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Folha de São Paulo (28.06.20)

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DOMINGO, 28 DE JUNHO DE 2020ANO 100 ┆ Nº 33.324 R$ 7,00
É sólido o edifício da jovem democracia brasileira.
Vultosamaioria, de 75%, hoje considera essa ame-
lhorformadegoverno.Trata-sederecordedesdeque
oDatafolha começou apesquisar o tema, em 1989.
É sólido e, ainda assim, vemsofrendo ataques sis-
temáticos de extremistas identificados com o pre-
sidente Jair Bolsonaro, no maior teste de estresse
desde a volta de umcivil à Presidência, há 35 anos.
Muitos o fazem pormá-fé; outros, por não terem
vividooshorroresdamáquinacruelquese instalou
com a ditaduramilitar em 1964. Este último grupo
faz parte dos 54,2%de jovens nascidos após 1985.
Porisso,aFolha lançaaçãoemtrêsfrentes:campa-
nhapublicitáriaeespecial jornalísticonestedomin-
go(28),quandocomeçaumcursogratuitoparainte-
ressados emconhecer a história para não repeti-la.
A iniciativa serve tambémpara acordar os saudo-
sistas de ummundo de fantasia, em que não have-
ria corrupçãonemescândalos, a segurançapública
seria grande, e a economia,milagrosa.
Na vida real, o arbítrio sufocava as instituições, o
pensamentolivreeodireitodeexpressá-lo.Atortura
erapolíticadeEstado,osadversáriosdesapareciam,
osdesmandosficavamocultospelamordaçanosou-
tros Poderes e o crescimento econômicodadécada
de 1970 acabouem inflaçãodescontrolada edívida.
Acensuracalavaaimprensa,queapoiouonovore-
gimenumprimeiromomento,casodestaFolha,que
errou. Este jornal viu-se rapidamente engalfinhado
pelonovosistemadepoder,perdendoacapacidade
de reagir antesmesmodepercebê-lo.
Sónadécadaseguinteachoumeiosdeempreender
umcombate,mesmoque velado e sutil, à ditadura.
E,nosanos 1980, liderouna imprensaomovimento
das Diretas Já, firmando-se como defensor intran-
sigentedademocracia edas liberdades individuais.
Os homens não são sempre virtuosos; pensando
nisso, os reformadoresdoOcidentemodernocons-
truíramumsistemadePoderesautônomoseharmô-
nicos,quefuncionamcomofreiosaoautoritarismo.
Umsistema emque o poder popular se faz repre-
sentar por eleições livres e é exercido dentro dos
parâmetros da lei máxima. A Constituição de 1988,
não isenta dedefeitos, teve o grandemérito de reu-
nirasociedadeemtornodesseconsensoiluminista.
Com ela, a discussão sobre o melhor sistema de
governo parecia relegada a segundo plano. A agen-
da pública deveria estar ocupada por redução da
desigualdade, crescimento econômico e educação.
No entanto, urge voltar ao tema, e a Folha busca
inspiraçãonoseupapelhistóriconasDiretasJápara
resgataracoramarelacomosímbolodademocracia.
Assim, as vitrines das edições dominicais trarão
umafaixadessacorcomosdizeres#UseAmarelope-
la Democracia, e o slogan da Folha desde 1961, UM
JORNALASERVIÇODOBRASIL, passa temporaria-
menteparaUMJORNALASERVIÇODADEMOCRA-
CIA até as próximas eleições presidenciais.
EDITORIAL
Democracia, nuncamenos
ISSN 1414-5723
9 771414 572018
33324
AUDIÊNCIA/MÊS
PÁGINAS VISTAS 340.339.921
VISITANTES ÚNICOS 54.958.699
#UseAmarelo pela Democracia
dapopulação
achaquea
democracia
é sempre
melhordo
quequalquer
outra forma
degoverno,
dizDatafolha
Lives
Acompanhe, a partir
de amanhã, série
de discussões sobre
o regimemilitar
Curso online
Oscar Pilagallo
explica o que foi a
ditadura para quem
não viveu o período
Campanha
Em todas
as telas
Com filme exibido
em TVs emídias
sociais, Folhamuda
slogan para “Um
Jornal a Serviço
da Democracia”
Apoio à democracia
bate recorde diante
do riscoBolsonaro
Pesquisa Datafolhamostra que 75% dos brasileiros preferem
atual regime; em especial, Folha explica o que foi a ditadura
Nova pesquisa Datafolha
mostraque78%dapopula-
çãonãoconcordacomopre-
sidenteJairBolsonaroquan-
doeledizquenãohouvedi-
taduranoBrasil.Outros75%
rejeitammaisumaaventura
autoritáriacomoadoperío-
dode 1964a 1985, índicere-
corde na série histórica do
instituto sobre o tema.
Aditaduraentregouopo-
der de forma pacífica, mas
sóapós intensapressãopo-
pular,queéresgatadaagora
poriniciativasemdefesada
democracia.Antes,castrou
osdemaisPoderes,adotoua
torturaeoassassinatocomo
políticasdeEstadoecensu-
routudoquequestionasseo
preceito de “Brasil grande”.
No momento em que se
avolumamameaçasdeBol-
sonaroedeseguidorescon-
tra Congresso e STF e em
que70%dosbrasileirosnão
haviamnascidooueramcri-
ançasnoregimemilitar,es-
pecialdaFolhacontaoque
foi a ditadura, o traumaeo
atrasoqueelaprovocouno
país. Oquefoiaditadurap. 1a12
As recentes declarações
do trineto de dom Pedro
2º, Bertrand deOrleans e
Bragança, para quem no
Brasilnãoexistemdiferen-
ças raciais, ilustram bem
acenanacional. OpiniãoA2
O governo já liberou ao
menosR$398bilhõespara
combateraCovid-19.Des-
se total, 86% foram para
salvar a atividade econô-
mica.Aáreadasaúdeficou
com 13%. MercadoA15 e A16
Economia fica com 86%
da verba federal ao vírus
Ana Cristina Rosa
A pele que habito
De volta à escola
Atoleiro argentino
Sobreplanoparaaretoma-
dadasaulasemSãoPaulo.
Acerca depiora da epide-
miaedacriseeconômica.
EDITORIAISA2
Anunciantes globais
abandonam Facebook e
forçammedidas contra
discurso de ódio A18
Ministro da Educação
copiou quatro trechos
de outras dissertações
emmestrado B5
UM J O R NA L A S E RV I Ç O D A D EMO C R A C I A
.
a eee
saúde coronavírus
B2 DOMINGO, 28 DE JUNHO DE 2020
Numa das muitas elegias so-
bre o passado lendário que
fazem do romance de fanta-
sia “O Senhor dos Anéis” uma
leitura inesquecível, o elfo Le-
golas dá voz às pedras.
Ao passar por uma região
que um dia foi habitada por
grandes arquitetos de seu po-
vo, Legolas diz que é como se
asprópriasrochasali falassem
dos antigos habitantes: “Fun-
do nos escavaram, belas nos
edificaram;maseles se foram”.
O lamento rochoso seria im-
provável na maior parte da
Amazônia, já que paredões
de pedra são escassos por lá,
mas o chão amazônico tam-
bémtemmemóriasprofundas
de seus primeiros habitantes.
São lembranças gravadas
na própria composição quí-
mica do solo, em sua fertili-
dade e nas árvores que cres-
cemnele, conforme têmmos-
trado vários estudos ao lon-
go dos anos.
Refiro-me ao que se costu-
machamar popularmente de
“terra preta de índio”, um tipo
de solo escuro (comooapelido
indica), rico emmatéria orgâ-
nica e certosminerais que cos-
tumadestoarda terraaverme-
lhada eacidificadaque carac-
teriza amaior parte da Ama-
zônia brasileira.
Segundo algumas estima-
tivas, até 3% do território
amazônico corresponderia
às manchas de terra preta
existentes hoje, o que só pa-
rece poucoquando se esquece
do tamanho colossal da regi-
ão; na verdade, émuita coisa.
Tudo indicaque a terra pre-
ta começou a se formar com
mais intensidade na maior
parte da bacia amazônica
nos primeiros séculos da Era
Cristã, numa espécie de re-
lação simbiótica com os as-
sentamentos indígenas, cada
vez mais numerosos e popu-
losos nessa época. (Esqueça
a ideia da Amazônia pré-co-
lonial “vazia”: calcula-se que,
nomomento do contato com
os europeus, havia quase 10
milhões de pessoas vivendo
na região.)
Aoqueparece, diversos pro-
cessos de manejo ambiental
foram intensificandoa forma-
çãodesse tipode solo. Descar-
te de fezes humanas e de car-
caças de animais estão entre
eles, assim como o de frag-
mentos de cerâmica,mas tal-
vez o mais importante tenha
sido a queima parcial e con-
trolada de restos vegetais, o
que encheu o solo de um tipo
de carvão que ajuda a reter
os nutrientes no solo.
Aalquimia resultante dessa
combinaçãode fatores foi tão
poderosa que até hoje popu-
lações ribeirinhas daAmazô-
nia, e atémoradores de cida-
des, usam a terra preta para
turbinar suas hortas.
