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1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2 2 SOCIEDADE ............................................................................................... 3 2.1 Conceitos de sociedade na filosofia e nas ciências sociais.................. 6 2.2 Perspectivas sociológicas contemporâneas ......................................... 7 3 CIDADANIA ................................................................................................ 9 4 CONSTITUCIONALISMO ......................................................................... 11 4.1 Evolução histórica do constitucionalismo: do antigo ao contemporâneo 12 4.2 Pós-constitucionalismo ou neoconstitucionalismo .............................. 16 4.3 O constitucionalismo no Brasil ........................................................... 19 5 CONSTITUCIONALISMO E DEMOCRACIA ............................................. 22 6 PODER CONSTITUINTE E SOBERANIA................................................. 26 7 Poder constituinte X poderes constituídos. ............................................... 29 7.1 Espécies de Poder Constituinte: ........................................................ 29 8 DEMOCRACIA: PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA ..................................... 34 8.1 Modelos de democracia ..................................................................... 38 8.1.1 Democracia direta ........................................................................ 38 8.1.2 Democracia representativa ........................................................... 40 8.1.3 Democracia participativa .............................................................. 42 9 CONSTITUCIONALISMO, DEMOCRACIA E CIDADANIA ....................... 44 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 50 2 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno, O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 3 2 SOCIEDADE Fonte: brasilescola.uol.com.br Para Mendonça (2018), o conceito de sociedade pressupõe convivência e atividade conjunta do homem, ordenada ou organizada de forma consciente. Os membros de uma sociedade podem ser de diferentes grupos étnicos ou pertencer a diferentes níveis ou classes sociais. Uma sociedade é caracterizada pelos interesses em comum entre os membros e as suas preocupações em relação ao mesmo objetivo. O conceito de sociedade é conflitante com o de comunidade — organização do homem em coletividade. Esse conflito gerou diferentes interpretações de pensadores a respeito do que caracteriza uma sociedade. O estudo da sociedade começa na origem da natureza do homem, que, além de racional, é principalmente social. Na sua origem, a sociedade foi criada para satisfazer às necessidades vitais do homem e desenvolver plenamente todas as suas faculdades e poderes. Essa predisposição, chamada de apetite societatis, levou o homem à formulação dessa vivência em coletividade. Por essa razão, o surgimento da sociedade foi determinado pelas condições de sociabilidade natural do homem, 4 decorrentes da própria esfera da vida, seja da vida instintiva, como o instinto de alimentação, reprodução, entre outros, ou da necessidade de comunicação, organização e convivência (MENDONÇA, 2018). A sociedade tem características iniciais que se dividem entre a sua etapa de formação e evolução, que dizem respeito à diferenciação e separação do conceito de Estado e, posteriormente, ao conceito de empresa. Do conceito abordado por Aristóteles (2010), os termos comunidade e sociedade são complementos, sendo a comunidade inserida no conceito de sociedade, pois a filosofia grega, à época, não conhecia a distinção entre comunidade e sociedade como duas categorias conceituais diferentes de conhecimento sociológico. Essa distinção de duas formas originais de comunidade ou sociedade, a doméstica ou econômica e o cidadão ou político, foi decisiva para poder delinear o conceito de sociedade. O mesmo ocorreu com a observação adicional de que a lei é radicalmente inseparável de ambas as formas de comunidade ou sociedade, porque tem um caráter constitutivo em ambos. Se, pelo estudo da sociedade no pensamento grego, o conceito é delineado na teoria ética e política, no pensamento romano, isso ocorre no campo jurídico e, mais especificamente, no campo da prática jurídica e das relações comerciais, provavelmente por causa da prática comercial helenística. Devido a isso, não só o conceito é aperfeiçoado, mas também a palavra que será consagrada em uma infinidade de línguas: a sociedade. De acordo com essa origem, as sociedades no mundo jurídico romano se configuraram primeiro como uma associação de várias pessoas, com um interesse comum. Não tiveram, portanto, relação primariamente com o bairro ou com o espaço vital, mas com um acordo de vontades, com um contrato. A partir disso, no Direito Privado romano, a sociedade era constituída por um contrato consensual e sem forma, em que várias pessoas se ligavam entre si para fornecer uma propriedade para lucro, que será então distribuído conforme acordado. Nessa filosofia, o conceito de sociedade, por decorrer da vontade de partes, para fins de obter lucro ou vantagem, tem um conceito bastante mercantil (MENDONÇA, 2018). 5 A partir deste conceito evoluiu a sociedade civil e a sociedade humana, surgindo através da definição do direito civil e do direito nacional. Portanto, existe uma sociedade mais completa e dividida por leis, direitos e costumes. Esta escola é uma síntese da ética e da doutrina política de Aristóteles, por um lado, e da doutrina do direito e da ética romana, por outro. Ela existiu pacificamente na ética e no pensamento político posteriores até meados do século XVII. Mesmo que a unidade religiosa e a unidade política sejam rompidas, a sociedade ainda mantém suas ideias tradicionais, divididas em várias categorias. Desde então, o que mudou foi a estrutura da sociedade civil ou sociedade política, que hoje também é chamada de sociedade pública. Este novo conceito trouxe consigo uma relação entre a sociedade civil e o Estado. A sociedade civil tem significados novos e mais precisos. Com ela, a sociedade política não é mais entendida como o ser humano ou fundamento das organizações políticas. As organizações políticas se configuraram recentemente como um país e amplamente reconhecido pela organização, mas como um conjunto de pessoas coexistindo no território de um país. Portanto, eles constituem uma unidade cujos interesses não são apenas inconsistentes, mas muitas vezes se opõem aos interesses de organizações políticas ou do país. Graças ao apoio dos teóricos do Iluminismo, a Revolução Francesa contribuiu para este novo conceito social e politicamente, assim como a sociedade civil, que alcançou uma expressão dogmáticana “Declaração dos Direitos Universais do Homem e do Cidadão”. Assim, nas palavras de Mendonça (2018) a sociedade civil se tornou uma sociedade de classes ou propriedades, cujo determinante fundamental são as relações de produção da vida material, isto é, a base econômica. Dentro da sociedade assim constituída, opera uma série de tendências relacionadas aos indivíduos que a compõem, tendências que, pouco a pouco e superando os interesses particulares, configuram certa ciência social ou modo de pensar e de opinião. Esse modo comum de pensar e expressar opiniões, na medida em que visa fixar e organizar os assuntos, constitui o núcleo de cada sociedade e, ao mesmo tempo, permite diferenciá-la dos outros, mesmo aqueles mais próximos a ela. Também tem a qualidade de ser 6 histórico, no sentido mais radical da palavra; o que implica que não é passivo ou estático, isto é, imóvel, mas que é ativo e dinâmico, isto é, que está em contínua mudança. 2.1 Conceitos de sociedade na filosofia e nas ciências sociais O conceito de sociedade civil está presente quando aliamos o Estado. Na composição de sociedade civil versus Estado, temos a figura da sociedade civil como a relação entre indivíduos, grupos e classes sociais, os quais se desenvolvem em paralelo com as relações de poder da força estatal (MENDONÇA, 2018). Para a filosofia, a sociedade civil adere a um conjunto de valores, portanto o surgimento de uma era depende da distribuição ou ordenação de seus valores. Esses valores representam o mundo do dever-ser, a base das normas ideais, e o mundo ideal no qual a humanidade sobrevive está incorporado em comportamento e em formas de comportamento e em realizações de civilização e de cultura, ou seja, em bens que representam o objeto das ciências culturais. Essa ideia da sociedade, de modo geral, não se reduz aos indivíduos que a formam, mas sim envolve a teoria de uma consciência coletiva e superior à consciência dos indivíduos componentes, formando um todo uno e diverso, que não seria explicável tão somente pela simples soma dos indivíduos que se congregam para viver em comum e sim do elemento distintivo do fato social coletivo. A ideia de sociedade, longe de constituir um valor originário e supremo, acha-se condicionada pela sociabilidade do homem, isto é, por algo inerente a todo ser humano e seus valores (MENDONÇA, 2018). A sociedade civil, dessa maneira, visa controlar e resolver as contradições, utilizando-se de recursos de persuasão e pressão, baseando-se na hegemonia e no consenso, ou seja, é na sociedade civil que o Estado controla os problemas econômicos, ideológicos, sociais e religiosos, intervindo como mediador. A sociedade civil, dessa forma, é constituída pelas forças sociais, as quais se organizam, associam- se e se mobilizam pelo interesse da coletividade (MENDONÇA, 2018). 