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Trabalho e (des)humanização Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer o sentido e o significado do trabalho na constituição do ser humano. � Caracterizar tipos de trabalhos que geram a (des)humanização. � Identificar a raiz histórica do surgimento do trabalho desumanizador. Introdução Você já pensou sobre o sentido do trabalho? O trabalho é visto como uma ação humana. Desde os tempos mais remotos, ele constitui uma atividade que gera no homem uma consciência e que desenvolve suas habilidades motoras e mentais. Nessa concepção, se diz que o trabalho é fonte de humanização. É uma atividade que diferencia o ser humano dos outros animais. Apesar disso, há muitos trabalhadores em situações desumanas, enfrentando a precariedade do ambiente de trabalho, a exploração econômica e a negação de direitos trabalhistas, por exemplo. Para compreender os processos que estão por trás da concepção e da organização do trabalho, você vai estudar como ele se constituiu em diferentes contextos históricos. Além disso, você vai ver como o trabalho sempre se relacionou com o ser humano e como ele foi afetado pela sua própria prática de produção, crise e diversificação. O sentido do trabalho na constituição humana O trabalho faz parte das relações humanas desde os primeiros passos da humanidade. Em primeiro lugar, ele está presente na ligação do homem com a natureza, como modo de subsistência. Portanto, se desenvolve na produção de alimentos e objetos, essencialmente vinculados à sobrevivência. Mais tarde, o trabalho vai adquirir sentido também na convivência com o outro, o que se relaciona à transformação do homem num “ser social” (MARX apud SEMERARO, 2013), invariavelmente ligado ao grupo pela necessidade de produzir algo, trocar bens e fazer sentido socialmente. A lógica do trabalho, independentemente do seu propósito, tem a ver com a aplicação de força humana sobre uma matéria-prima ou parte da natureza para a obtenção de um item, um produto que nasce com valor tanto para o produtor quanto para outras pessoas. Isso significa que, ao transformar uma pedra e um pedaço de madeira em lança, o homem não só produziu um objeto, mas um item de valor social e interesse do conjunto (DURKHEIM, 1999). Essa interconexão entre trabalho, indivíduo e produção será o foco dos debates filosóficos ao longo do tempo, enquanto se desenvolvem formas mais complexas de organização social e valoração do indivíduo para o bem social. Mais tarde, Karl Marx (1996, p. 297) mostrará, em sua teoria, como o trabalho para além da necessidade será elemento fundamental e ao mesmo tempo perturbador da existência histórica das sociedades. Nesse sentido, se fazem e se refazem os modos de se obter o objeto-fim do esforço: o produto como elemento capaz de permitir a acumulação de capital e a alienação do sujeito diante do propósito do trabalho. Essa alienação será fruto da compartimentação das tarefas durante a Re- volução Industrial, da criação da jornada de trabalho e também do conceito de divisão do trabalho. Nesse contexto, um indivíduo é parte de um todo extenso e linear que leva à produção de algo, situação que é tema da charge mostrada na Figura 1 (DURKHEIM, 1999). Karl Marx foi um dos grandes teóricos do trabalho. Segundo ele, [...] o trabalhador torna-se servo do objeto; em primeiro lugar, pelo fato de receber um objeto de trabalho, isto é, de receber trabalho; em seguida, pelo fato de receber meios de subsistência. Desse modo, o objeto capacita-o para existir, primeiramente como trabalhador, em seguida, como sujeito físico. A culminação de tal servidão é que ele só pode manter-se enquanto sujeito físico, enquanto trabalhador, e só é trabalhador enquanto sujeito físico (MARX, 2004, p. 160). Trabalho e (des)humanização2 Figura 1. Linha de produção. Fonte: Thaves (1997). Nessa conjuntura, você pode considerar que a evolução do trabalho hu- mano não significou a constituição de uma existência digna. Pelo contrário, as novas formas de pensar e lidar com o trabalho positivo, negativo (servil, escravo, alienado) e o Estado constituído desde a Primeira Revolução