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Artigo - João Saldanha

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João Saldanha e a ditadura: a trajetória de ‘João sem medo’ como 
militante político, jornalista e técnico de futebol durante o regime civil-
militar 
 Rayan Mota Brum1 
 
RESUMO: O presente artigo tem por fim analisar a trajetória de João Alves Jobim 
Saldanha em suas ocupações de maior destaque dentro do cenário nacional brasileiro. 
Problematizam-se também as particularidades políticas o qual o jornalista estava 
inserido, tomando como variável importante o fato de ter sido um conhecido comunista 
ocupando um cargo público durante o regime civil-militar, que teve início em 1964 e 
seu fim em 1985. Saldanha como figura pública e popular, fora responsável por 
confrontar o então presidente Médici, gerando assim uma polêmica que revela muito da 
forma com que ‘sem medo’ encarava o período ditatorial e a forma como o governo em 
questão se portava. 
Palavras Chave: Futebol. Ditadura. João Saldanha. Copa do Mundo. 
ABSTRACT: This article aims to analyze the trajectory of João Alves Jobim 
Saldanha in his most prominent occupations within the Brazilian national scene. The 
political particularities in which the journalist was inserted are also problematized, 
taking as an important variable the fact that he was a well-known communist occupying 
a public position during the civil-military regime, which began in 1964 and ended in 
1985. Saldanha as a public and popular figure, he was responsible for confronting the 
then president Médici, thus generating a controversy that reveals much of the way in 
which 'fearlessly' faced the dictatorial period and the way the government in question 
behaved. 
Keywords: Football. Dictatorship. João Saldanha. World Cup. 
 
 
 
1 Formando pelo Departamento de História e Relações Internacionais – Instituto de Ciências Humanas e Sociais – 
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Campus Seropédica. Km 07, Zona Rural, BR-465, Seropédica - RJ, 
23890000 Rio de Janeiro – Brasil. E-mail: rayanbrum@hotmail.com 
Rayan Mota Brum 
2 
 
1. Introdução 
Do que se viveu e se discute, do que se aplica ao fantasioso e ao real, das táticas 
e pranchetas, das ações e das filosofias, a trajetória de João Alves Jobim Saldanha se 
destaca dentro de uma análise historiográfica quando se aborda um recorte cronológico 
com enfoque em um período de intensos conflitos, a ditadura militar (1964-1985). Neste 
ponto, a utilização das biografias se torna imprescindível, ditando a dinâmica de análise. 
O estudo das biografias e trajetórias tende a ser árduo, porém, não menos importante 
que qualquer outro, visto que, através deste modelo de escrita, podem ser construídos 
heróis ou vilões, portanto, para uma discussão minuciosa acerca de Saldanha, é 
necessário adentrar este campo de estudo, tentando distinguir o real do fantasioso, mas 
não descartando o segundo, pois se ali está presente, configura uma intenção do autor. 
Militante fervoroso do Partido Comunista Brasileiro, e nascido em Alegrete, Rio 
Grande do Sul, João Saldanha, ou como seria conhecido mais a frente, João Sem-Medo, 
faz parte de uma teia de conexões dentro do que se analisa toda uma particularidade da 
história nacional e, como figura pública, conseguiu transitar entre cargos que lhe 
conferiam certa popularidade, sendo eles o de jornalista e técnico de futebol, dando 
ênfase em sua passagem conturbada pela seleção brasileira durante as eliminatórias da 
Copa de 70. 
A estratégia, dentro deste artigo, gira em torno de se discutir como foi a atuação 
de Saldanha durante o período em que o Brasil esteve sob tutela de oficiais das forças 
armadas, além de elucidar também, particularidades referentes a sua forma de pensar e 
entender a sociedade. Para tal ação historiográfica, inúmeras fontes serão apresentadas, 
com ênfase, neste ponto, as biografias, que embora por muito tempo omitidas do estudo 
da história, voltaram a figurar em local de destaque. 
 
Enfim, à medida que a história se constituiu como uma disciplina com 
pretensões científicas, a biografia foi progressivamente exilada de seus 
domínios, o que não impediu que ela continuasse a ser praticada, em geral 
por historiadores "menores", ou como matéria-prima para elaboração das 
grandes sínteses, ou visando à construção de referências identitárias propícias 
á difusão de uma pedagogia nacionalista, ou, ainda, como forma de atender 
ao gosto de um público sempre sedento por títulos do tipo "A vida secreta 
de..." Contudo, tais narrativas normalmente eram menosprezadas pelos 
historiadores científicos, cada vez mais preocupados com o estrutural e o 
coletivo. Entretanto, desde a década de 1980, verifica-se uma "redescoberta", 
a partir de outros referenciais, desse gênero, o qual, ainda nos anos 1990, se 
3 
 
impôs, embora não sem ressalvas, como forma legítima de se escrever e de se 
compreender a História.2 
 
 Embora omitidas do estudo da história por anos a fio, a biografia consegue 
revelar de maneira eficaz pontos que merecem destaque dentro da trajetória da figura 
que se busca estudar. Após sua inserção no meio historiográfico de maneira menos 
marginalizada e como fonte plausível para análise, foi possível traçar parâmetros de 
pesquisa que contemplem a necessidade do historiador. Exemplos de utilização desse 
gênero literário na história perpassam questões de se entender o uso demasiado de 
vocábulos na obra, a linha de narrativa do autor, se é uma autobiografia ou não e 
pormenores referentes à história do biografado. 
No que diz respeito à maneira de se entender o gênero quando se desloca a ótica 
para o personagem João Saldanha, foi necessário compreender o que separava o 
fantasioso do real. Por se tratar de um jornalista reconhecido por se utilizar de aventuras 
e prosas para relatar suas vivências, o uso de suas biografias abrange uma análise de 
como era a personalidade de sem-medo, suas rusgas pessoais e também as memórias de 
sua atuação como técnico, jornalista e militante. Mesmo que alguns desses relatos soem 
um tanto fantasiosos, ainda assim conseguem reverberar um pouco das ideias do gaúcho 
e do tempo histórico no qual estava inserido. 
 Sempre destacado pelo jornalismo como um homem de palavras ácidas e 
irredutível defensor de seus ideais, para que se discuta seus pormenores relacionados a 
personalidade e atuação, é necessário através de um levantamento histórico, entender 
como se deu a resistência do partido o qual fez parte por longos anos de sua vida, dentro 
de um destacamento temporal referente a ditadura militar e poucos anos antes do golpe 
em si, pois assim, será possível compreender sua atuação não apenas como militante, 
mas também como técnico e comunicador. 
Deste modo, este artigo será dividido em três partes. A primeira referente a sua 
militância terá como enfoque compreender a trajetória de Saldanha como membro do 
PCB e também a situação em que o partido se encontrava durante os anos pré ditadura 
militar e durante o regime, dando ênfase a visão do grupo político em relação a como 
agir frente aos militares. A segunda parte discorrerá acerca de sua experiência como 
jornalista e cronista, salientando sua popularidade, assim como sua maneira simples de 
 
2 SCHMIDT, Benito Bisso. História e biografia. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: UFRJ, p. 187-205, 2011. 
4 
 
se comunicar com o público, característica que chamou atenção da Confederação 
Brasileira de Desportos (CBD) e que culmina na terceira e última parte do artigo, 
orientada a argumentar sobre sua breve passagem como técnico da seleção brasileira 
durante a ditadura, momento este que reflete questões da sociedade brasileira em seus 
aspectos culturais e políticos. 
 
2. O militante 
Os conflitos e discussões relacionadosa uma esquerda combatente e comunista e, a 
uma direita militar em conjunto com um plano econômico de cunho empresarial, nunca 
cessaram dentro do período conhecido como ditadura militar e, embora o Partido 
Comunista Brasileiro não fosse um entusiasta da luta armada, ainda assim sofreram com 
decretos que o obrigaram a agir de maneira precavida, visando a integridade física de 
seus integrantes. “Após ter jugulado a guerrilha urbana e rural, o poder militar decidiu 
tomar a mesma providência em relação ao PCB, mesmo ciente de que este partido era 
infenso à luta armada.” 3·. Dentro desta perspectiva, é possível buscar uma análise das 
ações e particularidades deste grande grupo, que nesta época em questão, se apresentava 
no cenário nacional de modo imponente, conquistando o posto de segundo maior 
partido brasileiro, quando se buscava como referência as variáveis, número de membros 
e popularidade, configurando assim, um enorme partido de massa. Inserido em diversos 
setores da sociedade, o ‘partidão’ se encontrava em espaços e veículos coletivos, dentre 
os quais a igreja, o jornal, e os movimentos estudantis. 
 Fundado em 25 de março de 1922, o PCB ou “partidão”, como iria ser 
conhecido, iniciou sua trajetória anos após a revolução Bolchevique. Inspirado no 
leninismo e na luta contra as problemáticas econômicas e sociais oriundas do 
capitalismo, se estabeleceu no Brasil através de ações pontuais, como a aproximação 
para com as massas, a luta sindical e o embate com as grandes empresas. Embora se 
encontrasse dentro de um espectro político marcado pela luta armada e confrontos 
violentos, tal partido não possuía um histórico revolto, mantendo-se assim, até mesmo 
durante os anos em que as forças armadas estavam na dianteira do país.4 
 
