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CAPÍTULO 1 Hematopoese Tópicos-chave QQ Locais de hematopoese 2 QQ Células-tronco e células progenitoras hematopoéticas 2 QQ Estroma da medula óssea 4 QQ Regulação da hematopoese 4 QQ Fatores de crescimento hematopoéticos 4 QQ Receptores de fatores de crescimento e transdução de sinais 6 QQ Moléculas de adesão 8 QQ O ciclo celular 8 QQ Fatores de transcrição 8 QQ Epigenética 8 QQ Apoptose 9 HOFFBRAND_Fundamentos_Hematologia_7ed_BOOK.indb 1 24/08/2017 15:02:13 2 / Capítulo 1: Hematopoese Este primeiro capítulo trata de aspectos gerais da formação de células sanguíneas (hematopoese). São também discutidos os processos que regulam a hematopoese e os estágios iniciais da formação de eritrócitos (eritropoese), de granulócitos e mo- nócitos (mielopoese) e de plaquetas (trombocitopoese). Locais de hematopoese Nas primeiras semanas da gestação, o saco vitelino é um local transitório de hematopoese. A hematopoese definitiva, entre- tanto, deriva de uma população de células-tronco observada, inicialmente, na região AGM (aorta-gônadas-mesonefros). Acre- dita-se que esses precursores comuns às células endoteliais e hematopoéticas (hemangioblastos) se agrupem no fígado, no baço e na medula óssea; de 6 semanas até 6 a 7 meses de vida fetal, o fígado e o baço são os principais órgãos hematopoé- ticos e continuam a produzir células sanguíneas até cerca de 2 semanas após o nascimento (Tabela 1.1; ver Figura 7.1b). A placenta também contribui para a hematopoese fetal. A me - dula óssea é o sítio hematopoético mais importante a partir de 6 a 7 meses de vida fetal e, durante a infância e a vida adulta, é a única fonte de novas células sanguíneas. As células em desenvolvimento situam-se fora dos seios da medula óssea; as maduras são liberadas nos espaços sinusais, na microcircula- ção medular e, a partir daí, na circulação geral. Nos dois primeiros anos, toda a medula óssea é hema- topoética, porém, durante o resto da infância, há substitui- ção progressiva da medula dos ossos longos por gordura, de modo que a medula hematopoética no adulto é confinada ao esqueleto central e às extremidades proximais do fêmur e do úmero (Tabela 1.1). Mesmo nessas regiões hematopoéticas, cerca de 50% da medula é composta de gordura (Figura 1.1). A medula óssea gordurosa remanescente é capaz de reverter para hematopoética e, em muitas doenças, também pode haver expansão da hematopoese aos ossos longos. Além disso, o fígado e o baço podem retomar seu papel hematopoético fetal (“hematopoese extramedular”). Células-tronco e células progenitoras hematopoéticas A hematopoese inicia-se com uma célula-tronco pluripotente, que, por divisão assimétrica, tanto pode autorrenovar-se como também dar origem às distintas linhagens celulares. Essas cé- lulas são capazes de repovoar uma medula cujas células-tronco tenham sido eliminadas por irradiação ou quimioterapia letais. As células-tronco hematopoéticas são escassas, talvez uma em 20 milhões de células nucleadas da medula óssea. Muitas delas são dormentes; em camundongos estimou-se que entrem em ciclo celular aproximadamente a cada 20 semanas. Embora te- nham fenótipo exato desconhecido, ao exame imunológico as células-tronco hematopoéticas são CD34+, CD38– e são negati- vas para marcadores de linhagem (Lin_), têm a aparência de um linfócito de tamanho pequeno ou médio (ver Figura 23.3) e re- sidem em “nichos” especializados, osteoblásticos ou vasculares. A diferenciação celular a partir da célula-tronco passa por uma etapa de progenitores hematopoéticos comprometidos, isto é, com potencial de desenvolvimento restrito (Figura 1.2). A existência de células progenitoras separadas para cada li- nhagem pode ser demonstrada por técnicas de cultura in vitro. As células progenitoras muito precoces devem ser cul- tivadas a longo prazo em estroma de medula óssea, ao passo que as células progenitoras tardias costumam ser cultivadas em meios semissólidos. Um exemplo é o primeiro precursor mieloide misto detectável, que dá origem a granulócitos, eri- trócitos, monócitos e megacariócitos, chamado de CFU (uni- dade formadora de