Industrial transformaram o indivíduo num objeto de sua sociedade, desconexo de sua identidade e de seus desejos numa cultura que não o valida sem a produção (FRANCO, 2011). Esse momento histórico também levou a própria realidade industrial a uma primeira grande crise, mostrando a falha do modelo de um modo geral. E, dessa crise, duas revoluções vieram à tona: � a exigência de direitos e melhores condições de trabalho, o que permite questionar a massificação da produção e o propósito; � o resgate do ser racional, do indivíduo que indaga se sua identidade pode ser desatrelada do “ser trabalhador” em sociedade e que questiona qual é o peso desse novo lugar. Assim, o sentido do trabalho está em constante transição, especialmente em uma sociedade globalizada que rediscute continuamente a lógica do trabalho. Porém, essa não é uma questão simples e outras vieram a se incorporar aos debates sobre trabalho na modernidade: � a longevidade e o aumento populacional, criando mão de obra excedente; � as novas estruturas de trabalho, como terceirização, autoemprego (por conta própria), emprego informal, não remunerado, home office (trabalho à distância); 3Trabalho e (des)humanização � o fato de o ser social de hoje não ter mais uma identidade fixa e devota ao trabalho, mas ser múltiplo e constituído de várias vertentes (gênero, etnia, interesses, educação) que o levarão a ter uma relação diferenciada com o mercado de trabalho (SANTINELLO, 2011); � as novas estruturas de mercado, como o independente, o solidário, o justo. Um exemplo contemporâneo dessas mudanças é a valoração da ativi- dade não remunerada, reconhecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ([s.d.]) como trabalho a partir de 1990. Segundo a instituição, o trabalho, como considerado em suas pesquisas, tem os seguintes aspectos: a) ocupação remunerada em dinheiro, produtos, mercadorias ou be- nefícios, como moradia, alimentação, roupas, etc., na produção de bens e serviços; b) ocupação remunerada em dinheiro ou benefícios, como moradia, ali- mentação, roupas, etc., no serviço doméstico; c) ocupação sem remuneração na produção de bens e serviços, exer- cida durante pelo menos uma hora na semana: em ajuda a membro da unidade domiciliar que tem trabalho como empregado na produção de bens primários (atividades da agricultura, silvicultura, pecuária, extração vegetal ou mineral, caça, pesca e piscicultura), conta própria ou empregador; em ajuda a instituição religiosa, beneficente ou de cooperativismo; ou como aprendiz ou estagiário; d) ocupação exercida durante pelo menos uma hora na semana: na pro- dução de bens do ramo que compreende as atividades da agricultura, silvicultura, pecuária, extração vegetal, pesca e piscicultura, desti- nados à própria alimentação de pelo menos um membro da unidade domiciliar; ou na construção de edificações, estradas privativas, poços e outras benfeitorias, exceto as obras destinadas unicamente à reforma, para o próprio uso de pelo menos um membro da unidade domiciliar. Dessa forma, é possível dizer que à frente há um futuro incerto quanto às relações dos indivíduos com o trabalho. Afinal, surgiram diferentes mercados na última metade do século XX e no século XXI, no auge na era moderna, da globalização e da era digital. Trabalho e (des)humanização4 A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi fundada em 1919 como parte do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Ela surgiu com o objetivo de mediar a crise internacional industrial. A OIT é a única agência das Nações Unidas que tem estrutura tripartite, na qual estão representantes de governos, empregadores e trabalhadores de 183 Estados membros. O Brasil é signatário de várias convenções da OIT para a existência de condiçõesde trabalho decentes. No link a seguir, você pode ver a lista completa das convenções. https://goo.gl/FgrPt8 O trabalho pode ser (des)humanizador? Como você viu, o trabalho é a realização de uma atividade a fim de alcançar um propósito ou produzir um objeto para suprir uma necessidade. Agora considere a distinção entre o trabalho humano e justo e o trabalho desumano e injusto. � Trabalho humano/justo: envolve um ser de capacidade racional e que é capaz de demonstrar empatia e ser correto com outros à sua volta. � Trabalho desumano/injusto: a desumanidade é apontada como uma característica de pessoas que são insensíveis às necessidades dos outros, injustas e que têm comportamentos agressivos, pensamentos egoístas e atitudes cruéis. Sempre que pensar em trabalho em termos de humano ou desumano, você deve considerar a complexidade desses termos. Em cada um deles, por exemplo, cabe tanto a lógica do formal quanto a do informal, pois a realização de um trabalho em si não conota intenção, mas a sua realização ou aplicabilidade subsidiada por uma intenção humana, sim. Como exemplo, você pode consi- derar o trabalho infantil, nos termos e regulamentação da lei. No Brasil, se proíbe qualquer trabalho a menores de 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos (Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000). Nesse último caso, é permitido apenas estágio, com registro e acompanhamento, por quatro horas/dia sem prejuízo escolar. Assim, são consideradas desumanas e injustas todas as formas (diretas/análogas) 5Trabalho e (des)humanização https://goo.gl/FgrPt8 de escravidão, utilização e/ou recrutamento forçado para atividades ilícitas e que coloquem em risco a saúde do menor de idade (Convenção n 182 da OIT e Decreto nº 3.597/2000). É proibido, portanto, estágio com registro que passe do período previsto em lei, vindo inclusive a vigorar em dias proibidos (sábado e domingo). Apesar da legislação, o trabalho infantil ainda é muito comum. Ao contrário do que você pode imaginar, ele infelizmente acontece no mercado formal de modo geral, e não apenas no informal ou no não remunerado. É importante você notar que no espaço formal de trabalho o trabalhador está sujeito a relações desrespeitosas. Muitos empregadores agem, direta ou indiretamente, desrespeitando os direitos dos funcionários como cidadãos e trabalhadores. Assim, a atitude correta ou incorreta, diante ou não das leis, é fruto das relações humanas estabelecidas frente à realização de um trabalho. Logo, se há um explorador, também existe uma pessoa explorada. Geralmente, essas relações desiguais não são amplamente denunciadas por quem as sofre. Isso ocorre por inúmeros motivos: medo, vergonha, necessidade econômica. Ao mesmo tempo, a estrutura do Estado também não oferece rapidez ou segurança no atendimento às pessoas que sofrem abusos (BRASIL, 2013). Não por acaso, especialmente no último século ocorreram as maiores mudanças no mercado de trabalho: a regulamentação de leis trabalhistas, os mecanismos de denúncia e especialmente a capacidade de captar dados para elaborar quadros de avaliações e rankings que podem ser acompanhados por qualquer pessoa interessada. Nesse sentido, você pode considerar os esforços do IBGE, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), do Departa- mento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e de outros órgãos, como a Oxfam. Tais esforços permitem compreender cada vez mais e melhor a situação não apenas do mercado em suas relações flutuantes (admissão e desligamentos voluntários, involuntários, ocupação formal e informal, etc.), mas das desigualdades que impõem barreiras de acesso a grupos sociais específicos. Trabalho (des)humanizante Essa concepção de trabalho, de modo geral, tem a ver com condições incor- retas e indignas oferecidas por um empregador para o seu funcionário, algo muito comum e persistente na época da Revolução Industrial. Nesse período, as pessoas não tinham direitos e eram ameaçadas com a perda do emprego, o que as colocava em estado contínuo de medo e as levava a aceitar todo e Trabalho e (des)humanização6 qualquer tipo de assédio. Você também deve ter em mente a pior forma de trabalho forçado da humanidade, a escravidão. Porém, nos dias de hoje, a alienação do trabalhador e os outros fatores cau- sadores de angústia ainda estão muito presentes no cotidiano. Isso ocorre pois a mudança no campo laboral (do uso massivo humano para o uso massivo eletrônico) vai gerar para o trabalhador uma ocupação indesejada, desgastante e cansativa