7 Assim, conforme preceitua Mendonça (2018) a sociedade civil é constituída por um espaço da vida social organizada que é independente do Estado, apresentando uma autogestão voluntária e, de certa forma, autônoma, mas limitada por uma ordem legal e normas. A sociedade civil se situa num campo entre a esfera privada e o Estado. Assim, exclui a vida familiar e individual, a atividade interna dos, as empresas particulares voltadas para o lucro e os esforços políticos para controlar o Estado. Os indivíduos da sociedade civil necessitam da proteção de uma ordem legal institucionalizada para preservar sua autonomia e liberdade de ação. Dessa maneira, a sociedade civil não somente restringe o poder do Estado, mas também legitima a autoridade estatal quando esta se baseia nas regras da lei. 2.2 Perspectivas sociológicas contemporâneas A sociedade civil e as organizações da sociedade civil têm o mesmo potencial para o desempenho de suas funções, características estruturais internas e intenções. Diante da sociedade moderna, uma das características mais importantes está relacionada aos objetivos e métodos dos grupos da sociedade civil. Nesse caso, como a sociologia trouxe a prática democrática, aumentaram muito as chances de estabelecimento da democracia para o desenvolvimento estável da sociedade. Dessa forma, à medida que um grupo busca conquistar o Estado ou dominar outros que disputam o mesmo espaço de atuação, ou pela não aceitação de normas legais impostas pelo Estado Democrático, o próprio caráter internamente democrático da sociedade civil afeta o grau no qual podem socializar seus participantes em formas de conduta democrática ou antidemocrática. Se os indivíduos ou organizações que constituem a sociedade civil são as grandes escolas livres da democracia, então eles devem operar democraticamente em seus processos internos de decisão, elaboração de políticas e de escolha de seus dirigentes. Por tudo isso, segundo Mendonça (2018) a sociedade civil não é uma simples categoria residual, sinônimo de sociedade ou de algo que não é o Estado ou o sistema político formal. Além de serem voluntárias, autogeridas, autônomas e autorreguladas, 8 as organizações da sociedade civil são diferentes de outros grupos sociais em vários aspectos, uma vez que a sociedade civil tem a finalidade pública antecedente à privada. Ainda, a sociedade civil deve se relacionar com o Estado de certa forma, mas não com o objetivo de obter o poder formal ou o direcionamento do poder estatal. Do contrário, a sociedade civil busca do Estado concessões, benefícios, alterações políticas, assistência ou compromissos, por meio de suas organizações e movimentos sociais que tratam de mudar a natureza do Estado, qualificando-se como parte da sociedade civil. Tais esforços têm por intuito o bem público e não a intenção de alcançar o poder estatal para o grupo em si. Outra característica é que a sociedade civil implica diversidade. Quanto mais pluralista se torna a sociedade civil sem se fragmentar, mais benefícios trará para a democracia. Essa diversidade auxilia os grupos a sobreviver na sociedade civil e os obriga a aprender a cooperar e articular entre si. À medida que uma organização busca monopolizar um espaço funcional ou político na sociedade, sustentando que concebe a única via legítima, contradiz a natureza pluralista e orientada ao mercado da sociedade civil. Portanto, o pluralismo dentro de um determinado setor, como os direitos humanos, tem efeitos positivos, pois a competição entre diferentes associações num mesmo setor pode contribuir para garantir a responsabilidade e representatividade, proporcionando aos membros a possibilidade de mudar para outras organizações se aquela a que pertencem não cumprir esses requisitos (MENDONÇA, 2018). Finalmente, o fator mais importante para as novas perspectivas da sociedade é a concretização da democracia e a institucionalização política da sociedade civil. Este processo é uma forma de a democracia se expandir e legitimar perante os cidadãos, o que significa que mudanças no comportamento dos indivíduos e das instituições normalizam as políticas democráticas e reduzem a incerteza. Em outras palavras, a sociedade civil desempenha um papel importante no processo de construção e consolidação da democracia, mantendo a autonomia e não se separando do Estado. Quanto mais ativa a sociedade civil, a institucionalização, a 9 democratização e os recursos efetivos das relações com o Estado, maior a contribuição para a democracia. 3 CIDADANIA Fonte: www.educabras.com Os termos “cidadão” e “cidadania” possuem diferentes sentidos. Tais sentidos mudam continuamente, sendo concebidos e vivenciados de maneiras distintas nos diferentes tempos, espaços e culturas. Assim, não se pode pensar o conceito de cidadania como estanque (PINSKY; PINSKY, 2005), pois ele está em contínua interação com práticas desenvolvidas em sociedade. Esse conceito remeteà Antiguidade Clássica, período em que a categoria de cidadão era conferida apenas a alguns sujeitos. Na modernidade e, posteriormente, por meio da filosofia iluminista, o termo foi incorporado definitivamente à experiência política (BOTELHO; SCHWARCZ, 2012). Carvalho (2016) parte do modelo analítico proposto por Thomas Marshall — a tríade de direitos civis, políticos e sociais. Marshall pressupõe uma lógica histórica e 10 sequencial para o desenvolvimento desses direitos (inicialmente civis, depois políticos e, por fim, sociais). Carvalho (2016), por sua vez, pondera que a experiência brasileira seguiu outro percurso: O cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos. Cidadãos incompletos seriam os que possuíssem apenas alguns dos direitos. Os que não se beneficiassem de nenhum dos direitos seriam não cidadãos. Esclareço os conceitos. Direitos civis são os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. [...] [Direitos políticos] se referem à participação do cidadão no governo da sociedade. Seu exercício é limitado a parcela da população e consiste na capacidade de fazer demonstrações políticas, de organizar partidos, de votar, de ser votado. [...] Se os direitos civis garantem a vida em sociedade, se os direitos políticos garantem a participação no governo da sociedade, os direitos sociais garantem a participação na riqueza coletiva. Eles incluem o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria. (CARVALHO, 2016, p. 9-10). De acordo com Carvalho (2016), o processo histórico brasileiro condicionou determinadas compreensões em relação à política e aos direitos. Tais como (CARVALHO, 2016): valorização excessiva do Poder Executivo; busca por um messias político, “um salvador da pátria”; desvalorização do Legislativo; política marcada pelo governismo e uma compreensão de corporativismo em relação aos interesses coletivos; ausência de organizações relativamente autônomas na sociedade. Sua definição e sua análise são muito importantes, principalmente a análise histórica que faz das lutas sociais que garantiram por lei direitos civis, políticos e sociais no País. Porém, a concepção de Carvalho (2016) é muito formalista e institucional. Por isso, é necessário ampliar essas considerações com pautas culturais e indenitárias para se estabelecer a relação entre cidadania e diversidade cultural. Para Botelho e Schwarcz (2012), a cidadania deve ser compreendida como uma “identidade social politizada”. Ou seja, a cidadania “[...] envolve modos de identificação intersubjetiva entre as pessoas e sentimentos de pertencimento criados coletivamente em inúmeras mobilizações, confrontos e negociações cotidianas, práticas e simbólicas [...]” (BOTELHO; SCHWARCZ, 2012, p. 11). Isso significa que o 11 entendimento do que é ser cidadão também se relaciona aos valores e práticas dos direitos e do reconhecimento de direitos — que terminam por delimitar a cidadania. Segundo os autores: Cidadania é noção construída coletivamente e ganha sentido nas experiências tanto sociais quanto individuais, e por isso é uma identidade social. Claro que pensamos aqui em identidade como uma construção social relativa, contrastiva e situacional. Ou seja, ela é uma resposta política a determinadas demandas e circunstâncias igualmente políticas, e é volátil como são diversas as situações de conflito ou de agregamento social. Porque é política, também sua força ou fragilidade depende das inúmeras mobilizações, confrontos e negociações cotidianas, práticas e simbólicas. Confrontos e negociações que, por sua vez, variam enormemente à medida que avançam os processos de construção do Estado-nação, da expansão capitalista, da urbanização e da coerção — e pensamos aqui especialmente na guerra. “Identidade social politizada” significa, portanto, que a extensão dos direitos da cidadania democrática deve ser pensada como resultados possíveis das contendas concretas de grupos sociais, e que essas contendas são, por sua vez, fontes poderosas de identificação intersubjetiva e reconhecimento entre as pessoas. (BOTELHO; SCHWARCZ, 2012, p. 12- 13). 