colônias)-GEMM (Figura 1.2). A medula óssea também é o local primário de origem de linfócitos que se diferenciam de um precursor linfocítico comum. O baço, os linfonodos e o timo são sítios secundários de produção de linfócitos (ver Capítulo 9). A célula-tronco tem capacidade de autorrenovação (Figura 1.3), de modo que a celularidade geral da medula, em condições estáveis de saúde, permanece constante. Há conside- rável ampliação da proliferação no sistema: uma célula-tronco, depois de 20 divisões celulares, é capaz de produzir cerca de 106 células sanguíneas maduras (Figura 1.3). Em seres humanos, as células-tronco são capazes de aproximadamente 50 divisões, com o encurtamento do telômero limitando a viabilidade. Em condições normais, estão em dormência. Com o envelheci- mento, elas diminuem de número, e a proporção relativa que dá origem a linfócitos, em vez de células mieloides, também de- cresce. As células-tronco, com o envelhecimento, também acumulam mutações genéticas, em média dos 8 aos 60 anos, e essas mutações, driver ou passenger, podem estar presentes Tabela 1.1 Locais de hematopoese Feto 0-2 meses (saco vitelino) 2-7 meses (fígado, baço) 5-9 meses (medula óssea) De 0 a 2 anos Medula óssea (praticamente todos os ossos) Adultos Vértebras, costelas, crânio, esterno, sacro e pelve, extremidades proximais dos fêmures Figura 1.1 Biópsia de medula óssea normal (crista ilíaca poste- rior). Coloração por hematoxilina-eosina; aproximadamente 50% do tecido intertrabecular é hematopoético, e 50%, gordura. HOFFBRAND_Fundamentos_Hematologia_7ed_BOOK.indb 2 24/08/2017 15:02:13 Capítulo 1: Hematopoese / 3 Célula-tronco pluripotente Progenitor de eritroides CFUGEMM Célula progenitora mielóide mista BFUE CFUE CFUMeg Progenitor de megacariócito CFUGM Progenitor de granulócito e monócito CFUEo Progenitor de eosinófilo CFUGMEo CFUbaso Timo CFU-M CFU-G Célula-tronco linfóide Eritrócitos Plaquetas Monócitos Neutrófilos Eosinófilos Basófilos Linfócitos Células NK B T NK Figura 1.2 Diagrama mostrando a célula-tronco pluripotente da medula óssea e as linhagens celulares que dela se originam. Várias célu- las progenitoras podem ser identificadas por cultura em meio semissólido pelo tipo de colônia que formam. É possível que um progenitor eritroide/megacariocítico seja formado antes de o progenitor linfoide comum divergir do progenitor mieloide misto granulocítico/monocítico/ eosinofílico. Baso, basófilo; BFU, unidade formadora explosiva; CFU, unidade formadora de colônia; E, eritroide; Eo, eosinófila; GEMM, granulocítica, eritroide, monocítica e megacariocítica; GM, granulócito, monócito; Meg, megacariócito; NK, natural killer. (b) Células maduras Precursores reconhecidamente comprometidos Células progenitoras multipotentes Células-tronco Autorrenovação Multiplicação Diferenciação (a) Figura 1.3 (a) As células da medula óssea perdem a capacidade de autorrenovação com a diferenciação crescente, à medida que amadu- recem. (b) Depois de múltiplas divisões (mostradas pelas linhas verticais), uma única célula-tronco produz > 106 células maduras. HOFFBRAND_Fundamentos_Hematologia_7ed_BOOK.indb 3 24/08/2017 15:02:14 4 / Capítulo 1: Hematopoese também em tumores que se originem dessas células-tronco (ver Capítulo 11). As células precursoras, contudo, são capazes de responder a fatores de crescimento hematopoéticos com au- mento de produção seletiva de uma ou outra linhagem celular de acordo com as necessidades. O desenvolvimento de células maduras (eritrócitos, granulócitos, monócitos, megacariócitos e linfócitos) será abordado em outras seções deste livro. Estroma da medula óssea A medula óssea constitui-se em ambiente adequado para so- brevida, autorrenovação e formação de células progenitoras diferenciadas. Esse meio é composto por células do estroma epor uma rede microvascular (Figura 1.4). As células do estroma incluem células-tronco mesenquimais, adipócitos, fibroblas- tos, osteoblastos, células endoteliais e macrófagos, e secretam moléculas extracelulares, como colágeno, glicoproteínas (fibro- nectina e trombospondina) e glicosaminoglicanos (ácido hia- lurônico e derivados condroitínicos) para