por inúmeros fatores, o que o levará ao sofrimento. E ainda há aqueles últimos remanescentes de uma realidade trabalhista linear que, em breve, via aposentadoria, perderão o sentido de sua existência diante de uma sociedade que não deseja mais sua capacidade para o trabalho (NORONHA, 2003). Segundo os órgãos de combate a essas práticas, do Ministério do Trabalho à ONU e todos os órgãos relacionados, retirar a humanidade da pessoa é coisificar a sua condição de ser humano. Nesse sentido, reduzi-la a objeto/ máquina viva de produção, impedir seu direito de ir e vir e desrespeitar a sua humanidade perante outros durante o período de trabalho e execução de suas atividades são práticas efetivamente indicadoras de trabalho desumanizante. A seguir, você pode ver uma lista dos tipos de trabalhos e condições tra- balhistas que se encaixam no conceito desumanizante, não importando se são relações formais ou informais de qualquer espécie (BRASIL, [s.d.]). � Trabalho escravo e trabalho forçado ou análogo à escravidão. Em to- dos, pelos menos um tipo de coação (moral, psicológica ou física) está presente. � Assédio moral, seja ele assédio moral vertical descendente (do superior para o subordinado), assédio moral organizacional (desde acidentes físicos a sofrimentos psíquicos), assédio moral horizontal (de colegas do mesmo nível hierárquico na empresa) ou assédio moral vertical ascendente (por um ou mais subordinados a um superior) (XAVIER et al., 2008). � Assédio sexual. � Discriminação. Apesar do que pode parecer, nenhuma dessas práticas foi abandonada por completo pela humanidade. Tanto no meio rural como no meio urbano, a insistência da produção de capital sob coerção é algo real, latente e que deve ser extensamente combatido. Afinal, são situações em que ocorre constrangi- mento, agressão e impedimento do trânsito de uma pessoa, o que a prejudica psicologicamente e até de modo físico, sendo necessário o afastamento do 7Trabalho e (des)humanização trabalho, o abandono ou a demissão do emprego, bem como, em alguns casos, o resgate do ambiente de cárcere (XAVIER et al., 2008). Entretanto, você não pode se esquecer das relações cotidianas de trabalho, já que muitas empresas apresentam uma cultura empresarial bem diferente da que aparentam ter. Essas relações também irão causar desgaste emocional, perda do estímulo e rotatividade extrema. Para aprender ainda mais sobre as relações de trabalho, você pode assistir ao docu- mentário O Verdadeiro Custo, de 2015, que mostra o lado desumano do mercado da moda. A direção é de Andrew Morgan. Trabalho humanizante A concepção de trabalho justo e humano, de modo geral, tem a ver com: � o respeito aos direitos do trabalhador; � um ambiente satisfatório e estimulante de trabalho; � a nova identidade social forjada diante da crise trabalhista e da era tec- nológica, segundo a qual o trabalhador é um ser social em movimento, sem garantias de longo prazo. Essa nova realidade de mercado vai afetar a geração que usa as ferramentas tecnológicas como complemento de suas atividades formais e sazonais ou informais. Como você sabe, já não há nessas novas gerações o desejo de se fixar num emprego (e não mais “trabalho”) que não atenda a seus interesses para além do econômico. Ou, ainda, o interesse desses indivíduos é empre- ender e estabelecer consigo mesmos outra relação de trabalho, produtorade um objeto que os satisfaz (MANNRICH, 2005). Já no caso do mercado, cada vez mais pequenos empreendedores vêm construindo a sua própria lógica empresarial: pequena, justa e menos angus- tiante, exatamente na medida de seu nicho de atendimento. É aí que reside parte do mercado independente (pequenos negócios) e também o comércio justo (Figura 2), que cada vez mais têm trabalhado para se constituírem como alternativas de consumo consciente. A ideia é promover, por meio do diálogo Trabalho e (des)humanização8 com o cliente, uma relação equitativa com a linha de produção e fornecimento. Há ainda os selos de adequação, que remetem a um novo tipo de marketing e mercado sustentável que deseja ser reconhecido por suas práticas diferenciadas (NORONHA, 2003). Figura 2. Princípios