4 CONSTITUCIONALISMO Fonte: gilmarfjr.jusbrasil.com.br 12 Constitucionalismo é o movimento social, político, jurídico e até mesmo ideológico a partir do qual surgem as constituições nacionais. Em termos genéricos e supranacionais, constitui-se de normas fundamentais de um ordenamento jurídico de um Estado, situadas no topo da pirâmide normativa, ou seja, a sua Constituição (ILANES, 2018). 4.1 Evolução histórica do constitucionalismo: do antigo ao contemporâneo Canotilho (1998), preceitua que “o constitucionalismo antigo é o conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder”. Como exemplo de constitucionalismo antigo, podemos citar os constitucionalismos hebreu e grego, os quais unicamente almejavam descentralizar a vida política, vez que não existiam leis escritas que regulamentassem a ordem civil nem as penalidades aplicáveis para quem as descumprisse. Segundo Cunha Jr. (2006) esse constitucionalismo apenas objetivava: [...] limitar alguns órgãos do poder estatal como reconhecimento de certos direitos fundamentais, cuja garantia se cingia no esperado respeito espontâneo do governante, uma vez que inexistia sanção contra o príncipe que desrespeitasse os direitos de seus súditos (CUNHA JÚNIOR, 2006, p. 24). Os primórdios do movimento do constitucionalismo surgiram entre os hebreus, por meio da lei do Senhor, em um Estado Teocrático, governado pela casta sacerdotal, logo existia um limite no poder político (TAVARES, 2004). Posteriormente, ocorreu o movimento do constitucionalismo nas cidades gregas, onde os cidadãos eram eleitos para cargos públicos por meio de um regime de votação peculiar na época. Por mais primitiva que fosse essa votação, existia uma participação do povo na vida política, consolidando, assim, uma real democracia (TAVARES, 2004). A Idade Média, por sua vez, foi marcada pela época do despotismo, ou seja, pela soberania dos governantes tratados como deuses. Uma verdadeira forma absolutista de governar, vez que não existiam limitações às suas condutas. Aplicavam 13 penalidades e impunham condutas desumanas não previstas em leis, pois não havia um poder maior do que o do próprio governante. Assim, este estava imune de qualquer sanção (TAVARES, 2004). Todavia, foi durante a Idade Média, mais precisamente na Inglaterra, que culminou o anseio por uma luta de liberdades e garantias fundamentais ao indivíduo, objetivando romper com o padrão absolutista e centralizador até então vigente (TAVARES, 2004). Contudo, ainda na Idade Média, o constitucionalismo reapareceu como o movimento de conquista de liberdades individuais, como bem demonstra a aparição de uma Magna Carta. Não se limitou a impor balizas para a atuação soberana, mas também representou o resgate de certos valores, como garantir direitos individuais em contraposição à opressão estatal (TAVARES, 2004). O constitucionalismo moderno eclodiu em meados do século XVII com características próprias e com a ideologia de limitação do poder estatal, preservando os direitos e as garantias fundamentais, bem como transcrevendo os anseios populares com a lei do povo: a Constituição escrita (CUNHA JÚNIOR, 2006). Nesse movimento, a noção de Constituição envolvia uma força capaz de limitar e vincular todos os órgãos do poder político. Por isso, era concebida como um documento escrito e rígido, manifestando-se como uma norma suprema e fundamental, porque hierarquicamente superior a todas as outras, das quais constituía o fundamento de validade, que só poderia ser alterado por procedimentos especiaise solenes previstos no seu próprio texto. Consequentemente, institui-se um sistema de responsabilização jurídico-política do poder que a desrespeitar, inclusive por meio de controle de constitucionalidade dos atos do Parlamento (CUNHA JÚNIOR, 2006). O constitucionalismo moderno rompeu com as barreiras de garantias fundamentais limitadas pelos Estados absolutistas, destruindo o paradigma de soberania e supremacia das forças estatais. Trouxe o ideal de justiça, de direito igualitário e, acima de tudo, de organização na seara da política governamental, limitando o poder de atuação do Estado e descentralizando os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, pautando em um documento de lei: a Constituição. Portanto, a Constituição deixou de ser concebida como simples manifesto político para ser 14 compreendida como uma norma jurídica fundamental e suprema, elaborada para exercer dupla função: garantia do existente e programa ou linha de direção para o futuro (CANOTILHO, 1998). Com o fim da Primeira Guerra, os Estados perceberam a necessidade de intervir na sociedade de forma a promover o bem-estar social, a paz e a recondução à vida pública dos cidadãos, por meio de serviços públicos, saúde, alimentação, tratamentos médicos e educação, com fulcro sempre na promoção do desenvolvimento econômico-social, haja vista a barbárie social que eclodia no mundo (TAVARES, 2004). A Constituição brasileira de 1988 elenca, nos seus arts. 170 e 193, ideais de um constitucionalismo moderno, em uma política democrática socioliberal, o conhecido Estado Democrático de Direito (TAVARES, 2004). Por fim, insta salientar que a elaboração do Texto Constitucional teve formação e influência nos movimentos contratualistas que justificavam a agremiação do homem em sociedade com base em um pacto, o famoso contrato social de Rousseau (TAVARES, 2004). Atualmente, o constitucionalismo não se deu por pronto e acabado. Está em constante desenvolvimento, sempre observando as necessidades dos cidadãos e o desenvolvimento socioeconômico. O constitucionalismo deverá ser influenciado até se identificar com a verdade, a solidariedade, o consenso, a continuidade, a participação, a integração e a universalização (TAVARES, 2004). Para André Tavares (2004), o constitucionalismo da verdade existe em duas categorias de normas: uma parcela constituída de normas que jamais passam de programáticas e são praticamente inalcançáveis pela maioria dos Estados; uma outra sorte de normas que não são implementadas por simples falta de motivação política dos administradores e governantes responsáveis. As primeiras precisam ser erradicadas dos corpos constitucionais, podendo figurar, no máximo, apenas como objetivos a serem alcançados a longo prazo, não como declarações de realidades utópicas, como se bastasse a mera declaração 15 jurídica para transformar-se o férreo em ouro. As segundas precisam ser cobradas do Poder Público com mais força, o que envolve, em muitos casos, a participação da sociedade na gestão das verbas públicas e a atuação de organismos de controle e cobrança, como o Ministério Público, na preservação da ordem jurídica e na consecução do interesse público vertido nas cláusulas constitucionais (TAVARES, 2004). O autor quis evidenciar que, em uma norma jurídica posta, não podem existir normas mortas, sem eficácia concreta na sociedade. Se a lei é posta, ela deve ser cumprida; se existem leis programáticas, elas devem atender às necessidades dos indivíduos e não permanecer estáticas e cristalizadas como meras declarações utópicas (TAVARES, 2004). Em relação àquelas não implementadas pelo Poder Público, deve haver uma participação popular cobrando a presteza dos serviços públicos, pois se trata de um direito coletivo, o qual não é respeitado pelo gestor responsável. Assim, somente a força popular é capaz de mobilizar o aparelho estatal e fiscalizá-lo, para que tenha consentimento de suas obrigações, a fim de que cumpra com deveres preestabelecidos em lei e ofereça uma continuidade na prestação de serviços públicos e sociais. Em contrapartida, quanto ao constitucionalismo da continuidade, o autor assevera que é muito perigoso em nosso tempo conceber Constituições que produzam uma ruptura da lógica dos antecedentes, uma descontinuidade com todo o sistema precedente (TAVARES, 2004). No tocante à globalização, é notório que a União Europeia visa consolidar uma Constituição única para os países que integram o bloco econômico. Com a ocorrência de tal fato, poderíamos falar em um constitucionalismo globalizado com uma miscigenação de povos, culturas, costumes, princípios, regras e condutas que acabariam por eclodir na formação de uma única nação, com uma única Constituição, a qual propagaria a unificação dos ideais humanos consagrados juridicamente (TAVARES, 2004). 16 4.2 Pós-constitucionalismo ou neoconstitucionalismo O pós-constitucionalismo (novo Direito Constitucional — ou neoconstitucionalismo) identifica, nas palavras de Barroso (2005): [...] um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito. A forma e o modus operandi do ordenamento jurídico brasileiro vem sofrendo reiteradas mudanças. Essa quebra de paradigmas na teoria jurídica e na prática dos tribunais, desenvolvidos sob a égide da Constituição da República de 1988, pode ser chamada de neoconstitucionalismo (BARROSO, 2005). O termo empregado para essa nova ordem, forma e modelo é derivado da doutrina espanhola e italiana, mas a difusão do termo no Brasil se deve principalmente à coletânea do doutrinador mexicano Miguel Carbonell, que a intitulou de neoconstitucionalismo. O marco histórico do neoconstitucionalismo foi estabelecido na Europa pós- guerra, marco que alterou a realidade mundial em diversos fatores e principalmente a mentalidade da sociedade da época, com um motivo simples: o receio de passar pela mesma experiência árdua novamente. Dessa forma, a Europa Ocidental se encontrava devastada e com a esperança de encontrar um modelo novo em que se sustentar, com base em aspectos suprimidos pelo contexto político e social da época, surgindo assim uma ênfase maior nos direitos fundamentais da pessoa. A Constituição servia como base, mas não tinha força normativa, pois era um instrumento para o Legislativo se inspirar. Assim, só a partir da lei em si que poderia ocorrer qualquer proteção, punição ou caráter axiológico no ordenamento jurídico. A influência da Constituição só ocorreu com o fim da Segunda Guerra, primeiramente na Alemanha e, logo após, na Itália. 