parceria entre a Universidade do Minho, a Universidade de Lisboa e a Universidade de Aveiro; - participação em diversas ações de formação e workshops realizados na UMinho sobre pesquisa de informação online e tratamento digital de dados, em particular sobre referências bibliográficas; - aplicação de questionários e realização de entrevistas para recolha de dados junto a alunos do Mestrado em Ciências da Educação, área de especialização Tecnologia Educativa, tendo em vista aferir a importância atribuída pelos discentes à afetividade na educação a distância, visto que este mestrado, desde 2009, é realizado na modalidade B-Learning; - realização de entrevista com docente da Universidade Aberta de Portugal, a fim de conhecer o sistema de formação de EaD em Portugal e também de aferir a importância que atribui à afetividade nessa modalidade de ensino e aprendizagem; - o tratamento dos dados produzidos a partir dos questionários e entrevistas supracitados possibilitaram a participação em três congressos internacionais, sendo dois realizados em Portugal e um na Espanha4, com apresentação de comunicações; 4 XIII Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía; VII Congresso Mundial Estilos de Aprendizagem; IV Congresso Internacional TIC e Educação (ticEduca 2016). 23 - as comunicações apresentadas culminaram em publicações nas atas dos congressos, em um periódico e como capítulo de um livro (PEREIRA; ALMEIDA, 2015; PEREIRA; SILVA; ALMEIDA, 2016a; PEREIRA; SILVA; ALMEIDA, 2016b). O aprofundamento teórico e prático decorrente do Doutorado Sanduíche foi fundamental para o amadurecimento dos objetivos e da questão de pesquisa apresentados em nosso próximo tópico. Na sequência exponho a problematização, os objetivos e a questão de pesquisa. Problematização, Objetivos e Questão de Pesquisa A educação a distância (EaD) não é uma atividade recente, posto que já no século XIX, acontecia por intermédio do correio, utilizado para a troca de informações, atividades e correções entre professores e alunos. Entretanto, nesse início, essa forma era utilizada, sobretudo, na educação não-formal, sendo apenas posteriormente estendida à educação formal, principalmente como opção para as pessoas residentes em localidades mais remotas ou com horários de trabalho que lhes impossibilitavam cursar o ensino regular (ALMEIDA, 2003). Todavia, as suas possibilidades se ampliaram com o advento da Internet em associação com a World Wide Web (www), que aumentou imensuravelmente a rapidez na distribuição, atualização e acesso à informação, quebrando ainda mais as barreiras temporais e físicas. Além disso, a Internet forneceu o ambiente propício para a criação de diversas ferramentas e serviços de comunicação, que foram evoluindo para Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) bastante sofisticadas (GOMES, 2005; XANTHOPOYLOS, 2012). A EaD, mediada pelas TDIC, processa-se em ambientes multimídia, mais conhecidos como Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), que: [...] possibilitam o acesso, o tratamento e a difusão de todos os tipos de informações suscetíveis de ser digitalizadas – textos, sons, gráficos, imagens fixas e cinéticas etc. –, disponibilizando o controle do conhecimento ao próprio aluno, que passa a definir 24 suas estratégias de apreensão do conhecimento (XANTHOPOYLOS, 2012, p. 99). A partir dessas novas possibilidades tecnológicas, a EaD se expandiu, ganhando espaço em escolas, centros de ensino, organizações empresariais e nas instituições de ensino superior, colocando para professores e alunos o desafio de se situarem diante desse formato de ensino que tem crescido de maneira exponencial. Para se ter uma ideia, dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), ligado ao Ministério da Educação e responsável pelo Censo da Educação Superior no Brasil, informam que entre 2012 e 2013 os cursos a distância já contavam com uma participação superior a 15% nas matrículas nos cursos de graduação. Desse montante, 86,6% das vagas eram oferecidas em Instituições de Ensino Superior privadas (BRASIL, 2014). As contribuições das Tecnologias Digitais de Informaçãoe Comunicação (TDIC) para a expansão da oferta da educação a distância são inegáveis e não podem ser colocadas em causa. Entretanto, outros elementos para além das ferramentas tecnológicas não podem deixar de ser levados em consideração para que os processos de ensino e aprendizagem ocorram com a qualidade desejada. Nas palavras de Almeida (2003, p. 79), mais do que “[...] disponibilizar informações pertinentes de maneira organizada e no momento apropriado”, é imprescindível “[...] criar um ambiente que favoreça a aprendizagem significativa do aluno”. Mas tal empreitada não é exequível sem o estabelecimento de relacionamentos que favoreçam a construção colaborativa do conhecimento. A mesma autora destaca, ainda, que quando não é bem conduzido, o ensino5 a distância pode dificultar o estabelecimento de “inter-relações entre emissor e receptor”. 5 Nesta tese usaremos a terminologia educação a distância, por entendermos a educação como um processo que contempla o ensino e a aprendizagem, cujo objetivo é mais abrangente que a mera transmissão de informações. Entretanto, ensino a distância ou outros termos similares poderão aparecer quando precisarmos ser fieis aos trabalhos dos autores citados. 