formar uma matriz extracelular, além de secretarem vários fatores de crescimento necessários à sobrevivência da célula-tronco. Células-tronco mesenquimais são críticas na formação do estroma. Juntamente com os osteoblastos, elas formam nichos e fornecem os fatores de crescimento, moléculas de adesão e citoquinas que dão suporte às células-tronco, como, por exemplo, a proteína indentada, que permeia as células estromais, liga-se a um receptor NOTCH1 nas células-tronco e, então, torna-se um fator de transcrição envolvido no ciclo celular. As células-tronco são capazes de circular no organismo e são encontradas em pequeno número no sangue periférico. Para deixar a medula óssea, elas devem atravessar o endotélio vascular, e esse processo de mobilização é aumentado pela administração de fatores de crescimento, como o fator esti- mulador de colônias de granulócitos (G-CSF) (ver p. 91). O processo reverso, de “volta ao lar” (homing), parece de- pender de um gradiente quimiocinético, no qual o fator deri- vado do estroma (SDF-1) que se liga a seu receptor CXCR4 em células-tronco hematopoéticas tem papel crítico. Várias interações críticas suportam a viabilidade das células-tronco e a produção no estroma, incluindo o fator de células-tronco (SCF) e proteínas permeantes estromais e seus respectivos re- ceptores KIT e NOTCH, expressos em células-tronco. Regulação da hematopoese A hematopoese começa com a divisão da célula-tronco em duas, das quais uma a substitui (autorrenovação), e a outra compromete-se em diferenciação. Essas células progenitoras precocemente comprometidas expressam baixos níveis de fa- tores de transcrição, que podem as comprometer com linha- gens específicas. A seleção da linhagem de diferenciação pode variar tanto por alocação aleatória como por sinais externos recebidos pelas células progenitoras. Vários fatores de trans- crição (ver p. 8) regulam a sobrevivência das células-tronco (p. ex., SCL, GATA-2, NOTCH-1), ao passo que outros estão envolvidos na diferenciação ao longo das principais linhagens celulares. Por exemplo, PU.1 e a família CEBP comprome- tem células para a linhagem mieloide leucocitária, ao passo que GATA-2, depois GATA-1 e, a seguir, FOG-1 têm um pa- pel essencial na diferenciação eritropoética e megacariocítica. Esses fatores de transcrição interagem de modo que o reforço de um programa de transcrição possa suprimir o de outra li- nhagem. Os fatores de transcrição induzem a síntese de pro- teínas específicas para cada linhagem celular. Por exemplo, os genes eritroide-específicos para a síntese de globina e heme têm sítios de ligação para GATA-1. Fatores de crescimento hematopoéticos Os fatores de crescimento hematopoéticos são hormônios glicoproteicos que regulam a proliferação e a diferenciação das células progenitoras hematopoéticas e a função das células sanguíneas maduras. Eles podem agir no local em que são produzidos, por contato célula a célula, ou podem circular no plasma. Eles também podem ligar-se à matriz extracelular, formando nichos aos quais células-tronco e células progenito- ras se aderem. Os fatores de crescimento podem causar não só proliferação celular, mas também estimular diferenciação, maturação, prevenir apoptose e afetar as funções de células maduras (Figura 1.5). Os fatores de crescimento compartilham certo número de propriedades (Tabela 1.2) e agem em diferentes etapas da hematopoese (Tabela 1.3; Figura 1.6). Células do estroma são as principais fontes de fatores de crescimento, com exceção da eritropoetina, 90% da qual é sintetizada no rim, e da trombopoetina, sintetizada principalmente no fígado. Um aspecto importante da ação dos fatores de crescimento é que eles podem agir sinergicamente no estímulo à proliferação ou à diferenciação de uma célula em particular. Além disso, a Célula-tronco Matriz extracelular Fibroblasto Molécula de adesão Fator de crescimento Ligante Receptor de fator de crescimento Célula endotelial Macrófago Célula adiposa Figura 1.4 A hematopoese ocorre em um microambiente adequa- do (“nicho”) fornecido pela matriz do estroma na qual as células- -tronco crescem e se dividem. O nicho pode