17 A principal referência no desenvolvimento do novo Direito Constitucional foi a Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã), de 1949, e, especialmente, a criação do Tribunal Constitucional Federal, instalado em 1951. A partir disso, teve início uma fecunda produção teórica e jurisprudencial, responsável pela ascensão científica do Direito Constitucional no âmbito dos países de tradição romano-germânica. A segunda referência de destaque foi a Constituição da Itália de 1947 e a subsequente instalação da Corte Constitucional, em 1956. Ao longo da década de 1970, a redemocratização e areconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agregaram valor e volume ao debate sobre o novo Direito Constitucional (BARROSO, 2005, documento on-line). Esse novo contexto histórico que batia à porta da Europa Ocidental propiciava uma teoria jurídica diferente do modelo anterior, com base, como dito anteriormente, em uma Constituição normativa e de valor, sendo amplamente estruturada em proteção de direitos fundamentais e baseada principalmente na dignidade da pessoa como sustento da Carta normativa. O papel exercido pela Constituição teve um alcance maior e a finalidade de proteção a direitos extintos da sociedade no período que acabara, dessa forma, o que atribuiu valor e caráter axiológico à Constituição terminava por ser uma tentativa de modelo em que se privilegiava um respeito aos direitos mencionados (BARROSO, 2005, documento on-line). Dessa forma, o papel da Constituição referente às instituições contemporâneas foi alterado, passando, assim, ao centro do ordenamento jurídico, com um peso de referência e também um caráter normativo atribuído, expressamente demonstrado no Texto Constitucional dessas cartas e facilmente percebido. Assim, com a introdução desse novo modelo na Europa, a segunda metade do século XX foi pautada no crescimento e na expansão desse novo formato constitucional. No Brasil, em 1988, com a promulgação da Constituição da República, ocorre sua recepção no País (BARROSO, 2005). A recepção no ordenamento jurídico brasileiro surgiu em um momento similar ao do contexto europeu. O Brasil acabava de passar por um regime ficou 18 caracterizado como o marco histórico da redemocratização e da recepção do neoconstitucionalismo (BARROSO, 2005, documento on-line). A promulgação da Carta de 1988 trouxe esse novo modelo, com uma nova concepção de direitos e valores, tendo como proteção basilar os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa, fruto de um momento de procura por suprir a falta de participação democrática no período da ditadura e todos os desrespeitos cometidos. A dignidade da pessoa passa a exercer um papel diferenciado, amplo e com um peso maior no sentido de relevância e base para os direitos fundamentais. Diversos preceitos constitucionais inalienáveis se originam no princípio da dignidade da pessoa humana, como se observa na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988): a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (art. 1º, II, III e IV); os objetivos fundamentais da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I e IV); a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II). Todos esses preceptivos revelam a preocupação do legislador constituinte com a dimensão em que a dignidade da pessoa se mostra superior em si e como razão de uma série de outras garantias e princípios de raiz constitucional. É devido à elevação e extensão da importância do homem no mundo que decorrem direitos fundamentais, entre outras prerrogativas essenciais à própria existência do ser humano, as quais podem ser encontradas na Constituição Federal brasileira. Houve, a partir do texto promulgado, uma centralização da Constituição no ordenamento jurídico brasileiro. Sob a Constituição de 1988, o Direito Constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração. Como a realidade se alterou, a Constituição passou a disciplinar uma diversidade de temas antes não abordados. A lei antes valia muito mais, pois o peso das leis e decretos era mais significativo: antes, o Código Civil; hoje, a Constituição. Essa substituição de importância foi estabelecida exatamente nesse momento, quando a Carta de 1988 traz um elenco de temas antes não abordados: direitos 19 individuais, políticos, sociais e difusos, além de trazer uma série de princípios dotados de carga axiológica, o que termina por dar ensejo ao processo de constitucionalização do Direito. Nessa nova ordem constitucional, o papel do Poder Judiciário foi fortalecido e, em conjunto com o Ministério Público, ganhou uma maior autonomia, que, com o passar do tempo, resultou na questão do controverso ativismo judicial. Com essa Constituição dotada de diversos princípios abrangentes de diferentes aspectos, ocorreu a chamada filtragem constitucional, em que as matérias dos inúmeros ramos do Direito passariam pelo crivo constitucional. Essa questão só se tornou possível pela importância que o Direito Constitucional passou a conter. A participação da doutrina brasileira foi de fundamental importância para difundir esse novo modelo. A recepção do neoconstitucionalismo no Brasil foi pautada por esse momento histórico e baseada nele, sendo importante demonstrar essa questão no aspecto filosófico chamado pós-positivismo. 4.3 O constitucionalismo no Brasil O Brasil já editou oito Constituições e, sem sombra de dúvidas, os movimentos constitucionalistas serviram de grande influência para cada Carta elaborada. Boa parte delas expressou, ao menos textualmente, as tendências globais da sua época. A questão brasileira foi a pouca efetividade das regras e o desrespeito às condicionantes do poder (TAVARES, 2004). O avanço do constitucionalismo, como movimento político e jurídico, sobre o continente americano teve importância primordial na independência das colônias em relação às suas metrópoles europeias. Nesse cenário de libertação, a Constituição era o instrumento mais precioso para selar a independência, rompendo com as amarras do regime de submissão à metrópole e instalando uma nova organização, de acordo com o poder de autodeterminação de cada Estado emergente naquele momento (TAVARES, 2004). 20 Diferentemente dos demais processos revolucionários americanos, o Brasil não imprimiu, no seu território, guerras sangrentas para se sagrar independente de Portugal. Contudo, a contradição destacada anteriormente também esteve presente no constitucionalismo brasileiro do século XIX (TAVARES, 2004). A experiência constitucional brasileira teve início em 1824, ainda sob a forma de governo imperial, com a outorga da primeira Constituição do Brasil em 25 de março daquele ano. Descontente com os rumos da constituinte, o imperador D. Pedro I a dissolve e propõe a elaboração de um novo projeto da Constituição, que incorporou a cláusula de separação de poderes, estabelecendo a clássica divisão de funções estatais: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. Além desses, o Brasil instituiu a figura de um quarto poder, chamado de Poder Moderador, que permitia amplos direitos ao monarca e nenhum tipo de responsabilização deste. A proteção da Carta de 1824 foi dada ao Poder Legislativo. Para o Poder Judiciário, houve a criação de um órgão de cúpula, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), mas sem qualquer controle sobre a constitucionalidade das leis (TAVARES, 2004). Como podemos perceber, o início do constitucionalismo no Brasil foi tímido durante a Constituição de 1824, pois havia uma nítida incoerência entre a realidade social brasileira e o que se apregoava nos movimentos constitucionalistas (TAVARES, 2004). A inovação trazida pela nova Constituição ao Poder Judiciário foi a criação de um novo órgão de cúpula, o Supremo Tribunal Federal (precedido pelo já citado STJ), com sua estrutura também federativa e dual, com uma Justiça Federal e outra Estadual (SOUZA NETO; SARMENTO, 2014). No âmbito social, a Constituição de 1934 trouxe grande inovação ao prever não só as garantias dos direitos individuais e sociais, como também as ações estatais em defesa dessas garantias. O absenteísmo estatal não era mais bem visto, e o Estado, por meio dos poderes públicos, deveria atuar para a defesa de direitos dos seus governados.Essa Carta, porém, gozou de passagem efêmera, pois não suportou as pressões internas proporcionadas pela disputa entre capitalismo e socialismo. 