3 BANDERA, Vinicius. "A ditadura caça o pcb: um recorte do período autoritário pós-64." Cadernos Cedem 3.1 (2012): 
38-72. 
4 GORENDER, Jacob. "Combate nas trevas: a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada."São Paulo: Ática 
(1987). 
5 
 
Os dias que antecederam o golpe cívico militar decorreram normalmente uma vez 
que poucas pessoas tinham total ciência dos acontecimentos que viriam em breve, 
enquanto o jogo político ia se desenrolando, os membros e simpatizantes do PCB 
estariam fadados a um período de intensa luta e em muito dos momentos, a entrega à 
clandestinidade por anos a fio, isso quando não desapareciam sem deixar rastros, atitude 
essa que não era inédita, visto que o grupo político não gozava da simpatia de Getúlio 
Vargas durante o período em que o mesmo foi chefe de Estado. Essas particularidades, 
sempre rechaçadas por um temor proveniente do alto escalão, de que ações comunistas 
prejudicassem o desenvolvimento do governo, justificando-se por uma violência 
inerente da ideologia, nunca foram postas a prova pelo PCB, que se mantinha distante 
do uso de armas. 5 
 Por muitos anos, mais precisamente de 1946 a 1964, o Partido Comunista 
Brasileiro foi o maior expoente da esquerda dentro do Brasil, muito em detrimento do 
grande foco em industrialização como marco da era Varguista. Embora tenha tido como 
fundamento uma arbitrariedade que pudesse controlar de maneira conjunto burgueses e 
operários, Vargas acabou por gerar um efeito inverso, alçando o trabalhador a um 
patamar que iria se estabelecer de maneira sólida, tendo como características não só a 
força de trabalho, mas também a singularidade de um cidadão pensante e organizado. 
Não apenas movido pelo grande número de operários nas grandes capitais brasileiras, o 
partido marxista também foi se desenvolvendo de acordo com seus posicionamentos 
políticos dentro do âmbito nacional na história, ora apoiando presidenciáveis ora os 
atacando, gerando em certos momentos imbróglios até mesmo dentro da alta cúpula do 
grupo. Para além do já citado, o partido também foi berço de intelectuais, que ou 
integravam o partido ou eram simpatizantes da causa, de áreas distintas, cito: Oscar 
Niemeyer (Arquiteto), Jorge Amado (Escritor) e Saldanha (Jornalista). Essa grande 
inserção na sociedade ocasionava popularidade e prestígio ao perseguido partido, no que 
se tem como referência o povo brasileiro.6 
 Permeado por grandes discussões internas, o PCB chega por volta de 1963 como 
um dos maiores partidos brasileiros, organizado, forte e com um significativo poder de 
decisão e influência dentro do cenário político nacional, e como apontado por Gorender, 
 
5 GORENDER, Jacob. "Combate nas trevas: a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada."São Paulo: Ática 
(1987). 
6 GORENDER, Jacob. "Combate nas trevas: a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada."São Paulo: Ática 
(1987). 
6 
 
embora tenha tido destaque durante os anos 40, foi apenas na década de 60 que alçou 
vôo para atingir um local privilegiado nas discussões populares. 
 
Naquele ano, o PCB teve o momento de maior poderio em sua história. O 
período de vida legal 1945 -1947 foi luminescente, assinalado pelos êxitos 
eleitorais. Mas se tratava de um brilho enganoso, que disfarçava a 
sustentação fracamente estruturada nas massas operárias e a penetração 
insignificante no meio camponês... Já no período de 1958 – 1964 converteu-
se numa organização com capacidade decisória, apesar da quase ausência de 
expressão eleitoral, uma vez que não conseguiu recuperar o registro de 
partido legal.7 
 
 A partir deste ponto, a ótica de análise se restringe a observar a atuação do 
partidão durante os anos de ditadura abordando questões como: A preferência pela 
oposição não armada, a clandestinidade e os trâmites políticos para que se combatesse o 
período de represália, além de neste mesmo campo de debate, buscar entender qual era o 
comportamento dos membros, mais adiante entrando no âmbito da vivência de João 
Saldanha dentro da militância. 
 Com o avanço dos planos idealizados pela direita militar brasileira, a primeira 
reação da esquerda foi ir à busca de refúgio, visto que por um grande período de tempo 
já sofriam com a perseguição, sendo esta direcionada de modo mais contundente aos 
comunistas. Seguindo uma tática de expurgo, e se apoiando não apenas em discursos 
que selavam o destino dos marxistas atribuindo-lhes as características de terroristas e 
inimigos da nação, as forças militares também conseguiam respaldo no grande 
empresariado, que observava com bons olhos o golpe, principalmente quando tinham 
como premissa o crescimento econômico individual. 
 
Além disso, a atuação empresarial durante o período não se restringiu 
exclusivamente ao apoio, verificado em iniciativas como a Operação 
Bandeirantes, mas também no favorecimento aos empresários de forma 
direcionada ou mediante as políticas estatais e o autoritarismo do regime, do 
qual as empresas eram muitas vezes beneficiárias. 8 
 
 Além desta política, também foi comum a busca por demonizar os sindicatos, 
“De 1964 a 1970, o Ministério do Trabalho destituiu as diretorias de 563 sindicatos, a 
 
7 GORENDER, Jacob. "Combate nas trevas: a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada."São Paulo: Ática 
(1987).p.46 
8 CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Empresariado e ditadura no Brasil: o estado atual da questão e o caso dos 
empreiteiros de obras públicas. Revista TransVersos, n. 12, 2018. 
7 
 
metade deles de trabalhadores da indústria”9.Dentro desta perspectiva, pode se esmiuçar 
como a luta foi sendo minada pouco a pouco com o Ato Institucional de número 2, 
extinguindo os partidos políticos, e criando um cenário partidário bilateral, o que 
facilitava o controle estatal. 
No decorrer dos acontecimentos, talvez o que tenha confirmado uma amplitude 
militar e claro, um avanço da direita conservadora e consolidação da ditadura, sem 
dúvidas diz respeitoao Ato Institucional 5, popularmente conhecido como AI-5. Ainda 
que atacada de modo severo, a militância de esquerda não foi combatida por completo, 
alguns por medo cessaram sua luta, para outros, o destino foi o exílio, sendo este, um 
local que intensificou de certo modo uma produção teórica, mas para uma grande 
parcela de homens da esquerda, a organização na clandestinidade ditou o ritmo do que 
seria uma resistência, com algumas ressalvas, como a de Saldanha, o anonimato não 
fizera parte de sua vida, visto que utilizar-se de sua popularidade com o público seria 
benéfico para o decorrer do movimento de resiliência. 
 Quando se pensa em uma atitude de defesa, o Partidão agiu para que seus 
dirigentes fossem transferidos para o exterior, obviamente, de modo forçado, visto que o 
aparelho de Estado já se apresentava de maneira muito brutal, e mesmo atuando de 
maneira resguardada e se colocando como um partido pacífico, a indagação que deve 
ser feita engloba as motivações de se optar pela perseguição e, em muitos casos, o 
assassinato de membros do comitê central. Tal questionamento é desvelado por Vinicius 
Bandeira. 
 
Quanto à questão colocada, há duas hipóteses que buscam desvendá-la: uma 
política e outra ideológica. A primeira é de consistência mais frágil e é 
defendida, por exemplo, por João Falcão e Marco Antônio Coelho. Para 
Falcão, a repressão decidiu voltar se contra o PCB, sobretudo contra sua 
direção, pelo motivo deste partido ter se destacado, com “audácia e 
desenvoltura” no apoio ao MDB nas eleições de 1974 . Marco Antônio por 
sua vez, considera que foi um texto seu, intitulado “Apertar o cerco” e 
tornado editorial da Voz Operária, que motivou a que o PCB se tornasse “a 
bola da vez” (25), pelofato de o editorial considerar que a vitória do MDB 
nas eleições de 1974 representava odeclínio do regime, decorrente da “[...] 
importância da unidade de ação de todas as forças antifascistas”.Marco 
Antônio tem também outra hipótese, essa mais plausível, segundo a qual a 
deliberação de se caçar o PCB deu se por influência dos generais “linha 
 
9 9 GORENDER, Jacob. "Combate nas trevas: a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada."São Paulo: Ática 
(1987).p.141 
8 
 
dura”, buscando, com isso, criar um ambiente de recrudescimento do regime, 
o que seria um estorvo ao projeto de abertura, o qual eles refutavam.10 
 
 Esta dicotomia direita e esquerda apresentava um abrangente embate entre 
diversos setores da sociedade, e é possível pontuar disputas não apenas nos campos 
econômico e social, mas também cultural, quando se observa a “brasilidade”. O termo 
anteriormente citado, que faz bem em reunir inúmeras grandezas, salienta uma que 
sempre fez parte do confronto político, o poder popular. Quando se observa atividades 
referentes a questões do povo, o futebol e o jornalismo ganham um espaço de destaque, 
e estiveram presentes durante toda a duração da repressão militar revelando em 
inúmeros momentos, a tônica cujo o governo buscava estabelecer sua imagem. 
 