Eumnovoestudo indicaque
até a composição de espécies
de árvores da floresta parece
ter sido influenciada por es-
se solo produzido pela ação
humana.
Na pesquisa, publicada na
revista Global Ecology and
Biogeography, EdmarAlmei-
da de Oliveira e Ben Hur Ma-
rimon-Junior, da Universida-
dedoEstadodeMatoGrosso,
junto com colegas da Univer-
sidade de Exeter (Reino Uni-
do), estudaramtrechosde ter-
rapreta emvárias localidades
dos territóriosmato-grossen-
se eparaense. Avaliaramonú-
mero de espécies e as carac-
terísticas das plantas na vi-
zinhança do solo “artificial”e em áreas de mata sem ter-
ra preta no entorno, bem co-
mo os detalhes do solo pro-
priamente dito.
A equipe comprovouque as
manchas de terra preta são
mais férteis que os solos na-
turais próximos e verificoudi-
ferençasnacomposiçãode es-
pécies:mais árvores com fru-
tos comestíveis, como jatobá
e taperebá, no solo escuro. Is-
so provavelmente vale para
outras regiões da Amazônia,
umafloresta cuja riqueza, em
grandeparte, é a de um imen-
so pomar indígena.
(PS: o trecho de “O Senhor
dos Anéis” foi traduzido por
meu colega Ronald Kyrmse.)
Terra preta, criada artificialmente há séculos, mudou diversidade da floresta
-
Reinaldo José Lopes
Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de “1499: O Brasil Antes de Cabral”
Amemória do chão amazônico
|dom. Reinaldo JoséLopes,MarceloLeite |seg. PaolaMinoprio |qua. EsperKallas |
-Fernando TadeuMoraes
sãopaulo Depoisdedécadas
silenciadapelaondaproibici-
onista, a pesquisa com subs-
tâncias psicodélicas vem co-
nhecendoumrenascimento,
impulsionadaporresultados
promissoresnotratamentode
transtornosmentais.
No Brasil, um número pe-
queno—mascrescente—de
pesquisadores se dedica ao
tema. A esse grupo perten-
ce o neurocientista Eduardo
Schenberg,queliderouopri-
meiroestudocomMDMApa-
ratratamentodeestressepós-
traumáticorealizadonopaís.
OMDMA,princípioativodo
ecstasy,estáemviasdesetor-
naraprimeiradrogapsicodéli-
caareceberalicençaderemé-
dionosEUA,naformadeadju-
vanteemterapiaparaestresse
pós-traumático.Asubstância
encontra-senaúltimafasede
testesclínicos,comresultados
atéagorapromissores.
A mudança de paradigma
tem como um de seus prin-
cipaispropulsoresotrabalho
desenvolvidopelaAssociação
Multidisciplinar de Estudos
Psicodélicos (Maps, na sigla
eminglês),organizaçãoame-
ricanaquecriouevemdisse-
minando o protocolo para o
uso terapêuticodoMDMA.
Foi esse protocolo que
Schenberg,do InstitutoPha-
neros, aplicou pela primeira
vez em pacientes brasileiros
—ecujosresultadosserãopu-
blicadosembrevenaRevista
Brasileira de Psiquiatria.
Opesquisador tomoucon-
tato com essa terapia por
volta de 2014, quando fazia
pós-doutorado na Inglater-
ra, num curso oferecido pe-
laMaps. “No curso pude ver
a coisa em ação, as sessões
comospacientes.Aquilome
impressionoumuitoedecidi
aplicar no Brasil”, diz.
Asdificuldades,contudo,fo-
rammaioresdoqueimagina-
va. Apósbusca frustradapor
verbas públicas e privadas, o
pesquisadoroptouporfinan-
ciamentocoletivonainternet.
MasametadeR$50milsófoi
batidafaltandodoisdiaspara
ofim.AMapscontribuiucom
mais R$ 50mil.
Depois,pelaimportaçãodo
MDMA, fornecido pela asso-
ciação americana. A agência
de fármacos e alimentos dos
EUAdemoroumais de cinco
mesesparaautorizaraexpor-
tação.Aautorizaçãobrasilei-
ra, à época, expirava em seis
meses.“Sócomaajudadead-
vogados, e por meio de um
mandadodesegurança,con-
seguimosconcluiroprocesso.”
Osquatropesquisadoresdi-
retamenteenvolvidosnoteste
passaramporcapacitaçãonos
EUA, onde se submeteram a
sessõescomMDMA.“Foifun-
damentalpassarporessaex-
periência,poiselanospermi-
tiureconhecermelhorosefei-
tos, alémdenos darmais se-
gurança”, diz BrunoRasmus-
sen,médicoda equipe.
Dos60voluntáriosbrasilei-
ros,apenas3cumpriramosri-
gorososcritériosparaentrar
no ensaio—pessoas comes-
tresse pós-traumático grave,
saudáveis, e que não haviam
respondido a nenhum trata-
mento.Antesdoexperimen-
to, que mistura psicoterapia
com uso do MDMA, passa-
ram por três encontros, nos
quais os terapeutas, Alvaro e
Dora Jardim, buscaramesta-
belecer vínculo emocional,
explicar efeitos da substân-
cia e tirar dúvidas.
Veio então a primeira ses-
são comMDMA—de um to-
tal de três. Após receberem
a substância, os pacientes ti-
veram seus sinais vitais mo-
nitorados a cada meia hora.
Cerca de duas horas depois,
umanovadose,de50%ainici-
al,eraoferecida,paramanter
osefeitos—aceitaportodos.
Na sessão, explica Dora, o
TestenoBrasil trata estresse
pós-traumático comMDMA
Princípio ativo do ecstasy deve ser 1º psicodélico liberado nos EUA para terapia
-Cristina Camargo
são paulo Nascida na antiga
aldeia Kapot, em 1930, a an-
ciãindígenaBekwyjkàMetuk-
tire conheceuocaciqueRao-
ni quandoos dois erammui-
to jovens e tinhamum longo
caminhopela frente.
Esposa e conselheira do lí-
der indígenareconhecidoin-
ternacionalmente, ela viveu
aoladodeleporoitodécadas.
Tiveramoitofilhoseconstru-
íramumahistóriade lutape-
losdireitosdospovos indíge-
nas doBrasil.
Bekwyjkàmorreu no dia 23
de junho,naaldeiaMetuktire,
noMatoGrosso,apóssofreraci-
dentevascularencefálico.Aos
90anos, ela estava comasaú-
dedebilitada.Segundoumadas
netas,aanciãnãofoiremovida
paraumhospitalpormedoda
pandemiadocoronavírus.
“Meuavôestáarrasadope-
laperdadesuacompanheira,
conselheiraematriarca”,disse
a netaMayalúTxucarramãe.
Raoni descrevia Bekwyjkà
comoumaestrelaquedesceu
na terra. “Então pude ver que
elaeraaindamaislinda,essaé
aminhaestrela”,dizia.
A morte foi lamentada pe-
la presidente da Apib (Arti-
culaçãodosPovos Indígenas
do Brasil), Sonia Guajajara.
“São muitas fontes de sabe-
doria que estão nos deixan-
do, levando nossa originali-
dade, cultura e aprendizado.
Minha solidariedadee imen-
sopesar.”
Protagonista de lutas em
defesadospovos indígenase
daAmazônia, Raoni voltou a
assumirnosúltimosanosali-
nhadefrentedamobilização.
Noanopassado,percorreu
países para denunciar o des-
matamento da Amazônia e
em janeiro convocou encon-
trohistóricodelíderesdepo-
vos dafloresta.
Lutou pelos direitos dos
índios comRaoni
BEKWYJKÀMETUKTIRE (1930-2020)
coluna.obituario@grupofolha.com.brMORTES
Procure o Serviço Funerário
Municipal de São Paulo:
tel. (11) 3396-3800 e central 156;
prefeitura.sp.gov.br/servicofunerario.
Anúncio pago na Folha:
tel. (11) 3224-4000. Seg. a sex.: 10h
às 20h. Sáb. e dom.: 12h às 17h.
Aviso gratuito na seção:
folha.com/mortes até as 18h
para publicação no dia seguinte
(19h de sexta para publicação aos
domingos) ou pelo telefone (11) 3224-
3305 das 16h às 18h em dias úteis.
Informe um número de telefone
para checagem das informações.
voluntário deve ficar o mais
introspectivo possível, a fim
deentrar emcontatocomas
próprias emoções. Assim, fi-
cavanumapoltrona,numam-
bientedepouca luzemúsica
tranquila, com tapa-olho e
fonedeouvido à disposição.
“Nossopapeleradarapoio,
seminterferir,paraqueeleex-
pressasseasemoçõeseviven-
ciasse as sensações que fos-
sem surgindo. É isso que faz
o paciente trazer o trauma à
consciênciae,assim,elaborá-
lo e integrá-lo”, contaAlvaro.
Emgeral, apessoatrauma-
tizadaencontra-senumesta-
dodepetrificaçãoemocional
e desconfiança profunda. O
MDMA quebra esse escudo.