25 Valente (2011), referindo-se à interação na EaD, indica três abordagens que variam em um contínuo que vai do menor ao maior nível: broadcast; virtualização da sala de aula presencial; estar junto virtual. O broadcast faz uso dos recursos computacionais e da Internet para disponibilizar informações em sequências pedagógicas, por intermédio da Internet e/ou de outros meios tecnológicos. No broadcast, não existe interação entre professores/alunos e alunos/alunos, estando a sua ênfase voltada quase que exclusivamente à entrega de material instrucional. No nível intermediário, encontra-se a virtualização da sala de aula presencial, abordagem que, embora já ofereça certo nível de interação, não consegue se “desprender” do paradigma espaço-tempo da sala de aula presencial, além de manter o tradicional estilo de comunicação bidirecional entre professor e alunos. No extremo oposto do broadcast, encontra-se o “estar junto virtual”, abordagem caracterizada pelo uso das TDIC como ferramentas para mediar interações intensas, que possibilitam ao professor acompanhar e assessorar os estudantes, de forma a alavancar ciclos de ações que efetivamente favoreçam a construção do conhecimento. Ou seja, o fato de as TDIC possibilitarem vários níveis de interação nos ambientes virtuais de aprendizagem não implica, necessariamente, o pleno uso desse potencial, posto não ser incomum que tais ambientes sejam usados quase que exclusivamente como repositórios de conteúdo, limitando as estratégias educacionais à abordagem broadcast ou, quando muito, como versões virtualizadas das salas de aula tradicionais, promovendo a propagação das interações bidirecionais e pouco emancipatórias entre professores e alunos. Como muito bem destacado por Moran; Masetto e Behrens (2000), as TDIC só podem possibilitar revoluções educacionais quando simultaneamente ocorrem mudanças nos paradigmas convencionais de ensino e, consequentemente, nas relações entre docentes e discentes. Na ausência desse movimento, complementam os estudiosos, o máximo que se obtém é um "verniz de modernidade", incapaz de favorecer evoluções substanciais. Autores como Costa; Franco (2006) colocam a interação e a postura colaborativa entre docentes e discentes à frente do aparato tecnológico. Embora não deixem de enfatizar o suporte computacional como auxílio inestimável, são 26 uníssonos em ressaltar a importância da formação de espaços de interação contínua que criem a sensação de presença. Para Almeida (2003), é preciso que o professor, a partir do uso dos ambientes digitais de aprendizagem, invista na construção de relacionamentos em que possa se colocar como parceiro de seus alunos, deixando de lado a postura de centralizador do conhecimento para atuar como mediador e orientador, estimulando-os a buscar soluções para as problemáticas que lhes são significativas em cada situação de aprendizagem. Apesar disso, as publicações sobre o arsenal tecnológico necessário à viabilização da EaD predominam, ao passo que menos numerosas têm sido as discussões a respeito do papel da afetividade nas interações estabelecidas entre professores/tutores/alunos e alunos/alunos nos ambientes virtuais de aprendizagem. Um levantamento realizado na Biblioteca do Conhecimento Online (B-on)6, usando os indicadores educação a distância, ensino a distância, distance education e distance learning, identificou 1639 publicações consideradas relevantes, contemplando: artigos publicados em periódicos, comentários, comunicações em conferências, teses e e-books, publicados no período de 1981 a 2015, escritos nos idiomas português (1036), inglês (383), espanhol (190), francês (25), italiano (4) e alemão (1). Optamos por refinar a busca, de forma a contemplar especificamente: artigos publicados em periódicos, no intervalo de 2006 a 2015, escritos em português, inglês ou espanhol. Essa segunda busca, mais direcionada, resultou em 427 artigos científicos (202 em português, 143 em inglês e 82 em espanhol). A partir da leitura dos resumos desses textos e, em alguns casos, também da Introdução, procedemos à sua classificação em categorias segundo as suas temáticas centrais, conforme pode ser observado na Tabela 1. 6 A Biblioteca do Conhecimento Online (B-on), que entrou em funcionamento em março de 2004, dá acesso ilimitado e permanente aos textos integrais de diversos periódicos científicos e e-books online de alguns dos mais importantes fornecedores de conteúdo, incluindo registros históricos de 1945. O serviço é oferecido por meio de assinaturas negociadas entre a Biblioteca e as instituições de investigação e/ou de ensino superior. A Universidade do Minho é assinante, o que facilitou o levantamento supracitado. 