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CapiTULO 5 O Desenvolvimento ao Longo do Ciclo da Vida Durante nossa jornada pela vida - do útero ao túmulo -. quando e como nos desenvolvemos? De modo geral, todos começamos a andar por volta de 1 ano de idade e a falar por volta dos 2 anos. Quando crianças, cada um de nós se engaja em jogos sociais em preparação para o traba lho da vida. Quando adultos, todos sorrimos e choramos, amamos e odiamos e, ocasional mente, pensamos no fato de que morreremos algum dia. A psicologia do desenvolvimento examina como as pessoas estão continua mente se desenvolvendo - em termos físicos, cognitivos e sociais -, da infância à velhice. Grande parte de suas pesquisas concentra-se em torno de três questões principais: 1. N atu re z a /cu ltu ra : Até que ponto a herança genética (nossa natureza) e a experiência (os fatores externos de nossa cultura) influenciam nosso desenvolvi mento? 2. Continuidade/estágios: O desenvolvi mento é um processo contínuo e gradual, como andar em uma escada rolante, ou algo que acontece em uma seqüência de estágios separados, como subir os degraus de uma escada? 3. Estabilidade/mudança: Será que nossos traços de personalidade iniciais persistem durante a vida, ou nos tornamos pessoas diferentes à medida que envelhecemos? No Capitulo 4, abordamos a questão “natureza/cultura". Neste capítulo, refle tiremos sobre as questões referentes à “continuidade" e à “estabilidade”. psicologia do desenvolvimento ramo da psicologia que estuda as mudanças físicas, cognitivas e sociais ao longo da vida. Desenvolvimento Pré-Natal e o Recém-Nascido 1: Como a vida se desenvolve antes do nascimento? \ Concepção Nada é mais natural do que a reprodução da espécie. E nada também é mais extraordinário. Considere a reprodução humana. O processo começa quando o ovário da mulher libera um óvulo maduro, uma célula com o tamanho aproximado do ponto no final desta frase. A mulher nasce com a totalidade dos óvulos que terá durante toda a vida. No nascimento, eles são imaturos, e apenas 1 em 5.000 chegará a ser um óvulo maduro e será liberado. O homem, em contraste, começa produzindo espermato zóides na puberdade. O processo de produção continua 24 horas por dia, pelo resto da vida, embora a taxa de produção - mais de 1.000 espermatozoides durante o segundo que leva para ler esta frase - diminua com a idade. Como viajantes do espaço se aproximando de um enorme planeta, os 200 milhões ou mais de espermatozoides depositados durante o ato sexual começam a corrida em direção a uma célula 85.000 vezes maior do que eles. Os relativamente poucos que conseguem che gar ao óvulo liberam enzimas digestivas que corroem o invólucro do óvulo, permitindo a penetração do espermatozóide (FIGURA 5.1). Assim que um espermatozoide começa a penetrar, a superfície do óvulo impede a entrada de outros. Antes que metade de um DESENVOLVIMENTO PRÉ-NATAL E O RECÉM-NASCIDO Concepção Desenvolvimento Pré-Natal O Recém-Nascido Competente PRIMEIRA E SEGUNDA INFÂNCIAS Desenvolvimento Físico Desenvolvimento Cognitivo A Teoria de Piaget e o Pensamento Atual Em Foco: Autismo e “Cegueira Mental” Desenvolvimento Social ADOLESCÊNCIA Desenvolvimento Físico Desenvolvimento Cognitivo Desenvolvimento Social Idade Adulta Emergente IDADE ADULTA Desenvolvimento Físico Desenvolvimento Cognitivo Desenvolvimento Social REFLEXÕES SOBRE DOIS ASPECTOS SIGNIFICATIVOS DO DESENVOLVIMENTO Continuidade e Estágios Estabilidade e Mudança “A natureza é tudo que um homem traz consigo para o mundo; a cultura são todas as influências que o afetam após o nascimento." Francis Galton, English Men o f Science, 1B74] > F IG U R A 5.1 A vida é sexualmente transmitida (a) Células do esperma circundando um óvulo, (b) Quando um espermatozoide penetra a membrana gelatinosa do óvulo, tem início uma série de eventos químicos que causarão a fusão do espermatozoide e do óvulo em uma única célula. Se tudo correr bem, essa célula vai se subdividir continuamente para emergir nove meses depois como um ser humano com 100 trilhões de células. dia se passe, o núcleo do óvulo e o espermatozoide se fun dem. Os dois se tomam um. Considere esse o seu momento mais afortunado. Entre 200 milhões de espermatozoides, aquele necessário para fazer você, em combinação com aquele óvulo em particular, ganhou a corrida. Desenvolvimento Pré-Natal Menos da metade dos óvulos fertilizados, denominados zigo- tos, sobrevive além das duas primeiras semanas (Grobstein, 1979; Hall, 2004). Mas para você e para mim, a boa sorte pre valeceu. Cada célula se transformou em duas e depois em qua tro, cada uma exatamente igual à primeira - até essa divisão celular produzir um zigoto de aproximadamente 100 células na primeira semana. Em seguida, as células começaram a se dife renciar - para se especializarem em estrutura e função. Como células idênticas fazem isso - como se uma decidisse “Eu me tornarei o cérebro, você os intestinos!” - é um quebra-cabeça que os cientistas estão apenas começando a solucionar. Por volta de 10 dias após a concepção, os zigotos se prendem à parede do útero da mãe, dando início a um período de apro ximadamente 37 semanas do mais íntimo relacionamento humano. As células internas do zigoto se tornam o embrião (FIGURA 5.2a). Durante as seis semanas seguintes, os órgãos começam a se formar e funcionar. O coração começa a bater. Nove semanas depois da concepção, o embrião parece inequivocamente humano (FIGURA 5 .2c). Ele é agora um feto (termo latino para “prole” ou “o jovem”). No final do sexto mês, órgãos como o estômago estão suficientemente formados para permitir a um feto nascido prematuramente a chance de sobreviver. A essa altura, o feto também já res- Primeira foto conhecida de Michael Phelps MlUlAtL 11 ! ! O Se o cartunista brincalhão fosse fiel à realidade, deveria ter inserido uma segunda seta apontando para o óvulo, ao qual se atribui a outra metade do gen de Michael Phelps. ponde a sons (Hepper, 2005). Leituras microfônicas feitas dentro do útero revelaram que o feto é exposto ao som aba fado da voz da mãe (Ecklund-Flores, 1992). Os bebês, assim que nascem, após passarem cerca de 38 semanas dentro d’água, preferem essa voz à voz de outra mulher ou do pai (Busnel et al., 1992; DeCasper et al., 1984, 1986, 1994). Em cada estágio pré-natal, fatores genéticos e ambientais afetam nosso desenvolvimento. A placenta, que se formou quando as células externas do zigoto se fixaram na parede ute- rina, transfere nutrientes e oxigênio da mãe para o feto e filtra substâncias potencialmente danosas. Mas algumas substân cias conseguem passar, inclusive os teratógenos, que são agen tes nocivos como determinados vírus e drogas. Se a mãe for portadora do vírus HIV, seu bebê poderá ser também. Se for dependente química de heroína, seu bebê nascerá dependente de heroína. Uma mulher grávida nunca fuma sozinha; ela e seu feto experimentam uma redução de oxigênio no sangue e uma dose de nicotina. Se ela for uma fumante inveterada, seu feto pode receber menos nutrientes e nascer abaixo do peso e sob o risco de vários problemas (Pringle et al., 2005). Não há uma quantidade segura de bebida alcoólica conhe cida para uma mulher grávida. O álcool entra na corrente sanguínea da mulher - e do feto - e deprime a atividade do sistema nervoso de ambos. O consumo de álcool durante a gravidez poderá fazer com que seu filho goste de álcool. Ado lescentes cujas mães beberam durante a gravidez correm o risco de virar dependentes de álcool ou alcoólatras. Em expe riências, quando ratas prenhas ingeriam álcool, sua prole mais tarde apresentava preferência pelo odor do álcool (Youn- gentob et al., 2007). Mesmo o consumo leve pode afetar o cérebro do feto (Braun, 1996; Ikonomidou et al., 2000), e o consumo pesado e persistente colocará o feto em risco de defeitos de nascença e retardo mental. Para 1 em 800 bebês, os efeitossão visíveis, como é o caso da síndrome alcoólica fetal (SAF), que gera uma cabeça pequena e desproporcional e anomalias cerebrais perpétuas (May e Gossage, 2001). D e se n vo lv im e n to p ré -n a ta l z ig o to : da co n cep ção a 2 sem anas e m b rião : de 2 a 8 sem anas fe to : de 9 sem anas a té o na sc im e n to “Conceberás e darás à luz um filho. De hoje em diante não bebas vinho nem qualquer bebida fermentada | I " Ju iz e s 13:7 (a) (b) (c) (d) > FIGURA 5.2 Desenvolvimento pré-natal (a) O embrião cresce e se desenvolve rapidamente. Aos 40 dias, a espinha dorsal é visível e os braços e as pernas estão começando a crescer, (b) Cinco dias mais tarde, as proporções do minúsculo embrião começam a mudar. O restante do corpo agora está maior do que a cabeça, e os braços e as pernas cresceram consideravelmente, (c) No final do segundo mês, quando começa o período fetal, as características faciais, as mãos e os pés estão formados, (d) Quando o feto entra no quarto mês, ele cabe na palma da sua mão. O Recém-Nascido Competente diante de estímulos familiares nos oferece uma forma de per guntar aos bebês o que eles veem e do que se lembram. 