“Dopontodevistaneuroquí-
mico,asubstânciabloqueiaa
comunicaçãocomaamígda-
la, regiãodo cérebro respon-
sável pelomedo, e libera oci-
tocina, hormônio que ajuda
a criar vínculo interpessoal.
O paciente ganha confiança
e perde o medo das pessoas
ao redor, que se tornam, en-
tão, ideais para ele se abrir e
desabafar”, diz Bruno.
Todosapresentarammelho-
raexpressiva.Nopiordosca-
sos, a redução dos sintomas
foi de cerca de 30%; no me-
lhor, o paciente saiu curado.
Foi o que aconteceu com
Rafael (nome fictício). Devi-
doaumabusosexualsofrido
quandocriançaeaumassalto
àmão armada quando já era
mais velho, Rafael desenvol-
veu fobia social. “Eu evitava
sairdecasa,socializar.Morria
de medo de ser ridiculariza-
do”.Eletambémdesenvolveu
tosseconstante. “Fuiavários
médicos,masnenhumconse-
guiu interrompê-la.”
Duranteasessão,eleconta,
muitos sentimentos vieram
à tona. “Eu senti raiva, tossi
muito. Na última sessão, ti-
ve uma sensação física mui-
to fortederenascimento,co-
moseestivesserealmentesa-
indodo canal vaginal.”
Depois do tratamento, a
mudança foi grande. A tos-
se de décadas simplesmente
sumiu,eelepassouatermais
segurançatantonavidasoci-
al como no trabalho. “Passei
a sentir que aminha vida es-
tavaboa.Podeparecerbobo,
maseunãosentia issoantes.”
Embora o experimento te-
nha tido um número peque-
nodeparticipantes,osresul-
tados estão em linha comos
maiores estudos do gênero.
Dentrepossíveisaplicações
dotratamento,Schenbergdes-
tacaumaquedevesercadavezmaisnecessárianomomento
atual.“Estoumuitointeressa-
doemcriarumprotocolocom
MDMA para profissionais de
saúdeenvolvidosnalutacon-
tra a Covid-19 e que ficaram
traumatizados com o que vi-
ramnoshospitais.”
Governo anuncia parceria que prevê
produção de vacina contra Covid-19
-Thiago Resende
brasília OMinistériodaSaú-
deanunciounestesábado(27)
umaparceriacomafarmacêu-
tica britânica AstraZeneca e
com a Universidade Oxford,
no Reino Unido, para desen-
volvimentoeproduçãodeva-
cina contra a Covid-19. Inici-
almente,estãoprevistas30,4
milhões dedoses.
Nessafaseinicial,serãodois
lotesdeinsumosetransferên-
cia de tecnologia: umemde-
zembro de 2020 e outro em
janeiro de 2021.
Ogovernoreconhecequea
vacina ainda não é conside-
rada segura nem eficaz, mas
participará do seu desenvol-
vimento. Se comprovada a
segurança e eficácia, o Brasil
deverá produzir mais 70mi-
lhões dedoses.
Com 100milhõesdedoses,
esperadasseaparceriaavan-
çar,seriapossívelvacinarqua-
semetadedapopulação.
Os custos da fase inicial,
segundo o governo, são de
US$ 127milhões (R$ 695mi-
lhões), incluídososcustosde
transferênciadatecnologiae
doprocessoprodutivoparaFi-
ocruz, estimados emUS$ 30
milhões (R$ 165 milhões). A
população que faz parte do
grupode riscodonovocoro-
navírus terá prioridade para
a vacinaçãonesta etapa.
Nasegundafase,das70mi-
lhões de doses, o custo esti-
madoédeUS$2,30pordose.
Comisso,aexpectativaéque
oBrasilgasteUS$161milhões.
Para ser concluído, o acor-
do, contudo, ainda depende
de umprocesso legal entre a
FiocruzeAstraZeneca.Ogo-
vernoinformouquequerpar-
ticipardeconsórciointernaci-
onalparadesenvolveredistri-
buir a potencial vacina.
Repórter da CNN
Brasil é assaltada
ao vivo em SP
sãopaulo Duranteumacober-
tura sobre as chuvas em São
Paulo,nestesábado(27),are-
pórterBrunaMacedo,daCNN
Brasil foi vítima de um assal-
to. Umhomem apareceu em
frente à câmera e levou seus
dois celulares. Ela teve sua
imagemcortadaenãovoltou
aoarnoprogramaCNNSába-
do.OapresentadoRafaelCo-
lomboanunciou, logoemse-
guida,oquehaviaacontecido
edissequeacolegadeemisso-
rapassavabemefoi levadade
voltaparaaredação.Deacor-
docomoapresentador,oho-
memvisto nas imagens esta-
va comuma faca.
Arnaldo Correia deMedeiros, secretário de Vigilância em
Saúde, ao anunciar parceria Carolina Antunes/PR
.
a eee
coronavírus saúde
DOMINGO, 28 DE JUNHO DE 2020 B5
Primeira festa pós-quarente-
na. O anfitrião, ansioso, pas-
sa de roda em roda entreten-
do os convidados. Ao lado da
janelaavista, sozinho, umdes-
conhecido.
—Oi, tudobem?Você é o...?
—Novo Normal.
— Não acredito! Você é o
Novo Normal?!
— Eumesmo.
— Rapaz! Você chegou, fi-
nalmente! Faz um ano que
só falam de você! Ah, o Novo
Normal vai ser assim, oNovo
Normal vai ser assado! Posso
te dar um abraço?
O Novo Normal recua.
— Ah, claro! Contágio, né?
Óbvio! Gente, gente! Vem cá!
Esse aqui é o Novo Normal!
Umameiadúziaseaproxima,
uns estendemasmãos, outros
já se espichampra umbeijo.
— Péra, pessoal, o Novo
Normal é sem abraço, beijo
ou aperto de mão, certo, No-
vo? Pode chamar de Novo?
—PrefiroNovoNormal, pra
não confundir comopartido.
Uma convidada o olha,
curiosa.
—Nãosei por que,mas con-
fesso que eu te esperava bai-
xo, gordinho e careca.
— Muita gente me imagi-
na assim. Acho que é o no-
me, né? Novo Normal, mui-
to “o”, lembra ovo... Mas du-
rante a quarentena o pesso-
al comeumuito, o Novo Nor-
mal é alto.
—Escuta, cê aceita umabe-
bida? Uma comida?
— Obrigado, eu engordei 7
kgdurante aquarentena ebe-
bi demais. Os hábitos do No-
voNormal agora são comida
saudável e zero álcool.
Umaconvidadaabandona,
discretamente, a taçade vinho
sobre uma mesa. Um convi-
dado dispensa uma empada
num vaso de pacová. Um ou-
tro puxa papo.
— Falamais de você. O No-
vo Normal gosta de sair? De
ir no cinema? No teatro? Em
show?
—Não.Nadadisso rola com
o Novo Normal. Com a qua-
rentena, as relações à distân-
cia se estabelecerampraficar.
Uma convidada, decepcio-
nada, toma a dianteira:
—Eaquela previsão de que
oCarnaval pós-quarentena ia
ser tão louco que faria Sodo-
ma e Gomorra ficarem pare-
cendo Aparecida do Norte?
— Deu chabu. O Novo Nor-
mal é saudável, cauteloso, pre-
cavido. O carnaval pós pan-
demia será pelo Zoom.Quem
quiser anotar aí, aliás: www.
telecotech.ziriguizoom.med.
— Ponto med?!
—É.OCarnaval agora é or-
ganizado pelo Ministério da
Saúde. E o Carnaval de rua,
pelo Ministério da Ciência
e Tecnologia, porque é todo
dentro do Minecraft.
— Que horror! Eu tô soltei-
ra! Como eu vou arrumar um
namorado, assim?
— Uma das coisas que a
quarentena provou é que to-
domundo pode viver sem se-
xo, contanto que o Pornhub
e o Redtube liberemoacesso.
—Vocênão temnamorada?
—Presencialmente, não.
Deprimido comoNovoNor-
mal, o anfitrião sai da roda
discretamente e vai tomar
uma água na cozinha. Ali en-
contra umagalera aglomera-
da, morrendo de rir de uma
história contada por umgor-
dinho, baixinho, careca, uma
versão gente finade umGeor-
ge Costanza, comuma cerve-
ja numamão eumcigarro na
outra.Oanfitrião cutucauma
amiga por ali:
— Quem é o figura?!
—Não tá reconhecendo? É
oVelhoNormal! Saindodaqui
a gente vai pra um caraoquê
na Liberdade e vamos termi-
nar anoite comendoumabis-
teca no Sujinho. Topa?
Quatro e meia da manhã,
abraçados, todos sobem a
Consolação pulando e can-
tando: “Ooooo! VelhoNormal
voltô ô ô! VelhoNormal voltô
ô ô! Velho Normal voltôôôô
oooo!”.