21 Já em 1937, o governo, sob o comando de Getúlio Vargas, outorgou uma nova Constituição brasileira, instaurando, no Brasil, a ditadura varguista. A legitimidade para a instauração desse novo regime foi trazida pela justificativa de uma possível invasão comunista. O País permaneceu na escuridão da ditadura até o ano de 1946, quando então foi promulgada a terceira Constituição brasileira, com conteúdo predominantemente constitucionalista, tendo em vista que o mundo acabava de pôr fim à Segunda Guerra. Houve o retorno da figura do vice-presidente, ausente desde a Carta de 1934, e a Justiça do Trabalho foi integrada ao Poder Judiciário; houve também a recomposição da Justiça Eleitoral; além da instituição de um Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal continuou o órgão de cúpula e aos magistrados foram dadas as seguintes garantias: vitaliciedade; inamovibilidade; irredutibilidade de subsídios. As decisões sobre a inconstitucionalidade das leis proferidas pelos tribunais não mais poderiam ser submetidas ao Parlamento. Outro importante marco foi a consagração do direito à inafastabilidade da tutela jurisdicional. O ano de 1964 marca a história brasileira, pois foi dado o maior golpe ditatorial sofrido pelo País, com os militares tomando o poder. Em 1967, foi derrogada a Constituição de 1946. Durante quase 20 anos, o País viveu em quase plena democracia e estabilidade governamental. Mesmo com a promulgação da Constituição, o governo ainda lançava mão de vários atos institucionais que, do dia para noite, modificavam o rol de garantias e liberdades individuais, bem como concentrava cada vez mais o poder nas mãos dos militares. O mais severo ato institucional foi o AI-5, que definitivamente deixou claro os novos traços do regime político que o País iria vivenciar até o ano de 1984. A partir dessa data, o País passou por um novo processo de redemocratização, cuja solidificação se deu em 5 de outubro de 1988, com a promulgação da Carta cidadã. Essa nova Constituição brasileira de 1988 inovou porque tratou da matéria não no capítulo dedicado à Ordem Econômica e Financeira ou à Ordem Social. Antes, cuidou deles enquanto verdadeiros direitos fundamentais e não expressões de uma 22 determinada ordem. Tratou como verdadeiros direitos fundamentais os contemplados no art. 6º (BRASIL, 1988), in verbis: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 5 CONSTITUCIONALISMO E DEMOCRACIA Fonte: www.colaresenogueira.adv.br O Estado Democrático de Direito há muito apresenta um dilema que parece intrínseco à sua própria natureza. A vontade do povo, cristalizada na democracia e a organização da sociedade em um consenso popular encontra-se, ao menos de forma aparente, diametralmente oposta à ideia de limitações determinadas por normas de difícil alteração, isto é, os direitos fundamentais (GAVIÃO, 2013). Ao final da idade moderna, com a institucionalização do Estado Liberal, inventa- se a ideia de indivíduo, adotando o critério da racionalidade e tendo como parâmetro os princípios da igualdade, da liberdade e da propriedade. 23 Naquele momento, o Estado deve garantir a maior liberdade aos indivíduos, interferindo o mínimo possível, sendo que a autonomia privada se relaciona basicamente a direitos negativos diante do Estado e de outros cidadãos, isto é, direitos individuais (BAHIA, 2009). Após um período de tempo, como os direitos já não eram mais materializados, esse cenário gerou crises em virtude da existência de desigualdades econômicas e sociais. Em virtude disso, passou-se ao Estado Social, no qual ocorreu a expansão daquilo que é público, isto é, efetivou-se uma maior aposta no Executivo, buscando- se de forma ainda mais enfática a materialização da igualdade e da liberdade. Nesse momento, o Estado passou a intervir nas questões sociais, aproximando-se da sociedade por meio da política e do direito. No entanto, apesar das recomendações públicas, o estado de bem-estar acabou produzindo clientes em vez de cidadãos, o que mostra que os fins econômicos foram excessivamente desviados, porque apenas a igualdade material é efetiva, abdicando de valores inerentes ao processo de cidadania. Como consequência da crise gerada no Estado Social, surge o Estado Democrático de Direito, que ostenta a formação racional da vontade coletiva e da margem para a discussão pública, trazendo consigo a ideia de maior materialização dos direitos fundamentais. “Assim, em razão da nova concepção de igualdade e liberdade, novos direitos fundamentais surgiram. Igualdade e liberdade requerem agora materialização tendencial; não mais podemos nelas pensar sem considerar as diferenças, por exemplo, entre o proprietário dos meios de produção e o proprietário apenas de sua força de trabalho, o que passa a requerer a redução do Direito Civil, com a emancipação do Direito do Trabalho, da previdência social e mesmo a proteção civil do inquilino. Enfim, o lado mais fraco das várias relações deverá ser protegido pelo ordenamento e, claro, por um ordenamento de leis claras e distintas” (CARVALHO NETO, 2003). Além disso, no Estado Democrático de Direito, a tendência do constitucionalismo reflete diretamente na maior importância atribuída ao Judiciário, que ganha um espaço relevante no cenário dos poderes do Estado. Tal questão foi 24 brilhantemente apontada por Lenio Luiz Streck em trecho de seu livro “Jurisdição constitucional e hermenêutica” (GAVIÃO, 2013). “A democratização social, fruto das políticas do Welfare State, o advento da democracia no segundo pós-guerra e a redemocratização de países que saíram de regimes autoritários/ditatoriais, trazem à luz Constituições cujos textos positivam os direitos fundamentais e sociais. Esse conjunto de fatores redefine a relação entre os Poderes do Estado, passando o Judiciário (ou os tribunais constitucionais) a fazer parte da arena política, isto porque o Welfare State lhe facultou o acesso à administração do futuro, e o constitucionalismo moderno, a partir da experiência negativa de legitimação do nazi-fascismo pela vontade da maioria, confiou à justiça constitucional a guarda da vontade geral, encerrada de modo permanente nos princípios fundamentais positivados na ordem jurídica. Tais fatores provocam um redimensionamento na clássica relação entre os Poderes do Estado, surgindo o Judiciário (e suas variantes de justiça constitucional, nos países que adotaram a fórmula dos tribunais ad hoc) como uma alternativa para o resgate das promessas da modernidade, onde o acesso à justiça assume um papel de fundamental importância, através do deslocamento da esfera de tensão, até então calcada nos procedimentos políticos, para os procedimentos judiciais” (STRECK, 2004). Ainda segundo a autora, a ideia de constitucionalismo, adstrita ao Estado Democrático de Direito, regulamenta e apresenta direitos individuais que figuram também em uma dimensão política e que estão limitados à possibilidade de alteração pelo legislador, haja vista a necessidade de se observar os requisitos procedimentais para tanto, especialmente se considerados como cláusulas pétreas, sendo passíveis de apreciação e amparo pelo Poder Judiciário (GAVIÃO, 2013). Para que seja possível reconhecer a inter-relação entre constitucionalismo e democracia, faz-se necessário uma apreciação e um maior entendimento sobre alguns possíveis conceitos e concepções acerca desses temas. José Afonso da Silva (2006), defende que a democracia não é um mero conceitopolítico abstrato e estático, mas é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história. Para o autor, o conceito de democracia fundamenta-se na existência de um vínculo entre o povo e o poder. 25 Para Müller (2003) a democracia não está oposta ao constitucionalismo, uma vez que os direitos fundamentais oriundos deste último são essenciais para a efetivação da válida democracia. Sob a mesma perspectiva de inter-relação da democracia com o constitucionalismo, Ronald Dworkin (1995) divide as normas constitucionais em possibilitadoras e limitadoras: enquanto as primeiras constroem um governo da maioria, as segundas restringem os poderes dos representantes. Assim, deve-se destacar que, ao se falar em democracia, a primeira ideia que se busca no senso comum, de forma quase que inconsciente, é a sua delimitação por meio de um conceito de maioria e de uma imagem relacionada à vontade majoritária. Isto é, considera-se, de forma superficial e inócua, a democracia enquanto a mera vontade de uma maioria (GAVIÃO, 2013). O fato é que os desejos da maioria das pessoas são de grande importância e devem ser considerados. No entanto, esse desejo não é absoluto, mas restringe a norma como medida prática para coibir um possível uso excessivo, infrator e repressivo do poder. Essas normas restritivas são inerentes e indispensáveis ao constitucionalismo, pois se consolidadas, impedem que grande parte das pessoas supere os direitos fundamentais das minorias, e que abusos sejam praticados em nome do desejo, cuja vontade se expressa de forma puramente estatística. Ademais, em observância a tal análise do constitucionalismo e da democracia, não como antagônicos, mas como dependentes entre si, Gavião apud Ronald Dworkin (2013) afirma, então, sobre a suposta tensão entre a democracia e o constitucionalismo: “Com isso, o constitucionalismo não ameaça a liberdade positiva, porque ele é essencial para criar uma comunidade democrática – para constituir ‘o povo’ – e não pode haver nenhuma liberdade comunitária, coletiva, sem isso”. Para Müller (2003) a democracia não está oposta ao constitucionalismo, uma vez que os direitos fundamentais advindos deste último são essenciais para a efetivação da válida democracia. 