2 : Quais são algumas das habilidades dos recém- nascidos, e como os pesquisadores investigam as habilidades mentais dos bebês? Após superar os perigos pré-natais, o recém-nascido vem equi pado com reflexos perfeitamente adequados para a sobrevi vência. Ele retrai os membros para escapar da dor. Se um pano sobre o rosto impede a respiração, ele vira a cabeça de um lado para o outro até retirá-lo. Aqueles que são pais pela primeira vez sempre se surpre endem com a seqüência coordenada de reflexos com a qual seus bebês recebem os alimentos. Quando algo toca suas bochechas, os bebês abrem a boca e vigorosamente fazem a rotação da cabeça para buscar o mamilo. Encontrando um, eles automaticamente fecham a boca em torno dele e come çam a sugar - o que por sua vez exige uma seqüência coorde nada de controle da língua, deglutição e respiração. Não con seguindo obter a satisfação, o bebê faminto pode chorar - um comportamento que os pais acham desagradável e muito recompensador aliviar. O pioneiro psicólogo americano William James supunha que as experiências dos recém-nascidos fossem um “emara nhado de confusões”. Até a década de 1960, poucas pessoas discordavam. Dizia-se que, à parte um borrão sem sentido de sombras claras e escuras, os recém-nascidos não podiam ver. Então, os cientistas descobriram que os bebês podem nos dizer muito - se soubermos como perguntar. Para per guntar, devemos aproveitar o que o bebê pode fazer - olhar fixamente, sugar, virar a cabeça. Assim, munidos de máqui nas que podem mapear o olhar e chupetas ligadas a meca nismos eletrônicos, os pesquisadores partiram para respon der a antigas perguntas dos pais: o que meu bebê pode ver, ouvir, cheirar e pensar? Uma técnica que os pesquisadores do desenvolvimento utilizam para responder a essas perguntas é uma forma sim ples de aprender chamada habituação - uma diminuição da capacidade de resposta com estimulação repetida. Um novo estímulo recebe atenção quando apresentado pela primeira vez. Mas quanto mais frequentemente o estímulo for apre sentado, mais fraca se tornará a resposta. Esse tédio aparente “Eu me senti como um homem preso em um corpo de mulher. Em seguida, nasci." Chris Bliss, comediante zigoto óvulo fertilizado; entra em um período de 2 semanas de rápida divisão celular e desenvolve-se em um embrião. embrião organismo humano em desenvolvimento cerca de 2 semanas após a fertilização até o segundo mês. feto organismo humano em desenvolvimento de 9 semanas após a concepção até o nascimento. teratógenos agentes, como produtos químicos ou vírus, que podem afetar o embrião ou o feto durante o desenvolvimento pré-natal e causar danos. síndrome alcoólica fetal (SAF) anomalias físicas e cognitivas em crianças causadas pelo consumo pesado de álcool pela gestante. Em vários casos, os sintomas incluem deformidades perceptíveis na face. habituação resposta diminuída com estímulo repetido. À medida que os bebês ganham familiaridade com a exposição repetida a estímulos visuais, seu interesse diminui e eles desviam o olhar rapidamente. Janine Spencer, Paul Quinn e seus colegas (1997; Quinn, 2002) usaram um procedimento de preferência por novidade para perguntar a bebês de quatro meses como eles reconhe ciam gatos e cachorros. Os pesquisadores primeiro mostra ram aos bebês uma série de imagens de gatos ou de cachor ros. Qual dos dois animais na FIGURA 5 .3 você acha que os bebês identificaram como novidade (medido em tempo gasto olhando) depois de verem uma série de gatos? Foi o animal híbrido com a cabeça de cachorro (ou com a cabeça de gato, se tivessem visto previamente uma série de cachor ros). Isso sugere que os bebês, assim como os adultos, foca lizam primeiro o rosto e não o corpo. i » J ' 1 ANTES DE PROSSEGUIR... > FIGURA 5.3 Responda rápido: qual deles é o gato? Os pesquisadores utilizaram imagens de um híbrido de cão e gato para testar como os bebês categorizam os animais. > Pergunte a Si Mesmo Você ficou surpreso em saber sobre as competências dos bebês? Ou você “já sabia de tudo”? > T este a S i M esmo 1 Sua amiga - consumidora regular de álcool - espera engravidar em breve e parou de beber. Por que essa é uma boa ideia? Que efeitos negativos o álcool consumido durante a gravidez pode ter em uma criança em desenvolvimento? As respostas às Questões “Teste a Si Mesmo" podem ser encontradas no Apêndice B, no final do livro. Na verdade, nascemos com preferências pelos locais e sons que facilitam a resposta social. Quando recém-nascidos, viramos nossa cabeça em direção às vozes dos humanos. Olhamos fixamente por mais tempo para um desenho com uma imagem que lembra uma face (FIGURA 5 .4 ) do que para os padrões de figuras esquemáticas com olhos; olhamos mais para os padrões de figuras esquemáticas com olhos - cujos contrastes são muito mais parecidos com o olho humano - do que para um disco sólido (Fantz, 1961). Preferimos olhar para objetos a uma distância de 20 ou 30 centímetros, que é a distância aproximada entre os olhos de um bebê e os olhos da mãe que o amamenta (Maurer e Maurer, 1988). Com poucos dias de vida, as redes neurais de nosso cére bro são marcadas com o cheiro do corpo de nossa mãe. Assim, um lactente com uma semana de vida, colocado entre um chumaço de gaze proveniente do sutiã de sua mãe e de outro chumaço proveniente de outra mãe que também amamenta, geralmente irá virar-se em direção ao cheiro do chumaço da própria mãe (MacFarlane, 1978). Com 3 semanas, se lhe derem uma chupeta que toca uma gravação ora com a voz da mãe ora com a voz de outra mulher estranha, o bebê sugará mais vigorosamente quando ouvir a voz agora familiar de sua mãe (Mills e Melhuish, 1974). Então, quando bebês, não apenas podemos ver o que precisamos, e cheirar e ouvir bem, como também já estamos usando nosso equipamento sen sorial para aprender. Primeira e Segunda Infâncias DURANTE A PRIMEIRA INFÂNCIA, O BEBÊ CRESCE de recém- nascido a criança, e durante a segunda infância, de criança a adolescente. Veremos como todos nós percorremos esse cami nho e nos desenvolvemos física, cognitiva e socialmente. Desde a primeira infância, o cérebro e a mente - o hardware neural e o software cognitivo - desenvolvem-se juntos. "É um raro privilégio observar o nascim ento, o crescim ento e as prim eiras e frágeis conquistas de uma mente hum ana cheia de vida.” Annie Sullivan, em The Story o í My Life, 1903, de Helen Keller Desenvolvimento Físico 3 : Durante a primeira e segunda infâncias, como o cérebro e as habilidades motoras se desenvolvem? >- FIGURA 5.4 A preferência do recém-nascido por faces Diante destes dois estímulos com os mesmos elementos, bebês italianos passaram quase o dobro do tempo olhando para a imagem que se parece com uma face (Johnsone Morton, 1991). Recém-nascidos canadenses - com idade média de 53 minutos em um estudo - apresentam a mesma preferência aparentemente inata de dirigir o olhar para faces (Mondloch et al., 1999). Desenvolvimento do Cérebro Enquanto você estava no útero de sua mãe, seu cérebro estava formando células nervosas a uma taxa explosiva de quase 250 mil por minuto. Na verdade, o córtex cerebral em desen volvimento gera uma superprodução de neurônios, chegando a um número máximo em 28 semanas e depois declinando para um número estável de aproximadamente 23 bilhões ao nascer (Rabinowicz et al., 1996, 1999; de Courten-Myers, 2002). No dia em que nasceu, você tinha a maioria das célu las cerebrais que sempre terá. Contudo, ao nascer, seu sistema nervoso ainda era imaturo: depois do nascimento, as redes neurais que lhe possibilitaram andar, falar e recordar apre sentam um crescimento repentino (FIGURA 5 .5 ). Dos 3 aos 6 anos, a rede neural cerebral cresce com mais rapidez nos lobos frontais, o que possibilita o planejamento racional. Isso ajuda a explicar por que os pré-escolares apresentam uma capacidade em rápido desenvolvimento de controlar sua aten ção e comportamento (Garon et a l, 2008). As áreas de associação - ligadas ao pensamento, à memó ria e à linguagem - são as últimas áreas corticais a se desen- Ao nascer 3 meses 15 meses > FIGURA 5.5 Desenhos de seções do córtex cerebral humano Nos humanos, o cérebro é imaturo ao nascer. À medida que a criança amadurece, as redes neurais ficam cada vez mais complexas. volver. Com isso, surgem as habilidades mentais (Chugani e Phelps, 1986; Thatcher et al., 1987). Feixes de fibras que apoiam a linguagem e a agilidade proliferam na puberdade, a partir da qual um processo de poda reduz o excesso de conexões e forta lece outras (Paus et al., 1999; Thompson et al., 2000). Da mesma maneira como uma flor desabrocha de acordo com seu mapa genético, nós também nos desenvolvemos con forme a seqüência ordenada de processos de crescimento bio lógico geneticamente projetada, denominada m aturação. A maturação determina muitos dos atributos que temos em comum - desde levantar-se antes de andar até usar os artigos definidos antes dos substantivos. Abusos e privações severas podem retardar 0 desenvolvimento. E amplas experiências de pais que falam com os filhos e leem para eles ajudarão a escul pir as conexões neurais. Contudo, as tendências de cresci mento genético são inatas. A maturação estabelece 0 curso básico do desenvolvimento; a experiência 0 ajusta. maturação processos de crescimento biológico que permitem mudanças ordenadas de comportamento, relativamente não influenciadas pela experiência. Nos oito anos após o lançamento em 1994 de uma campanha educacional nos Estados Unidos denominada “Back to Sleep” (Dormindo de Barriga para cima), o número de crianças que dormiam de bruços caiu de 70% para 11% e o número de óbitos por síndrome da morte súbita infantil (SMSI) caiu pela metade (Braiker, 2005). Desenvolvimento Motor O cérebro em desenvolvimento também prepara a coordena ção física. À medida que os músculos e o sistema nervoso de uma criança se desenvolvem, habilidades mais complexas emergem. Com poucas exceções, a seqüência do desenvolvi mento físico (motor) é universal. Os bebês rolam antes de sentarem sem apoio, e geralmente engatinham antes de andar (FIGURA 5 .6 ). Esses comportamentos não refletem imita ção e sim a maturação do sistema nervoso; as crianças cegas também engatinham e andam. Porém, há diferenças individuais no tempo dessa seqüência. Nos Estados Unidos, por exemplo, 25% de todos os bebês andam aos 11 meses de idade, 50% dentro de uma semana depois do primeiro aniversário e 90% por volta dos 15 meses (Frankenburg et al., 1992). A posição recomendada para os bebês dormirem é de barriga para cima (para reduzir 0 risco de morte por asfixia no berço) e foi associada a um início tardio do engatinhar, mas não a atrasos nos