A questão da “brasilidade”, a meu ver, é uma categoria fundamental para explicar 
boa parte da tradição cultural comunista-pecebista. Essa categoria ideológica difusa, 
disputada à esquerda e à direita desde ao menos os anos 1930, pautou a busca de 
uma identidade nacional própria que, na visão dos nacionalistas de diversos matizes, 
deveria temperar os efeitos deletérios do desenvolvimento capitalista. Se para a 
direita intelectual tratava-se de defender a tradição e a especificidade da nação como 
aglutinadora da sociedade em torno do Estado nacional autoritário e tutelar (Beired, 
1999), para a esquerda, a brasilidade era a afirmação de uma identidade nacional-
popular e de um idioma cultural comum a várias classes sociais que pudesse 
enfrentar o imperialismo e seus aliados internos. 11 
 
 Pelo fato do PCB ser contrário a organização de guerrilhas, e do embate com 
armas para que assim fosse uma saída a represália, essa disputa hegemônica dentro do 
campo teórico e cultural, era de suma importância, é dentro deste ponto que as grandes 
figuras se destacam como pilares para uma conquista de apoio da grande massa. As 
disputas não se resumiam apenas a direita e esquerda simplesmente, isto se responde 
pelo fato da esquerda, principalmente a brasileira, possuir um caráter fragmentado, por 
vezes pautado pela diferença de entendimento do momento histórico e também, a 
desconformidade no que diz respeito a como atuar dentro deste espaço de tempo, 
gerando, portanto, aqui, muitas siglas como: PCB (Partido Comunista Brasileiro), 
PCdoB(Partido Comunista do Brasil) e PCdoB AV(Partido Comunista do Brasil Ala 
Vermelha), o que revela problemáticas estruturais dentro do mesmo espectro político, 
pois acabavam por enfraquecer a luta por uma unidade de resistência. 
 
 
10 BANDERA, Vinicius. "A ditadura caça o pcb: um recorte do período autoritário pós-64." Cadernos Cedem 3.1 (2012): 
38-72. 
11NAPOLITANO, Marcos. No exílio, contra o isolamento: intelectuais comunistas, frentismo e questão democrática nos 
anos 1970. Estudos Avançados, v. 28, n. 80, p. 41-58, 2014. 
9 
 
À exceção da maioria do Comitê Central do PCB, a esquerda considerou a falência 
do caminho pacífico um fato provado. Seguia-se que a luta armada, não travada 
contra o golpe de direita, tornava-se imperativa quando os golpistas já tinham o 
poder nas mãos. Se tal raciocínio se cristalizou em axioma, nem por isso unificou a 
esquerda, À questão da luta armada se acrescentavam outras, concernetes aos 
antedecentes partidários e doutrinários, a influências teóricas de origem nacional e 
internacional, pressões de países socialistas, limitações regionais e etc. O 
cruzamento destas e outras variáveis explica a proliferação de tantas siglas na 
esquerda daqueles anos.12 
 
 Após a discussão de como foi a atuação do PCB e da esquerda no geral, adentra-
se o momento de se entender como foram feitas as ações do personagem o qual este 
artigo busca esmiuçar características mais concretas, neste ponto, voltando a análise 
para seus feitos como militante do PCB. Nascido no Rio Grande do Sul, mas carioca de 
coração, como se autodenominava, Saldanha, desde muito jovem fez parte de disputas 
políticas, sendo a primeira, herdada pelos pais e, ainda que garoto não conseguisse 
distinguir muito bem do que se tratava, acabou envolvido na rivalidade entre chimangos 
e maragatos. 
Toda a família Saldanha esteve envolvida, de uma forma ou de outra, na 
beligerância entre chimangos e maragatos. João tinha apenas seis anos 
quando, com os irmãos mais velhos, Maria e Aristides, andou trazendo armas 
e munições para os revoltosos, escondendo-as sob a roupa aparentemente 
inocente de criança. 13 
 
 Ainda na juventude, mais precisamente aos 14 anos, Saldanha chega ao Rio de 
Janeiro. Filho de Gaspar Saldanha, um conhecido apoiador de Getúlio e, agora, dono de 
um fórum na cidade maravilhosa, este se tornou um homem com um poder financeiro 
considerável. Ainda que de família rica, João nunca se deixou levar pela condição 
econômica de seus familiares e, no ano de 1935, se filiou ao PCB, junto de seu irmão. 
Saldanha, mais à frente, após a morte de seu pai, herdou parte das riquezas do genitor, 
mas resolveu não utilizá-las, mostrando desapego aos bens materiais e maior ligação a 
sua ideologia comunista, destinando o dinheiro à luta pela causa que defendia. Devido 
ao seu comportamento, se pode estabelecer uma crítica acerca de como esta figura 
histórica era vista por personagens ditos anticomunistas, munido de uma personalidade 
forte e grande apreço a sua causa, seria inevitável investidas contrárias à Saldanha e ao 
que representava, assim como, talvez, uma necessidade de retirá-lo de funções de 
prestígio social.12 GORENDER, Jacob. "Combate nas trevas: a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada."São Paulo: Ática 
(1987)p.79 
13 MÁXIMO, João. João Saldanha: sobre nuvens de fantasia.Rio de Janeiro. Relume Dumará, 1996. p.13 
10 
 
 
 Pode parecer uma romântica inverossímil assertiva, como tantas de João 
Saldanha, mas, pelo menos neste caso, não há como duvidar: o filho do 
“doutor” Gaspar jamais ligaria a mínima para o dinheiro ( segundo revelação 
feita em 1990 pelo dirigente comunista João Avelino, com a morte do pai em 
1960 João Saldanha deixaria o cartório herdado por conta de Aristides e 
passaria sua parte às mãos de Álvaro Ventura, tesoureiro do Comitê Central 
do PCB).14 
 
Os anos de Saldanha na militância começaram cedo, e até mesmo sua escolha de 
curso optando pela faculdade de direito, já revelava um ponto de destaque de sua 
personalidade, uma vez que se tratava de um curso que potencializava e habituava 
discussões políticas. Foi durante estes anos de faculdade, que começara a se aproximar 
mais ainda de integrantes do partidão, resultando na expulsão da instituição de ensino 
devido aos posicionamentos de combate a polícia, que durante um período de forte 
repressão, invadiu o prédio da academia. 
Disposto a lutar por seus ideais, já na formação se mostrava um militante 
enfático. No entanto, o acontecimento de maior contundência, nos primeiros anos de 
Saldanha como militante e membro do PCB, foram na Guerra de Porecatu. O conflito, 
no norte do Paraná, representou uma disputa entre posseiros e grileiros e foi símbolo de 
uma das primeiras organizações de trabalhadores rurais da região sul. Neste embate, o 
PCB foi responsável por mobilizar grandes nomes e através de tentativas de 
aproximação, apoiaram a causa dos posseiros, Saldanha, neste dado momento, atuava 
como uma espécie de líder político, prestando assistência a resistência nos setores de 
organização, arrecadamento e cursos de formação, visando conscientizar os camponeses 
que buscavam resistir ao avanço dos grileiros, os quais utilizavam de pistoleiros, 
jagunços e ainda gozavam de um grande apoio vindo do governador. 
 
Os Gajardoni buscam aproximar o PCB na luta dos posseiros. Para isso era 
preciso que o partido conhecesse a situação dos posseiros; Manoel Jacinto 
vereador de Londrina pelo PCB foi convidado a visitar os posseiros. Foi 
através desta visita que o vereador enviou um relatório ao Comitê Central do 
partido, que logo após passa a se envolver diretamente no conflito da 
região.15 
 
 
14 MÁXIMO, João. João Saldanha: sobre nuvens de fantasia.Rio de Janeiro. Relume Dumará, 1996. p.17 
15 CORREA, Vanessa. Porecatu: uma análise sobre as primeiras organizações camponesas no município de Porecatu e a 
formação de sindicatos no norte do Paraná (1940-1960). 2017. 
11 
 
Dentre os nomes de peso, enviados para o território em questão, Saldanha era 
tido como destaque. Embora pouco comentada, a guerrilha de Porecatu foi responsável 
por um marco na história da região, e das discussões acerca de posses de terra, ainda 
que as notícias e relatos do período tenham sido censurados, a memória de Saldanha 
permanece viva no acontecimento, e destaca muito da personalidade e seus anseios 
acerca de reforma agrária, e luta do trabalhador rural. 
 