ser vascular (forrado de endotélio) ou endosteal (cercado de osteoblastos). Há locais de reconhecimento específico e de adesão (ver p. 8); glicoproteínas extracelulares e outros componentes estão envolvidos na ligação. HOFFBRAND_Fundamentos_Hematologia_7ed_BOOK.indb 4 24/08/2017 15:02:15 Capítulo 1: Hematopoese / 5 ação de um fator de crescimento em uma célula pode estimu- lar a produção de outro fator de crescimento ou de um recep- tor de fator. SCF e FLT-L (ligante de FLT) agem localmente nas células-tronco pluripotentes e nos progenitores primitivos mieloides e linfoides (Figura 1.6). A interleuquina-3 (IL-3) e GM-CSF são fatores de crescimento multipotentes com ati- vidades parcialmente superpostas. O G-CSF e a trombopo- etina aumentam os efeitos de SCF, FLT-L, IL-3 e GM-CSF na sobrevida e na diferenciação das células hematopoéticas primitivas. Esses fatores mantêm um pool de células-tronco e células progenitoras hematopoéticas sobre o qual agem os fatores de ação tardia, eritropoetina, G-CSF, M-CSF (fator estimulador de colônias de macrófagos), IL-5 e trombopoetina, para au- mentar a produção de uma ou outra linhagem em resposta às necessidades do organismo. A formação de granulócitos e monócitos, por exemplo, pode ser estimulada por infecção ou inflamação por meio da liberação de IL-1 e fator de necrose tumoral (TNF), os quais, por sua vez, estimulam as células do estroma a produzirem fatores de crescimento em uma rede Tabela 1.2 Características gerais dos fatores de crescimento mieloides e linfoides Glicoproteínas que agem em concentrações muito baixas Atuam hierarquicamente Em geral, são produzidos por muitos tipos de células Em geral, afetam mais de uma linhagem Em geral, ativos nas células-tronco/progenitoras e nas células diferenciadas Em geral, têm interações sinérgicas ou aditivas com outros fatores de crescimento Muitas vezes, agem no equivalente neoplásico da célula normal Ações múltiplas: proliferação, diferenciação, maturação, ativação funcional, prevenção de apoptose de células progenitoras Ativação de fagocitose, destruição, secreção Célula inicial Proliferação Diferenciação Maturação Célula final G-CSF G-CSF G-CSF Supressão da apoptose Ativação funcional G-CSF Monócito Neutrófilo G-CSF Figura 1.5 Fatores de crescimento podem estimular a proliferação de células primitivas da medula óssea, dirigir a diferenciação para um ou outro tipo de célula, estimular a maturação celular, suprimir a apoptose ou afetar a função de células maduras pós-mitóticas, como ilustrado nesta figura para o fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF) em relação a um progenitor primitivo mieloide e a um neutrófilo. HOFFBRAND_Fundamentos_Hematologia_7ed_BOOK.indb 5 24/08/2017 15:02:16 6 / Capítulo 1: Hematopoese interativa (ver Figura 8.4). Contrariamente, as citoquinas, como o fator de crescimento transformador-β (TGF-β) e o interferon-γ (IFN-γ) podem exercer um efeito negativo na hematopoese e podem desempenhar algum papel no desen- volvimento de anemia aplástica (ver p. 244). Receptores de fatores de crescimento e transdução de sinais Os efeitos biológicos dos fatores de crescimento são media dos por receptores específicos nas células-alvo. Muitos receptores (p. ex., receptor de eritropoetina [EPO-R], GMCSF-R) per- tencem à superfamília dos receptores hematopoéticos, que dimerizam após conexão com os seus respectivos ligantes. A dimerizaçãodo receptor leva à ativação de uma com- plexa série de vias de transdução de sinais intracelulares, das quais as três principais são a via JAK/STAT, a via proteino- quinase ativada por mitogênio (MAP) e a via fosfatidil- -inositol 3 (PI3) quinase (Figura 1.7; ver Figura 15.2). As proteínas-quinase Janus-associadas (JAK) são uma família de quatro proteínas-quinase específicas à tirosina que se as- sociam aos domínios intracelulares dos receptores de fatores de crescimento (Figura 1.7). Uma molécula de fator de cres- cimento liga-se simultaneamente ao domínio extracelular de duas ou três moléculas receptoras, causando sua agregação. A agregação dos receptores induz à ativação dos JAKs, que, en- tão, fosforilam membros do transdutor