26 A democracia, no sentido de concessão de direitos individuais a todos os cidadãos de acordo com a vontade da entidade que se pode denominar povo, é imperiosa, e representa um grande avanço na efetiva e considerável materialização de direitos, garantindo o afastamento da mera formalidade de tal materialização, outrora marcante (GAVIÃO, 2013). Demonstra-se, portanto, que, se a democracia não se sustenta como tal sem a existência do constitucionalismo, este não sobrevive de forma eficaz se não se efetivar por meio daquela. 6 PODER CONSTITUINTE E SOBERANIA Fonte: br.freepik.com A vitalidade do Estado depende da permanente possibilidade do conflito, necessitando de um soberano o qual, em face das incertezas políticas, incorpore a autoridade que é superior àquela do próprio direito (CHUEIRI, 2005, p.130). 27 Jean Bodin entende que seria possível abstrair a figura do soberano tanto da imagem do governo como da imagem do parlamento ou do povo. Não por acaso, a democracia refere-se a um tipo de poder absoluto e perpétuo e, também não por acaso, o Estado de Direito foi compelido a neutralizar o poder soberano como uma tentativa de exorcizar seu pecado original (Apud CHUEIRI, 2005, p.133-134). Nesse sentido a fundação da maior parte dos Estados se deu como consequência de uma situação que podemos chamar, genericamente, de revolucionária. Revolucionária no sentido de que uma nova ordem jurídica foi instaurada, e isso em um contexto terrível e de violência. Como diz Derrida (1990), as revoluções são elas mesmas ininterpretáveis e indecifráveis na sua própria violência. Exemplos claros desses momentos revolucionários transgressores, violentos e instituidores de uma nova ordem podem ser a Independência dos Estados Unidos, em 1776, a Revolução Francesa, em 1789, e também a Revolução Russa, em 1917, ainda que esta não tenha sido liberal (Apud CHUEIRI, 2010). Para o direito, tradicionalmente, o poder constitucional é a fonte da nova ordem constitucional. É o poder de formular uma nova constituição da qual o poder constituinte deriva sua estrutura. Dessa perspectiva, os países constituintes estabeleceram uma nova ordem jurídico-constitucional. Lembre-se de que toda constituição pressupõe soberania e estado constituinte, e todos os outros poderes do estado devem estar sujeitos a isso. Joseph Sieyés, desenvolveu a Teoria do Poder Constituinte. Para Sieyés (1997), a Constituição pressupõe, antes de tudo, um poder constituinte, representante da soberania popular. Ou seja, os poderes resultantes da Constituição estão e são submissos a um poder constituinte anterior, a vontade soberana popular, e, portanto, tal poder não estaria vinculado a nada mais a não ser a sua própria vontade (SIEYÉS, 1997). No entanto, é importante destacar que a ideia de soberania, para Sieyés, fundava-se na soberania nacional, e não na soberania popular, pois para ele a idéia de povo estaria subsumida na ideia de nação. Isto porque, para o abade francês, o conceito de nação estava ligado à imagem do Terceiro Estado, e este se sobrepunha ao Clero e à Nobreza (Apud CHUEIRI, 2010). 28 Ao mesmo tempo, o filósofo político Antonio Negri (2002, p. 07-24) rediscutiu o poder constituinte e o concebeu de forma bastante radical. Para ele, o poder constituinte não se manifesta apenas como fonte universal e extensa de normas constitucionais que produzem todo o ordenamento jurídico (NEGRI, 2002). Os filósofos também o consideram o sujeito dessa produção, dessa mesma atividade onipotente e expansiva (NEGRI, 2002). Negri mostra como é complexa a tarefa de organizar o poder como tema político e política democrática. Para ele, falar de poder constituinte é falar de democracia. E qualificar constitucional e juridicamente o poder constituinte não será simplesmente produzir normas constitucionais e estruturar poderes constituídos, mas, sobretudo, ordenar o poder constituinte enquanto sujeito, a regular a política democrática" (NEGRI, 2002). Para Alexandre de Moraes, “o poder constituinte é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado.” Ari Queiroz diz que “o poder constituinte é o poder de elaborar ou reformar uma Constituição”. Podemos concluir que o poder constituinte é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado. É o poder constuinte o instituidor do Estado, criandor de uma estrutra política que pssibilita a convivência do homem em sociedade. 29 7 PODER CONSTITUINTE X PODERES CONSTITUÍDOS. Fonte: br.freepik.com O poder constituinte está acima dos poderes constituídos, não devendo ser cofundido com nenhum deles. Para Abade Sieyès a concepção de poder constituinte está associada à ideia de poder originário, autônomo e onipontente. Esse poder constituinte surge como forma de realizar uma luta contra o regime monárqico absolutista que existia na França. Nesse sentido, a nação estaria livre para criar uma Constituição, já que não se sujeitaria a formas, limites e condições preexistentes. 7.1 Espécies de Poder Constituinte: Origináiro: 30 AGENTE: É o poder que elabora uma nova Constituição. Estabelece uma nova ordem jurídica fundamental para o Estado em substituição à anteriormente existente. A vontade da maoioria pode ser expressada por eleições ou por uma revolução; Explica uma nova ordem fundamentela, jurídica, políticade uma sociedade; O poder constituinte originário é ilimitado, não se subordina a qualquer regra jurídica anterior: É um poder soberano. É absoluto. Poder de Fato Não está condicionado a qualquer limitação de ordem jurídica; Não se resume ao direito positivo. O poder constituinte originário é: a) Inicial – dá origem a uma nova ordem constitucioanl; b) Ilimitado ou autônomo – não se submete a nenhuma ordem jurídica, podendo dispor sobre qualquer assunto; c) Incondicioando – não tem fórmula preestabelecida para sua manifestação. Titularidade: O povo que elabora uma nova Constitição por intermédio de representantes legitimamente eleitos. Assembléia Constituinte 31 Conceito: É o poder de modificação da Constituição, bem como o poder do Estado-Membro, de uma Federação de elaborar sua própria Constituinte de reforma como o poder constituinte decorrente. N Trata-se de um poder de direito, pois instituído pelo poder constituinte originário. Deve manifestar-se de acordo com as limitações previstas na Constituição. Características: a) Subordinado b) Condicioando c) Secundário d) Limitado Derivado de reforma ou reformador: É o poder de modificação das normas constitucionais. A atual Constituição brasileira estabelece duas formas de alteração, por intermédio de emendas à Constituição e pela revisão constitucional. O poder de revisão, no caso do Brasil, previsto no Art. 3º do ADCT, possibilitou alterações na CF/88 pelo quorum da maioria absoluta. – norma exaurida. Art. 60 da CF – as emendas são modificações de certos dispositivos constitucionais, exigindo-se para a aprovação maioria de 3/5 em ambas as casas do Congresso Nacional, em dois turnos de votação. Podem propor emendas: NATUREZA :: : 32 1/3 de deputados ou senadores; Presidente da república; Mais da metade das assembléias legislativas do País, Para aporvar: Art. 60, § 2º Voto de 3/5 dos deputados e senadores – dupla votação em cada casa; Promulgar - § 3º do art. 60; Cláusulas pétreas - § 4 do art. 60; Poder constituinte reformador é de direito – previsto na própria constituição. Formais ou temporais – Certas Constituições não podem ser modificadas durante determinado período após a sua promulgação ou só admitem a aprovação de alteraçõa de tempos em tempos; Circunstanciais – certas Constituições não podem ser alteradas em determinadas situações de instablidade política: Intervenção Federal a qualqer Estado – membro; Art. 34 CF; Estado de sítio: Art. 136 CF; Estado de defesa: Art. 137. Materiais: Determinadas matérias não podem ser objeto de modificação; (Art. 60, § 4º). Forma federativa de Estado – Art. 1º; Voto direto, secreto, universal e periódico – Art. 14; Separação dos poderes – Art. 2º; Direitos e garantias individuais – Art. 5º LIMITAÇÕES: 33 Procedimentais – a própria Constituição estabelece o rito para a sua alteração. É o poder exercido pelos Estados – membros de uma Federação de elaborar sua própria Constituição; Art. 25 C.F; Aos municípios – Cabe elaborar a Lei Orgânica – Art. 29 – obedecendo os princípios da Constituição Federal e da Constituição Estadual. Distrito Federal – Art. 32 – Lei Orgânica – tem competência legislativa reservadas aos Estados e Municípios. Difuso: Mutações Constitucionais – processos informais de modificação da própria Constituição. Sem alterar o enuncialdo formal, a letra do texto constitucional, modifica-se o entendimento da norma constitucional. A titularidade permanece do povo, mas é exercido pelos órgãos do poder constituído por meio de interpretação administravita ou judicial. DIFERENÇAS ENTRE AS FORMAS DE MODIFICAÇÕES DA CONSTITUIÇÃO: Emenda – é a materalização da reforma constitucional; Reforma – alterações feitas, observando o procedimento estabelecido pelo poder originário; Revisão – procedimento preventivo, confome estabelecido pelo poder originário, que pode ser modificada ou não; 34 Mutação – processo feito pelos tribunais na interpretação da norma constitucional, não altera o texto e sim o entendimento. 