-
Antonio Prata
Escritor e roteirista, autor de “Nu, de Botas”
Ele é saudável, cauteloso e precavido
Onovo normal
Adams Carvalho
|dom. AntonioPrata |seg. TabataAmaral, ThiagoAmparo |ter. Vera Iaconelli |qua. IlonaSzabódeCarvalho, JairoMarques |qui. SérgioRodrigues |sex. TatiBernardi |sáb.OscarVilhenaVieira, LuísFranciscoCarvalhoFilho
-Constança Rezende
brasília |uol Onovoministro
da Educação, Carlos Alberto
Decotelli, copiou quatro tre-
chos de outras dissertações
de mestrado e textos acadê-
micos na introdução de seu
trabalho de mestrado, apre-
sentado em 2008 na Funda-
ção Getúlio Vargas do Rio de
Janeiro, com o título “Banri-
sul:doPROESaoIPOcomgo-
vernança corporativa”.
Adissertaçãotambémtem
trechos idênticos aos de um
relatório da CVM (Comissão
deValoresMobiliários).
Ele escreveu: “Dependen-
do da natureza do negócio e
dateiadeconstituintesqueo
embasam,pode-sedetectara
existênciadeburocratas, téc-
nicos e outros atores engaja-
dosemprojetose ideiasque,
paraeles, fazemsentidoepe-
los quais lutam, mesmo que
aindanãoostenhammateria-
lizado,eàsvezes,somentese
configurandocomoumame-
raagenda,cujaconformação
eevoluçãoestásujeitaacódi-
gosdeconduta,afontesdepo-
der,aocompartilhamentode
umalinguagemcomum,aum
ambientepropícioàcolabora-
ção e a mecanismos de difu-
sãodainovaçãotecnológica.”
O texto de Kátia e Rezilda
diz:“Dependendodanatureza
donegócio e da teia de cons-
tituintesqueoembasam,po-
de-sedetectaraexistênciade
burocratas, técnicoseoutros
atoresengajadosemprojetos
e ideiasque,paraeles, fazem
sentido e pelos quais lutam,
mesmo que ainda não os te-
nhammaterializado, e às ve-
zes,somenteseconfigurando
comoumameraagenda,cuja
conformaçãoeevoluçãoestá
sujeitaacódigosdeconduta,
afontesdepoder,aocompar-
tilhamentodeumalinguagem
comum, aumambientepro-
pício à colaboração e a me-
canismos de difusão da ino-
vação entre as comunidades
ocupacionais com que se re-
lacionam”.
Asautorascitaram, inclusi-
veaorigemdainformaçãoem
outrosautores: “Pelled,2001;
Hoffman, 2001”.
Namesmapágina,Decotelli
diz:“Asobrevivênciadasorga-
nizações, na abordagem ins-
titucional, depende da capa-
cidade de entendimento das
regras, crenças, valores e in-
teresses criados e consolida-
dos num determinado con-
texto ambiental, social e cul-
tural. A formade interpretar
estesaspectos,afimdesepo-
sicionarfrenteàspressõesiso-
mórficas,sãomelhorexplica-
daspelapresençadosesque-
masinterpretativos,definidos
como‘pressupostosresultan-
tes da elaboração e arquiva-
mento mental da percepção
deobjetosdispostosnareali-
dade,queoperamcomoqua-
drosdereferência,comparti-
lhadosefrequentementeim-
plícitos,deeventosecompor-
tamentosapresentadospelos
agentesorganizacionais em
diversas situações’”.
O trecho é quase idêntico
àspáginas32e33dadisserta-
ção demestrado de Júlio Cé-
sar de Paiva de 2006, de títu-
lo“Institucionalizaçãodaga-
rantia do status sanitário na
cadeiaprodutivadaavicultu-
ra de corte”.
“A sobrevivência das orga-
nizações, na abordagem ins-
titucional, depende da capa-
cidadeorganizacionaldeen-
tendimentodasregras, cren-
ças, valores e interesses cria-
doseconsolidadosnumdeter-
minado contexto ambiental,
tira social e cultural.A forma
deinterpretarestesaspectos,
a fimde se posicionar frente
àspressõesisomórficas,sãoé
maisbemmelhorexplicadas
pela presença dos esquemas
interpretativos,definidosco-
mo‘pressupostosresultantes
daelaboraçãoearquivamen-
MinistrodaEducação copiou trechos
deoutrasdissertações emmestrado
Trabalho de Carlos Alberto Decotelli também tem partes idênticas às de um relatório da CVM
resses fortemente locais. Os
representantes do Congres-
so Nacional são eleitos pelo
voto puramente proporcio-
nal. Não há listas partidárias
fechadas,oquefazqueoelei-
torvoteem‘nomes’enãoem
partidos”.
Os quatro trechos não são
colocados entre aspas, o que
é obrigatório em textos aca-
dêmicos quando há citações
de outros textos. Também
não há referência ao autor
logoquandoterminaa frase.
Ao final do texto, Decotel-
li faz referência apenas aos
textosdeRossettoeoescrito
por Kátia Valéria AraújoMe-
loeRezildaRodriguesOlivei-
ra,nabibliografia.Osoutros,
nem isso.
Nestasexta-feira(26),opro-
fessorThomasConti,do Ins-
per(InstitutodeEnsinoePes-
quisa),mostrouqueadisser-
tação de Decotelli também
temtrechos idênticos aosde
umrelatóriodaCVM(Comis-
sãodeValoresMobiliário)do
mesmoano.Orelatóriotam-
bémnãofoicitadoporDeco-
tellinemsequerconstadabi-
bliografia.
De acordo com uma ori-
entação do Núcleo de Apoio
PedagógicodaFGV,oplágio/
cópia acadêmica viola a Lei
9.610/1998, que regula os di-
reitos autorais presentes no
CódigoPenal Brasileiro.
Segundoomanual, plagiar
ecopiaré“reproduzirparcial-
menteounaíntegraumtexto
ou parte dele produzido por
umoumaisautoressemcitar
as devidas fontes”.
“Se no trabalho solicitado
peloprofessorconterumasi-
tuaçãocomoacitadaacimao
plágio/cópiaparcialestácon-
figurado,poisotextofoicopi-
ado na íntegra sem a citação
entre aspas da devida fonte:
FURTADO Celso, Formação
EconômicadoBrasil.SãoPau-
lo:CompanhiaEditoraNacio-
nal, 2001. p.197”, explica.
Procuradopelareportagem
desdesexta,oministérionão
respondeu sobre o assunto.
Decotelli tambémnão tem
título de doutor pela Univer-
sidade de Rosário, na Argen-
tina, conforme apresentava
em seu currículo e como foi
destacadopelopresidenteJa-
irBolsonaroaoanunciarono-
voministroparaocargo,afir-
mou o reitor da instituição,
FrancoBartolacci.
tomentaldapercepçãodeob-
jetos dispostos na realidade,
queoperamcomoquadrosde
referência,compartilhadose
frequentemente implícitos,
de eventos e comportamen-
tosapresentadospelosagen-
tesorganizacionaisemdiver-
sas situações’”.
Jánapágina20,Decotellici-
ta: “Nesta visão, a adaptação
organizacionalrefere-seàha-
bilidadedosadministradores
emreconhecer, interpretare
implementar estratégias, de
acordocomasnecessidadese
mudançaspercebidasnoseu
ambiente,deformaaassegu-
rarsuasvantagenscompetiti-
vas.Comosepodenotar,oes-
tudo do processo de adapta-
çãoestratégica envolveas vi-
sões deterministas do ambi-
enteorganizacionaleavolun-
taristadaescolhadasestraté-
giaspelostomadoresdedeci-
sãonas organizações”.
Háumtrechoigualnotexto
“Teoriainstitucionaledepen-
dênciaderecursosnaadapta-
çãoorganizacional:umavisão
complementar”,deCarlosRi-
cardoRossettoeAdrianaMar-
quesRossetto, publicadoem
janeiro/junho de 2005, pela
UniversidadedoValedoItajaí
emSantaCatarina (Univali).
Na página 24 de seu traba-
lho,Decotellicopiatrechoda
páginas33e34dissertaçãode
mestradoemEconomiadeJu-
liedaPuigPereiraPaes,“Cria-
çãodeMoedaeCicloPolítico”,
publicada em junhode 1996.
O ministro escreve: “Este
‘círculo’ econômico-político
de perda de poder econômi-
coengendrandoumarelativa
fragilizaçãopolíticadaUnião,
sópôdesermantidoàscustas
deumaespecificidadedosis-
temapolítico-partidáriobra-
sileiro:adegerarrepresentan-
tes legislativos federais com
interesses fortemente locais
em seus estados de origem.
Portanto,olastropolítico-ins-
titucionalqueproporcionouo
projetodosbancosestaduais
foireproduzidocomoummo-
deloaomesmotempoeconô-
mico-político-partidário,con-
frontandoespaçosdegestão,
poder e autonomia adminis-
trativo-financeiraentreoses-
tados e aUnião”.