27 Tabela 1 - Categorias dos artigos consultados Categoria Número (n=427) Frequência (%) Frequência acumulada (%) Ambiente virtual de aprendizagem/Tecnologias educativas 116 27,2% 27,20% Críticas e Desafios 70 16,4% 43,60% Uso na formação de profissionais de saúde 42 9,8% 53,40% Uso na formação de professores/tutores 38 8,9% 62,30% Método de ensino 36 8,4% 70,70% Políticas públicas 31 7,3% 78,00% Avaliação da aprendizagem/Avaliação de cursos 30 7,0% 85,00% Percepção de estudantes ou tutores ou professores 30 7,0% 92,00% Revisão bibliográfica/documental 19 4,4% 96,40% Interação/Interatividade/Relacionamento 11 2,6% 99,00% Mediação pedagógica 2 0,5% 99,50% Afeto/afetividade 2 0,5% 100,00% Fonte: Elaborada pela pesquisadora com base na busca realizada na Biblioteca do Conhecimento Online (B-on) Dentre as 427 publicações consultadas, apenas duas tinham como objetivo central investigar a afetividade no contexto da educação a distância: o texto “Afecto e conflicto en las interacciones en ambientes virtuales de aprendizaje”, de Mülbert; Girondi; Pereira (2013), e o texto “As competências socioafetivas aceitação e honradez segundo a percepção de tutores a distância”, de Mendes et al. (2015). O primeiro apresenta uma discussão sobre as manifestações de afeto e conflito que permeiam as interações ocorridas em ambientes virtuais de aprendizagem de um sistema formal de ensino superior, identificando, nos diálogos desenvolvidos pelos alunos, padrões de interação reveladores de manifestações de afeto positivas e/ou de conflito. No segundo, os autores buscaram mensurar a percepção de tutores a distância de uma instituição de ensino superior privada a respeito das competências socioafetivas aceitação e honradez, verificando que, segundo a percepçãodos pesquisados: a diversidade cultural e intelectual de um grupo de estudantes tende a estimular o desenvolvimento da capacidade de aceitação e o respeito mútuo de cursistas e tutor; a falta de aceitação é mais frequente na relação entre cursistas do que com o tutor; situações problemáticas de agressividade ou presunção podem ser contornadas a partir de atitudes honradas do tutor; é dever do tutor, por meio das 28 competências socioafetivas, construir a parceria e conquistar a confiança do aluno da educação a distância. Buscando verificar a existência de menções à afetividade em artigos que discutissem temáticas próximas, realizamos a leitura na íntegra dos onze textos classificados na categoria interação/interatividade/relacionamento e dos dois referentes à mediação pedagógica, o que possibilitou a identificação de cinco publicações que tangenciavam o tema. No texto “Análise dos processos cognitivos e autopoiéticos em um ambiente virtual de aprendizagem”, de Valentini; Bisol (2008), os resultados apresentam trechos dos relatos de alguns sujeitos da pesquisa comentando como foram afetados pela interação com os colegas no período de adaptação ao uso de um ambiente virtual de aprendizagem. Rezende e Ostermann (2006, p. 597), no artigo “Interações discursivas online sobre Epistemologia entre professores de Física: uma análise pautada em princípios do referencial sociocultural”, mencionam o comportamento de um professor que “[...] engaja os estudantes, intelectual e emocionalmente, no desenvolvimento inicial do conteúdo”. Uma das considerações apresentadas no artigo “A qualidade dos processos interativos como chave para a avaliação da efetividade de cursos a distância”, de Botelho; Vicari (2009, p. 17), é que “[...] a construção de ambientes efetivos de aprendizagem depende das relações humanas e “[...] também da emocionalidade depositada nessas relações”. Na análise dos resultados do artigo “Competência social para interagir em ambientes virtuais de aprendizagem”, Silva; Corradi-Webster (2011) informam que os sentimentos nomeados inibição e agressividade apresentaram correlação negativa com o domínio dos estudantes sobre as ferramentas de comunicação de um ambiente virtual de aprendizagem, constituindo-se em barreiras para o alcance dos objetivos de aprendizagem. E, por fim, no texto de Oliveira; Santos (2009), denominado “Processos interacionais no curso de pedagogia a distância da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: a formação humana para além da lógica do capital”, as respostas dos 29 sujeitos de pesquisa, classificadas pelos autores na categoria “interação como socialização”, enfatizam a importância de aspectos afetivos, explícitos nos desejos de conhecer pessoas, ampliar a rede social e encontrar presencialmente os tutores e os colegas de curso. Em síntese, dentre os 427 artigos que discutem a educação a distância, em apenas dois a afetividade foi objeto direto de investigação, ao passo que em cinco foi mencionada na análise dos dados. Considerando que esses sete textos correspondem a aproximadamente 1,6% do montante, percebemos um amplo campo de estudo a ser explorado. Não se pode perder de vista que as relações pedagógicas online incluem dimensões técnicas e humanas, sendo que as primeiras são importantes, mas não suficientes para garantir o sucesso da aprendizagem, tendo em vista que para além da tecnologia, são imprescindíveis as estratégias pedagógicas que deem conta de “comunicar e educar em nosso tempo” (CONCEIÇÃO, 2011; SILVA; OSÓRIO, 2009). Na busca pelo aprofundamento dessa discussão, sem diminuir a relevância dos estudos que se direcionam aos métodos e tecnologias mais apropriados para levar adiante essa forma de ensino, evidencia-se a necessidade de discussões que tenham como foco os principais sujeitos envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem: docentes e discentes. No que se refere aos desafios enfrentados pelos discentes, cuja percepção é o foco deste estudo, ao mesmo tempo em que a EaD lhes concedeu a liberdade espaço-temporal, também trouxe o distanciamento físico de seus professores e colegas, situação que estimula indagações sobre os relacionamentos estabelecidos nesse contexto educacional que se dá longe do olhar em “tempo real” do