 
O objetivo do levante de Porecatu era formar uma frente contra os 
“latifundiários”, inclusive com o apoio da burguesia nacional, a favor de uma 
reforma agrária radical. Nesse episódio o PCB teve uma atuação direta, 
destacando-se Manoel Jacinto Corrêa e Flavio Ribeiro como organizadores. 
Inúmeros personagens da Direção Nacional do PCB foram ao local do 
conflito devido a sua repercussão, como Gregório Bezerra e João Saldanha. 
Segundo Izaurino Patriota, o episódio só “não teve divulgação maior, porque 
a censura não permitiu”. 16 
 
Durante seu período como membro ativo do Partido Comunista, colecionou 
diversos momentos de atuação dentro de uma grande gama de setores do movimento 
político, dentre os destaques, a facilidade em transitar para o exterior, utilizando de 
diplomacia para denunciar crimes da ditadura, no período Vargas e militar. Além disso, 
sua atuação dentro do jornal do povo e o período como Secretário Geral da União da 
Juventude Comunista. Embora fosse um personagem reconhecido, nunca deixou de 
sofrer perseguições mediante sua posição ideológica. Além de uma já consolidada 
vivência no “partidão”, não se contentava em se acomodar, fazendo viagens para que 
assim pudesse estudar o Marxismo-Leninismo fora do Brasil, bebendo de inúmeras 
fontes que guiavam as ações vermelhas no mundo. Ainda que extremamente ligado às 
causas políticas, mantinha seu lado de amante do futebol bastante vivo até mesmo em 
sua atuação como militante, sendo responsável por organizar torneios esportivos que, 
além de compartilhar e promover o lazer disseminavam as ideias comunistas pelo 
Brasil. 
Sua vida, de forma geral, nunca se afastou de sua militância. Embora dificulte 
uma separação em setores de análise, no entanto, como uma grandeza contemplada por 
este artigo, a militância, vai ser algo visto em todos os aspectos da vida de Saldanha, 
partindo da premissa que este sempre utilizou de suas ocupações para reivindicar seus 
 
16 PRESTES, Anita Leocadia. Comunistas no Paraná (1945-1964). Rev. Sociol. Polít., Curitiba,v. 17, n. 33, p. 215-219, jun. 
2009 
12 
 
anseios e ideais, assim, ratifico que neste primeiro momento, o foco esteve em embasar 
seus primeiros anos de atuação, contextualizando sua figura atrelada ao PCB, e a 
situação do partido frente à ditadura. 
Conseguindo conciliar sua vida como militante, em conjunto de suas muitas 
outras ocupações, Saldanha se tornou uma figura um tanto emblemática em uma área 
específica, a do jornalismo, mais precisamente o jornalismo esportivo, sendo 
responsável por crônicas, artigos e colunas, que talvez tenham sido sua maior forma de 
expressão dentro dos anos em que resistiu ao processo de perseguição aos comunistas e 
também a própria censura. 
 
3. O jornalista e cronista 
 O jornalismo sempre esteve presente no imaginário brasileiro, em diversos 
setores da comunicação, seja como mecanismo de entretenimento, informação, ou 
investigativo. A sua inserção dentro do campo social, não é realizada apenas de maneira 
espontânea, mas com um ou mais objetivos previamente estudados pelo autor de uma 
matéria, ou pelo grupo o qual pertence. Dentro dessa ótica de análise, é possível 
observar o quanto um individuo pode exercer, de diferentes maneiras, uma influência no 
leitor ou telespectador de acordo com o que produz. Neste ponto, a figura de Saldanha 
em muito se destaca, visto que, foi autor de crônicas, jornalista esportivo, e para, além 
disso, um militante da primeira palavra ao ponto final. Trazendo uma tônica de 
enfrentamento aos seus trabalhos, foi responsável de maneira implícita e explicita, por 
esmiuçar as problemáticas oriundas de um regime autoritário e violento para com 
personagens da oposição. 
 
O jornalismo só existe como profissão e tem uma função na sociedade, 
porque trabalha para fornecer à população informação que contribua com o 
desenvolvimento de sua cidadania. Essa característica constitucional do 
jornalismo faz com que ele tenha entre os seus fundamentos principais 
elementos como independência, o compromisso com a verdade, a lealdade 
com os cidadãos e o dever de apresentar as notícias de forma proporcional, 
entre outros apontados por Kovach e Rosenstiel.17 
 
 As produções literárias e a atuação em diversos setores da comunicação de 
Saldanha foram ferramentas de luta, assim como não deixavam de revelar seus ideais 
 
17 PERDOMO, Nidiane Saldanha. A função social do jornalismo no mercado de notícias.Trabalhode conclusão de curso. 
Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul. 2015 
13 
 
claramente enviesados para o lado da esquerda comunista, sendo isto, feito de maneira 
transparente, ainda que na ditadura militar. Entender esta dinâmica contempla entender, 
mesmo que de maneira não completa, sua vivência como figura de combate a repressão. 
 Saldanha sempre foi um adepto da leitura, e ainda garoto, já se mostrava um 
desenvolto comunicador, e foi por este caminho, que trilhou toda sua trajetória até 
conquistar espaço nas grandes mídias brasileiras. O início de sua carreira foi de maneira 
um tanto tragicômica, em 1945, antes das eleições de Dezembro, o então clandestino 
PCB conseguiu ser legalizado, e Saldanha, membro e militante do partido, resolveu por 
estudar História na Europa, mais precisamente Paris. Mal ele sabia que em 1947, o 
‘partidão’ retornaria aos anos de marginalização. Aqui, vale destacar o ímpeto do sujeito 
em ir atrás de uma temática que conseguisse dialogar com seus anseios sociais, e nisso, 
a História exerce um papel de destaque. Necessário apontar também, o fato de que foi 
até a França, conhecido berço da escola dos Annales, que na década em questão se 
mostrava uma forte corrente historiográfica e antro de intelectuais das áreas das ciências 
humanas, ainda que tal afirmação carregue um forte eurocentrismo, para o recorte 
cronológico frisado, significava um grande prestígio. É dentro desta viagem em 
particular, que Saldanha tem seu primeiro contato com uma ocupação que o ajudaria a 
se tornar um personagem do jornalismo brasileiro. 
 
Que tal viajar pela Europa, visitando ruínas de guerra, prisões nazistas, 
campos de concentração, e depois transformar tudo isso em reportagens para 
a agência de Aldo? – Como Jornalista? – perguntou Saldanha. – Claro, como 
jornalista. – Mas eu não entendo nada de jornalismo. Não era preciso, 
explicou Sandrino. Bastava ver e contar. 18 
 
 
 Seus anos iniciais se resumiram a viagens por territórios arrasados pela guerra, 
contando suas vivências como correspondente. Foi apenas em 1947 retornando ao 
Brasil, que começou a exercer sua função em território nacional, um tanto já polida pelo 
exterior, começando na Folha do Povo, jornal esse, de esquerda e ligado ao PCB. Além 
da Folha do Povo, seu primeiro jornal, João também fez parte do corpo profissional de 
outros meios de comunicação, como a Rádio Nacional, a Rádio Guanabara, o Jornal 
Última Hora, a Revista Esportiva Facit na TV Rio, a TV Globo, assim como a Rádio 
Globo, a Tupi e o Jornal do Brasil, para que mais a frente, próximo de sua morte, 
também compusesse a lista de jornalistas da TV Manchete para a cobertura da Copa de 
 
18 MÁXIMO, João. João Saldanha: sobre nuvens de fantasia. Rio de Janeiro Relume Dumará, 1996. p 21 
14 
 
1990 em Roma. A partir destas informações, podemos iniciar um estudo acerca de seus 
artigos, crônicas e claro a visão da imprensa, durante os anos referentes a ditadura 
militar, período este marcado pela censura. 
Nos anos de 1949 até 1954, João, viveu na clandestinidade, ainda que não fosse 
um alvo primário, era um homem condenado a prisão, sendo procurado pela repressão e 
indiciado a 5 anos de xadrez. Com uma produção escrita que já começava a ganhar 
proporção, principalmente pelo o que andava relatando na Folha do Povo, ‘sem medo’ 
já tinha uma inclinação a cutucar tudo que lhe causava incômodo social, e foi com as 
palavras que acabou mostrando seu lado mais incisivo no momento de obter um 
impacto favorável a seu pensamento quando se discute política. 
 Saldanha, durante toda sua carreira, foi um homem da esquerda, e através de 
suas crônicas, manifestava seu lado comunista, ora de modo sutil, ora bastante 
escancarado, e como sempre fora um contador de histórias, se utilizava da escrita em 
modelo de prosa, pra que pudesse expor algumas particularidades do Brasil, 
principalmente em época de censura e forte controle dos militares, em uma dessas 
muitas histórias contadas, mais especificamente na crônica “O Cristo”, João revela 
como era difícil no Brasil, durante o governo de Dutra, entrar ou transitar com qualquer 
objeto que pudesse remeter ao comunismo. Traçando aqui um paralelo com o momento 
em questão, pode se observar o quanto foi criado no imaginário da população, a ideia de 
inimigo vermelho, sendo este, um dos pilares da orientação ideológica da ditadura civil-
militar brasileira. 
 