Otrabalhoanteriorafirma:
“Este ‘círculo’econômico-po-
lítico de perda de poder eco-
nômicoengendrandoumare-
lativa fragilizaçãopolíticada
União,queporsuavez,refor-
çaafragilidadefinanceira,só
pôdesermantidoàscustasde
umaespecificidadedosistema
político-partidáriobrasileiro:
a de gerar representantes le-
gislativos federais com inte-
Onovoministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli Marcello Casal Jr./Agência Brasil
.
oquefoiaditadura a eeeDOMINGO, 28 DE JUNHO DE 2020 1
nde você viu nomundo uma dita-
dura entregar para a oposição de
forma pacífica o governo? Só no
Brasil, então não houve ditadura”, disse Jair
Bolsonaro em 27 demarço do ano passado
numaentrevista à TVBandeirantes.
Opresidenteestáerrado,comoaFolhamos-
tra nas páginas seguintes. Não é só opinião
deste jornal, aliás, mas a de 78% dos entre-
vistados pelo Datafolha, em uma nova pes-
quisa sobre o tema.
Umnúmerosemelhante,de75%,rejeitauma
nova aventura autoritária como a do perío-
dode 1964a 1985. Éumrecordena sériehis-
tóricadoinstituto,atingidonomomentoem
queseavolumamameaçasdopresidenteede
seus seguidores contraoCongresso eoSTF.
É verdade que a ditadura entregou o po-
der de forma pacífica, como afirma Bolso-
naro, mas apenas após intensa pressão po-
pular,nummovimentoqueéresgatadoago-
ra por iniciativas emdefesa dademocracia.
Antes, elacastrouosdemaisPoderes,ado-
tou a tortura e o assassinato comopolíticas
de Estado e censurou tudo que questionas-
seospreceitosdo“Brasilgrande”.Suastaxas
expressivasdecrescimentofomentarames-
cândalos de corrupção, avançaram sobre a
Amazôniaesemearamahiperinflação,oen-
dividamento e a desigualdade.
Éimportante,portanto,queos70%debra-
sileirosquenãohaviamnascido,ouqueeram
criançasnoregimemilitar, tenhamaconsci-
ência de que houve ditadura, e que eventu-
aisavançospontuaisnãosuperamotrauma
eo atraso queprovocounopaís.
%%%%%%%
#UseAmarelo pela Democracia
oquefoiaditadura a eeeDOMINGO, 28 DE JUNHO DE 2020 1
“O
A MÁQUINA POLÍTICA • A MÁQUINA DA CORRUPÇÃO • A MÁQUINA DA REPRESSÃO • A MÁQUINA DA
CENSURA E DA PROPAGANDA • A MÁQUINA ECONÔMICA • A MÁQUINA QUE AVANÇOU SOBRE A FLORESTA
dapopulaçãoachaqueademocracia
é sempremelhordoquequalquer
outra formadegoverno,dizDatafolha
Opinião sobre a democracia
Em%
Tanto faz se o governo é uma
democracia ou uma ditadura
Em certas circunstâncias,
é melhor uma ditadura do
que um regime democrático
A democracia é sempre melhor
que qualquer outra forma
de governo
do
.
a eee
oque foi a ditadura
2 DOMINGO, 28 DE JUNHO DE 2020
DATAFOLHA
Oapoio dobrasilei-
ro à democracia cresceu em
meio ao agravamentoda cri-
sepolíticadogovernoJairBol-
sonaro, e atingiu omaior ín-
diceda sériehistóricadoDa-
tafolha.
Segundooinstituto,75%dos
entrevistados consideram o
regime democrático o mais
adequado,enquanto10%afir-
mamqueaditaduraéaceitá-
vel emalgumas ocasiões.
Foramouvidas2.016pesso-
asnosdias23e24,portelefo-
ne.Amargemdeerroédedois
pontos paramais oumenos.
Em dezembro, na mais re-
cente oportunidade em que
oDatafolha fez amesmaper-
gunta,62%apoiavamademo-
craciaeumnúmerosemelhan-
teaodeagora,12%,aditadura.
A migração pró-democra-
ciaocorreuentreaquelespara
quemtantofazoregime:ocon-
tingentecaiude22%para12%.
No período, houve um re-
crudescimento da crise no
Brasil, com enfrentamento
direto de Bolsonaro com o
Apoio ademocracia sobe
ebate recorde emmeio
a ameaçasdeBolsonaro
Pesquisa Datafolha mostra que 75% dos entrevistados preferem
atual regime, enquanto apenas 10% veem ditadura como aceitável
-Igor Gielow
são paulo
Congresso e o Supremo Tri-
bunal Federal.
Insatisfeitocom decisões
queodesagradaram,opresi-
dente apoiou atos pedindoo
fechamento de outros Pode-
res e insinuou o uso das For-
ças Armadas emseu favor.
Oapoioatualàdemocracia
éomaiordesde1989,quando
oDatafolhacomeçouaaferir
o dado.
Omaiordesapreçoaoregi-
meocorreuemoutroanotur-
bulento, 1992, seteanosapós
oBrasildeixaraditadurami-
litar iniciada em 1964.
O país estava emcrise eco-
nômicaeopresidenteFernan-
doCollorenfrentavaumpro-
cesso de impeachment.
Lá,emfevereirohouveome-
norapoioàdemocraciadasé-
rie, 42%. Em setembro, com
Collor afastado do cargo, foi
registradoo ápice da susten-
taçãodaditadura, 23%.
O sentimento democrático
crescecomograudeinstrução
ecommaiorrenda,passando
de66%,entrequemtemoen-
sino fundamental, a 91%, en-
treoscomformaçãosuperior.
O apoio é de 69% entre os
mais pobres (menos de 2 sa-
lários mínimos), chegando a
87%entreaquelescomrenda
superiora10saláriosmínimos.
Ele é umpoucomais frágil
entre quem considera o go-
vernoBolsonarobomouóti-
mo (68%)eentremoradores
do Sul (69%).
Osapoiadoresdopresiden-
tetambémperfazemumgru-
pomaiordeaceitaçãodeum
regime totalitário: 15%.
JáosquerejeitamBolsona-
rotendemaapoiarmaisade-
mocracia (85%), assimcomo
habitantesdoSudeste(80%).
SegundooDatafolha, opa-
ís está dividido entre quem
vêriscodeinstalaçãodeuma
ditadura(46%)eaquelesque
descartam isso (49%).
Apesardapioradoclimapo-
lítico,otemoréomesmoper-
cebido emdezembro.
Achamquehámaiorchan-
cedeumaaventuraautoritá-
ria jovens (55%), quem rejei-
ta Bolsonaro (56%) e os que
acham uma ditadura aceitá-
vel (58%).
Jáaquelesquemaisdescar-
tamoperigo sãoosmais ins-
truídos (58%),apoiadoresde
Bolsonaro(61%)ericos(66%).
ODatafolha questionouos
brasileiros acerca dos pode-
res do Estado sobre a orga-
nização da sociedade, maio-
res quão mais totalitário é o
governo.
Os valores aferidos foram
majoritariamente democrá-
ticos.
OfechamentodoCongresso
é rejeitado por 78% (59% to-
talmente),enquanto18%acei-
tama ideia (11%totalmente).
JáodoSupremofoidescar-
tadopor75%(56%totalmen-
te)eapoiadopor20%(14%to-
talmente).
Como seria previsível, há
maior apoio a esses atos en-
tre quemaprovaBolsonaro.
GostariamdeveroCongres-
sofechado29%dequemacha
ogovernoótimooubome35%
daqueles que dizem confiar
nopresidente.
Acerca do Supremo, pen-
sam omesmo 37% dos apoi-
adores e 42% dos que confi-
amemBolsonaro.
Paraosentrevistados,ogo-
verno não pode proibir gre-
ves (81%concordamcomes-
sapremissa).Tambémdiscor-
damdeinterviremsindicatos
(64%) ou cassar partidos po-
líticos (71%).
No campo judicial, os en-
trevistados são contra pren-
derpessoassemordemdeum
juiz(69%)eusartorturapara
extrair informaçõesdecrimi-
nosos (86%).
Acensuraameiosdecomu-
nicaçãoérejeitadapor80%e
aceita por 18%.
A rejeição cai a 64% entre
os pró-ditadura, e a aprova-
ção sobe a 32% entre os par-
tidários deBolsonaro.
Sobre as redes sociais,
achamqueogovernonãode-
veexerceralgumtipodecon-
trole 64% dos ouvidos, con-
tra 33%que estãode acordo.
Atualmente, tramita no
Congresso um projeto de lei
paracombaterfakenews,mas
que vem gerando reação de
pessoas que apontam o ris-
co de censura.
As regiõesSuleNorte/Cen-
tro-Oeste, redutosdobolso-
narismo, apresentam um
pouco mais de viés autori-
tário no apoio a itens como
proibiçãodepartidos, apoio
à tortura e fechamento dos
Poderes.
Para 78%, regime
militar de 1964
foi uma ditadura
O Datafolha perguntou aos
2.016 entrevistados em 23 e
24 de junho acerca da natu-
rezadoregimemilitar instau-
radoem31demarçode 1964.
Para 78%, foi umaditadura,
enquanto13%nãooveemdesta
forma.Já10%dizemnãosaber.