primeiros passos (Davis et al., 1998; Lipsitt, 2003). Os genes desempenham um papel decisivo. Gêmeos idên ticos tipicamente começam a sentar e a andar quase no mesmo dia (Wilson, 1979). A maturação biológica - incluindo o rápido desenvolvimento do cerebelo situado na parte pos terior do cérebro - cria nossa aptidão para aprender a andar com aproximadamente 1 ano. A experiência antes desse tempo tem um efeito limitado. Isso é verdade para outras habilidades físicas, incluindo o controle dos intestinos e da bexiga. Antes da maturação necessária dos músculos e dos nervos, nenhum pedido ou punição produzirá um treina mento bem-sucedido para usar o vaso sanitário. - Você consegue se lembrar do seu primeiro dia na pré-escola (ou da festa do seu aniversário de 3 anos)? • >• FIGURA 5.6 Bebês triunfantes Sentar, engatinhar, andar e correr - a seqüência desses marcos do desenvolvimento motor é a mesma no mundo todo, embora os bebês os atinjam em idades diferentes. Maturação e Memória Infantil Nossas primeiras lembranças raramente são anteriores ao primeiro aniversário. Podemos testemunhar isso nas lem branças de um grupo de crianças na pré-escola que viveram uma situação de emergência, em que deveriam evacuar a sala em função de um incêndio causado pela pipoqueira. Sete anos depois, elas conseguiam se lembrar do alarme e do que o causara - se tivessem entre 4 e 5 anos na época. Aquelas que passaram pela mesma experiência aos 3 anos não con seguiam lembrar da causa e normalmente lembravam erro neamente de já estarem fora quando o alarme tocou (Pille mer, 1995). Outros estudos confirmam que a idade média da memória consciente mais antiga é 3,5 anos (Bauer, 2002). Entre 4 e 5 anos, a amnésia infantil cede lugar a experiências lembradas (Bruce et al., 2000). Mesmo na adolescência, as áreas do cérebro subjacentes à memória, tais como o hipo campo e o lobo frontal, continuam seu processo de matura ção (Bauer, 2007). Embora conscientemente nos lembremos de poucas coisas antes da idade de 4 anos, nossa memória estava processando informações durante esses primeiros anos. Em 1965, enquanto terminava seu trabalho de doutorado, Carolyn Rovee-Collier observava a memória de um bebê. Ela acabara de ser mãe e conseguia aliviar as cólicas de seu bebê de 2 meses, Benjamin, balançando um móbile no berço do filho. Cansada de fazer o movimento toda hora, ela prendeu um barbante no móbile e no pé de Benjamin. Logo ele estava mexendo o pezinho para fazer o móbile balançar. Pensando sobre sua experiência doméstica não intencional, Rovee-Collier percebeu que, ao contrário da opinião popular na época, os bebês são capazes de aprender. Para ter certeza absoluta de que o pequeno Ben jamin não era um prodígio, Rovee-Collier precisou repetir a experiência com outros bebês (Rovee-Collier, 1989, 1999). Com certeza, esses outros bebês também logo passaram a chutar mais quando ligados ao móbile, tanto no dia da expe riência propriamente dita quanto no dia seguinte. Eles apren- > FIGURA 5.7 Bebês em ação Bebês de apenas 3 meses podem aprender que mexer a perna movimenta um móbile - e podem reter essa aprendizagem por um mês. (De Rovee-Collier, 1989, 1997.) deram a ligação existente entre mexer as pernas e balançar o móbile. No entanto, se ela prendesse um outro móbile aos bebês no dia seguinte, não se observava aprendizado nenhum. Suas ações indicavam que os bebês lembravam do móbile ori ginal e reconheciam a diferença. Além disso, quando presos a um móbile familiar um mês mais tarde, eles se lembraram da associação e começaram a chutar (FIGURA 5 .7 ). Evidências de processamento precoce também apareceram em um estudo em que fotos de pré-escolares eram apresen tadas a crianças de 10 anos que tinham que identificar nelas seus antigos colegas de turma. Embora tenham reconhecido conscientemente 1 em 5 de seus colegas da época, suas res postas fisiológicas (medidas como perspiração na pele) foram maiores em relação aos ex-colegas,quer eles tenham ou não os reconhecido conscientemente (Newcombe et al., 2000). O que a mente consciente não vê e não consegue expressar em palavras, o sistema nervoso registra de algum modo. Desenvolvimento Cognitivo 4 : Da perspectiva de Piaget e dos pesquisadores atuais, como a mente de uma criança se desenvolve? C ognição refere-se a todas as atividades mentais associadas com o pensamento, o conhecimento, a memória e a comu nicação. Em algum ponto em sua precária jornada “do óvulo à pessoa” (Broks, 2007), você se torna consciente. Quando isso se deu e como a sua mente se desenvolveu a partir daí? O psicólogo do desenvolvimento Jean Piaget passou a vida pesquisando respostas para essas perguntas. Seu interesse começou em 1920, quando trabalhava em Paris desenvol vendo questões para testes de inteligência infantil. Enquanto administrava testes, Piaget ficou intrigado com as respostas erradas formuladas pelas crianças, as quais, ele percebeu, eram surpreendentemente semelhantes entre crianças de determinada idade. Onde outros identificaram erros come tidos pelas crianças, Piaget constatou o funcionamento da inteligência. Meio século dedicado às crianças convenceu Piaget de que a mente da criança não é um modelo em miniatura da mente do adulto. Graças, em parte, a seu trabalho, agora compre endemos que as crianças raciocinam de maneira diferente, de "formas extremamente ilógicas sobre problemas cujas solu ções são evidentes para os adultos” (Brainerd, 1996). “Quem sabe o que pensa uma criança?" Nora Perry, poetisa "A infância tem sua própria maneira de ver, pensar e sentir, e não há nada mais tolo do que tentar substituir seus padrões pelos nossos." Jean-Jacques Rousseau, filósofo, 1790 cognição todas as atividades mentais associadas com o pensamento, o conhecimento, a memória e a comunicação. > FIGURA 5.8 Erros de escala Os psicólogos Judy DeLoache, David Uttal e Karl Rosengren (2004) relatam que bebês entre 18 e 30 meses de idade podem não levar o tamanho de um objeto em conta ao tentar realizar ações impossíveis com eles. À esquerda, um bebê de 21 meses tenta deslizar em um escorrega em miniatura. À direita, um bebê de 24 meses abre a porta de um carrinho de brinquedo e tenta entrar. Piaget sustentava ainda que a mente de uma criança se desenvolve através de uma série de estágios, em uma marcha ascendente desde os reflexos simples do recém-nascido até o poder de raciocínio abstrato do adulto. Uma criança de 8 anos, portanto, compreende coisas que uma criança de 3 anos não pode compreender, tais como a analogia entre “ter uma ideia é como acender uma lâmpada em sua cabeça” ou que um escorrega de brinquedo é pequeno demais para escor regar ou um carro em miniatura é pequeno demais para ela entrar nele (FIGURA 5 .8 ). Da mesma forma, nossa mente adulta produz raciocínios incompreensíveis para crianças de 8 anos. Para Piaget, a força motriz que é subjacente ao progresso intelectual é nossa luta incansável para dar sentido às nossas experiências. Sua ideia central é que “as crianças são pensa- doras ativas, constantemente tentando construir uma com preensão mais avançada do mundo” (Siegler e Ellis, 1996). Com esse propósito, o cérebro em maturação constrói con ceitos a que Piaget denominou esquemas, conceitos ou mol des mentais em cujo interior vertemos nossas experiências (FIGURA 5 .9 ). Quando nos tornamos adultos, já construí mos incontáveis esquemas que vão de cães e gatos até o nosso conceito de amor. Para explicar como usamos e adaptamos nossos esque mas, Piaget propôs dois conceitos. Primeiro, nós assimila- > FIGURA 5.9 Um objeto impossível Olhe cuidadosamente para este "diapasão diabólico". Agora, desvie o olhar para outro lado - ou melhor, primeiro estude-o um pouco mais - desvie o olhar e tente desenhá-lo... Não é tão fácil, é? Como esse diapasão é um objeto impossível, você não possui um esquema para essa imagem. mos novas experiências - interpretadas nos termos das com- preensões que já possuímos (esquemas). Por exemplo, uma criança que possui um esquema simples para vaca pode cha mar todos os animais de quatro patas de vacas. Mas nós tam bém adaptamos, ou acomodamos, nossos esquemas para incorporarem as particularidades das novas experiências. A criança logo aprende que o esquema original para vaca é muito amplo e o acomoda refinando a categoria (FIGURA 5 .10 ). Piaget acreditava que as crianças constroem seu conheci mento interagindo com o mundo, experimentando ondas de Gabriella, de 2 anos de idade, aprendeu o esquema para vaca nos livros infantis. Grabriella vê um alce e o chama de “vaca”. Tenta assim ilar esse novo animal em um esquema existente. Sua mãe, então, diz: “ Não é uma vaca. É um alce.” Gabriella acomoda seus esquemas para animais grandes e peludos e continua a modificá-los para incluir “ mamãe alce”, “bebê alce” e assim por diante. > FIGURA 5.10 Vertendo a experiência em moldes mentais Usamos os nossos esquemas existentes para assimilar novas experiências. Mas, às vezes, precisamos acomodar (ajustar) nossos esquemas para incluir novas experiências. TABELA 5.1 Estágios do D esenvolvimento Co g n itivo , Segundo P iaget Faixa Etária Típica Descrição do Estágio Fenômenos do Desenvolvimento Nascimento até aproximadamente 2 anos Sensório-motor Vivência o mundo através dos sentidos e das ações (vendo, ouvindo, tocando, provando e segurando) • Permanência do objeto • Ansiedade diante do estranho De 2 a 6 anos Pré-operacional Representa coisas com palavras e imagens; usa a intuição em vez do raciocínio lógico • Brincadeira de faz de conta • Egocentrismo Em torno de 7 a 11 anos Operacional concreto Pensamento lógico sobre eventos concretos: entende analogias concretas e efetua operações aritméticas • Conservação • Transformações matemáticas Em torno de 12 anos até a idade Operacional formal • Lógica abstrata adulta Raciocínio abstrato • Potencial para raciocínio moral