Mas eu estava com um problema sério, que veio desde a China. Era uma 
lembrança da viagem, um baita busto do Mao Tsé-Tung. Sei lá. Ainda era o 
Dutra o governo do Brasil. Dutra tinha manifestado sua formação de direita 
várias vezes. E com muito vigor. E eu estava achando que o busto não seria 
bem recebido no Brasil pelas autoridades policiais e aduaneiras. Eu tinha 
andado metido nas encrencas da UNE e... sei lá. Falei com o Jorge e ele 
tentou me convencer do contrário19. 
 
 Uma particularidade destas análises, e do próprio jornalismo, é que para 
entender a relação de Saldanha com a repressão, é possível não apenas beber de seu 
material escrito, mas também do escrito por outros jornalistas, e claro, observar de 
maneira atenta as manchetes de jornal da época, principalmente quando se avalia sua 
 
19 SALDANHA, João. Futebol & outras histórias. São Paulo Editora Record, 1988. 
15 
 
breve passagem no cargo de treinador da seleção brasileira, mas isto é assunto para ser 
discutido mais a frente. 
 Para além do que se utiliza de caneta e papel, a televisão também foi local de 
destaque para João, visto que aos poucos esse meio de comunicação, ainda novo para o 
século passado, foi conquistando seu espaço no imaginário do povo brasileiro, e foi 
nesse momento, que a figura que não se limitava a meias palavras, e com um 
vocabulário popular, caiu nas graças do telespectador nacional. Foi através deste jogo de 
vocábulos, os quais iam se tornando entendíveis pela população, que ‘sem medo’ foi se 
aproximando mais e mais do público, e atuando em diversos meios de comunicação, 
dando destaque nesse momento a Globo, que embora “favorável” ao regime, possuía 
inúmeros comunistas contratados. Saldanha conseguiu emplacar termos, explicitar 
problemáticas, e falar de uma de suas maiores paixões, o futebol, de modo a envolver o 
cidadão não apenas no esporte, mas em outros aspectos culturais e sociais o qual estava 
inserido. 
 
A expressão “na zona do agrião” é uma gíria do futebol, que se refere à 
grande área e cuja criação é creditada a João Saldanha. O significado da 
expressão está relacionado ao cultivo do agrião, uma vez que a hortaliça deve 
ser plantada num terreno que retém uma grande quantidade de água e no qual 
as pessoas precisam se mover com cuidado.20 
 
 
 As críticas de Saldanha não se resumiam apenas a denunciar o regime, mas 
também iam de encontro a tudo que lhe causava certo repúdio, chegando neste tópico, é 
possível observar certa aversão por parte de João, quando se discute as tentativas de 
manipulação no futebol, sejam elas de maneira econômica, ou até mesmo a partir da 
utilização da força, algo corriqueiro, quando se desloca a ótica para um Rio de Janeiro 
repleto de contraventores, dentre eles, Castor de Andrade, responsável por histórias 
icônicas no meio futebolístico e fora dele, e por uma em particular com ‘sem medo’ e 
Manga, então goleiro do Botafogo em 1967. 
 Em uma final de campeonato carioca, disputada entre Botafogo e Bangu, 
desconfiado de intervenções externas por parte de Castor, João acusou Manga de 
suborno, nesse entrave, podemos ver muito da personalidade do jornalista, confrontando 
as ações de um homem de bastante poder no Rio de Janeiro, que era o bicheiro Castor 
que era responsável por desaparecimentos e mortes portoda Guanabara. 
 
20 Hoje na TV”. In: O Globo, 1966 – 1967 
16 
 
 
O comentarista João Saldanha, com um tiro que atingiu o chão, impediu, 
segundo alega, que o goleiro Manga o agredisse, na tarde de ontem, na sede 
do Botafogo, no Mourisco, inconformado que estava o jogador do Botafogo 
com as insinuações de subôrno feitas pelo radialista domingo passado na 
televisão. O incidente, considerado sumamente desagradável pelo presidente 
do clube, desembargador Nei Cidade Palmeiro, ocorreu pouco antes do inicio 
do Jantar da Vitória do Botafogo, para o qual o comentarista não havia sido 
convidado, segundo o presidente alvinegro. Depois do jantar, Manga dirigiu-
se ao 10° Distrito Policial, onde registrou o fato21 
 
 O protagonismo de Saldanha por onde passou, mas principalmente pelo futebol, 
talvez possa ser atribuído também ao fato de ser um grande defensor do que hoje é 
conhecido como futebol arte brasileiro, tal maneira de praticar o futebol, se espelhava 
muito na intensidade do craque do time, e a ele era destinada toda a pompa. João, seria 
um dos maiores entusiastas dessa questão, e não deixaria de apresentar tal 
posicionamento em suas colocações públicas. 
 
Estilo à parte, muito do êxito de João Saldanha, como colunista de jornal e 
comentarista de rádio, está numa posição de que ele assumiria em qualquer 
circunstância: ao craque tudo, ao cartola nada. Se houve na História de nosso 
futebol algum momento em que o dirigente teve mais razão que o jogador, ou 
João Saldanha absteve-se de comentá-lo ou descobriu um modo de dizer que 
pensando bem, o certo era mesmo o craque. 22 
 
 A carreira de Saldanha como jornalista, sempre irá se misturar com a sua como 
técnico, e claro com o futebol, muito pelo fato do jogo das 4 linhas ser uma 
manifestação popular, tal esporte, por exercer um grande impacto na sociedade, mesmo 
em momentos de repressão, se transforma em inúmeros ocasiões, em ferramenta de 
resistência, ou até mesmo de controle, quando se analisa de maneira distinta, pontos de 
vista antagônicos. Assim como Saldanha se utilizou de sua eloquência e conceito no 
âmbito esportivo, o governo ditatorial brasileiro também buscou obter sucesso através 
de massivas campanhas de apoio à seleção e ao futebol em si. Para além do aspecto de 
figura pública e de instrumento do governo, o futebol também habita o imaginário do 
cidadão brasileiro, onde o jogador se torna um exemplo de perseverança e ascensão 
social. 
 
O futebol seria entendido como uma das possibilidades do brasileiro sair da 
posição de mero objeto da ordem para se tornar um sujeito social, "de 
ninguém se tornar alguém", desta forma, o indivíduo alcança sua ascensão e 
 
21 Correio d Manhã registra o dia em que houve os disparos (Arquivo / Correio da Manhã) 
22 MÁXIMO, João. João Saldanha: sobre nuvens de fantasia.Rio de Janeiro. Relume Dumará, 1996. P.58 
17 
 
afirmação dentro da sociedade transformando-se em um ator ativo no direito 
de ordenar o mundo. Inclusive, como nos lembra Luís Cláudio Figueiredo: 
"(...) a carreira de jogador de futebol é atualmente uma das vias régias para 
uma passagem das condições de mero indivíduo para a condição de pessoa 
(..)" O futebol no Brasil não deve ser considerado apenas como uma evasão 
da vida real, afinal as práticas lúdicas por ele engendradas ultrapassam esses 
limites invadindo o tempo "sério" da vida. Ele opera conexões estruturais 
complexas, que abrangem desde as camadas mais humildes da população 
brasileira até as mais altas.23 
 
 Através de toda sua produção na televisão, no rádio e nos jornais, Saldanha 
conquistou grande apreço da população, nos primeiros anos de ditadura, foi um homem 
que além de nunca negar ser comunista, obteve papel de destaque e ressoou sua voz por 
todo Brasil, porém, foi quando se tornou técnico da seleção brasileira, em 1969, que 
conseguiu conquistar um local deveras importante na sociedade, e que lhe permitia não 
apenas denunciar os crimes cometidos pelo regime, mas denuncia-los no exterior, como 
um personagem mundialmente conhecido, o de comandante da seleção. 
 
4. O jornalismo e o futebol em congruência, Saldanha técnico de 
futebol e a Copa de 70 
 Como já esmiuçado, devido a grande popularidade de sua figura em território 
nacional, Saldanha acabou por ser convidado a ser técnico da seleção brasileira, isto em 
um recorte cronológico em que ainda não existia a sigla CBF (Confederação Brasileira 
de Futebol), mas sim, CBD (Confederação Brasileira de Desportos). Porém, ainda que 
pouco conhecida, a primeira passagem de ‘sem medo’ como técnico foi em 1957, no 
Botafogo, seu time de coração, passagem esta que fora sugerida apenas para “tapar um 
incêndio”, a demissão de Geninho, conhecido ídolo alvinegro. Homem de personalidade 
forte, Saldanha duraria quase 3 anos no cargo, mas não sem explicitar seu 
descontentamento com situações específicas presenciadas em General Severiano. 
 