Olegadodaditaduraéumte-
maconstantenogovernoJair
Bolsonaro.Opresidenteésau-
dosistadoregime,quedescar-
ta comoditatorial, ainda que
negueterintençõesgolpistas.
Seus apoiadores tendem a
concordarmaiscomele.Para
43%dosdefensoresdeBolso-
naro, a ditaduradeixoumais
coisaspositivasdoquenega-
tivasparaopaís,enquantoes-
se índicecaia25%napopula-
ção emgeral.
Para62%dosbrasileirosem
geral, o legado de 1964 é ne-
gativo.Esseíndiceerade46%
em fevereiro de 2014.
Osmais ricos também têm
uma visão mais favorável do
governo dos generais (36%)
doqueamédia.Equemrejei-
taBolsonaro,menos:12%ape-
nasveemmaiscoisaspositivas.
Oconhecimentodobrasilei-
ro acerca de temas da época
cresceu sobBolsonaro.
O AI-5 (Ato Institucional
nº 5), de 1968, definidor do
endurecimento do regime,
ganhou o noticiário quando
membros do governo relati-
vizaramseus efeitos.
“PedirumAI-5”viroupauta
demovimentosbolsonaristas
nasruas.Em2008,apenas18%
diziamsaberdoquesetratava
a sigla, e agora são 50%.
Conhecemmaisoatoaque-
lescomcursosuperior(80%)
e os que ganhammais de 10
mínimos (90%).
Entreoutrostemasdaépo-
ca colocadospeloDatafolha,
o mais conhecido (62%) é a
anistiade1979.Omenos,odi-
tomilagre econômico do co-
meço dos anos 1970 (30%de
conhecimento).
AguerrilhadoPCdoBnoAra-
guaia,dizimadapeladitadura,
éconhecidapor52%.Amorte
dojornalistaVladimirHerzog
(1975)pelarepressão,por41%.
Já a tentativa de atentado
por militares contra um co-
mício sindical no Riocentro
(1981) é conhecida por 39%.
$
Pesquisa foi feita
por telefone para
evitar abordagem
A pesquisa telefônica,
utilizada neste levantamento,
representa o total da
população adulta do país.
As entrevistas são realizadas
por profissionais treinados
para abordagens telefônicas
e as ligações, feitas para
aparelhos celulares,
utilizados por cerca de 90%
da população. Ométodo
telefônico exige questionários
rápidos, sem utilização de
estímulos visuais, como
cartão com nomes de
candidatos, por exemplo.
Assim, mesmo com a
distribuição da amostra
seguindo cotas de sexo
e idade dentro de cada
macrorregião, e da posterior
ponderação dos resultados
segundo escolaridade, os
dados devem ser analisados
com alguma cautela
por limitar o uso desses
instrumentos. Na pesquisa,
feita dessa forma para
evitar o contato pessoal
entre pesquisadores e
respondentes, o Datafolha
adotou as recomendações
técnicas necessárias para que
os resultados se aproximem
aomáximo do universo que
se pretende representar.
Todos os profissionais do
Datafolha trabalharam
em casa, incluídos os
entrevistadores, que
aplicaram os questionários
por meio de central telefônica
remota. Foram entrevistados
2.016 brasileiros adultos que
têm telefone celular em todas
as regiões e os estados do
país. A margem de erro é de
dois pontos percentuais.
Chance de haver uma
nova ditadura no Brasil
0
16
32
48
64
jun.
2020
dez.
2019
out.
2018
fev.
2014
Hámuita chance
Um pouco de chance
Nenhuma chance
Não sabe
15
24
51
10 5
21
25
49
Legado da ditadura
0
16
32
48
64
Deixou mais
realizações negativas
do que realizações positivas
Deixou mais
realizações positivas
do que realizações negativas
Não sabe
46
22
32
62
25
13
Houve ditadura no Brasil
durante o regimemilitar?
Já ouviu falar em…
Em%
Em%
Em%
Em%
AI-5, Ato Institucional nº 5
NãoSim Não sabe
50 49
35 65
18 82
Guerrilha do Araguaia
Milagre brasileiro
Assassinato de Vladimir
Herzog
Lei da Anistia
Caso Riocentro
Fonte: Pesquisa Datafolha feita com 2.016 brasileiros adultos com telefone celular em
todos os estados do país. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou
para menos. A coleta de dados aconteceu nos dias 23 e 24 de junho de 2020
78
Houve
13
Não houve
10
Não sabe
jun.2020
dez.2019
nov.2018
jun.2020
jun.2020
jun.2020
jun.2020
jun.2020
52 47
30 69
41 58
62 37
39 60
jun.
2020
dez.
2019
out.
2018
fev.
2014
O governo brasileiro deveria
ter o direito de:
Em%
Proibir greve
0
17
34
51
68
jun.
2020
dez.
2019
out.
2018
fev.
2014
nov.
2008
16
14
5
15
47
3
Intervir nos sindicatos
0
17
34
51
68
jun.2020dez.2019out.2018fev.2014nov.2008
15
6
6
41
14
18
17
0
4
41
23
15
Proibir a existência de algum partido
0
17
34
51
68
jun.2020dez.2019out.2018fev.2014nov.2008
13
10
56
10
6
6
Censurar jornais, TV e rádio
0
17
34
51
68
jun.2020dez.2019out.2018fev.2014nov.2008
8
10
5
11
62
4
Fechar o Congresso Nacional
0
17
34
51
68
jun.2020dez.2019out.2018fev.2014nov.20088
6
6
12
62
7
Prender suspeitos de crimes
sem a autorização da Justiça
0
17
34
51
jun.2020dez.2019out.2018fev.2014
Concorda totalmente
Concorda em parte
Nem concorda nem discorda
Discorda em parte
Discorda totalmente
Não sabe
10
7
0
22
59
2
15
10
51
0
4
20
10
8
0
16
64
2
11
7
1
20
59
3
15
11
4
12
54
4
17
11
0
20
49
3
Torturar suspeitos para tentar
obter confissões ou informações
0
17
34
51
68
jun.2020dez.2019out.2018fev.2014
7
5
0
13
73
2
7
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4
9
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4
Controlar o conteúdo das redes sociais
0
17
34
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jun.2020dez.2019out.2018
19
15
0
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48
2
24
18
1
11
42
4
Fechar o Supremo Tribunal Federal, o STF
Em%, em junho de2020
56
18 14 7 5
Discorda
totalmente
Discorda
em parte
Concorda
totalmente
Concorda
em parte
Não
sabe
.
a eee
oque foi a ditadura
DOMINGO, 28 DE JUNHO DE 2020 3
ANÁLISE
-Igor Gielow
A ascensão do capitão refor-
madodoExército Jair Bolso-
naro ao poder fez brilhar os
olhos de uma geraçãode ofi-
ciais-generais brasileiros.
Após33anosforadonúcleo
decisóriodopaís,osfardados
enxergaramumaoportunida-
de de redenção.
Em aproximação mediada
por generais da reserva que
haviam encampado a candi-
datura,houve,depoisdopri-
meiroturno,abênçãodoAlto-
ComandodoExército,princi-
palórgãodaestruturamilitar
brasileira, a Bolsonaro.
O resultado, passado um
anoemeiode governode fa-
to, éamaiorcriseexistencial
recentedasForçasArmadas.
“Háumaconfusãoinstituci-
onal.Chamaaatençãoogran-
denúmerodemilitaresnogo-
verno”,dizoprimeirogeneral
da reserva que deixou o pri-
meiro escalão, Carlos Alber-
todosSantosCruz(ex-Secre-
taria deGoverno).
Emuma “live” do Instituto
BrasiliensedeDireitoPúblico
nosábado(20),eleclassificou
dedesequilibradoopapeldos
militares na política. “Há ex-
cesso. Issocomeçaadeterio-
rar o comportamento.”
Hoje, 10 dos 23 ministros
do governo vieram da caser-
na, incluindoaío interinoda
Saúde,generalEduardoPazu-
ello. A exemplo do sucessor
de Santos Cruz, Luiz Eduar-
do Ramos, Pazuello é da ati-
va. “Para ir ao governo, todo
mundo temde passar para a
reserva”,afirmaoex-ministro.
Ramos prometeu adiantar
sua saída do serviço ativo.
Mais próximo militar, histo-
ricamente, de Bolsonaro, ele
personifica um conflito que
remonta ao regimede 1964.
A ditadura foi a última de
uma série de intervenções
militares desde a proclama-
çãodaRepública,em1889,um
clássico golpe fardado.
ARepúblicaVelhaterminou
em 1930 comoutrogolpe.Os
anos de 1945, com o fim do
Estado Novo, e 1954, marca-
do pelo suicídio de Getúlio
Vargas,tambémveriamações
decisivas de alteraçãodopo-
dercivilpelasmãosmilitares.
Em 1975, o cientista políti-
co americano Alfred Stepan
(1936-2017), analisou a cor-
relação das Forças Armadas
comopoder civil noBrasil.