8 DEMOCRACIA: PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA Fonte: www.preparaenem.com/politica/democracia Lima (2008) preceitua que entende-se por cidadania a materialização dos direitos civis, políticos e sociais na vida dos sujeitos. Vai além do simples legalismo, implicando um sentimento de pertencimento e empoderamento para intervir na realidade. Democracia pode ser definida com uma das formas de participação popular existentes. Trata-se de um sistema político baseado no voto popular para a eleição de representantes legislativos e executivos. A palavra democracia é originária do termo grego demokratia que é composta por demos, que significa povo, e kratos, que significa poder. A cidadania passa ainda pela tecnologia e informação de modo a possibilitar aos sujeitos sociais o “melhor acontecimento do direito” (TAPAJÓS, 2006). Além 35 disso, a cidadania é expressa também pela participação, a qual não se resume somente com o voto. Para a efetivação da cidadania os sujeitos sociais necessitam criar e ocupar espaços legítimos de participação e poder. Além do fato de a participação da sociedade em espaços realmente deliberativos ser uma conquista gradual, também, há que lidar-se com interesses contrários a esses espaços, dos quais a sociedade civil é parte. São constantes as contradições e correlações de forças com as quais a sociedade lida constantemente para a sua evolução em termos de igualdade de direitos (LIMA, 2018). A simples criação de leis não significa, portanto, a sua concretização cotidiana, uma vez que a existência de leis não garante a sua “incorporação cultural” pelos sujeitos (COUTO, 2004; TELLES, 2001). Nesse contexto, a existência das leis não basta, porém, somos desafiados por regras e relações sociais. Um exemplo do que estamos falando acerca de cidadania, participação e materialização das leis na vida dos sujeitos é o processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, chamada de Constituição Cidadã. Não por acaso é chamada dessa forma. Foram muitas mobilizações de órgãos da sociedade civil organizada por meio de ONGs, sindicatos de classes, movimentos sociais, entidades de classes que contribuíram e negociaram intensamente para a garantia constitucional de direitos aos cidadãos brasileiros (LIMA, 2018). O contexto vivido na primeira metade da década de 1980 do século XX era de transição do período militar para o governo democrático. Em 1985 ocorreu a primeira eleição para a presidência da república. Foi o resultado de intensas manifestações pelas “Diretas Já”, apesar de ainda ter ocorrido sob medidas restritivas da época da ditadura militar, ou seja, não foram eleições diretas como as que temos hoje. Foram, no entanto, parte de um importante processo de democratização no país (LIMA, 2018). Nessa eleição foi eleito o presidente Tancredo Neves e seu vice, José Sarney. Contudo, Tancredo faleceu, assumindo a presidência o vice-presidente eleito. Havia, então, um intenso movimento de toda a sociedade que pressionava o governo militar pelas “Diretas Já”. Além disso, a comunidade internacional também 36 pressionou o Brasil para garantir os direitos de seus cidadãos. Tudo isso aliado à instabilidade econômica que atrapalha o crescimento econômico do país. Os movimentos sociais ganharam forças suficientes para a garantia de muitos pleitos na elaboração da nova Constituição Brasileira. Foram intensos processos de participação popular construindo propostas e pressionado, inclusive presencialmente, o Congresso Nacional em Brasília.Muitos grupos de pessoas acampavam na Capital como forma de pressão popular (LIMA, 2018). Ainda conforme a autora, com a promulgação da Constituição Cidadã em 1988 o Brasil construía alicerces importantes para a garantia de direitos de forma igualitária a todos. Mas, como você já sabe, não basta estar escrito, e sim, é preciso dar legitimidade ao que está posto. Para isso, são necessárias a informação e a divulgação dos direitos garantidos constitucionalmente. Foi e ainda é um processo gradual a consolidação daquilo que está definido na Constituição Brasileira. O conflito entre a falta de recursos para garantir o acesso às políticas públicas e a falta de implementação de políticas de qualidade adequada ainda persiste. Deve ser levado em consideração aqui as disputas de interesses de projetos políticos de sociedade divergentes que também ocorriam na época da promulgação da Constituição Federal de 1988. Ao mesmo tempo em que se garantiam direitos pela pressão popular, o contexto de recessão estava presente, assim como as pressões internacionais que exigiam, contraditoriamente a garantia de direitos constitucionais, menos “gastos” com políticas públicas no Brasil. Podemos dizer que não há cidadania sem a garantia material dos direitos, mas para que isso ocorra a participação sob diversas formatações é fator primordial, vindo antes mesmo da cidadania, mas para ser possível participar de algo que não temos conhecimento e informações que nos subsidiem é condição primeira que haja a disseminação de informações e a constante construção de conhecimento acerca de temas de interesse social para que a participação seja efetiva e promissora de conquistas de direitos. 37 A sociedade de classes em que vivemos, atualmente, promove constantes embates entre grupos de classes sociais diferentes, marcando a existência de correlações de forças opostas. Nesse cenário, faz-se necessária a análise constante da realidade, balizada pela força da história socialmente construída e suas contradições, sob pena de banalização de injustiças sociais e retomada de forças contrárias às conquistas duramente garantidas constitucionalmente, como, por exemplo, a igualdade, a cidadania e a democracia minimamente consolidadas neste país (LIMA, 2018). A participação da sociedade em espaços democráticos e deliberativos foi sendo enraizada institucionalmente, gradativamente, após a Constituição de 1988. Ao mesmo tempo, nada seria instituído sem a participação massiva da sociedade para garantir que tais instâncias deliberativas e consultivas fossem viabilizadas. Mas a participação efetiva em temas de interesse social somente é possível mediante a informação e compreensão dos temas discutidos e deliberados. A informação empodera os sujeitos sociais para a verdadeira transformação daquilo que se pretende. Caso não haja a democratização do acesso à informação, há o risco de passividade e manipulação de interesses coletivos em detrimento de interesses privados. Tendo em vista a conjuntura política e econômica do país na contemporaneidade, tendemos a questionar o poder do povo em transformar sua realidade de desigualdades e de exploração pelos detentores do capital. Porém, ao analisar a construção histórica da nossa sociedade, especialmente na segunda metade do século XX, você pode constatar que as conquistas dos interesses coletivos da sociedade foram possíveis com a organização social e com a participação massiva daqueles que buscavam uma sociedade justa e igualitária. O que vivenciamos, no cenário político e econômico do Brasil contemporâneo, vai de encontro as conquistas constitucionais duramente garantidas pela sociedade na década de 1980. Podemos dizer que vivemos claramente a estruturação de um projeto de sociedade que tem como pano de fundo a ideologia neoliberal na qual os direitos sociais são entendidos como despesas ao erário público. As reformas políticas 38 e econômicas em andamento no Brasil de hoje visam à manutenção do status quo de classes sociais detentoras do poder político e econômico do país em detrimento dos direitos da população trabalhadora das classes sociais e econômicas menos favorecidas (LIMA, 2018). As principais características dessa concepção de desenvolvimento de uma sociedade nessa lógica neoliberal são, segundo Lima (2018): o Estado mínimo, ou seja, menos investimentos em políticas públicas para que haja a menor intervenção estatal, privatizações e concessões como formas de “equilibrar as contas públicas”, eficiência e eficácia, utilizando cada vez menos mão de obra e exigindo maior polivalência do trabalhador, terceirização, aumento de impostos e retirada de direitos dos trabalhadores. 8.1 Modelos de democracia Fonte: https://bomdia.lu 8.1.1 Democracia direta 39 O sistema segundo o qual os cidadãos debatem em público e deliberam questões relativas aos seus interesses pessoais ou coletivos pode ser chamado de democracia direta (PORTELLA, 2020). Uma das principais características da democracia direta é o fato de a população não delegar o seu poder de decisão, pois o cidadão expressa, de maneira pessoal e direta, a sua opinião. Era assim que aconteciam as assembleias atenienses nas praças públicas, de forma horizontal. Esse modelo funcionou na Grécia Antiga da forma como foi criado, pois o seu contingente populacional era pequeno, permitindo que se reunissem em praça pública, de modo que todos pudessem participar na assembleia. À medida que as sociedades se avolumavam numericamente e a organização da sociedade se tornava mais complexa, o sistema da democracia direta foi se tornando inviável. Afinal, como se viabilizaria, por exemplo, a contabilização dos votos de uma população abundante? Assim, em razão da impossibilidade de se operacionalizar a democracia direta em grandes sociedades, surgiu a chamada democracia representativa (PORTELLA, 2020). Ainda segundo a autora, na atualidade, o modelo aplicado na Suíça é o maior exemplo de democracia semidireta que existe. Ele é assim classificado porque coexistem dois sistemas democráticos: o direto, em que a população participa diretamente da tomada de decisões, e o representativo, por meio dos deputados eleitos. O sistema suíço prevê uma prática de consulta popular bem intensa, pois ao menos quatro vezes ao ano os suíços recebem, nas suas residências, envelopes requerendo a opinião dos cidadãos em determinados assuntos. Ou seja, nesse modelo, a participação da população sobre a política do País é muito forte, característica inerente à democracia direta. No Brasil, a democracia direta se manifesta por meio de instrumentos ainda pouco utilizados, apesar de normatizados na Constituição Federal, que assim define (BRASIL, 1988): Art. 14 A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: 40 I — Plebiscito; II — Referendo; III — Iniciativa popular. 