de sinal e do ativador Tabela 1.3 Fatores de crescimento hematopoéticos Agem nas células do estroma IL-1 TNF Agem nas células-tronco pluripotentes SCF FLT3-L VEGF Agem nas células progenitoras multipotentes IL-3 GM-CSF IL-6 G-CSF Trombopoetina Agem em células progenitoras comprometidas G-CSF* M-CSF IL-5 (CSF-eosinófilo) Eritropoetina Trombopoetina* CSF, fator estimulador de colônias; FLT3-L, FLT3 ligante; G-CSF, fator estimulador de colônias de granulócitos; GM-CSF, fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos; IL, interleuquina; M-CSF, fator es- timulador de colônias de macrófagos; SCF, fator de célula-tronco; TNF, fa- tor de necrose tumoral; VEGF, fator de crescimento do endotélio vascular. *Estes também agem sinergicamente com fatores anteriormente ativos em progenitores pluripotentes. IL-3 IL-3 TPO Plaquetas Monócitos Neutrófilos EosinófilosEritrócitos SCF FLT3-L EPO GM-CSF GM-CSF BFUEMeg CFUMeg CFUE BFUE PSC CFUM CFUG CFUGM M-CSF G-CSF IL-5 CFUEo CFU-GEMM CFU-GMEo Figura 1.6 Diagrama do papel dos fatores de crescimento na hematopoese normal. Múltiplos fatores de crescimento agem nas células- -tronco primitivas e progenitoras da medula óssea. EPO, eritropoetina; PSC, célula-tronco pluripotente; SCF, fator de célula-tronco; TPO, trombopoetina. Para outras abreviaturas, ver Figura 1.2. HOFFBRAND_Fundamentos_Hematologia_7ed_BOOK.indb 6 24/08/2017 15:02:16 Capítulo 1: Hematopoese / 7 Expressão gênica MYC, FOS MAP-quinase Apoptose bloqueada RAF RAS Dímeros ativos de STAT Ativação da expressão gênica STATs JAK JAK AKT Quinase Pl3 Membrana plasmática Núcleo Fator de crescimento M G2 G1 S Rb p53 Dano no DNA E2F Figura 1.7 Controle da hematopoese por fatores de crescimento. Os fatores agem em células que expressam o receptor correspondente. A ligação de um fator de crescimento a seu receptor ativa as vias JAK/STAT, MAPK e fosfatidilinositol-3-quinase (PI3K) (ver Figura 15.2), o que provoca ativação transcricional de genes específicos. E2F é um fator de transcrição necessário para a transição celular da fase G1 para a fase S. E2F é inibido pelo gene supressor de tumor Rb (retinoblastoma), o qual pode ser ativado indiretamente por p53. A síntese e a degradação de diversas ciclinas estimulam a célula a passar pelas diferentes fases do ciclo celular. Os fatores de crescimento também podem suprimir a apoptose pela ativação de AKT (proteína-quinase B). RNA-polimerase + fatores acessórios Transcrição Domínio de ligação com DNA Domínio de transativação Amplificador de sequência de DNA Caixa de sequência TATA (promotor) Gene estrutural Figura 1.8 Modelo para controle de expressão gênica por um fator de transcrição. O domínio de ligação com DNA de um fator de transcri- ção liga uma sequência amplificadora específica adjacente a um gene estrutural. O domínio de transativação, então, liga uma molécula de RNA-polimerase, aumentando sua ligação com a TATA box. A RNA-polimerase inicia a transcrição do gene estrutural para formar mRNA. A translação do mRNA pelo ribossomo gera a proteína codificada pelo gene. HOFFBRAND_Fundamentos_Hematologia_7ed_BOOK.indb 7 24/08/2017 15:02:16 8 / Capítulo 1: Hematopoese de transcrição (STAT) da família dos fatores de transcrição. A consequência é a dimerização e a translocação desses, do citoplasma para o núcleo, através da membrana nuclear. Den- tro do núcleo, dímeros STAT ativam a transcrição de genes específicos. Um modelo para o controle da expressão gênica por um fator de transcrição é mostrado na Figura 1.8. A im- portância clínica dessa via foi comprovada pelo achado de uma mutação que ativa o gene JAK2 como causa da policite- mia vera (ver p. 166). JAK também pode ativar a via MAPK, que é regulada por RAS e controla a proliferação. Quinases PI3 fosforilam lipí- dios do inositol, os quais têm um amplo espectro de efeitos em sequência, incluindo ativação de AKT, que causa bloqueio de apoptose e outras ações (Figura 1.7; ver Figura 15.2). Do- mínios diferentes da proteína receptora intracelular podem sinalizar para diferentes processos (p. ex.; proliferação ou su- pressão de apoptose) mediados por fatores de crescimento. Um segundo