do comércio justo. Fonte: Adaptada de World Fair Trade Organization (2016). Sob essa lógica, você pode verificar que formas justas e conscientes de comércio e relações trabalhistas em ambientes de clima organizacional po- sitivos são as chaves para relações de trabalho mais saudáveis e inteligentes. O comércio justo (fair trade) pode e deve ser reconhecido como um exemplo de mercado de trabalho humanizante. Ele surgiu na década de 1960 na Europa e tem como essência práticas responsáveis com o meio ambiente, uma produção e um consumo sustentáveis e, ainda, salário justo e condições de trabalho dignas (CANTALICE et al., 2010). O trabalho desumanizador na história O conceito de trabalho desumanizador está relacionado ao conceito de trabalho alienado de Karl Marx. Tal conceito estabelece que a produção de um indivíduo inserido em uma jornada de trabalho dentro do capitalismo origina uma imensa 9Trabalho e (des)humanização quantidade de produto que é externa ao seu interesse de subsistência. Essa alteração na intenção de produção faz com que Marx acredite que o indivíduo deixa de ser humano para ser um objeto de uma engrenagem maior, à qual está preso e onde é alienado do seu real objetivo, ou seja, ser o sujeito de uma produção suficientemente necessária ao seu propósito e aprendizado. Assim, para Marx, o ser humano não é livre de fato, e sim um escravo de uma relação de trabalho estranha ao seu princípio. Para Marx, que viu a Revolução Industrial em seu auge, nessa nova condição o trabalhador deixou de ter um propósito para se tornar um ser social oprimido e obrigado a fazer parte da engrenagem capitalista de produção massiva para sobreviver. Nessa engrenagem, ele se sujeita a jornadas extensas e a produzir muitos bens para terceiros, porque não é mais dono ou possui acesso à natureza. Logo, a sua única opção é se alienar do propósito original da prática de trabalho para a obtenção de um novo bem de valor social, a propriedade privada. Esta é o novo objeto de interesse desse indivíduo, que ainda não é consciente da troca desigual em que está inserido como produtor de uma riqueza massiva que jamais compensará a sua relação de troca (MARX, 1996). Essa relação que Marx julga desigual será o cerne do capitalismo e da acumulação de capital em maior ou menor grau. A acumulação de capital, portanto, é o fruto direto do trabalhador, apropriado pelo empregador. Além disso, depois de uma jornada extensa de produção, o trabalhador na verdade não produz um item, um produto, e sim uma fração. Isso faz com que deixe de ser o “ser humano” que antes era capaz de produzir um bem por completo e ao final do processo estar satisfeito. De acordo com Marx (1964, p. 161): A alienação do trabalhador no objeto exprime-se assim nas leis da eco- nomia política: quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem de consumir; quanto mais valores cria, tanto mais sem valor e mais indigno se torna; quanto mais refinado o seu produto, tanto mais deformado o trabalhador; quanto mais civilizado o produto tanto mais bárbaro o trabalhador; quanto mais poderoso o trabalho, tanto mais impotente se torna o trabalhador; quanto mais brilhante e pleno de inteligência o trabalho, tanto mais o trabalhador diminui em inteligência e se torna servo da natureza. Trabalho e (des)humanização10 Essa realidade capitalista, apesar de entrar em crise ciclicamente por sua produção extensiva, não será abandonada, pois em seu cerne está a acumulação do capital e o direito à propriedade, que é exatamente o que atribui valor ao indivíduo trabalhador na sociedade. Tal indivíduo não percebe que seu capital acumulado para o consumo é pequeno diante da intensa produção que de tempos em tempos atinge a sua capacidade máxima, entra em crise e então retorna ao seu lugar original, a linha de montagem. Lá, é preciso conter e cortar o trabalhador excedente, não mais sujeito, mas um item, um maquinário que agora onera a cadeia produtiva e diminui o lucro do empregador. Essa situação, nos tempos atuais, é bem evidente quando as empresas, especialmente de automóveis e eletrodomésticos, pausam o funcionamento de suas linhas de produção, dando