Nas temporadas de 1957 a 1960, João Saldanha foi mesmo o treinador do 
Botafogo, com um breve hiato em 1958, quando chegou a pensar em desistir 
de vez: a política do clube, como de qualquer clube, era extremamente 
apaixonada, por vezes desgastante.24 
 
 
23 BORGES, Luiz Henrique de Azevedo. Do compexo de vira-latas ao homem genial: o futebol como elemento constitutivo 
da identidade brasileira nas crônicas de Nelson Rodrigues, João Saldanha e Armando Nogueira. 2006. 
24 MÁXIMO, João. João Saldanha: sobre nuvens de fantasia.Rio de Janeiro Relume Dumará, 1996.p.47 
18 
 
 Estes anos como treinador, operaram de maneira a ser um aprendizado para o 
que viria uma década depois à frente da seleção canarinho, mas para que se possa 
discutir sua passagem conturbada à frente da seleção, é necessário entender qual era o 
cenário que lhe aguardava, desde motivação do governo até o descontentamento do 
público, com a péssima apresentação em 66, e não menos importante, o quanto tal 
atividade esportiva tinha um papel primordial na condução de uma formação da 
identidade nacional do brasileiro. 
 Desde a década de 50, o futebol já fazia parte da cultura e sociedade brasileira, 
afirmando-se de modo contundente nas especificidades de uma nação. Por ser um 
esporte de massa e de facilidade para a prática, foi se tornando parte do alicerce do “ser 
brasileiro”, e quando uma atividade chega a este ponto, é nítido que ganha um aspecto 
ainda maior, o de ferramenta política, sendo mais acentuada, quando se têm por análise, 
períodos de intensa repressão por parte do Estado. 
 
No Brasil, desde a década de 1930, o futebol é considerado um dos pilares 
dos discursos da identidade nacional, fortemente influenciado pela tradição 
freyriana da democracia racial. As conquistas nas competições internacionais, 
especialmente nas Copas do Mundo (FIFA), ampliaram a sinergia entre a 
sociedade brasileira e a seleção de futebol, fazendo com que ela se tornasse 
um dos maiores bens simbólicos do País, por vezes capitalizada por políticos 
de distintas filiações. Devido à grande penetração no imaginário coletivo de 
argentinos, brasileiros, chilenos e uruguaios, o campo futebolístico passou a 
encampar as disputas ideológicas entre diversos agentes sociais, servindo 
também como disseminador das políticas estatais, consolidando uma relação 
estabelecida pelo “uso político do esporte e o uso da política pelo esporte”. 25 
 
 A utilização do futebol de maneira política não é uma particularidade exclusiva 
do Brasil ditatorial, foi visto também em outros regimes pela América do Sul e pelo 
mundo. Devido ao grande apreço popular pelo esporte, e claro, as preferências de quem 
está a frente do poder, não eram apenas as seleções que serviam como mecanismo de 
exercer controle, maso clubes também. Um exemplo que um tanto se assemelha ao caso 
brasileiro, é o argentino, onde o governo de cunho militar agiu de maneira a tentar 
mascarar os crimes cometidos pelo regime, tentando de todas as formas, transparecer 
uma tônica de modernidade e harmonia durante a Copa de 1978. 
 
O trabalho parte do caso da Copa do Mundo de 1978. Jogada na Argentina e 
vencida pela seleção da casa, foi visada a construção de um imaginário 
 
25 GONÇALVES, Lucas Toledo. O Curioso caso de João Saldanha: representações a partir do documentário memórias do 
chumbo–o futebol nos tempos do condor. Revista Tempos Gerais, v. 5, n. 1, 2016. 
19 
 
coletivo, principalmente para os turistas que chegaram no país para 
trabalhar no evento. O governo militar da época não poupou esforços e 
dinheiro para que as instalações onde circularam os profissionais da 
imprensa internacional fossem as mais modernas da época. Houve um 
esforço para que os aeroportos, hotéis, estádios e o centro de imprensa 
impressionassem positivamente os responsáveis por enviar informações 
para outros países. Também houve a preocupação para que os resultados 
dentro de campo fossem positivos para a equipe da casa, e que foi acusada 
da compra de resultados durante o torneio.26 
 
 
Como foram apresentadas, tais práticas de “controle” de massa não foram 
exclusividade brasileira, e no caso a ser analisado, o de João Saldanha, a grande 
tentativa do governo brasileiro era de se aproximar das massas, visto que, o gaúcho de 
Alegrete, e de linguajar um tanto informal para os moldes da época, gozava do apreço 
da população, o convite para que assumisse a seleção uniria o útil ao agradável, 
conseguiriam calar o povo descontente com os resultados, se aproximariam do grande 
público, e ainda depositariam confiança em um homem um tanto calejado pela 
experiência no meio futebolístico, porém, o tiro saiu pela culatra, Saldanha, comunista 
convicto, não ficaria calado de maneira alguma e se utilizaria de seu cargo de destaque 
para denunciar crimes cometidos pela ditadura civil-militar brasileira. 
O futebol, agindo como um grande elemento de quebra das relações de 
hierarquização social, em diversos aspectos sempre funcionou como um catalisador da 
solidariedade e da união, isto quando se discute a variável seleção. Neste ponto, pode-se 
afirmar que o esporte age como um apaziguador de disparidades em âmbito nacional e a 
Copa do Mundo é por excelência, o campo da realização de um confronto entre nações, 
onde se aflora as particularidades do nacionalismo. A seleção nacional não é apenas 
uma equipe em busca de um título. É, antes de tudo, a representação de uma identidade, 
assim como pormenoriza Guterman27. 
Adentrando esta questão de maneira mais concreta, é possível compreender a 
motivação do aparelho estatal, principalmente em países onde o esporte das quatro 
linhas possui uma grande popularidade, em tomar conta e agir de maneira que exista a 
possibilidade em alguma circunstância específica manipular o rumo midiático esportivo 
ao seu bel prazer. Vale trazer para ótica de análise neste momento, um trecho da música 
que embalou a campanha de 70, pois através de sua letra, pode se observar o tom 
 
26 BREITKREITZ, Luciano Anderson. A ditadura e o futebol na América do Sul: a construção de um imaginário coletivo através 
das copas do mundo de 1970 e 1978. Revista Semina, v. 11, n. 01, 2012. 
27 GUTERMAN, Marcos et al. O futebol explica o Brasil: o caso da Copa de 70. São Paulo, 2006. 
20 
 
ufanista que a copa conseguia causar, além disso, uma vitória na famosa competição 
seria responsável por trazer uma roupagem de sucesso para o governo que muito se 
apossou da poderosa seleção montada em 70, mas que teve o início de sua trajetória nas 
eliminatórias com Saldanha, sendo inclusive apelidada de “As feras de Saldanha”. 
 
Noventa milhões em ação 
Pra frente Brasil, no meu coração 
Todos juntos vamos pra frente Brasil 
Salve a seleção!!! 
De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo brasil deu a mão! 
Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração 
Todos juntos vamos pra frente Brasil 
Salve a seleção 
Todos juntos vamos pra frente Brasil 
Salve a seleção 
Gol!28 
 
 Nos versos desta letra, alguns pontos são de grande destaque, dentre eles, pode 
ser citado o “De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo Brasil deu a mão”, 
que deixa bem claro o efeito que uma Copa do Mundo, em conjunto de ações sejam elas 
estatais ou privadas podem causar no imaginário da população, e outro é o “Salve a 
seleção”, que consegue ditar uma dinâmica patriota que embasa o ritmo que esta canção 
foi entoada durante o período de competição internacional. 
 
Imagens entoadas em um dos mais representativos ícones da memória 
futebolística, a música da copa do mundo de 1970, composta por Miguel 
Gustavo, intitulada “Pra frente Brasil”, na qual a máxima da propaganda 
ditatorial “Brasil, ame-o ou deixe-o” pode ser aludida nos versos “todos 
juntos vamos, pra frente Brasil do meu coração”. Quem não estava a favor do 
Brasil, representado pelo governo, estaria fora dele.29 
 
Após apresentada a contextualização do momento, e claro, as particularidades 
referentes ao evento dentro de solo nacional, o enfoque passa a ser a trajetória de 
Saldanha dentro do cargo de grande destaque. De 4 de fevereiro de 1969 até 17 de 
março de 1970, Saldanha foi técnico da seleção brasileira de futebol e, mesmo atuando 
por pouco tempo, foi o suficiente para causar um grande alvoroço no antes desmotivado 
elenco brasileiro. Para que possa se compreender melhor esse período e o que 
representou um comunista em tal posição, é necessário evidenciar, a situação de 
 
28 GUSTAVO, Miguel. Pra Frente Brasil. Música e letra disponível em: http://www. dicionariompb. com. br/default. asp. 
29 GIANORDOLI-NASCIMENTO, Ingrid Faria; MENDES, Bárbara Gonçalves; NAIFF, Denis Giovani Monteiro. “Salve a 
seleção”: ditadura militar e intervenções políticas no país do futebol. Psicologia e Saber Social, v. 3, n. 1, p. 143-153, 2014. 
21 
 
Saldanha no regime. Ainda que não tenha sofrido retaliações mais intensas, como a 
tortura, e talvez tal acontecimento não tenha se consumado devido a suas inúmeras 
fugas, Saldanha foi figura constante de investigação por parte do órgão repressor, e viu 
muitos colegas serem mortos e perseguidos. 
 