grupo, menor, de fatores de crescimento, in- cluindo SCF, FLT-3L e M-CSF (Tabela 1.3), liga-se a recepto- res que têm um domínio extracelular semelhante ao das imu- noglobulinas, ligado por uma ponte transmembrana a um domínio tirosinoquinase citoplásmico. A ligação de fatores de crescimento resulta na dimerização desses receptores e na consequente ativação do domínio de tirosinoquinase. A fosfo- rilação de resíduos de tirosina no próprio receptor gera sítios de ligação para proteínas sinalizadoras que iniciam complexas cascatas de eventos bioquímicos, resultando em alterações na expressão gênica, na proliferação celular e na prevenção de apoptose. Moléculas de adesão Uma grande família de moléculas de glicoproteínas, cha- madas de moléculas de adesão, medeia a ligação de células precursoras da medula, leucócitos e plaquetas a vários com- ponentes da matriz extracelular, ao endotélio, a outras super- fícies e umas às outras. As moléculas de adesão na superfície de leucócitos são denominadas receptores e interagem com moléculas (chamadas de ligantes) na superfície de células-alvo potenciais, como, por exemplo, o endotélio. As moléculas de adesão são importantes no desenvolvimento e na manutenção das respostas inflamatória e imunológica, e nas interações de plaquetas e leucócitos com a parede dos vasos. O padrão de expressão das moléculas de adesão em cé- lulas tumorais pode determinar seu modo de disseminação e sua localização tecidual (p. ex., o padrão de metástases de células carcinomatosas e o padrão folicular ou difuso de cé- lulas de linfomas). As moléculas de adesão também podem determinar que as células circulem na corrente sanguínea ou permaneçam fixas no tecido. Há, também, a possibilidade de determinarem parcialmente a suscetibilidade de células tumo- rais às defesas imunológicas do organismo. O ciclo celular O ciclo de divisão celular, geralmente designado simplesmente como ciclo celular, é um processo complexo que se situa no centro da hematopoese. A desregulação da proliferação celular também é a chave do desenvolvimento de neoplasias malignas. A duração do ciclo celular varia de tecido para tecido, mas os princípios básicos são comuns a todos. O ciclo é dividido em uma fase mitótica ( fase M), durante a qual a célula se divide fisicamente, e uma interfase, durante a qual os cromossomos se duplicam e a célula cresce antes da divisão (Figura 1.7). A fase M é subdividida em mitose, na qual se divide o núcleo, e citocinese, em que ocorre a fissão celular. A interfase é dividida em três estágios principais: fase G1, na qual a célula começa a orientar-se no sentido da replicação; fase S, durante a qual o conteúdo de DNA é duplicado e os cromossomos se replicam; e fase G2, na qual as organelas são copiadas, aumentando o volume citoplasmático. Se as células repousarem antes da divisão, elas entram em um estágio G0, em que podem permanecer por longos períodos. O número de células em cada estágio do ciclo pode ser avaliado pela ex- posição da célula a um agentequímico ou a um marcador radioativo que se incorpore ao DNA recém-formado ou por citometria em fluxo. O ciclo celular é controlado em dois checkpoints, que agem como freios para coordenar o processo de divisão no fim das fases G1 e G2. Duas classes principais de moléculas con- trolam esses checkpoints, as proteinoquinases ciclina-depen- dentes (Cdk), que fosforilam alvos proteicos em sequência, e as ciclinas, que se ligam às Cdks e regulam sua atividade. Um exemplo da importância desses sistemas é demonstrado pelo linfoma de células do manto que resulta da ativação constitucional da ciclina D1 como resultado de uma translo- cação cromossômica (ver p. 223). Fatores de transcrição Fatores de transcrição regulam a expressão gênica pelo con- trole da transcrição de genes específicos ou de famílias de ge- nes (Figura 1.8). Eles contêm ao menos dois domínios: um domínio de ligação ao DNA, como um zíper de leuquina ou hélice-alça-hélice, que se liga a uma sequência específica do DNA, e um domínio de ativação, que contribui para a mon- tagem do complexo de transcrição em um gene promotor. Mutação, deleção ou translocação de