férias extensas e instituindo planos de demissão voluntária para os seus funcionários. Portanto, para além da época de Marx, o trabalho desumanizador é uma realidade dos tempos atuais, em que há uma crise generalizada. Não apenas surgiram novas estruturas de trabalho e produção, mas também existe um problema maciço quanto ao capital humano que, além de continuar alienado da produção, agora também supre a capacitação e assume o discurso de fle- xibilidade para ser integrado a qualquer possibilidade de realizar trabalho, seja ele formal ou informal. Isso leva novamente, em essência, ao ser social, validado pelo que produz, agora até de modo intenso devido às novas tecno- logias que o tornam tão alienado ou até mais desumanizado do que era na Primeira Revolução Industrial e nas subsequentes. Você já deve ter ouvido falar que a tecnologia pro- longa a jornada de trabalho, não é? No link a seguir, você pode acessar uma matéria da Folha de São Paulo que mostra como o uso de smartphones, iPads, com- putadores portáteis e intranet provoca debates sobre os efeitos da tecnologia na vida dos trabalhadores. https://goo.gl/uGVZbf Outro fato que tem sido amplamente debatido diante das novas relações de trabalho é o peso cada vez maior do trabalho desumanizador sobre a saúde do indivíduo. Afinal, hoje há uma precarização não advinda apenas das novas 11Trabalho e (des)humanização https://goo.gl/uGVZbf formas de trabalho, mas da sua falta de parâmetros e do modo com ocupa a vida do trabalhador alienado. Este, por sua vez, sofre cada vez mais (psico- lógica e fisicamente) o peso deste novo e incerto momento social (BRASIL; ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE, 2001). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cada vez mais tem se iden- tificado a relação direta entre transtornos mentais do comportamento e relações de trabalho desumanizantes (BRASIL; ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE, 2001). Já há diversas doenças reconhecidas pelo Catálogo Inter- nacional de Doenças (Grupo V da CID–10) e também pela Previdência Social (Decreto nº 3.048/99). Destacam-se as seguintes (Portaria/MS n° 1.339/1999): � demência em outras doenças específicas classificadas em outros locais (F02.8); � delirium, não sobreposto à demência, como descrita (F05.0); � transtorno cognitivo leve (F06.7); � transtorno orgânico de personalidade (F07.0); � transtorno mental orgânico ou sintomático não especificado (F09.–); � alcoolismo crônico (relacionado ao trabalho) (F10.2); � episódios depressivos (F32.–); � estado de estresse pós-traumático (F43.1); � neurastenia (inclui síndrome de fadiga) (F48.0); � outros transtornos neuróticos especificados (inclui neurose profissional) (F48.8); � transtorno do ciclo vigília-sono devido a fatores não orgânicos (F51.2); � sensação de estar acabado (síndrome de burn-out, síndrome do esgo- tamento profissional) (Z73.0) — exclusiva do ambiente de trabalho, reconhecida em 1970. Essas questões associadas ao mercado de trabalho recaem sobre o tra- balhadorcom um imenso peso. Elas comprovam a sua relação alienada e desumanizante com o trabalho que exerce efetivamente para garantir sua subsistência, porém em termos não saudáveis. Isso, por sua vez, se reflete cada vez mais no desgaste físico e, principalmente, emocional do trabalhador (em níveis nunca antes vistos). Como você pode notar, há uma descrença genera- lizada no mundo do trabalho como meio para se destacar ou garantir alguma segurança econômica. Todos esses fatores demonstram o quanto o trabalho desumanizante é caro ao ser social, que cada vez mais tem sido comprimido numa existência mínima e estressante, cujos efeitos futuros dentro da lógica capitalista ainda não são previsíveis. Trabalho e (des)humanização12 BRASIL. Ministério da Saúde; ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os serviços de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. c. 10, p. 161-193. (Série A. Normas e Manuais Técnicos; n.114). 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Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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