amadurecido mudança, seguidas por maior estabilidade, à medida que avançam de um patamar cognitivo para outro. Ele conside rava que esses patamares formavam estágios. Vamos exami nar os estágios de Piaget à luz do pensamento atual. esquemas conce ito ou estru tura que organiza e in te rp re ta inform ações. assim ilação in te rpre tação de novas experiências em term os dos esquemas existentes. acom odação adaptação dos nossos entend im entos atuais (esquem as) para incorpora r novas inform ações. estág io sensório -m otor na teoria de Piaget, o estágio (do nascim ento até aproxim adam ente 2 anos) durante o qual os bebês conhecem o m undo principa lm ente através de suas impressões sensoriais e ativ idades motoras. permanência do ob je to a consciência de que os objetos continuam a existir mesmo quando não são vistos. A Teoria de Piaget e o Pensamento Atual Piaget descreveu o desenvolvimento cognitivo em quatro está gios, cada um com características distintas que permitem determinados tipos de pensamentos (TABELA 5 .1). Estágio Sensório -M otor Durante o estágio sensório- motor, do nascimento a quase 2 anos, os bebês entendem o mundo através dos sentidos e das ações - olhando, ouvindo, tocando, agarrando e pondo objetos na boca. Os bebês muito novos parecem viver no presente: o que está longe dos olhos está longe da mente. Em um de seus tes tes, Piaget mostrava um brinquedo atraente para uma criança e depois deixava seu chapéu cair sobre o brinquedo para ver se a criança o procurava. Antes dos 6 meses, a criança agia como se o objeto não existisse. Os bebês muito pequenos não perce bem a permanência do objeto - a consciência de que os obje tos continuam a existir mesmo quando não são vistos (FIGURA 5.11). Com 8 meses, os bebês começam a exibir memória para coisas que não são mais vistas. Se você esconder um brinquedo, o bebê irá momentaneamente procurar por ele. Dentro de mais um ou dois meses, o bebê procurará o brinquedo mesmo depois de permanecerescondido por vários segundos. Será que a permanência do objeto floresce de fato aos 8 meses, assim como as tulipas florescem na primavera? Os pesquisadores atuais consideram o desenvolvimento algo mais contínuo. É o caso, por exemplo, da permanência do objeto: eles agora consideram a permanência do objeto algo que se desdobra gradualmente. Mesmo os bebês mais jovens irão procurar um brinquedo onde eles o viram escondido um segundo antes (Wang et al., 2004). > F IG U R A 5.11 Permanência do objeto Crianças com menos de 6 meses tendem a não compreender que os objetos continuam a existir mesmo quando estão fora do campo visual. Mas, para este bebê, estar fora do campo visual não significa estar fora da mente. Possível Estímulo de habituação Impossível > FIGURA 5.12 Os bebês conseguem fazer a distinção entre objetos possíveis e impossíveis Depois de habituados aos estímulos à esquerda, os bebês de 4 meses olham por mais tempo para a versão impossível de um cubo - em que uma das barras verticais ao fundo cruza a barra horizontal da frente (Shuwairi et al., 2007). Os pesquisadores acreditam que Piaget e seus seguidores subestimaram a competência dos bebês mais jovens. Consi dere, entretanto, alguns experimentos simples que demons tram a lógica do bebê: • Como adultos que olham com incredulidade para um truque de mágica, os bebês olham por mais tempo para a cena inesperada de um carro parecendo atravessar um objeto sólido, uma bola parando no ar ou um objeto violando a permanência do objeto ao desaparecer magicamente (Baillargeon, 1995, 2008; Wellman e Gelman, 1992). Em outra experiência, Sarah Shuwairi e seus colaboradores (2007) apresentaram a bebês de 4 meses a imagem de um cubo (FIGURA 5 .1 2 ) com uma pequena área coberta. Depois que os bebês estavam habituados a essa imagem, fixaram o olhar por mais tempo quando lhes foi apresentada uma versão impossível do cubo. Parece que os bebês possuem um entendimento mais intuitivo das leis elementares da física do que Piaget supunha. • Os bebês também possuem noção de números. Karen Wynn (1992, 2000) mostrou a bebês de 5 meses um ou dois objetos. Em seguida, ela escondeu os objetos atrás de um anteparo e, depois, visivelmente, tirou ou adicionou um objeto (FIGURA 5.13). Quando ela tirava o anteparo, os bebês, às vezes com uma reação de surpresa tardia, olhavam por mais tempo quando o número de objetos mostrados estava errado. Mas será que eles estavam respondendo a uma massa de objetos maior ou menor, ao invés de a uma mudança no número (Feigenson et al., 2002)? Experiências posteriores demonstraram que a noção numérica dos bebês se estende a números maiores e a elementos como batidas de tambor e movimentos (McCrink e Wynn, 2004; Spelke e Kinzler, 2007; Wynn et al., 2002). Se bebês forem acostumados com a presença do boneco do Patolino pulando três vezes no palco, eles mostrarão surpresa se o boneco pular apenas duas vezes. Certamente, os bebês são mais inteligentes do que Piaget supunha. Mesmo bebês, tínhamos bastante coisa na cabeça. Estágio Pré-Operacional Piaget acreditava que até em torno de 6 ou 7 anos as crianças estavam no estágio pré-ope- racional - muito jovens para realizar operações mentais. Para uma criança de 5 anos, o leite que parece “muito” em um copo alto e fino pode parecer uma quantidade aceitável se despejado em um copo baixo e largo. Isso acontece porque a criança só presta atenção na altura do copo e é incapaz de realizar a opera ção de mentalmente despejá-lo de volta. Falta à criança o con ceito de conservação - o princípio de que a quantidade permanece a mesma apesar das mudanças na forma (FIGURA 5.14). Piaget não definia os estágios de transição como repentinos. Mesmo assim, o pensamento simbólico aparece em uma idade mais anterior à que ele supunha. Judy DeLoache (1987) desco briu isso quando mostrou a crianças o modelo de uma sala e escondeu um brinquedo nela (a miniatura de um cachorro de pelúcia atrás de uma miniatura de sofá). As crianças de 2,5 anos lembravam facilmente onde encontrar o brinquedo, mas não conseguiam usar o modelo para localizar um cachorro de pelú cia normal escondido atrás do sofá de uma sala de verdade. As crianças de 3 anos - apenas 6 meses mais velhas - normalmente iam direto para o cachorro de pelúcia na sala de verdade, mos trando que podiam pensar no modelo como um símbolo da sala. Piaget provavelmente ficaria surpreso. 1. Objeios colocados na cama 2. Anteparo aparece 3. Entra a màc vazia í v w 4 Um objeto e reinada l4 En lão , ou o res ul ta do po ss ív e l 5 O anteparo sai revelando 1 objeto ou: o resu ltado im p o ss ív e l 5. O anteparo saí revelando 2 objetos SSJ > FIGURA 5.13 A matemática do bebê Diante de um resultado numericamente impossível, bebês de 5 meses olham por mais tempo. (De Wynn, 1992.) J j >- F I G U R A 5 .1 4 Teste de conservação de Piaget Esta criança que está no estágio pré-operacional ainda não compreende o princípio de conservação de substância. Quando o leite é colocado em um copo mais alto e estreito, de repente parece ser "mais" do que quando está no copo menor e mais largo. Dentro de aproximadamente um ano, ela perceberá que o volume permanece igual. Questão: Se a maioria das crianças de 2,5 anos não compreende como miniaturas de brinquedo podem simbolizar objetos reais, será que as bonecas anatomicamente corretas devem ser usadas em questionamentos de crianças dessa idade quanto a suspeitas de abuso físico ou sexual? Judy DeLoache (1995) relata que “crianças muito jovens não acham natural ou fácil usar uma boneca como representação de si mesmas”. • Egocentrismo Piaget argumentava que as crianças são ego cêntricas: não conseguem perceber as coisas do ponto de vista de outras pessoas. Quando a mãe de Gabriella lhe pede “Mos tre sua foto para a mamãe”, a menina de 2 anos segura a foto voltada para si mesma. Gray, um garoto de 3 anos, fica “invi sível” cobrindo os olhos com as mãos, achando que, se ele não pode ver os avós, eles também não podem vê-lo. Os diá logos das crianças também revelam seu egocentrismo, como demonstrou um garotinho (Phillips, 1969, p. 61): - Você tem um irmão? - Tenho. - Qual é o nome dele? - Jim. - E Jim, ele tem um irmão? - Não. Como Gabriella, crianças em idade pré-escolar que ficam na frente da televisão, bloqueando nossa visão, acham que nós estamos vendo o que elas veem. Elas simplesmente ainda não desenvolveram a habilidade de perceber o ponto de vista dos outros. Mesmo como adultos, muitas vezes superestimamos a capacidade das outras pessoas de compartilharem nossas opi niões e perspectivas, quando assumimos, por exemplo, que algo estará claro para os outros se estiver claro para nós, ou que os destinatários dos e-mails “ouvirão” nossa intenção jocosa (Epley et al, 2004; Kruger et al., 2005). As crianças, no entanto, são ainda mais suscetíveis a essa maldição do conhecimento. estágio pré-operacional na teoria de Piaget, o estágio (em torno de 2 a 6 ou 7 anos de idade) durante o qual uma criança aprende a usar a linguagem mas ainda não compreende as operações mentais da lógica concreta. conservação princípio (que Piaget considerava parte do raciocínio operacional concreto) que determina que propriedades como massa, volume e número permanecem iguais apesar de modificações nas formas dos objetos. egocentrismo na teoria de Piaget, a dificuldade da criança em estágio pré-operacional de assumir o ponto de vista do outro. Teoria da Mente Quando Chapeuzinho Vermelho desco bre que sua “vovozinha” é na verdade um lobo, ela rapida mente examina suas ideias sobre as intenções da criatura e sai correndo. Embora ainda egocêntricas, as crianças em idade pré-escolar começam a formar uma teoria da mente (um termo cunhado pelos psicólogos David Premack e Guy Woo- druff para descrever a aparente capacidade dos chimpanzés de interpretar intenções). À medida que suas habilidades para inferir