docente. Coelho (2010) destaca a ausência da tradicional relação face a face entre professores e acadêmicos, a dificuldade na exposição de ideias na comunicação escrita a distância e a falta do agrupamento na instituição física como possíveis fatores que colaboram para os altos índices de evasão. Entretanto, esclarecemos que, quando nos referimos ao isolamento que pode dificultar o êxito da aprendizagem e, em muitos casos, levar os estudantes a desistirem do curso; respaldando-nos em Moore (1993), entendemos este 30 isolamento como resultante de questões que transcendem a distância física/geográfica/temporal, contemplando principalmente certos distanciamentos psicológicos e comunicacionais que precisam ser transpostos pelos partícipes dos processos de ensino e aprendizagem. Trata-se do que Moore (1993) chamou de distância transacional, aquela na qual a relevância não reside na distância física entre docentes e discentes, e sim, na proximidade ou distanciamento estabelecidos por intermédio das relações pedagógicas. Ou seja, a depender do tipo de relacionamento construído, todos estarão mais ou menos distantes do ponto de vista transacional o que, aliás, não ocorre de maneira diferente na educação presencial. Quando a distância transacional é superada, aproximamo-nos do que foi mencionado por Silva (2005) ao se referir à comunicação em ambientes virtuais de aprendizagem, que potencialmente podem oferecer as condições necessárias para o desenvolvimento de interações entre professores, alunos, diferentes escolas, peritos e instituições, de forma a favorecer a constituição de comunidades de aprendizagem colaborativas, visando à construção do conhecimento. Nesse cenário, ressalta o autor: “[...] as escolas longínquas podem estar tão próximas como outras que o estão fisicamente” (ibidem, p. 46). Ou seja, a superação da distância transacional se dá por meio de um alto grau de interação entre professores, alunos e os demais envolvidos, de maneira colaborativa, na construção do conhecimento, a partir da mediação da Internet e do uso apropriado da comunicação multidimensional, consubstanciando-se no que Valente chamou de “estar junto virtual”, conforme anteriormente mencionado. Considerando que o espaço de aula, seja ele presencial ou virtual, deva ser ambiente de interação, e que não seja possível interagir sem afetar e ser afetado pelo outro, o interesse deste trabalho se direciona para a afetividade nos ambientes virtuais de aprendizagem. Cabe esclarecer que neste trabalho, a afetividade é compreendida com base na Teoria Psicogenética de Wallon. Respaldando-se nesse autor, Mahoney e Almeida (2005, p. 19) definem a afetividade como “[...] a capacidade, a disposição do ser humano de ser afetado pelo mundo externo/interno por sensações ligadas a tonalidades agradáveis ou desagradáveis”. 31 Tassoni e Leite (2013) afirmam que as aulas costumam ser permeadas pela troca constante de sentimentos e emoções de diversas naturezas e nuances, que afetam tanto os professores como os alunos: alegria, tristeza, ansiedade, confiança, insegurança, vergonha, entusiasmo, orgulho, insatisfação, indiferença, consideração, etc. O quanto tais sentimentos e emoções caminharão para nuances mais ou menos positivas depende, não exclusivamente, mas de maneira considerável, da prática docente. Isso porque é, em grande parte, a partir da interpretação que fazem das ações dos professores que os estudantes atribuem “[...] um sentido afetivo à própria aprendizagem, ao conhecimento que circula e à sua imagem enquantopessoa e estudante” (ibidem, p. 262). Imprescindível para o sucesso dos processos de ensino e aprendizagem sob quaisquer circunstâncias e condições, o papel da afetividade ganha algumas nuances diferentes quando se trata de EaD. Nörnberg (2011), ao mesmo tempo em que enfatiza o potencial dessa modalidade como impulsionadora da democratização da educação, na medida em que possibilita o rompimento de barreiras físicas e temporais, chama a atenção para a importância da construção de uma arquitetura pedagógica que possibilite a sua plena utilização, ressaltando a questão da afetividade nas interações no ambiente virtual como um aspecto fundamental a ser considerado nesse processo. Para a autora, a afetividade é “o elo visceral entre a permanência ou não dos sujeitos no ambiente virtual de aprendizagem”, tendo em vista que a evasão dos estudantes tem sido um desafio reincidente desde os primórdios dessa forma de ensino: “mais desafiador que inserir o aluno é garantir a sua permanência e assiduidade” (ibidem, p. 1-3). Em seminário apresentado no 4º Encontro da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), Borba (2006) ressaltou que, ao adotarem a educação a distância, as instituições de ensino superior brasileiras têm demonstrado mais preocupação com o suporte tecnológico e menos com a afetividade. O autor acredita que os relacionamentos mecanicistas entre os interlocutores do processo ensino-aprendizagem podem ser parte dos fatores que motivam a alta evasão nessa forma de educação7. 7 Quando comparado aos cursos presenciais, observa-se que a persistência dos alunos que estudam no modelo a distância tende a ser cerca de 10-20% inferior (SANTOS; OLIVEIRA NETO, 2009). 