fatores de transcrição são a causa subjacente de muitos casos de neoplasias hemato- lógicas (ver Capítulo 11). Epigenética Diz respeito a alterações no DNA e na cromatina que afetam a expressão de outros genes, não relacionados aos que afetam a sequência de DNA. O DNA é enrolado ao redor de histonas, um grupo de proteínas nucleares especializadas. Esse complexo – croma- tina – é firmemente compactado. Para que o código do DNA possa ser lido, os fatores de transcrição e outras proteínas pre- cisam ligar-se fisicamente ao DNA. As histonas são guardiãs desse acesso e, assim, da expressão dos genes. As histonas po- dem ser modificadas por metilação, acetilação e fosforilação, que podem ocasionar aumento ou diminuição da expressão HOFFBRAND_Fundamentos_Hematologia_7ed_BOOK.indb 8 24/08/2017 15:02:16 Capítulo 1: Hematopoese / 9 de genes e, assim, alterar o fenótipo da célula. A epigenética também diz respeito a alterações no próprio DNA, como me- tilação, que regula a expressão genética em tecidos normais e tumorais. A metilação de resíduos de citosina para metilci- tosina resulta em inibição da transcrição de genes. Os genes DNMT 3A e B estão envolvidos na metilação, e TET 1,2,3 e IDH1 e 2 na hidroxilação com consequente ruptura da metilcitosina e restauração da expressão gênica anterior (ver Figura 16.1). Esses genes estão frequentemente mutados nas neoplasias mieloides (ver Capítulos 13, 15 e 16). Apoptose A apoptose (morte celular programada) é um processo re- gulado de morte celular fisiológica pelo qual células indivi- duais são estimuladas a ativar proteínas intracelulares que as levam à própria morte. Morfologicamente, é caracterizada por encolhimento celular, condensação da cromatina nu- clear, fragmentação do núcleo e quebra do DNA em sítios internucleossômicos. É um processo importante de manu- tenção da homeostasia tecidual na hematopoese e no desen- volvimento dos linfócitos. A apoptose resulta da ação de cisteínas-protease intrace- lulares, denominadas caspases, que são ativadas depois da clivagem e levam à digestão de DNA por endonuclease e de- sintegração do esqueleto celular (Figura 1.9). Há duas vias principais pelas quais as caspases são ativadas. A primeira é a sinalização por meio de proteínas da membrana, como Fas ou receptor de TNF, via seu domínio de morte intracelular. Um exemplo desse mecanismo é mostrado por células T citotóxi- cas ativadas, expressando ligante Fas que induz apoptose em células-alvo. A segunda via faz-se pela liberação de citocromo c das mitocôndrias. O citocromo c liga-se à APAF-1 que, en- tão, ativa as caspases. O dano ao DNA induzido por irradia- ção ou por quimioterapia pode agir por essa via. A proteína p53 tem um papel importante em “sentir” quando há dano ao DNA. Ela ativa a apoptose, aumentando o nível celular de BAX, que estimula a liberação de citocromo c (Figura 1.9). P53 também suprime o ciclo celular para impedir que a célula lesada se divida (Figura 1.7). O nível celular de p53 é rigi- damente controlado por uma segunda proteína, a MDM2. Depois da morte, as células apoptóticas expõem moléculas que levam à ingestão por macrófagos. Assim como as moléculas que favorecem a apoptose, há várias proteínas intracelulares que protegem as células contra a apoptose. O exemplo mais bem-caracterizado é a BLC-2, protótipo de uma família de proteínas relacionadas, algumas das quais são antiapoptóticas, e outras, como a BAX, são pró-apoptóticas. A proporção intracelular de BAX e BCL-2 determina a suscetibilidade relativa das células à apoptose (p. ex., determina a sobrevida de plaquetas) e pode agir pela regulação da liberação de citocromo c pelas mitocôndrias. Muitas das alterações genéticas associadas a doenças ma- lignas diminuem a velocidade de apoptose e prolongam a so- brevida celular. O exemplo mais claro é a translocação do gene APOPTOSE BCL-2 BCL-2 aumentada Fator de sobrevivência, p. ex., fator de crescimento Fator de morte, p. ex., ligante Fas Liberação de citocromo c Inibe Domínio de morte Procaspases Caspases Dano ao DNA Drogas citotóxicas Radiação Expressão do gene BAX Proteína BAX aumentada p53 Figura 1.9 Representação da