8.1.2 Democracia representativa Atualmente, quando falamos em democracia, fazemos referência à democracia representativa na maioria das vezes. Esse modelo elege os seus governantes por meio do voto popular por um período de tempo determinado, em que o cidadão delega o seu poder de decisão para uma pessoa que o representará perante as decisões políticas, ou seja, legitimado pela soberania popular. De forma bem sucinta, esse seria um bom conceito para democracia representativa, sem desconsiderar a existência da democracia direta. No entanto, como visto anteriormente, ela se torna de difícil operacionalização em grande escala (PORTELLA, 2020). De forma majoritária, o conceito moderno de democracia representativa é conhecido pela forma de democracia eleitoral e plebiscitária existente. Essa noção de democracia está diretamenteligada ao ideal de participação popular que começou a ser difundido ainda na Grécia Antiga. Nas monarquias absolutistas, durante a Idade Média, a representatividade começou a se formar, dando início ao que temos hoje como modelo de representação. Naquele tempo, os reis convocavam grandes assembleias para tomar importantes decisões. Como a população já era mais numerosa e encontrava-se espalhada, as localidades enviavam representantes para as assembleias. Essas pessoas corriam a comunidade buscando reclamações e solicitações endereçadas ao rei. As reclamações e solicitações eram lidas pelo representante na presença de todos, sendo que o rei respondia a cada uma das questões propostas e, de posse das respostas, o representante devolvia o resultado para a comunidade (PORTELLA, 2020). A forma da representatividade evoluiu quando os reis começaram a precisar de mais recursos para manter a máquina do Estado, que dependia diretamente do consentimento das pessoas. Foi quando surgiu, mais precisamente na Inglaterra, a 41 decisão do rei para que os representantes tomassem decisões em nome da comunidade. Com o passar dos séculos, o poder dos representantes só aumentou, e a questão dos representantes acabou se associando, de forma definitiva, ao conceito de democracia que se entende no mundo ocidental. O Brasil é uma democracia representativa, apesar de possuir instrumentos da democracia direta à disposição. Podemos depreender essa definição do texto do art. 1º da Constituição Federal, que trata o Brasil como uma república democrática, em que todo poder pertence ao povo, que pode exercê-lo diretamente ou por meio dos seus representantes. Para Bonavides (2006), tal modelo tem, hoje, como principais bases: A soberania popular, o sufrágio universal, a observância constitucional, o princípio da separação dos poderes, a igualdade de todos perante a lei, a manifesta adesão ao princípio da fraternidade social, a representação como base das instituições políticas, limitação de prerrogativas dos governantes, Estado de Direito, temporariedade dos mandatos eletivos, direitos e possibilidades de representação, bem como das minorias nacionais, onde estas porventura existirem. Um componente muito importante da democracia representativa são os partidos políticos que, além de mediarem os interesses dos órgãos representativos, têm papel decisivo na mediação entre os cidadãos e seus representantes, pois, pelo menos no Brasil, é necessário um mandato partidário. Todas as formas de governo têm os seus prós e contras e, com a democracia representativa, não poderia ser diferente. Podemos começar destacando a vantagem que a representatividade tem em relação à democracia direta, pois a tomada de decisão é muito mais simples e rápida, visto estar centralizada em apenas algumas pessoas, não em todas as pessoas que compõem um país. Devemos considerar também que, ao delegar o exercício do poder aos seus representantes, o povo entrega nas mãos de pessoas teoricamente mais preparadas e mais experientes a tomada de decisões sobre temas importantes e com impacto em toda a sociedade. Esse mesmo fato de o poder ser entregue nas mãos de poucos pode gerar a dúvida da facilidade de manipulação na busca de determinados interesses. Nesse tipo de sistema 42 representativo, são deflagrados os maiores casos de corrupção, chegando o povo, em algumas situações, a ser prejudicado por aqueles que deveriam defender seus interesses (PORTELLA, 2020). Finalmente, para que a democracia representativa cumpra o papel que se espera dela, é necessária a atualização constante dos representantes que ocupam cargos públicos por meio de votação na opinião pública, pelo que se estipula que os representantes exerçam suas atribuições em prazo determinado e sejam reeleitos. 8.1.3 Democracia participativa Para Portella (2020) a democracia participativa está colocada entre a democracia direta e a representativa, pois ela se apresenta por meio da manifestação de instrumentos característicos de cada uma delas. O principal objetivo da democracia participativa é fazer o cidadão participar, cada vez mais e de forma mais intensa, das questões políticas. Outra importante finalidade é fazer o maior número de pessoas ser ouvido, uma vez que a democracia representativa possui essa barreira na sua concepção, para que sejam desenvolvidas ações para atender à necessidade de todos. Ou seja, por meio desse modelo, aplicável às sociedades modernas e contemporâneas, não se tenta reunir toda a população em uma assembleia, ao passo que não ficam todas as decisões por conta dos representantes do povo. Esse modelo se apresenta como uma alternativa ao modelo representativo, que, com o passar do tempo, vem dando indícios de que não consegue mais abranger tantas demandas da sociedade. Cada vez mais, existe na democracia brasileira o desejo de que a população participe das questões políticas do País, colocando em prática a definição de democracia, que diz que todo poder emana do povo, por meio de um modelo que valoriza o princípio básico da democracia, deixando o povo como protagonista de importantes decisões que impactam a sociedade. A democracia participativa se utiliza de instrumentos — como referendos, plebiscitos, iniciativa popular e orçamentos participativos — para engajar a população nas questões políticas (PORTELLA, 2020). 43 Para Antonio Lambertucci (2009, p. 71): A participação social [...] amplia e fortalece a democracia, contribui para a cultura da paz, do diálogo e da coesão social e é a espinha dorsal do desenvolvimento social, da equidade e da justiça. Acreditamos que a democracia participativa revela-se um excelente método para enfrentar e resolver problemas fundamentais da sociedade brasileira. Atualmente, busca-se a gestão democrática como forma de viabilizar a participação popular junto às políticas públicas, que devem ser formadas com a participação direta da sociedade. A gestão democrática se caracteriza pela relação entre a sociedade e o governo, com base no modelo participativo, valorizando a função da sociedade também como gestora, colocando em destaque o princípio fundamental da democracia, que é a participação popular. É importante mencionarmos que a tecnologia é uma grande aliada da democracia representativa. As novas tecnologias que possibilitam a informação e a comunicação, especialmente a internet, prestam um grande favor à sociedade ao disseminar, de forma rápida, informações relevantes e urgentes, e também ao permitir a reunião de um grande número de pessoas em torno de uma mesma discussão, mesmo que as pessoas estejam longe ou espalhadas (PORTELLA, 2020). 44 9 CONSTITUCIONALISMO, DEMOCRACIA E CIDADANIA Fonte: pt.dreamstime.com Agora que já vimos o Constitucionalismo e suas particularidades podemos passar ao estudo da integração entre constitucionalismo, democracia e cidadania. Passamos então ao conceito de cada um: CONSTITUCIOANLISMO: Regime político no qual o poder executivo é limitado por uma constituição. DEMOCRACIA: Forma de governo em que o Povo exerce a soberania. CIDADANIA: Qualidade de ser cidadão, e consequentemente sujeito de direitos e deveres. Cidadão - Condição de pessoa que, como membro de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar da vida política. Podemos agora fazer uma ligação entre as três palavras. Primeiramente para que um estado seja DEMOCRÁTICO o povo precisa exercer a sua CIDADANIA, e ambas são garantias CONSTITUCIONAIS. 45 CIDADANIA CONSTITUCIONALISMO DEMOCRACIA Destaca-se que o Constitucionalismo é uma tendência do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, perceba que a ideia de constitucionalismo, se une a de Democracia, pois regulamenta
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