32 Se, por um lado, é inegável que a EaD tem possibilitado a inclusão de pessoas que de outra maneira não teriam acesso à educação superior, por outro, mantê-las estudando e proporcionar-lhes educação de qualidade é tão ou mais importante que lhes garantir o acesso às instituições de ensino superior. E é buscando ampliar as discussões sobre as contribuições da afetividade para a quebra das barreiras que dificultam a aprendizagem e favorecem a evasão, que defendemos a importância de se dar voz aos estudantes que optaram pela EaD. Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo geral: averiguar a percepção de estudantes de Pedagogia na modalidade a distância a respeito do papel da afetividade nas interações estabelecidas no decorrer do curso. Para tanto, debruçamo-nos sobre os seguintes objetivos específicos: 1. averiguar de que forma os estudantes são afetados pelas interações sociais estabelecidas no decorrer do curso; 2. identificar quais sentimentos são desencadeados nos estudantes a partir das interações sociais estabelecidas no decorrer do curso; 3. analisar de que forma os sentimentos experimentados pelos estudantes interferem na aprendizagem; 4. discriminar quais características das interações estabelecidas na EaD os estudantes consideram favorecedoras da aprendizagem. Assumindo a premissa de que, tanto interações presenciais quanto nas mediadas pela tecnologia, os estudantes afetam e são afetados por seus professores, tutores, colegas e demais envolvidos na dinâmica do meio acadêmico, esta investigação norteou-se a partir da seguinte questão de pesquisa: Como se dá a afetividade no curso de Pedagogia ministrado a distância segundo a percepção dos discentes? Conforme enfatizado por Giolo (2008), certos saberes e habilidades fundamentais para a prática docente (equilíbrio emocional, estratégias de domínio de classe, paciência, etc.) são aprimorados a partir da convivência, da interação, que contemplam os atos de afetar e ser afetado pelos outros. Dessa forma, parece-nos salutar estudar como esses processos ocorrem nos ambientes virtuais de aprendizagem. 33 Detalhes a respeito das opções metodológicas utilizadas neste trabalho serão apresentados no Capítulo III - Percurso Metodológico; entretanto, julgamos importante anunciar que, diante do fato de a problemática proposta neste estudo privilegiar a perspectiva dos participantes da pesquisa, sem a preocupação com o número de sujeitos ou a sua representatividade estatística, direcionamo-nos à abordagem qualitativa. A Psicogenética Walloniana foi a teoria escolhida para sustentar a análise dos dados. Na Figura 1, apresentamos, de maneira esquemática, a estrutura e organização dos capítulos que serão apresentados na sequência. Figura 1 - Estrutura e organização da tese Fonte: elaborada pela pesquisadora Nos capítulos do referencial teórico, apresentaremos as concepções e definições da educação a distância segundo as teorias clássicas mais marcantes. Traçaremos a constituição da educação a distância no cenário brasileiro a partir de alguns marcos históricos e da legislação. Os conceitos da Psicogenética Walloniana que utilizamos para dar sustentação à interpretação dos dados serão discutidos no capítulo da Apresentação e Análise dos Dados. 34 CAPÍTULO I - ABORDAGENS CLÁSSICAS DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Não existe nenhuma teoria global da educação a distância (EaD), como não existe da presencial. É fato que a abundância de perspectivas teóricas diferentes e, em alguns casos, até mesmo divergentes, tem criado situações frequentes de confusão semântica, mas, por outro lado, entendemos que são tentativas de contemplar fatores incidentes sobre a EaD que dificilmente alguma delas conseguiria, sozinha, contemplar em sua totalidade, dentre os quais: o sistema educativo que fundamenta a instituição que oferece a formação; o perfil e os interesses dos estudantes; os papéis atribuídos aos professores e/ou tutores; os materiais didáticos elaborados e disponibilizados; as peculiaridades do currículo e do conteúdo que é objeto de aprendizagem; o processo de avaliação; as potencialidades e limitações da tecnologia disponibilizada para a informação e a interação (BARBERÀ; BADIA; MOMINÓ, 2001). Dessa forma, essa ausência de uma teoria global não impede a existência de certo número de constructos teóricos e modelos relacionados à prática da educação a distância, que, embora não sejam extrapoláveis a qualquer situação, cumprem o papel de fornecer ferramentas e propor caminhos para a compreensão de aspectos específicos das situações de ensino e aprendizagem nessa forma de ensino (SAUVÉ, 1993). Neste capítulo, apresentaremos alguns representantes das principais abordagens teóricas clássicas, desenvolvidas entre o final da década de 1960 e a década de 1970. Tais abordagens, segundo a classificação de Keegan (1996), podem ser agrupadas em três categorias: (1) teoria da industrialização: desenvolvida por Otto Peters no final da década de 1970; (2) teorias da autonomia e independência: podem ser representadas pelos contributos de Rudolf Manfred Delling, Charles Wedemeyer e Michael Moore; 35 (3) teorias da interação e comunicação: podem ser representadas pelos contributos de Börje Holmberg, John Bååth, John Sagar Daniel, David Sewart e Kevin Smith. Nos próximos tópicos, detalharemos os fundamentos e as implicações de cada um desses grupos e seus teóricos para a educação a distância. Ao final do capítulo, respaldando-nos nessas abordagens teóricas, discutiremos a terminologia relativa à educação a distância, partindo de sínteses desenvolvidas por autores de referência (KEEGAN, 1996; SAUVÉ, 1993; VERDUIN; CLARK, 1991). 