Ele traçaa formaçãodoca-
ráter de tutela que osmilita-
res searrogaramao longoda
história.Masestabelecelimi-
tes, lembrandoqueduasten-
tativas de golpe (1955 e 1961)
quenão tiveramapoio legiti-
madordeparteexpressivada
elite civil fracassaram.
Essa leitura salvacionista,
de união nacional, é visível
nas duasnotas assinadaspe-
loministrodaDefesadeBol-
sonaro, o general da reserva
FernandoAzevedo,acercado
golpe de 1964.
Aliestáoresumodoquesua
geraçãoacredita:omovimen-
tomilitar teria sido necessá-
rio para deter o alinhamen-
to do governo de João Gou-
lart (1919-1976) com o então
comunismo internacional e
teveamplorespaldo interno.
Sendopartedeumproces-
so histórico, o golpe não de-
veria envergonhar os milita-
res—torturaseassassinatos,
alémdasprogressivasperdas
deliberdadescivis,sãoesque-
cidas na avaliação.
Bolsonaro sempre promo-
veuaditadura,enquantoum
obscurodeputado,principal-
menteseucaráterrepressivo.
No poder, envernizou um
poucoodiscurso,masseuins-
tintoprovocadordecriseen-
trePoderesconstantemante-
ve a tensão alta entre os far-
dados a seu lado.
Não são poucos: além dos
ministros e altos funcionári-
os,háhoje2.900militaresda
ativa emprestados para fun-
ções civis naEsplanada.
A dita ala militar do gover-
no, sempre fraturada, bus-
cou apresentar-semoderada
e tambémmoderadora.
Issotevealtosebaixos,dado
oembatedelacomaala ideo-
lógica representada pelos fi-
lhos presidenciais e seus ali-
adosno governo,masde for-
mageralrepetiuoformatode
pretensatuteladopodercivil
pelosmilitares.
Nãodeumuitocertonaprá-
tica,dadoocaráter incontro-
láveldeBolsonaro,masacres-
cente ocupaçãode cargos vi-
tais no Planalto e na Saúde
durante a pandemia da Co-
vid-19mostra um efeito prá-
tico da intenção.
AntesdapossedeBolsona-
ro, o então comandante do
Exército, Eduardo Villas Bô-
as, disse em uma entrevista
àFolhaquea vitória do capi-
tãonãoeraavoltadosmilita-
resaopoder,emboratemesse
umapolitizaçãodosquartéis.
Hojeelaassustaobservado-
resnemtantonasForças,mas
simnas polícias, emespecial
militares,muitas vezes iden-
tificadas aobolsonarismo.
Isso é umanovidadehistó-
rica, dado que nas oportuni-
dadesemquehouveconflito
envolvendoforçasestaduais,
como em 1930, 1932 ou 1961,
eramosgovernadoresquere-
tinhamoapoio das tropas.
A grande quantidade de
questõesinternasparaasFor-
çaséressaltadaporStepanem
seu trabalho. Tendo travado
suaúltimagrandeguerraregi-
onalnoParaguaihá 150anos,
desafiosexternosacabamsen-
dosubstituídosportarefasde
cunhopolítico.
Ograndeperíododeturbu-
lênciaetutelade 1945, apósa
quedadeGetúlioVargas,atéo
golpe de 1964 viu tal espírito
intervencionista seexpandir
atéoparoxismodaditadura.
No primeiro governo mili-
tar, do marechal Humberto
Castello Branco (1899-1967),
foi feitaumareformabuscan-
donormalizar tal agitação.
Foi determinado um siste-
ma pelo qual 25% do efetivo
de oficiais-generais, em to-
dos osníveis, seria renovado
todos os anos.
Na outra ponta, foram to-
madasmedidasparareduzira
politizaçãodosestratosmais
baixos da tropa, vistas como
vulneráveis ao socialismo.
Antes,osfardadosjáhaviam
passado pelo processo inter-
nodeapagamentodamemó-
riadaFEB,aForçaExpedicio-
náriaBrasileiraque lutouem
1944 e 1945na Itália.
Quandovoltaramaopaís,os
comandantesforamespalha-
dos de formaanão constitu-
irumnúcleopolítico:tinham
ido lutar contra o nazifascis-
moevoltaramparaaditadu-
radoEstadoNovo,queseguia
tal orientação. Ainda assim,
foi por pressão militar que
Vargas deixouo cargo.
A reforma dos anos 1960
veiocomdificuldade,etrouxe
oconflitoentreCastelloBran-
co e seuministro da Guerra,
ArthurdaCostaeSilva(1899-
1969), e por fim o último se
tornouopresidente doAI-5.
Só Castello Branco havia
lutado na FEB, entre os pre-
sidentesdaditadura.Costae
Silva, diz Stepan, “era consi-
derado simpático aos dese-
josdeumgovernomaismili-
tante e autoritário e de uma
posiçãomenospró-america-
na emais nacionalista”.
Ditadura formougeração
demilitaresquehoje
povoamgoverno federal
Uma das bases de sustentação do atual governo, fardados trazem do regime autoritário
a mentalidade de que as Forças Armadas são importantes para a união nacional
O ato institucional que re-
crudesceu a ditadura, em
1968, foiumdivisordeáguas.
Osmilitares aferraram-se ao
poder de formadefinitiva.
É na década de 1970que se
forma o núcleo dos generais
deBolsonaro,elemesmoum
cadetedaturmade1977.Ode-
cano deles, Augusto Heleno
(Gabinete de Segurança Ins-
titucional), formou-senaAca-
demiaMilitardasAgulhasNe-
gras em 1969 e sempre abra-
çoucausaspolíticasenquanto
estava no serviço ativo.
Suascríticasàpolítica indi-
genista do governo Luiz Iná-
cioLuladaSilva (PT) lhecus-
taram o Comando da Ama-
zônia e, em 2011, foi impedi-
do de saudar o golpe de 1964
emsuadespedida à reserva.
Deformaparadoxal, foisob
Lula(2003-2010)queosmilita-
restiveramumgrandeganho
dopontode vistamaterial.
Projetosestratégicosdear-
mamentos, liderançanaMis-
são de Paz da ONU no Haiti,
aumentodeverbasedeparti-
cipaçãonasGLOs(operações
degarantiadaleiedaordem)
marcaramoperíodo.
OsanosFernandoHenrique
Cardoso (PSDB, 1995-2002)
são, por sua vez, lembrados
comdesprezopelooficialato.
Consideram que foram re-
legadosaosegundoplanoem
suas funçõesmilitares, já es-
tandoforadapolítica,eacri-
açãodoMinistériodaDefesa
foivistacomoumasubordina-
çãoindesejadaaopodercivil.Sob Dilma Rousseff (PT,
2011-2016), os ruídos políti-
coscresceram,devidoprinci-
palmenteàComissãodaVer-
dade,queapontoucrimesda
ditadura,avaliadapelacúpula
militar comoumtribunal de
um lado só.
Comoimpeachmentdape-
tista e a chegada de Michel
Temer (MDB) para seus dois
anos de poder em 2016, o ca-
minho para a volta ao prota-
gonismo foi aberto.
A Defesa foi entregue em
2018paraumgeneraldequa-
troestrelas, acabandocomo
princípiosimbólicodapasta,
eogeneralSérgioEtchegoyen
(GSI) assumiu papel vital no
aconselhamentodogoverno.
O sequestro do estamen-
tomilitar pela ritualística do
governoBolsonarodesandou
nas ameaças veladas de uso
das Forças contra outros Po-
deres pelo presidente.
Emuma“live”dogrupoPer-
sonalidades em Foco, em 20
de maio, Heleno rechaçou
golpismo.
“Não passa [pela cabeça]
golpe, intervenção. [Devo is-
soaos]nossosinstrutores,va-
cinados por toda aquela tra-
jetória de militares se intro-
metendodeumaformapou-
co aconselhável,masmuitas
vezesnecessária,napolítica.”
Afraseéreveladorapeloseu
aposto: “muitas vezes neces-
sária”. Heleno é visto comoo
mais duro dos generais que
migraramparaoPlanaltocom
Bolsonaro,massuavisãonão
éhegemônica.
Coube ao general Azevedo
fazeropapeldepivômodera-
dordaturmafardada,comum
alinhamentograndecomseu
ex-subordinadoWalterBraga
Netto,ogeneralquecomanda
aCasaCivil.Ramos,quetam-
bémserviusobocomandodo
atualministro, jáestevemais
próximodele.
O agravamentoda crise trí-
plice pela qual passa o Brasil,
comaCovid-19 se somandoa
uma recessão à vista e à tor-
menta política, tem aumen-
tadoosruídosentreoserviço
ativoeosmilitaresde terno.
Stepanapontaqueissoocor-
ria já no auge da ditadura. Se
estivesse vivo, poderia fazer
associações à repulsa dos co-
mandantespeloativismosin-
dicalistaqueerapreconizado
porBolsonaro,ummilitar in-
disciplinado.
Nastrêsdécadasforadopo-
der, as Forças “se afastaram
dascrisespolíticas, impeach-
ments, casosdecorrupção”e
têm“credibilidadealta”entre
apopulação,dizSantosCruz.