No dia em que “a vaca foi pro brejo”, ele e Mário Lago, seu colega de Rádio 
Nacional, trataram de se esconder. Não deu. Mário passaria por várias prisões 
– e mais numerosos convites para se apresentar na DOPS – naquilo que ele 
chamava de “chateação de um dia sim outro também”. João se virava como 
podia. No jornal Última Hora, cuja redação ficava perto da praça da 
Bandeira, teve de fugir pelo telhado.30 
 
 Após o início dos anos de repressão, mais precisamente após 1964, ‘sem medo’, 
preocupado com os militares em seu encalço, não conseguiu se manter em empregos 
fixos por muito tempo e, transitando pelos nomes da comunicação da época, foi 
resistindo, ainda que não sem uma tutela que estava por ali sem seu convite, o olho 
armado da censura. Retornando ao assunto relacionado ao futebol, é visto, durante o ano 
de 1968, uma grande dificuldade da seleção de se encontrar dentro de campo, 
colecionando inúmeros resultados negativos, e foi neste momento, após um ano 
desastroso, que Saldanha assume a função de técnico da amarelinha. Durante os 
primeiros, ainda que bastante dividida as opiniões, João foi conquistando ao pouco o 
público, principalmente pelo fato de se mostrar um eloquente entrevistado. Na história 
de nosso futebol, nenhum técnico de seleção teve tanto apoio: 71% dos torcedores 
estavamcom ele, segundo pesquisa. Em São Paulo, 68%, e a cada nova aparição sua na 
televisão, mais gente acreditava no tri, tal qual apontado por João Máximo.31 
 Os rumos de Saldanha dentro da seleção iriam passar por uma grande mudança 
após um acontecimento em específico, o falecimento de Costa e Silva. Este episódio, 
que após digerido pelo alto escalão militar, acabou por culminar na posse de Emilio 
Garrastazu Médici. Com o apelido de Carrasco Azul e que pelas palavras de Saldanha, 
seria o maior assassino que o Brasil já vira. Trazendo para luz da avaliação minuciosa 
da figura maior na época, Médici gozava da aprovação do proletário, e para, além disto, 
também soube se utilizar do esporte como catapulta para a sua figura pessoal, fato esse, 
que acabaria indo de encontro com a personalidade de João, o já conhecido comunista, e 
que após um tempo, já não seria mais visto com bons olhos pelo governo. 
 
30 MÁXIMO, João. João Saldanha: sobre nuvens de fantasia. Rio de Janeiro Relume Dumará, 1996.p.88 
31MÁXIMO, João. João Saldanha: sobre nuvens de fantasia. Rio de Janeiro Relume Dumará, 1996.p 99 
22 
 
 
Médici era bem visto entre os trabalhadores porque, como Lula bem lembra, 
havia algo próximo do pleno emprego naquela oportunidade. Some-se a isso, 
no entanto, sua identificação com o futebol, o esporte mais popular do Brasil, 
e então teremos aí uma pequena pista da combinação de fatores que tornou o 
governo Médici aquele que melhor soube aproveitar o momento e suas 
próprias características para atingir um objetivo que qualquer regime de 
exceção almeja, isto é, criar uma espécie de cumplicidade com a maior parte 
da população em torno de seus projetos de grandeza32 
 
 
 Após uma transição por motivos maiores, o futebol passa a ser mais discutido 
dentro dos salões do governo, muito disso refletido no fanatismo de Médici pelo 
esporte, tal afirmação, aliada a construção de uma identidade nacional conseguiam 
tornar a figura do ‘carrasco’ em apenas mais um homem brasileiro devoto da maior 
paixão do povo, o que de maneira previamente discutida, popularizava seu nome dentro 
do território brasileiro. 
 
Dentro do governo, ministros importantes tratavam de dar publicidade a 
essa característica do presidente, vinculando-a à “brasilidade” de Médici e à 
sua condição de “homem comum”. Jarbas Passarinho, que ocupava a pasta da 
Educação, era um dos mais eufóricos: “Todos conhecem seu nacionalíssimo 
gosto pelo futebol. Dou meu testemunho da emoção com que o presidente 
assistiu a todos os jogos, torcendo com o entusiasmo do brasileiro normal e 
do homem comum que o elevado cargo não modificou”33 
 
 Esse perfil de figura pública apaixonada por futebol, e o exacerbado trabalho de 
se utilizar da Copa do Mundo como momento de união maior do povo brasileiro, 
acabaram por popularizar Médici, e este, já embebido do poder oriundo da repressão, se 
pôs a dar “pitacos” acerca da convocação, o que acabara por irritar profundamente 
Saldanha. Para além do já citado, o embate ideológico e a relação de ‘sem medo’ para 
com as atrocidades cometidas em período militar, foram responsáveis por um desgaste 
inevitável que fora se acumulando e sendo refletido em derrotas em campo. 
 A partir deste momento, inúmeras histórias figuram no imaginário de torcedores, 
e brasileiros no geral acerca da demissão de Saldanha. No dia 17 de março de 1970, 
faltando apenas 78 dias para o início da Copa do Mundo, Saldanha era demitido, sendo 
uma das principais alegações, os resultados ruins em amistosos, a não convocação de 
Dario, e a pressão exercida por membros da CBD que possuíam ligação com o regime, 
porém, a mais plausível se sustenta na sua aberta oposição ao governo repressor de 
 
32 GUTERMAN, Marcos et al. O futebol explica o Brasil: o caso da Copa de 70. São Paulo, 2006 p.56 
33GUTERMAN, Marcos et al. O futebol explica o Brasil: o caso da Copa de 70. São Paulo, 2006 p.58 
23 
 
Médici, assim como esmiuçado pelo historiador Carlos Eduardo Sarmento em dialogo 
com Lucio Castro, jornalista e historiador premiado pelo documentário “Memórias de 
Chumbo, o futebol nos tempos do condor”. 
 
É, é claro. Isso é claro, porque ele já é um nome que é colocado sob 
suspensão muito antes da sua demissão, pelo incomodo que causava, [...] não 
é essa a discussão apenas, é a independência do João Saldanha. O João 
Saldanha de alguma forma tinha autonomia para ocupar certos espaços 
,rádio... e falar certas coisas que eram extremamente incômodas. Sempre 
havia uma dúvida sobre até que ponto vai o João Saldanha, ou seja, o João 
Saldanha é uma figura que enquanto ele teve apoio popular, era muito 
complicado mexer. Conforme isso vai se desgastando, e vão se criando 
episódios na imprensa que vão colaborando pra esse desgaste, que viabiliza 
esse projeto, que é um projeto não só de anular esse personagem, que é um 
personagem sobre o qual eles efetivamente sabem que não têm controle, 
como também de uma demonstração de força sobre a CBD .34 
 
 Essa busca por demonstração de força, exercida pelo governo na época em 
questão (1970), dialoga de maneira bem contundente com a particularidade referente ao 
controle do futebol, e é um ponto muito discutido pela mídia nos anos que viriam em 
sequência, principalmente quando se buscava indagar Saldanha das motivações que 
levaram a sua demissão. Em entrevistas com o jornalista, eram constantes as perguntas 
sobre o famoso caso da Copa de 70, caso esse, que marcaria a vida de ‘sem medo’, e 
seria responsável também, por revelar muito da sua personalidade. 
 Através da repercussão de sua destituição de cargo e dos pronunciamentos de 
Saldanha referentes ao acontecido, é possível se utilizar de inúmeras fontes históricas, 
para que se busque uma compreensão das circunstâncias e variáveis que o caso implica 
sendo importante observar primeiramente os jornais da época. As manchetes, sendo a 
primeira forma de contato com as ideias do jornal, retratam a repercussão do momento 
vivido. 
 