intençõese outros estados mentais se desenvolvem, as crianças procu ram entender o que deixou seu companheiro de brincadeiras zangado, quando um irmão irá dividir algo e o que pode fazer seus pais comprarem um brinquedo. A habilidade crescente da criança para provocar, ser empática e persuadir deriva de uma habilidade crescente para perceber a perspectiva do outro. Por volta dos 3,5 anos e 4 anos, por exemplo, as crianças per cebem que os outros podem acreditar em algo falso (Calla- ghan et al., 2005; Sabbagh et al., 2006). Jennifer Jenkins e Janet Astington (1996) mostraram a crianças de Toronto uma caixa de Band-Aids e perguntaram a elas o que havia dentro. As crianças naturalmente esperavam Band-Aids e, por isso, ficaram surpresas ao descobrir que a caixa continha lápis. Quando lhes perguntaram o que elas achavam que uma criança que nunca viu a caixa pensaria que havia dentro, as crianças de 3 anos geralmente respondiam “lápis”. Em torno de 4 e 5 anos, houve um avanço da “teoria da mente” das crianças, e elas antecipavam a falsa crença de seus amigos de que a caixa conteria Band-Aids. Use o dedo para desenhar um “E” maiúsculo na sua testa. Quando Adam Galinsky e seus colegas (2 0 0 6 ) convidaram algumas pessoas para fazer isso, elas se mostraram mais egocêntricas - menos propensas a desenhá-lo da perspectiva de alguém olhando para elas - se primeiro tivessem sido levadas a se sentir poderosas. Outros estudos confirmam que o sentimento de poder reduz a sensibilidade das pessoas à forma como os outros sentem, pensam e veem as coisas. Em outra experiência, as crianças veem uma boneca cha mada Sally guardando sua bola em um armário cinza (FIGURA 5 .1 5 ). Depois, outra boneca, Anne, transfere a bola para o armário branco. Os pesquisadores então fazem a pergunta: Quando Sally voltar, onde ela vai procurar a bola? As crianças com autismo (ver a seção seguinte, Em Foco: Autismo) têm dificuldade para entender que o estado mental de Sally difere do delas - que Sally, sem saber que a bola foi transferida, vai procurá-la no armário cinza. Elas também têm dificuldade para refletir sobre seus próprios estados men- S a l ly c o lo c a a b o la n o a r m á r io c in z a . > F I G U R A 5 .15 Testando a teoria da mente das crianças Este problema simples ilustra como os pesquisadores exploram as suposições das crianças sobre os estados mentais de outras pessoas. (Inspirado em Baron- Cohen et al., 1985.) tais. Por exemplo, elas são menos propensas a usar os pro nomes pessoais eu e mim. Crianças surdas que têm pais que ouvem e oportunidades mínimas de comunicação têm as mesmas dificuldades para inferir os estados mentais dos outros (Peterson e Siegal, 1999). Nossa capacidade para realizar operações mentais, pensar simbolicamente e perceber a perspectiva do outro não está ausente no estágio pré-operacional e milagrosamente pre sente depois dele. Em vez disso, essa capacidade começa cedo e se desenvolve de modo gradual (Wellman et al., 2001). Por exemplo, somos capazes de apreciar as percepções e os sen timentos dos outros antes de podermos entender as crenças dos outros (Saxe e Powell, 2006). Com 7 anos, as crianças se tornam cada vez mais capazes de pensar em palavras e de usá-las para solucionar proble mas. Elas fazem isso, observa o psicólogo russo Lev Vygotsky (1896-1934), interiorizando a língua de suas culturas e con tando com o discurso interno. Os pais que dizem “N ão!” quando tiram a mão da criança de um bolo estão dando à criança uma ferramenta de autocontrole. Quando mais tarde a criança precisar resistir a uma tentação, ela pode igualmente dizer “Não!”. Crianças no segundo ano escolar que murmu ram para si mesmas enquanto resolvem problemas de mate mática entendem melhor o programa de matemática da ter ceira série no ano seguinte (Berk, 1994). Quer em voz alta ou inaudivelmente, falar consigo mesmas ajuda as crianças a controlar seus comportamentos e emoções e a dominar novas habilidades. Estágio das O perações Concretas Segundo Piaget, quando as crianças chegam aos 6 ou 7 anos, elas entram no estágio das operações concretas. Ao receberem materiais concretos, elas começam a compreender a conservação - na qual a mudança na forma não significa mudança na quan tidade. Elas conseguem mentalmente despejar o leite de um copo para o outro, entre copos de formas diferentes. Elas também se divertem com anedotas que lhes permitem usar sua nova compreensão a respeito da conservação: O senhor Jones foi a um restaurante e pediu uma pizza para o jantar. Quando o garçom lhe perguntou se queria que cortasse a pizza em seis ou oito pedaços, o senhor Jones disse: “Ah, é melhor cortar em seis, eu nunca poderia comer oito pedaços! ’’ (M cGhee, 1976) Piaget acreditava que, durante o estágio das operações concretas, as crianças adquirem total capacidade para enten der as transformações matemáticas e a conservação. Quando minha filha Laura tinha 6 anos, fiquei surpreso com sua inca pacidade para reverter operações aritméticas simples. Quando lhe perguntavam “Quanto é 8 mais 4?”, ela precisava de 5 segundos para calcular “12”, e de mais 5 segundos para cal cular quanto eram 12 menos 4. Aos 8 anos, ela podia res ponder à segunda questão instantaneamente. Estágio das Operações Formais Aos 12 anos, nosso raciocínio se expande do puramente concreto (envolvendo a experiência real) para abranger o pensamento abstrato (envol vendo realidades e símbolos imaginados). Segundo Piaget, à medida que se aproximam da adolescência, muitas crianças se tornam capazes de resolver proposições hipotéticas e dedu zir conseqüências: se isso, então aquilo. O raciocínio sistemá tico, denominado por Piaget pensamento operacional for mal, está agora ao alcance delas. Embora o desenvolvimento completo das aptidões lógicas e de raciocínio cheguem na adolescência, os rudimentos do pensamento operacional formal começam antes do que Pia get imaginou. Considere este problema simples: Se John está na escola, então Mary está na escola. John está na escola. O que você pode dizer sobre Mary? Os pensadores operacionais formais não encontram difi culdade para responder corretamente; nem a maioria das crianças com 7 anos (Suppes, 1982). teoria da mente ideias que as pessoas têm sobre seus estados mentais e os de outras pessoas - seus sentimentos, percepções e pensamentos, e os comportamentos que essas ideias podem prever. estágio das operações concretas na teoria de Piaget, o estágio de desenvolvimento cognitivo (de cerca de 6 ou 7 a 11 anos de idade) durante o qual as crianças desenvolvem as operações mentais que permitem que pensem logicamente sobre eventos concretos. estágio das operações formais na teoria de Piaget, o estágio de desenvolvimento cognitivo (que normalmente começa por volta dos 12 anos) durante o qual as pessoas começam a pensar logicamente sobre conceitos abstratos. Annc pásM a boU p<jm o «imârio branco. Onde Sally vai procurar a sua bola? EM FOC Autismo e “Cegueira Mental” Autismo Esta fonoaudióloga está ajudando um menino autista a aprender a formar sons e palavras. O autismo, que afeta quatro meninos para cada menina, é caracterizado por deficiências na comunicação e interação social e pela dificuldade em entender os estados mentais de outras pessoas. O d iagnóstico de autismo, um transto rno caracterizado pela com unicação defic ien te e com portam entos repetitivos, vem aum entando, de acordo com estim ativas recentes. No pas sado, considerava-se que 1 em 2.500 crianças sofria de autismo. Hoje em dia, o autism o ou algum transto rno re lacionado afeta hoje 1 em 150 crianças norte-am ericanas e, na área de Lon dres, no Reino Unido, 1 em cada 86 crianças (Baird et al., 2006; CDC, 2007; L ilienfie ld e A rkow itz , 2007). A lgum as pessoas atribuem a m oderna “epidem ia de autism o” a pequenas quan tidades de m ercúrio nas vacinas infantis, levando cerca de 5 .000 pais de criançascom autism o a entrar com uma ação con tra o governo dos Estados Unidos em 2007. No entanto, o ingrediente que continha m ercúrio fo i elim inado das vaci nas em 2001, e as taxas de au tism o vêm se m an tendo no mesmo ritm o desde então (Norm and e Dallery, 2007; Schech- te r e Grether, 2008). Além disso, o aum ento nos d iagnósticos de autism o fo i com pensado por uma redução no núm ero de crianças consideradas "cogn itivam ente incapazes” ou “ inca pazes de aprender", o que sugere uma nova rotu lação para os trans to rnos in fan tis (G ernsbacher et al., 2005 ; Grinker, 2007; Shattuck, 2006). Sabemos que a fon te subjacente dos sintom as de autism o parece ser a fraca com unicação entre regiões do cérebro que norm alm ente funcionam juntas para p e rm itir que possamos assumir o pon to de vista do outro . Esse e fe ito aparentem ente resulta da interação de uma série de genes relacionados ao autism o com o am biente de form as ainda não in te iram ente com preendidas (Blakeslee, 2005; W iekelgren, 2005). C onsidera-se, p o rta n to , que as pessoas com au tism o tenham uma teoria da m ente defic iente (Rajendran e Mitchell, 2007). Apresentam d ificu ldade para in fe rir os pensamentos e os sentim entos dos outros. Elas não percebem o fa to de que os pais e os colegas podem ver as coisas de m odo diferente. In terp re tar sinais que a maioria de nós considera in tu itivos (o sorriso estampado naquele rosto é de alegria, afetação ou sar casm o?) é d ifíc il para os autistas. A m aioria das crianças aprende que quando outra criança faz beicinho é sinal de que está tris te e que olhos piscando significam alegria ou traves sura. Uma criança com autism o não consegue entender esses sinais (F rith e Frith, 2001). Para abarcar as variações no autism o, os pesquisadores atuais referem-se ao transtorno do espectro autista. Uma varia ção nesse espectro é a síndrom e de Asperger, uma form a de “a lto funcionam ento" do autism o. A síndrom