1.1 Otto Peters e a Industrialização do Ensino Entre 1932 e 1940, o professor alemão Otto Peters estudou, simultaneamente, Inglês e História na Humboldt-Universität (Universidade de Humboldt), em Berlim. Em 1947, também na Humboldt-Universität, buscou complementar a sua formação estudando disciplinas relacionadas à Filosofia, Psicologia e Pedagogia, masconcluiu esses estudos apenas em 1960, na Freien Universität in Berlim (Universidade Livre de Berlim). Entre 1963 e 1969, período em que foi vice-diretor do Departamento de Metodologia de Ensino do Bildungszentrum von Berlin (Centro Educacional de Berlim), escreveu os seus primeiros livros sobre educação a distância. Em 1969, assumiu o cargo de Chefe da Divisão de Pesquisa Comparativa de Educação a Distância do Deutsches Institut für Fernstudienforschung (Instituto Alemão de Educação a Distância), em Tübingen. No ano de 1974, ocasião em que lecionava Educação Geral na Pädagogischen Hochschule Berlin (Universidade Pedagógica de Berlim), aceitou o convite para compor o comitê fundador da FernUniversität in Hagen (Universidade de Ensino a Distância de Hagen). Entre 1975 e 1984, foi o primeiro reitor da FernUniversität, além de lecionar Metodologia do Ensino a Distância (até 1991) nessa Universidade. Durante o período em que ocupou a reitoria, Peters viajou para países como Japão, China, Austrália, EUA e Grã-Bretanha, buscando elementos que aprimorassem as suas pesquisas sobre a educação a distância. Desde 1991, é professor emérito da FernUniversität (LEH, 2014). 36 A tese de doutorado de Peters, publicada como livro em 1973 sob o título Die didaktische Struktur des Fernunterrichts: untersuchungen zu einer industrialisierten Form des Lehrens und Lernens (A estrutura educacional da educação a distância: análise das formas mais industrializadas de ensino e aprendizagem), contém as suas principais contribuições para a educação a distância, que seriam ampliadas em suas obras seguintes. Os principais trechos desse livro foram traduzidos para o inglês e editados por Desmond Keegan (PETERS, 1988). Para Otto Peters, o desenvolvimento industrial criou uma situação social propícia ao surgimento das primeiras universidades de educação a distância, que, tanto quanto as indústrias, dependiam de tecnologias como, por exemplo, as vias férreas, por meio das quais os serviços de correspondência passaram a funcionar com maior agilidade e eficácia. Partindo dessa premissa, o estudioso propôs uma comparação entre o ensino a distância e o processo de produção industrial, argumentando que o primeiro seria um produto singular do desenvolvimento do segundo (PETERS, 1988; BARBERÀ; BADIA; MOMINÓ, 2001). Para fundamentar seu ponto de vista, Peters (1988) indicou semelhanças entre os princípios da produção em massa de bens e a organização das instituições de ensino a distância, que, na ocasião, ofertavam basicamente cursos por correspondência. Com o intuito de facilitar a compreensão dos pontos em comum identificados pelo autor, discorreremos brevemente a respeito do modelo de produção em massa desenvolvido por Henry Ford. Henry Ford (1863 - 1947), fundador da Ford Motor Company, viabilizou a fabricação de um modelo de carro, o Ford T, a preços populares, em uma época que os automóveis eram artigos de luxo, construídos artesanalmente por talentosos mecânicos. Ford deu início, em 1910, à primeira fábrica dedicada exclusivamente à montagem final de automóveis com peças fabricadas em locais distintos e, pouco tempo depois, implantou a linha de montagem móvel, na qual o produto se deslocava ao longo de um percurso enquanto os operários ficavam parados. Se no antigo regime, os automóveis eram fabricados peça por peça pelos mesmos profissionais, no modelo de Ford, cada operário ou grupo de operários passou a ter tarefas fixas em um processo pré-definido, posto que a 37 fabricação foi dividida em etapas, cada qual correspondendo à montagem de uma parte do veículo. As peças passaram a ser padronizadas, de forma que pudessem ser utilizadas em quaisquer automóveis que estivessem sendo montados (MAXIMIANO, 2006). O método de Ford, que ficou conhecido como “fordismo”, elevou ao mais alto grau os três objetivos nucleares da produção em massa: (1) fabricação de produtos não diferenciados em grande quantidade; (2) peças padronizadas e trabalhadores altamente especializados em uma única etapa do processo; (3) aumento da velocidade da produção, de forma a diminuir os custos com o estoque de peças à espera de montagem e reduzir o preço dos veículos. Tais objetivos se sustentam em três princípios, quais sejam: 1. princípio da intensificação, que consiste em diminuir o tempo de produção com o emprego imediato dos equipamentos e da matéria- prima e a rápida colocação do produto no mercado; 2. princípio da economicidade, que consiste em reduzir ao mínimo o volume do estoque da matéria-prima, de forma a fazer com que o produto seja pago antes de vencido o prazo para o pagamento da matéria-prima adquirida e dos salários dos operários; 3. princípio da produtividade, que consiste em aumentar a capacidade de produção do operário no mesmo período de tempo por meio da