 
 
 
 
 
 
34 GONÇALVES, Lucas Toledo.O curioso caso de João Saldanha: representações a partir do documentário memórias do 
chumbo–o futebol nos tempos do condor. Revista Tempos Gerais, v. 5, n. 1, 2016.p.89 
24 
 
 
Figura 1 – Complô para derrubar João Saldanha 
 
 
 
Fonte: Última Hora, Rio de Janeiro (4 de Março de 1970) Página 1 
 
A escolha de palavras neste momento revela de maneira implícita como a queda 
de João foi retratada, quando se observa o vocábulo complô (figura1),tende-se a 
relacionar com uma traição feita por um grupo de pessoas, e tal palavra vem destacada, 
e no centro da manchete, o que consegue pontuar de certa maneira, como o jornal 
entendia o ocorrido, tal destaque não fora utilizado em outros jornais. Essa afirmação se 
explica no fato de o Última Hora ter sido um reconhecido opositor do golpe, e também 
revela as ramificações de ideias dentro da imprensa. 
 
Além da competição acirrada e o desafio da modernização, na segunda 
metade dos anos 1960 a grande imprensa teve de lidar com outro grande 
dilema, o Estado autoritário. Decerto, toda a grande mídia (salvo Última 
Hora) apoiou a intervenção militar, contribuindo para configurar o notável 
apoio civil conferido ao Golpe de 1964.35 
 
 
Outro jornal, que tinha destaque na época era o Folha de S.Paulo, que em sua 
abordagem optou por uma escolha de palavras diferente, e que já mudava o tom do 
 
35 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A ditadura nas representações verbais e visuais da grande imprensa: 1964-1969. Topoi (Rio 
J.), Rio de Janeiro , v. 14, n. 26, p. 62-85, June 2013 . 
25 
 
acontecimento, deslocando a problemática do assunto para outra área, no caso o futebol. 
Esboçou,como visto na imagem abaixo (figura 2), uma preocupação com a seleção de 
um novo treinador, preocupação que tem seu fundamento também no pouco tempo de 
preparação que a seleção iria ter. 
 
Figura 2: Cai Saldanha; e agora quem vem? 
 
 
 
Fonte: Folha de S.Paulo (18 de março de 1970) Página 1 
 
Após apresentadas duas manchetes de jornal do período em que Saldanha fora 
demitido, é possível investigar a particularidade do caso através de material posterior ao 
acontecimento, como as entrevistas concedidas por Saldanha. A visão de Saldanha 
acerca do que ocorreu, durante as entrevistas, sempre foi bastante clara, devido ao seu 
histórico e a perseguição mesmo que de maneira indireta, exercida pelo governo o levou 
a ser demitido, embora inúmeros jornalistas tenham especulado outras motivações, ‘sem 
medo’ sempre foi enfático em assegurar a sua versão. 
Durante o programa Roda Viva da Tv Cultura, no dia 25 de março de 1987, o 
então entrevistado João Saldanha, foi indagado por diversas personalidades acerca de 
inúmeros acontecimentos de sua vida, e foi em uma dessas perguntas, que pode dar sua 
versão da história acerca da Copa de 70, destaca-se aqui, o quanto tal história é recheada 
26 
 
de misticismo, pois mesmo após 20 anos do acontecido, Saldanha ainda assim era alvo 
de desconfiança acerca de sua destituição. A pergunta, feita por Adilson Monteiro 
Alves, ex-presidente do Corinthians e no ano de 87, deputado estadual, reflete a maneira 
com o que a história foi tomando grandes proporções. 
 
Adilson Monteiro Alves: Ô João, por que você não conta... Aproveita pra 
contar a história real da sua saída da seleção? Porque tem a história do Dario, 
tem a história do Pelé enxerga ou não enxerga... 
João Saldanha: O Dario eu disse pro Médici... Eu considero o Médici o maior 
assassino da história do Brasil, então, vocês não vão dizer que não há de ser 
muito airoso o que eu posso falar. 36 
 
 Neste trecho da entrevista, evidenciam-se dois pontos, a pergunta de Adilson 
Monteiro, interpelando sobre a real história, indagação essa, que revela o quanto o 
acontecimento ainda se apresentava de maneira nebulosa, e o segundo ponto, a 
colocação de Saldanha, expondo que considera Médici o maior assassino da história do 
Brasil. No governo de Emiliano Garrastazu Médici, de acordo com a CNV (Comissão 
Nacional da Verdade) 37, foram constatadas 98 mortes por motivação política, isso sem 
citar as violações dos direitos humanos. Ainda nesta entrevista, Saldanha revela outras 
particularidades de sua relação com o ex-ditador, pontuando de modo claro e em tom de 
repulsa, sua compreensão do que o presidente representava o que torna mais 
compreensível sua demissão, e claro, contempla a pesquisa quando se tem por 
finalidade buscar um entendimento de sua relação com o regime. 
 
João Saldanha: Eu nunca vi ele em pessoa, nunca tive com ele em pessoa, até 
me recusei a ir num convite que fizeram em Porto Alegre pra um jantar com 
ele “nós” tava lá por acaso e... sem saber, claro que na porta fosse até 
barrado, mas eu disse, eu não vou. Pomba! O cara matou amigos meus ô! Eu 
levei pro México uma pilha de documentos de 3000 e poucos presos 300 e 
tantos mortos e não sei quantos torturados, então vou compactuar com um 
sujeito um desse?38 
 
Há de se notar, que a vida de Saldanha foi marcada por polêmicas, e uma das 
maiores, se não a mais significativa, relacionada à demissão do cargo de treinador de 
futebol, mexendo com o imaginário, e cercada de pormenores. Tal ato, apresenta uma 
 
36 SALDANHA, João. Entrevista ao Programa Roda Viva. TV Cultura. Maio de 1987 
37 . Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade. Brasília: Comissão Nacional da Verdade, 2014a. v. III. 
38 SALDANHA, João. Entrevista ao Programa Roda Viva. TV Cultura. Maio de 1987 
 
27 
 
gama de assuntos que refletem de modo convincente como era a configuração da 
ditadura civil militar, quando se tinha por finalidade confrontar quem incomodava seus 
interesses. 
Conclusão 
 A trajetória de João Saldanha é extensa e repleta de histórias que conseguem 
pontuar a ótica do jornalista em relação ao período cujo estava inserido, comunista e de 
temperamento efervescente, talvez fosse nítido para quem observasse de fora, que ‘sem 
medo’ seria perseguido em todas as ocupações a que se prontificasse a fazer durante a 
ditadura. O foco deste artigo foi avaliar a construção de sua figura durante os anos, 
dando ênfase ao recorte cronológico que compreende as datas 1964 a 1985. Sua vida, 
desde antes do período acima citado, teve nuances que contribuíram para os moldes de 
sua personalidade, e conseguiram de maneira eficaz, elucidar a pesquisa. 
 Devido a seu passado “vermelho”, e ao fato de não concordar com inúmeras 
ações do regime militar, Saldanha, ainda que uma figura popular para os brasileiros 
devido a seu engajamento e paixão pelo futebol, não conseguiu ser poupado do 
envolvimento em polêmicas e do extremo controle exercido pelos militares. Analisando 
as minúcias de sua vivência dentro do futebol e do PCB, foi possível estabelecer ideias 
acerca de como era sua relação para com o regime, além de elucidar sua vida de 
maneira abrangente, perpassando por seus papéis e ocupações de jornalista, cronista e 
técnico, porém, sem excluir sua jornada como militante. 
 Dentro do que se discutiu por sua militância, suas crônicas, relatos, entrevistas e 
histórias, nunca se separaram de forma contundente do seu lado comunista, e sua visão 
de mundo, anseios e claro, medos, podem ser observados por toda sua obra, assim como 
sua clara oposição ao governo militar, deixando explícito em entrevistas posteriores ao 
regime, e por toda sua vida. O futebol, como fator importante desta análise, também 
aparece como uma variável de análise necessária, visto que o esporte mais popular no 
território brasileiro, não se configura apenas como um jogo, mas uma ferramenta 
politica e social, com capacidade de popularizar governos, desmoralizar profissionais e 
até mesmo servir de mecanismo para denúncia de crimes cometidos em diversos 
âmbitos da sociedade. 
 Por fim, todos os atos culminam no específico caso da copa de 70, onde 
Saldanha, em um claro embate com Médici, acaba por ser demitido, revelando um forte 
28 
 
controle militar até mesmo dentro dos esportes. Aqui se destaca a força da história, e 
toda sua emblemática, que transita entre política e futebol, abrangendo discussões que 
embora muito discutidas pelo jornalismo, configuram um estudo de memória, trajetória 
e claro, passado do Brasil, onde a bola, o jornal e os livros se confundem, dialogam em 
uma harmonia que talvez seja bastante particular do país do futebol. 
 
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Periódicos consultados 
Jornais: 
 
Folha de S.Paulo 
Correio d Manhã 
O Globo 
Última Hora 
 
Documentários: 
Memórias do chumbo – o futebol nos tempos do condor / Brasil. Produção de Lúcio de 
Castro. Brasil: Espn Brasil, 2012, 51:18. 
 
 
 
 
 
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