e de Asperger é caracterizada por in te ligência normal, quase sempre acom panhada por habilidade ou ta len to excepcionais em uma área específica, mas por de fic iência em habilidades sociais e de com unicação (e, portanto, uma incapacidade de fo rm ar rela c ionam entos normais com pares). O ps icó logo Simon Baron-C ohen (2 0 0 8 ) p ropõe que o autismo, que afeta quatro meninos para cada menina, repre senta um "cérebro m asculino ao extrem o” . As meninas natu ralmente são mais predispostas a te r “empatia", ele argumenta. Elas são mais efic ientes para ler as expressões e gestos faciais - um desafio para aqueles que sofrem de autismo. E, em bora os sexos se sobreponham , os meninos, segundo o psicólogo, são melhores "sistem atizadores” - com preender as coisas con fo rm e as regras ou leis, com o em sistem as m atem áticos e mecânicos. “Se dois 's istem atizadores' tiverem um bebê, isso aum en tará o risco de a criança ser au tis ta” , teoriza Baron-Cohen. E, dev ido ao acasalamento seletivo - a tendência das pessoas de procura rem cônjuges que com partilhem seus interesses - dois sistem atizadores de fa to acabam se casando. "Eu não d e sco n to os fa to re s a m b ie n ta is ” , ele observa . “ Só estou d izendo que levo a b io logia em consideração tam bém .” A influência da bio logia aparece nos estudos de gêmeos idên ticos. Se um gêm eo recebe o d iagnós tico de autism o, haverá 70% de chance de seu irm ão gêm eo idêntico tam bém apresentar o mesmo transto rno (Sebat et al., 2007). O irmão mais novo de uma criança com autism o tam bém tem um risco de cerca de 15% (Sutcliffe , 2008). Mutações genéticas alea tó rias nas células p ro du to ras de esperm a tam bém podem desempenhar um papel significativo. À medida que os homens envelhecem , essas m utações se to rnam mais freqüentes, o que pode ajudar a explicar por que um homem com mais de 40 anos de idade tem um risco maior de ser pai de uma criança com autism o do que um hom em com menos de 30 (Reichen- berg et al., 2007 ). As influências genéticas parecem causar dano a lte rando as sinapses do cérebro (Crawley, 2007; Gar- ber, 2007). A função da bio logia no autism o tam bém aparece nos estu dos que com param o funcionam ento do cérebro em pessoas com e sem autismo. Aqueles que não sofrem de autism o em geral bocejam quando veem outras pessoas bocejarem . E, ao verem e im itarem o sorriso ou o olhar carrancudo, elas sen tem um pouco do que o ou tro está sentindo, graças aos neu rônios espelho (veja o Capítulo 7 sobre esse tem a). Isso não acontece com pessoas com autism o, que são menos im itado res e cujas áreas do cérebro envolvidas em espelhar as ações de outras Dessoas são menos ativas (D a p re tto et al., 2006 ; Perra et al., 2008; Senju et al., 2007). Por exem plo, quando as pessoas com autism o observam os m ovim entos das mãos de ou tra pessoa, seu cérebro apresenta a tiv idade de espelha- m ento m enor do que o normal (O berm an e Ramachandran, 2007; Théoret et al., 2005). Tais descobertas encorajam pesquisas por tratam entos que pudessem aliviar alguns dos sintom as do autism o acionando a a tiv idade dos neurônios espelho (Ram achandran e O ber man, 2006). Por exemplo, buscando "sistem atizar a em patia", Baron-Cohen e seus colegas da Cam bridge University (2007; Golan et al., 2007) colaboraram com a National Autistic Society da Grã-Bretanha e com uma empresa de produção de filmes. Sabendo que program as de televisão com veículos são m uito populares entre crianças com autismo, eles criaram uma série de animações que sobrepõem rostos que transm item em o ções em personagens com o bondes, trens e tra tores de b rin quedo no quarto im aginário de um m enino (FiGURA 5.16). Depois que o menino vai para a escola, os personagens ganham vida e têm experiências que os fazem dem onstrar as várias em oções (que eu aposto que você gostaria de ver em www. the transporters.com ). As crianças expressaram uma capaci (C o n t in u a ) dade surpreendente de generalizar o que tinham aprendido para um contexto novo e real. Ao final da intervenção, sua capacidade antes deficiente de reconhecer emoções nos ros tos de verdade agora eqüivalia à de crianças sem autismo. (a) Faces que transmitem emoções estampadas em trenzinhos de brinquedo > FIGURA 5.16 Transportados para um mundo de emoção Uma equipe de pesquisa do Centro de Pesquisas em Autismo da Cambridge University apresentou para as crianças com autismo as emoções vivenciadas e exibidas pelos veículos de brinquedo, (b) Depois de quatro semanas assistindo as animações, as crianças apresentaram uma capacidade acentuadamente maior de reconhecer emoções nos rostos de seres humanos e dos brinquedos. (b) Fazendo a correspondência entre novas cenas e faces (e dados dos dois testes) “ 0 cachorro do vizinho já mordeu outras pessoas. Ele está latindo para a Louise.” Escores de 14 precisão 13 1Z 11 10 9 B Tempo 1 Tempo 2 Controle típico ■ Intervenção das faces Depois da intervenção, as crianças com autismo se tornam mais capazes de identificar que emoção facial corresponde ao contexto. “Avaliar □ impacto de Piaget na psicologia do desenvolvimento é como avaliar o impacto de Shakespeare na literatura inglesa.” Harry Beilin, psicólogo da desenvolvimento (1992) Refletindo sobre a Teoria de Piaget O que permanece das ideias de Piaget a respeito da mente das crianças? Muito - o bastante para ele ser apontado pela revista Time como um dos 20 cientistas e pensadores mais influentes do século XX e considerado em uma pesquisa junto a psicólo gos britânicos o maior psicólogo daquele século (Psychologist, 2003). Piaget identificou marcos cognitivos significativos e estimulou o interesse mundial pelo desenvolvimento da mente. Ele colocou menos ênfase na idade em que a criança normal mente alcança marcos específicos do que em sua seqüência. Estudosconduzidos em todo o mundo, da Austrália aborígine à Argélia e à América do Norte, confirmam que a cognição humana se desenvolve basicamente na seqüência que ele pro pôs (Lourenco e Machado, 1996; Segall et al., 1990). Entretanto, os pesquisadores atuais consideram o desen volvimento algo mais contínuo do que Piaget supôs. Ao detec tarem as fases iniciais de cada tipo de pensamento em crian ças mais jovens, eles revelaram capacidades conceituais que Piaget não percebeu. Além disso, em relação ao que Piaget definia, eles consideram a lógica formal uma parte menor da cognição. Piaget não ficaria surpreso de que hoje, como parte de nosso próprio desenvolvimento cognitivo, estejamos adap tando suas ideias para acomodar novas descobertas. autism o transto rno que aparece na infância e é caracte rizado po r defic iências na com unicação, na in teração social e no en tend im en to dos estados m entais de outras pessoas. A ênfase de Piaget no desenvolvimento da mente infan til por meio da interação com o ambiente físico é comple mentada pela ênfase de Vygotsky em como a mente da criança se desenvolve por meio da interação com o ambiente social. Se a criança de Piaget era um jovem cientista, a de Vygotsky era um jovem aprendiz. Orientando as crianças e apresen tando a elas novas palavras, pais e professores oferecem um andaime (scaffold) temporário a partir do qual as crianças poderão alcançar níveis de pensamento mais altos (Rennin- « í Lev Vygotsky (1895-1934) Vygotsky, um psicólogo do desenvolvimento russo, retratado aqui ao lado da filha, estudou como a mente de uma criança se nutre através da linguagem da interação social. ger e Granott, 2005). A linguagem, um importante ingre diente do processo de orientação social, oferece os elementos básicos do pensamento, observou Vygotsky (que nasceu no mesmo ano que Piaget, mas morreu prematuramente de tuberculose). Im plicações para Pais e Professores Futuros pais e professores lembrem-se: crianças pequenas são incapazes de raciocinar com a lógica dos adultos. Pré-escolares que ficam no caminho ou ignoram instruções negativas simplesmente não aprenderam a assumir o ponto de vista do outro. O que parece simples e evidente para nós - sair de uma gangorra fará com que o amigo, que se encontra na outra extremidade caia - pode ser incompreensível para uma criança de 3 anos. Compreendam que as crianças não são receptáculos passivos à espera de conhecimento. E melhor aproveitar o que elas já sabem, envolvendo-as em demonstrações concretas e esti mulando-as a pensar por conta própria. E, finalmente, acei tem a imaturidade cognitiva das crianças como adaptativa. Ela é a estratégia da natureza para manter as crianças perto de adultos protetores e fornecer tempo para a aprendizagem e a socialização (Bjorklund e Green, 1992). Desenvolvimento Social 5 : Como se forma o apego entre pais e filhos? Os bebês são criaturas sociais desde o nascimento. Em todas as culturas, as crianças desenvolvem um vínculo intenso com seus cuidadores. Os bebês logo passam a preferir os rostos e as vozes familiares, e depois arrulham e balbuciam quando recebem a atenção da mãe ou do pai. Assim que a permanên cia do objeto emerge e as crianças adquirem mobilidade, um fato curioso acontece: por volta dos 8 meses de idade, elas desenvolvem ansiedade diante de estranhos. Elas podem saudar os estranhos chorando e estendendo os braços para aqueles que lhes são familiares. “Não! Não me leve embora!” - a aflição delas parece dizer. Com essa idade, as crianças possuem esquemas para rostos conhecidos; quando não con seguem assimilar o novo rosto dentro desses esquemas lem brados, elas ficam aflitas (Kagan, 1984). Isso ilustra um prin cípio importante: o cérebro, a mente e o comportamento socio- emocional se desenvolvem concomitantemente. | •I Ansiedade diante de estranhos Uma habilidade recém-adquirida de avaliar as pessoas como estranhos e possíveis ameaças ajuda a proteger os bebês de 8 meses ou mais. Origens do Apego Aos 12 meses, muitas crianças