especialização e da linha de montagem (CHIAVENATO, 1983). Peters (1988) argumentou que tanto os modelos de educação a distância quanto as indústrias eram sustentados pela racionalização do trabalho, pautada em estratégias de planejamento, organização, avaliação e controle de qualidade, visando atingir o maior grau de eficiência possível. O autor entendia o ensino por correspondência como a forma mais industrializada de instrução, motivo pelo qual as bases teóricas usadas para descrever o ensino tradicional, em sua opinião, não davam conta da análise desse tipo de instrução. E foi para suprir essa suposta carência que Peters (1971, p. 225) resolveu buscar explicações em “[...] novas categorias, retiradas das ciências que investigam o processo de produção industrial” e, partir de então, afirmou ter ficado “[...] impressionado em ver o 38 quanto melhor esses critérios ajudam a entender e descrever este processo de instrução”. A divisão do trabalho e a especialização de funções, pré-requisito para a mecanização dos processos de trabalho na industrialização (princípio da produtividade) também seriam, de acordo com Peters (1988), elementos constitutivos do ensino a distância, modalidade em que as funções do professor universitário seriam “consideravelmente diferentes” quando comparadas com as dos seus colegas do ensino convencional. Enquanto tradicionalmente as atividades do professor universitário contemplam basicamente a produção de materiais, o ensino, o acompanhamento e a avalição, complementa o autor, na EaD, concebida à luz da industrialização, tais atividades se tornam responsabilidades separadas a serem distribuídas entre vários profissionais. A título de ilustração, Peters (1988) menciona o processo de avaliação do desempenho dos estudantes, que, na EaD, não costuma ser realizada pelos mesmos professores que desenvolveram o curso e que, a depender do número de estudantes matriculados, pode ser realizada por mais de um profissional. A mesma lógica pode ser observada no desenvolvimento do curso, que é subdividido de forma que cada trecho seja desenvolvido por um perito no assunto em questão. Dessa forma, as atividades do professor que ensina a distância se dividem em funções distintas a serem desenvolvidas por pessoas também distintas como, por exemplo, o autor da unidade de estudo, o profissional que fez a revisão e correção do texto, o que ficará responsável pela tutoria, etc. (BARBERÀ; BADIA; MOMINÓ, 2001). Ainda se referindo à divisão do trabalho, Peters (1988) lembra que nos momentos de planejamento e preparação dos materiais de ensino, envolvem-se especialistas nos diversos temas abordados, entretanto, cabe a outros profissionais a responsabilidade pelos papéis de tutoria e aconselhamento. Na opinião do autor, as instituições de ensino não precisam exigir destes segundos o mesmo nível de especialização e preparação dos primeiros, ou ainda, dos professores universitários do ensino presencial, uma vez que a esses tutores caberiam fragmentosdo processo de ensino, o que os tornaria facilmente substituíveis. 39 Percebemos a transposição da produção em massa para o ensino por correspondência na produção em grande quantidade de pacotes instrucionais padronizados e na possiblidade de a informação, por meio desses materiais, ser transferida simultaneamente para um grande número de pessoas (GOMES, 2004). Prosseguindo nessa lógica claramente mercadológica, Peters (1988) enfatiza que o ensino universitário a distância só poderia ser economicamente viável tendo como pilares de sustentação, além da divisão do trabalho e da produção em massa, a concentração dos recursos disponíveis e uma administração altamente centralizada, capaz de garantir rigoroso planejamento e organização racional para que cada ação do processo transcorra em tempos praticamente cronometrados, de forma a cumprir objetivos previamente estabelecidos: [...] uma organização racional [...] possibilita que os alunos recebam documentos pré-determinados em tempos determinados; garante a existência de um professor universitário apropriado, imediatamente disponível após cada o envio de tarefas, para consultas a serem realizadas em locais fixos e em horários fixos, para a realização de exames ou para conversar com um conselheiro em qualquer momento do processo. O mesmo procedimento vale para um único aluno ou para um grupo de estudantes (ibidem, p. 105). 8 À semelhança da fábrica de Henry Ford, na qual o Ford T era o modelo padronizado e produzido em série, sempre visando alcançar a economia em escala, Peters (1988) recomendava que os cursos todos seguissem a mesma formatação, que as expectativas dos alunos fossem “padronizadas” e que o ensino fosse objetivado: O professor universitário que dá aulas de sua cadeira ou conduz uma discussão tem a liberdade e a oportunidade de permitir que sua subjetividade influencie o seu modo de ensinar; [...] no ensino a distância, no entanto, a maioria das funções de ensino são objetivadas e determinadas pelo curso do estudo a distância, bem como os meios técnicos (Peters, 1988, p. 109). 