apoptose. A apoptose é iniciada via dois estímulos principais: (i) sinal por meio de receptores da membrana celular, como receptor de Fas ou fator de necrose tumoral (TNF), ou (ii) liberação de citocromo c da mitocôndria. Os receptores de membrana sinalizam apoptose por um domínio intracelular de morte levando à ativação de caspases que digerem DNA. O citocromo c liga-se à proteína citoplasmática Apaf-1, levando à ativação de caspases. A relação intracelular de pró-apoptóticos (p. ex., BAX) e antiapoptóticos (p. ex., BCL-2) da família BCL-2 pode influenciar a liberação de citocromo c. Fatores de crescimento aumentam o nível de BCL-2, inibindo a liberação de citocromo c, ao passo que o dano de DNA, ativando a p53, aumenta o nível de BAX que, por sua vez, aumenta a liberação de citocromo c. HOFFBRAND_Fundamentos_Hematologia_7ed_BOOK.indb 9 24/08/2017 15:02:17 10 / Capítulo 1: Hematopoese da BCL-2 para o lócus da cadeia pesada de imunoglobulina na translocação t(14; 18) no linfoma folicular (ver p. 222). A superexpressão da proteína BCL-2 torna as células B malig- nas menos suscetíveis à apoptose. A apoptose é o destino nor- mal da maioria das células B que são selecionadas nos centros germinativos linfoides. Várias translocações que levam a proteínas de fusão, como t(9; 22), t(1; 14) e t(15; 17), também resultam em inibição da apoptose (ver Capítulo 11). Além disso, genes que codifi- cam proteínas envolvidas na mediação de apoptose quando há dano ao DNA, como a p53 e a ATM, também sofrem mutações frequentes que as inativam em doenças hematopo- éticas malignas. Necrose é a morte de células e de células adjacentes de- vido a isquemia, trauma químico ou hipertermia. As células incham e há perda da integridade da membrana plasmática. Em geral, há um infiltrado inflamatório em resposta à li- beração dos conteúdos celulares. Autofagia é a digestão de organelas celulares por lisossomos. Pode estar envolvida em morte celular, porém, em algumas situações, também está envolvida na manutenção da sobrevida celular por nutrien- tes reciclados. R E S U M O QQ A hematopoese (formação das células sanguíneas) origina-se de células-tronco pluripotentes na medula óssea. Células-tronco dão origem a células progenitoras que, após divisão e diferenciação, formam eritrócitos, granulócitos (neutrófilos, eosinófilos e basófilos), monócitos, plaquetas e linfócitos B e T. QQ O tecido hematopoético ocupa cerca de 50% do espaço medular na medula óssea normal do adulto. A hematopoese no adulto é confinada ao esqueleto central, porém, em lactentes e crianças jovens, o tecido hematopoético estende-se pelos ossoslongos dos membros superiores e inferiores. QQ Células-tronco residem na medula óssea em nichos formados por células do estroma e circulam no sangue. QQ Fatores de crescimento ligam-se a receptores celulares específicos e produzem uma cascata de eventos de fosforilação no núcleo celular. Fatores de transcrição conduzem a mensagem aos genes que devem ser ativados para estimular divisão celular, diferenciação, atividade funcional ou suprimir a apoptose. QQ Moléculas de adesão são uma ampla família de glicoproteínas que medeiam o acoplamento de precursores mieloides, leucócitos maduros e plaquetas à matriz extracelular, ao endotélio e uns aos outros. QQ Epigenética refere-se a alterações no DNA e na cromatina que afetam a expressão de outros genes que não fazem parte da sequência de DNA. Modificação de histonas e metilação do DNA são dois exemplos relevantes para a hematopoese e para as neoplasias hematológicas. QQ Fatores de transcrição são moléculas que se ligam ao DNA e controlam a transcrição de genes específicos ou de famílias de genes. QQ Apoptose é um processo fisiológico de morte celular decorrente da ativação de caspases. A relação intracelular entre proteínas pró-apoptóticas (p. ex., BAX) e proteínas antiapoptóticas (p. ex., BCL-2) determina a suscetibilidade da célula à apoptose. Visite www.wileyessential.com/haematology para testar seus conhecimentos neste capítulo. HOFFBRAND_Fundamentos_Hematologia_7ed_BOOK.indb 10 24/08/2017 15:02:17
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