agarram-se aos pais quando amedrontadas ou na expectativa de separação. Reunidos depois de estarem separados, elas enchem os pais de abraços e sorrisos. Nenhum comportamento social é mais admirável do que essa ligação forte e mútua entre crianças e pais. Esse poderoso impulso de sobrevivência que mantém as crianças perto daqueles que as criam é denominado apego. As crian ças se apegam àqueles - normalmente os pais - que são con fortáveis, familiares e responsivos às suas necessidades. Durante muitos anos os psicólogos do desenvolvimento infe riram que os bebês se apegavam àqueles que satisfaziam suas necessidades de nutrição. Isso fazia sentido; mas uma desco berta acidental derrubou essa explicação. Contato Corporal Durante a década de 1950, os psicólo gos Harry Harlow e Margaret Harlow, da Universidade de Wisconsin, criaram macacos para seus estudos em aprendi zagem. Para equalizar as experiências dos filhotes macacos e isolar qualquer doença, eles separaram os macacos de suas mães logo após o nascimento e os criaram em jaulas indivi duais higienizadas que incluíam um cobertor de bebê de tecido macio (Harlow et al., 1971). De modo surpreendente, os filhotes tornaram-se intensamente apegados a seus coberto res: quando os cobertores eram levados para a lavanderia, os macacos ficavam aflitos. Os pesquisadores reconheceram que esse apego ao cobertor contradizia a ideia de que o apego deriva da associação feita com a nutrição. Mas como poderiam demonstrar isso de modo mais convincente? Para confrontar o poder de uma fonte de alimento e o conforto proporcionado pelo contato de um cobertor, os Harlows criaram duas mães artificiais. Uma era uma forma cilíndrica feita de arame com uma cabeça de madeira e com uma mamadeira presa nela; a outra, tambem de forma cilíndrica, era envolvida por um tecido felpudo. Quando os macacos eram criados por ambas, a mãe de arame com mamadeira e a mãe de pano sem mamadeira, eles indiscutivelmente preferiam o conforto da mãe de pano (FIGURA 5 .1 7 ). Como bebês humanos agarrados às suas mães, os macacos agarravam suas mães de pano quando esta vam ansiosos. Também a usavam como um porto seguro de Apego Quando o piloto francês Christian Moullec decolou em seu ultraleve, seus gansos, criados por ele desde que saíram dos ovos, o seguiram de perto. > FIGURA 5.17 As mães dos Harlows Os psicólogos Harry Harlow e Margaret Harlow criaram macacos com duas mães artificiais - uma, um cilindro com uma cabeça de madeira e uma mamadeira presa nele, e a outra, um cilindro sem mamadeira, mas revestido de espuma de borracha e coberto com tecido felpudo. A descoberta dos Harlows surpreendeu muitos psicólogos: os macacos preferiam o contato com a mãe de pano confortável, mesmo enquanto se alimentavam na mãe nutridora. onde se aventuravam para explorar o ambiente, como se esti vessem ligados à mãe por um elástico invisível que cedia até certo ponto para depois puxá-los de volta. Estudos posterio res revelaram outras qualidades - balanço, calor e alimenta ção - que tornaram a mãe de pano ainda mais atraente. Os bebês humanos também ficam apegados a pais que são meigos e afetuosos; que os embalam, alimentam e afa gam. Boa parte da comunicação emocional entre pais e filhos ocorre por meio do toque (Hertenstein et al., 2006), que pode ser suave (carinho) ou estimulante (cócegas). E o apego humano também consiste em uma pessoa proporcionar à outra um refúgio quando angustiada e ser um porto seguro a partir do qual possa explorar o mundo. À medida que cres cemos, nosso refúgio e porto seguro mudam - dos pais para os pares e companheiros (Cassidy e Shaver, 1999). Mas em todas as idades somos criaturas sociais. Adquirimos força quando alguém nos oferece, com palavras ou ações, um porto seguro: “Eu estarei aqui. Eu me importo com você. Aconteça o que acontecer, eu apoiarei você ativamente” (Crowell e Waters,1994). Lee Kirkpatrick (1999) relata que para algumas pessoas uma relação percebida com Deus funciona assim como outros apegos - oferece um porto seguro para exploração e um refúgio diante de ameaças. » Familiaridade O contato é uma chave para o apego. Outra chave é a familiaridade. Em muitos animais também, o apego baseado em familiaridade se forma durante um período crí tico - um período mais favorável em que certos eventos pre cisam acontecer para facilitar o desenvolvimento apropriado (Bornstein, 1989). No período de poucas horas após a eclo são do ovo, o primeiro objeto em movimento que um filhote de ganso, pato ou galinha vê é a mãe. A partir desse momento, a pequena ave a segue, e somente a ela. Esse rígido processo de vinculação, chamado estampagem (imprinting), foi explorado por Konrad Lorenz (1937). Ele questionava: o que fariam os patinhos se ele fosse a primeira criatura em movimento que eles vissem? O que eles fizeram foi segui-lo por onde ele andava: em todo lugar a que Konrad ia, era certo que os patinhos o seguissem. Testes adicionais revelaram que, embora os filhotes das aves fixem melhor a própria espécie, eles também vão fixar uma variedade de obje tos que se movem - um animal de outra espécie, uma caixa com rodas, uma bola quicando (Colombo, 1982; Johnson, 1992). E, uma vez formado, esse apego é difícil de reverter. As crianças - diferentemente dos patinhos - não realizam a estampagem, mas se apegam ao que conhecem. A mera exposi ção a pessoas e coisas promove afeição (ver o Capítulo 16). As crianças gostam de reler os mesmos livros, rever os mesmos fil mes e repetir as tradições da família. Elas preferem comer ali mentos conhecidos, viver no mesmo bairro familiar, freqüentar a escola com os mesmos velhos amigos. Familiaridade é um sinal de segurança. A familiaridade traz contentamento. ansiedade diante de estranhos o medo de estranhos que as crianças normalmente apresentam a partir dos 8 meses de idade. apego elo emocional com outra pessoa; identificado em bebês que buscam a proximidade com seus cuidadores e que demonstram aflição na separação. período crítico período ideal logo após o nascimento em que a exposição do organismo a certos estímulos ou experiências produz desenvolvimento adequado. estampagem ( imprinting) processo pelo qual certos animais estabelecem vínculos em um período crítico muito cedo em suas vidas. Diferenças entre os Tipos de Apego 6 : C om o os psicólogos estudaram as diferenças entre os tipos de apego, e o que eles aprenderam ? O que explica as diferenças entre os tipos de apego? Diante de uma situação estranha (normalmente uma sala de jogos experimental), aproximadamente 60% das crianças demons tram um apego seguro. Na presença de suas mães elas brin cam confortavelmente, explorando com alegria o novo ambiente. Quando as mães saem, elas ficam angustiadas; quando voltam, as crianças buscam o contato com elas. Outras crianças demonstram um apego inseguro: são menos propensas a explorar o ambiente e até podem se agarrar às mães. Quando elas saem, choram alto e permanecem con trariadas ou então parecem indiferentes às saídas e retornos de suas mães (Ainsworth, 1973,1989; Kagan, 1995; van IJzen- doorn e Kroonenberg, 1988). Mary Ainsworth (1979), que criou experiências de situ ações com estranhos, estudou as diferenças de apegos ao observar os pares de mães-crianças em suas casas durante os primeiros seis meses. Depois, ela observou crianças com 1 ano de idade em uma “situação estranha”, sem a presença da mãe. As mães sensíveis e receptivas - aquelas que perce biam o que seus bebês estavam fazendo e respondiam apro priadamente - tinham crianças que exibiam um apego seguro. As mães insensíveis e indiferentes - aquelas que atendiam seus bebês quando tinham vontade, mas que os ignoravam em outros momentos - tinham crianças que quase sempre exibiam um apego inseguro. Os estudos com macacos dos Harlows, nos quais as mães eram artificiais e indiferentes, produziram resultados ainda mais surpreendentes. Quando colocados em situações estranhas sem as mães artificiais, os bebês ficavam apavorados (FIGURA 5 .18 ). Estudos de acompanhamento confirmaram que mães - e pais - sensíveis tendem a ter crianças seguramente apegadas (De Wolff e van IJzendoorn, 1997). Mas o que explica a corre lação? O estilo de apego é resultado da parentalidade? Ou será que é resultado do temperamento influenciado geneticamente - a forma e a intensidade da reação emocional característica da pessoa? Logo após o nascimento, alguns bebês são especialmente difíceis - facilmente irritáveis, barulhentos e imprevisíveis. Outros são fáceis - alegres, relaxados, e se alimentam e dormem em horários previsíveis (Chess e Thomas, 1987). Ao negligen ciar essas diferenças inatas, esses estudos são como “comparar cães de caça criados em canis a poodles criados em apartamen tos”, desaprova Judith Harris (1998). Então, para separar os fatores naturais dos adquiridos, o pesquisador holandês Dymphna van den Boom (1990,1995) variou o fator parenta lidade e controlou o fator temperamento. (Pare e pense: se você fosse um pesquisador, como teria feito isso?) A solução de van den Boom foi escolher aleatoriamente cem bebês temperamentais com idades entre 6 e 9 meses para uma condição experimental, na qual as mães receberam trei namento pessoal para reagir com sensibilidade, ou uma con dição de controle, na qual elas não receberam o treinamento. Quando chegaram aos 12 meses, 68% dos bebês da condição i >- FIGURA 5.18 Privação social e medo Os macacos criados por mães artificiais ficavam aterrorizados quando colocados em situações estranhas sem suas mães substitutas. (O ambiente atual de maior respeito pelo bem- estar dos animais impede que estudos dessa natureza sejam conduzidos com primatas.) Pai fantástico Entre o povo aka da África Central, os pais formam um elo especialmente próximo com seus bebês, até mesmo oferecendo seus próprios mamilos aos filhos quando a fome os deixa impacientes