8 Tradução livre realizada pela pesquisadora deste e dos demais trechos de obras em inglês apresentados nesta tese. 40 A adesão dos professores ao ensino objetivado e determinado, bem como a todos os padrões estipulados, ocorreria como consequência da “[...] necessidade de atender em tempo realista o maior número possível de alunos” (Ibidem, p. 107). Exemplos da objetivação no ensino a distância são a adoção de materiais pré-concebidos, sem flexibilidade de mudanças no decorrer do curso, bem como a padronização das avaliações a partir do uso predominante de questões de múltipla escolha (GOMES, 2004). Com a padronização e a objetivação do ensino, torna-se possível alcançar a produção em massa, que, na EaD, consiste em proporcionar formação a grupos muito numerosos de estudantes a preços menores que os dos cursos presenciais. O investimento inicial na preparação dos materiais é elevado, mas, tendo em conta que poderá ser utilizado inúmeras vezes, possibilita o ganho em escala. Além do mais, a elaboração e organização prévias facilitam a substituição de tutores e conselheiros (Ibidem). Por outro lado, na concepção de Peters (1988), a educação a distância teria o potencial de facilitar o acesso de grupos excluídos do ensino tradicional, da mesma forma que o Ford T alcançou consumidores que antes não teriam condições de adquirir um automóvel. Mas, para tanto, seria fundamental adotar as diretrizes do mundo industrial: planejamento sistemático; especialização; produção em massa; automação; padronização; controle de qualidade. Peters (1988) também se referiu à automação, lembrando que qualquer sistema de educação a distância precisa de uma ou mais tecnologias que façam a mediação da comunicação entre os estudantes e os profissionais envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem. Nos primórdios, os serviços de correios e as ferrovias foram as tecnologias que garantiram a viabilidade da EaD, (GOMES, 2004; BARBERÀ; BADIA; MOMINÓ, 2001). No entendimento de BARBERÀ; BADIA; MOMINÓ (2001), os conceitos apresentados por Otto Peters não se centram predominantemente: [...] nos processos de produção ou do trabalho, mas sim nas peculiaridades do ensino e aprendizagem a distância diante dos modelos convencionais. Sua atenção se dirige mais a perspectiva educativa e didática do problema que ao processo de trabalho 41 necessário para estabelecer e manter uma instituição de ensino a distância (ibidem, p. 43).9 Nesse aspecto, discordamos desses autores e comungamos da perspectiva de Gomes (2004, p. 75), para quem “[...] uma das características relevantes da abordagem de Otto Peters é que ela parece centrar-se no modelo de organização e de gestão das instituições de educação a distância mais do que nas questões educacionais propriamente ditas”. Entendemos que um olhar mais acurado sobre os quatro pontos que considera como vantagens resultantes da industrialização do ensino a distância nos traz pistas de que a abordagem de Peters está mais comprometida com a instituição de ensino e a viabilidade econômico-financeira dos cursos, do que com os aspectos pedagógicos. Seguem: 1. Os materiais necessários para o desenvolvimento do curso de estudo a distância podem ser produzidos por especialistas líderes nos campos especializados envolvidos. 2. Tendo completado o manuscrito, o autor pode ser liberado dos demorados processos de revisão e das palestras. 3. Educadores e profissionais especializados no ensino a distância podem rever os manuscritos das unidades de estudo, com o intuito de tornar o processo de ensino planejado mais efetivo. 4. Mesmo profissionais de nível acadêmico médio podem se envolver na correção dos exercícios realizados pelos estudantes. [...] tal como no processo de fabricação industrial, o nível de formação anterior pode ser menor devido à divisão do trabalho e, dessa forma, mais pessoas podem realizar a atividade. [...] com uma extensa especialização deste tipo, [...] o processo torna-se bem mais barato. (PETERS, 1988, p. 100- 101). Entendemos que mais importante do que saber se a educação a distância custa mais ou menos do que a educação tradicional, deveria ser verificar se os resultados educacionais de uma e de outra têm compensado esses custos no âmbito da aprendizagem, da construção do conhecimento por parte dos estudantes. Novamente concordamos com Gomes (2004), que reconhece o potencial explicativo da abordagem de Otto Peters no que se refere à organização dos processos das instituições de ensino, mas não percebe nela contributos 9 A tradução livre também foi realizada pela pesquisadora nos trechos de publicações em espanhol. 42 quando se centra a questão no estudante: “[...] quando perspectivamos o processo do ponto de vista da aprendizagem, dos alunos, a teoria da industrialização não parece ser, de modo algum, um modelo explicativo ou descritivo do processo” (ibidem, p. 75). 1.2 Abordagens teóricas da Autonomia e Independência As produções dos autores que compõem o grupo de teorias da autonomia foram desenvolvidas entre o final dos anos 60 e a década de 70, e têm em comum a ênfase nos conceitos de autonomia e independência, que têm se configurado como elementos fundamentais na construção das abordagens teóricas da educação a distância. Nesse grupo, os teóricos mais expoentes são Charles Wedemeyer, Michel Mooore, Farhad Saba, Rudolf Manfred Delling, John Verduin e Thomas Clark (Gomes, 2004; Carvalho, 2014). Nós tópicos seguintes, apresentaremos as contribuições dos dois primeiros. 1.2.1 Charles Wedemeyer e o Estudo Independente Charles A. Wedemeyer (1911-1999) nasceu em Milwaukee,
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