à espera da volta da mãe. De acordo com o antropólogo Barry Hewlett (1991), os pais nessa cultura estão com seus bebês no colo ou ao seu alcance 47% do tempo. experimental mostraram um apego seguro, em comparação a apenas 28% da condição de controle. Outros estudos tam bém indicaram que os programas de intervenção podem aumentar a sensibilidade dos pais e, em menor grau, a segu rança do apego da criança (Bakermans-Kranenburg et al., 2003; Van Zeijl et al., 2006). Como indicam esses exemplos, os pesquisadores estudam o cuidado materno com mais frequência do que o paterno. Dizem que as crianças que não têm uma mãe zelosa sofrem de “privação maternal”; daqueles que não têm a criação de um pai dizem apenas que sofrem de “ausência paterna”. Ser “pai de uma criança” tem significado de gerar; “ser mãe”, de criar. Mas as evidências indicam cada vez mais que os pais são mais do que simples bancos de esperma móveis. Em quase 100 estu dos realizados no mundo todo, o amor e a aceitação do pai foram comparados ao amor da mãe no prognóstico de saúde e bem-estar dos filhos (Rohner e Veneziano, 2001). Em um enorme estudo conduzido na Grã-Bretanha com o acompa nhamento de 7.259 crianças do nascimento à vida adulta, aque las cujos pais estavam mais envolvidos com sua criação (par ticipando de passeios, lendo para eles e se interessando pelos seus estudos) tendiam a ter melhores notas na escola, mesmo levando em conta muitos outros fatores, como grau de instru ção dos pais e renda familiar (Flouri e Buchanan, 2004). Quer as crianças fiquem em casa ou em creches, quer vivam na América do Norte, na Guatemala ou no Deserto de Kalahari, a ansiedade devido ao afastamento dos pais atinge o máximo por volta dos 13 meses, depois declina gradual mente (FIGURA 5 .19 ). Será que isso significa que a neces sidade que temos do outro e o amor que sentimos por ele também desaparecem gradualmente? Dificilmente.Na ver dade, de certo modo, nossa capacidade para amar aumenta, e nosso prazer em tocar e abraçar aqueles que amamos nunca cessa. O poder do apego inicial, entretanto, enfraquece gra dualmente, permitindo-nos ir em frente para experimentar uma série de situações e para nos comunicar com estranhos mais livremente e permanecer emocionalmente ligados aos entes queridos apesar da distância. O teórico do desenvolvimento Erik Erikson (1902-1994), em colaboração com sua esposa, Joan Erikson, disse que as crianças que possuem apegos seguros abordam a vida com um senso de confiança básica - um senso de que o mundo é previsível e confiável. Erikson não atribuiu a confiança básica ao ambiente positivo permanente ou ao temperamento inato de alguém, mas à parentalidade recebida em tenra idade. Percentagem de 100% crianças que choravam quando a mãe safa 80 60 40 20 Creche Casa 3V2 5V2 7V2 9V2 1IV2 I 3V2 20 ‘29 Idade em meses > FIGURA 5.19 O sofrimento dos bebês quando se separam dos pais Em um experimento, grupos de bebês foram deixados por suas mães em uma sala desconhecida. Em ambos os grupos, o percentual que chorava quando a mãe saía aumentou por volta dos 13 meses. O fato de o bebê ter vivenciado ambiente de creche fez pouca diferença. (De Kagan, 1976.) Ele teorizou que as crianças agraciadas com cuidadores sen síveis, que lhes dispensaram afeto, desenvolvem uma atitude perpétua de confiança em vez de medo. "Do conflito entre a confiança e a desconfiança, o bebê desenvolve a esperança, que é a forma mais precoce do que mais tarde se torna a crença nos adultos." Erik Erikson, 1983 Embora 0 debate continue, muitos pesquisadores agora acre ditam que essas primeiras vinculações formam a base dos nos sos relacionamentos adultos e o conforto que sentimos em rela ção a afeto e intimidade (Birnbaum et al., 2006; Fraley, 2002). Os estilos adultos de amor romântico podem exibir um apego seguro de confiança, ou um apego inseguro de ansiedade, ou a resistência ao estabelecimento de qualquer vínculo (Feeney e Noller, 1990; Shaver e Mikulincer, 2007; Rholes e Simpson, 2004). Além disso, esses estilos de apego na vida adulta, por sua vez, afetam os relacionamentos com nossos filhos, pois as pes soas que tendem a evitar outras consideram estressante e pouco satisfatória a experiência de criar filhos (Rholes et al, 2006). O estilo de apego que formamos também está associado à moti vação, observam Andrew Elliot e Harry Reis (2003). Pessoas que estabelecem apegos seguros apresentam menos medo do fra casso e maior ímpeto para alcançar seus objetivos. confiança básica de acordo com Erik Erikson, um senso de que o mundo é previsível e confiável; acredita- se que seja formada durante a infância por experiências adequadas com cuidadores responsivos às crianças. Privação de Apego 7 : A negligência fam iliar, a separação dos pais ou a creche a fe tam os apegos estabelecidos pelas crianças? Se um apego seguro nutre a competência social, o que acon tece quando as circunstâncias impedem uma criança de for mar apegos? Em toda a psicologia, não há literatura de pes quisa mais triste. Bebês criados em instituições sem a esti mulação e a atenção de um cuidador regular, ou que ficam em casa sob condições de abuso ou de extremo abandono, com frequência são reprimidos, amedrontados e até incapa zes de falar. Aqueles abandonados nos orfanatos da Romênia durante a década de 1980 pareciam tão “amedrontados quanto os macacos dos Harlows” (Carlson, 1995). Se insti tucionalizados por mais de 8 meses, com frequência carre gam cicatrizes emocionais duradouras (Chisholm, 1998; Malinosky-Rummell e Hansen, 1993; Rutter et al., 1998). “0 que se aprende no berço dura até a sepultura." Provérbio francês Os macacos dos Harlows também apresentaram caracte rísticas semelhantes quando criados em isolamento total, sem ao menos uma mãe artificial. Quando adultos, ao serem colocados com outros macacos da mesma idade, se agacha- ram com medo ou partiram para a agressão. Quando atingi ram a maturidade sexual, a maioria não conseguiu acasalar. Se fertilizadas artificialmente, as fêmeas quase sempre eram negligentes, ofensivas e até assassinas com seus primogêni tos. Um experimento recente com primatas confirma o fenô meno de que 0 abuso gera abuso. Quer tivessem sido criados por mães biológicas ou adotivas, 9 de 16 fêmeas que sofre ram abuso de suas mães tornaram-se mães agressivas, o que não aconteceu com as fêmeas criadas por mães não agressi vas (Maestripieri, 2005). Com humanos, também, aquele que não é amado quase sempre se torna alguém que não ama. A maioria dos pais agressivos relata que apanharam ou foram negligenciados quando crianças (Kempe e Kempe, 1978; Lewis et al., 1988). Mas será que isso significa que a vítima de hoje será previsi- velmente o criminoso de amanhã? A resposta é não. Embora a maioria dos ofensores tenha de fato sofrido maus-tratos, a maior parte das crianças que sofreram abusos não se tornam criminosos violentos ou pais agressivos no futuro. A maioria das crianças que cresceram na adversidade, como as sobre viventes do Holocausto, é resiliente; elas se tornam adultos normais (Helmreich, 1992; Masten, 2001). Mas outras crianças, especialmente aquelas que não pas saram por uma ruptura radical em relação a seu passado abusivo, não reagem tão bem. Cerca de 30% daqueles que sofreram abusam molestam seus filhos - uma taxa menor do que a encontrada no estudo com primatas, mas quatro vezes superior à taxa nacional norte-americana de abuso infantil (Dum ont et al., 2007; Kaufman e Zigler, 1987; Widom, 1989a,b). Traumas extremos em crianças muito pequenas podem deixar marcas no cérebro. Nos normalmente serenos hams ters, ao serem atacados e ameaçados constantemente quando muito jovens, os efeitos subsistem até sua vida adulta. Eles se tornam covardes quando presos com hamsters do mesmo tamanho, ou valentões quando presos com hamsters mais fracos (Ferris, 1996). Tais animais mostram mudanças em uma substância do cérebro chamada serotonina, que acalma os impulsos agressivos. Uma resposta de serotonina igual mente lenta foi encontrada em crianças que sofreram abuso e que se tornaram adolescentes e adultos agressivos. “O estresse pode desencadear uma onda de mudanças hormo nais que influenciam permanentemente o cérebro de uma criança para enfrentar um mundo malevolente”, conclui o pesquisador de abusos Martin Teicher (2002). Esses achados ajudam a explicar por que crianças pequenas aterrorizadas devido a abuso sexual, abuso físico ou atrocida des de guerra (apanhar, presenciar torturas e viver com medo constante) podem sofrer outros males duradouros - quase sempre pesadelos, depressão e uma adolescência complicada envolvendo abuso de substâncias, compulsão alimentar ou agressão (Kendall-Tackettetal., 1993; Polusny e Follette, 1995; Trickett e McBride-Chang, 1995). O abuso sexual na infância, especialmente se grave e prolongado, aumenta o risco de essas crianças apresentarem problemas de saúde, transtornos psi cológicos, abuso de substâncias e criminalidade (Freyd et al., 2005; Tyler, 2002). As vítimas de abuso correm um risco con siderável de sofrer de depressão caso apresentem uma variação genética que gera a produção de hormônios do estresse (Bradley et al., 2008). Como veremos várias e várias vezes, o compor tamento e a emoção resultam de um ambiente específico que interage com genes específicos. Rom pim ento do apego O que acontece a uma criança quando há o rompimento do apego? Separados das famílias, bebês macacos e humanos ficam perturbados e em pouco tempo tornam-se retraídos e até desesperados (Bowlby, 1973; Mineka e Suomi, 1978). Por temerem que o estresse da sepa ração possa causar danos duradouros, os tribunais normal mente relutam em tirar as crianças de suas casas e, quando em dúvida, atuam para proteger o direito dos pais. A maioria das crianças se recupera quando colocada
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