Ogeneral,quepassoupelos
dois lados do balcão, resume
omomentomilitar atual: “Si-
tuaçãocomplexa”.
$
Onde estavam os bolsonaristas
General AugustoHeleno
Concluiu a Academia
Militar das Agulhas
Negras (Aman) em 1969.
Em 1977, capitão recém-
promovido, assumiu o cargo de assessor
doministro do Exército, Sylvio Frota
General Fernando
Azevedo
Iniciou a carreira
no Exército em
1973, na Academia
Militar das Agulhas Negras, no Rio
de Janeiro, e fez parte da Brigada
de Infantaria Paraquedista
General Hamilton
Mourão
Formou-se na Academia
Militar das Agulhas
Negras em 1975
Jair Bolsonaro
Em 1977, formou-se
na Academia Militar
das Agulhas Negras
General Luiz Eduardo
RamosBaptista Pereira
No ano de 1979, foi
aspirante a Oficial da
Arma de Infantaria
General Eduardo
Pazuello
Em 1984, formou-se
na Academia Militar
das Agulhas Negras,
como oficial de intendência (assessor
do comandante na administração
financeira e na contabilidade)
GeneralWalter Souza
BragaNetto
Entrou na Academia
Militar das Agulhas Negras
em 1975. Foi aspirante a
oficial da arma de Cavalaria, em 1978.
Olavo de Carvalho
Entre 1966 e 1968,
militou no Partido
Comunista contra a
ditadura militar. Nos
anos 1970, atuou como astrólogo.
Paulo Guedes
De 1974 a 1978 estava
fazendo doutorado
na Universidade de
Chicago (EUA)
[
A leitura
salvacionista,
de união
nacional, é
visível nas
duas notas
assinadas
peloministro
daDefesa de
Bolsonaro,
o general
da reserva
Fernando
Azevedo,
acerca do
golpe de 1964
Mourão 1 , Bolsonaro 2 e Heleno 3 no curso de paraquedismo, provavelmente no fimde 1979 Audazes Paraquedistas no Facebook
1 2
3
.
a eee
Humberto
Castello
Branco
(1964-1967)
Um dos
líderes do golpe, seu governo
criou o SNI, instituiu o
bipartidarismo e extinguiu a
eleição direta para presidente
Arthur da
Costa e Silva
(1967-1969)
Decretou o Ato
Institucional
número (AI-5), que
endureceu a repressão a
opositores e a censura
JuntaMilitar
(de31.ago.1969
a 30.out.1969)
Formada pelo
almirante
Augusto Rademaker, o general
Aurélio Lyra Tavares e o
brigadeiro Márcio de Souza e
Mello, assumiu o poder com
o afastamento de Costa e
Silva por motivo de doença
Emílio
Garrastazu
Médici
(1969-1974)
Foi o presidente
da fase mais repressiva da
ditadura, com tortura e morte
de opositores, e também
do “milagre econômico”
Ernesto Geisel
(1974-1979)
Articulou
a abertura
política “lenta,
gradual e segura”; em 1977,
fechou o Congresso Nacional
por meio do “Pacote de Abril”
JoãoBaptista
Figueiredo
(1979-1985)
Conduziu a
fase final do
regime, com a Lei da Anistia e
a volta domultipartidarismo;
em seu governo ocorreu o
atentado do Riocentro
4 DOMINGO, 28 DE JUNHO DE 2020
oque foi a ditadura
A MÁQUINA POLÍTICA
A máquina política
quesustentouaditadurabra-
sileiranãofoiapenasautoritá-
riae repressora.Foi também
dissimulada.
Durante seus 21 anos, o re-
gimemilitarcultivouumami-
ragemdemocrática.
Ao contrário do Chile, não
concentroupoderemumúni-
co general,mas o dividiu en-
tre cinco presidentes (além
deumabreve juntamilitar).
Diferentemente da Argen-
tina, manteve o Congresso
abertoporpraticamentetodo
operíodoetolerouaexistên-
cia de umaoposição formal.
“Foi umaditadura emcon-
domínio. Mas era ditadura
domesmo jeito”, diz o histo-
riadorBoris Fausto, estudio-
so doperíodomilitar.
“Nuncahouveeleição.OAl-
toComandodoExército dis-
cutia, brigava e votava. Fazia
asvezesdepovo”,prossegue.
Na teoria, havia respeito a
um dos princípios basilares
da democracia, o da separa-
çãodePoderes.Mas era ape-
nas um verniz, diz o profes-
sor, porque o Executivo era
umPoder armado, e portan-
to, superior aos demais.
“Havia separação de Pode-
rescomsubordinaçãoaoExe-
cutivo. Forte subordinação.”
Não forampoucas as vezes
emqueacondiçãodeprimus
inter pares do Executivo se
manifestou,entre1964e1985.
Seu instrumento principal
foram os Atos Institucionais
(AIs), dando formatação ju-
rídica ao regime.Houve 17.
A interferência sobre o Le-
gislativo não tardou, come-
çandojánodécimodiadogol-
pe, 9 de abril de 1964, com o
AI-1,quecassou41deputados.
Passou pelo AI-5, de 1968,
queconsolidouacastraçãodo
Congresso,echegouaoPacote
deAbril,de1977,comanome-
açãodesenadores“biônicos”,
escolhidos em colégio eleito-
ralcontroladopeloExecutivo.
Umdos atos institucionais
que tiveram consequências
mais duradouras para o ar-
cabouço político foi o nº 2,
deoutubrode1965,queinsti-
tuiuobipartidarismo,fixando
aArena(AliançaRenovadora
Nacional)comorepresentan-
Dissimulada, ditadura
militar crioumiragem
de separaçãodePoderes
Regimemanteve Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal
abertos e tolerou oposição, mas cassou deputados emagistrados
-Fábio Zanini
são paulo
tedogovernoeconfinandoa
oposiçãoaoMDB(Movimen-
toDemocráticoBrasileiro).
“Inicialmente, a suposição
dosmilitares era adequees-
tabelecerumaoposiçãocon-
sentida,semelementosmais
radicaiscomooscomunistas,
atornariamaismaleável,mais
controlável.Esseambientege-
rou, ao menos no princípio,
uma certa imagem positiva
no exterior, que interessava
aonovo regime”, diz Fausto.
Masamanobraserelevaria
umtironopéapartir deme-
adosdosanos1970,quandoo
MDBcresciaeseconsolidava
comouma força opositora.
Figuras importantesdo re-
gime, comoogeneral Golbe-
rydoCoutoeSilva,acabariam
porconsiderarqueobiparti-
darismo tinha sidoumerro.
“Omodelodedoispartidos
unificou a oposição, ali cabi-
amde liberais a conservado-
res”, afirmaohistoriador.
Issolevouoregimeaautori-
zarnovaslegendas,entreelas
oPT,nofimdosanos1970,co-
moumaestratégiaparatentar
fragmentar a oposição.
Deputado estadual e sena-
dorpeloMDBdoRioGrande
doSulduranteaditadura,Pe-
droSimonafirmaqueseupar-
tido“tinhadetudo”.“Tinhaaté
gentedementirinha,caraque
era fechado comaditadura”.
Ele lembraquehaviaduras
e frequentes discussões so-
bre até que ponto era o caso
departicipardojogopolítico
emcondiçõesfarsescas.“Valia
apena?Eraaperguntaqueo
povão fazia pra nós”, afirma.
SegundoSimon,oquemais
dividia o partido era a ma-
neira de fazer essa oposição
consentida. “Luta armada, a
maioria era contra, não ape-
nas porque tinhamedo,masporque não havia chance de
sucesso. Tudo no país era da
Arena. A igreja, as instâncias
políticas, tudo.”
Suaposição,afirma,sempre
foiadeaproveitarosespaços
disponíveisparapressionaro
regimeacederemquatropon-
tosfundamentais:eleiçõesdi-
retas,Constituinte,fimdator-
turaeliberdadedeimprensa.
“Eudefendia resistir atéoúl-
timoguichêdisponível”, diz.
Foi comessaatitudedeen-
frentar o regime por dentro,
lembraoex-senador,quecres-
ceuafiguradeUlyssesGuima-
rães, principal expoente do
MDB durante praticamente
todooperíodo autoritário.
“OUlysses foi agrandeper-
sonalidadedahistóriadoBra-
sil naquele momento. Bateu
na mesa, resistiu. Seu único
erro foi não ter assumido a
Presidência com amorte do
Tancredo [Neves], ter deixa-
doparao[José]Sarney.Deve-
riaterassumidoeconvocado
eleições diretas.”
A chegada de Simon ao Se-
nadoem1978,eleitodemocra-
ticamente, ocorreu quase si-
multaneamenteànomeação
dos colegas biônicos.
“OPacotedeAbril foioúlti-
mobafodaditadura.Foiuma
desgraça. Mas o povo reagiu
do nosso lado, foi uma coisa
fantástica”, lembra.
OJudiciárionãosofreume-
nos, sobretudoo Supremo.
OmesmoAI-2queinstituiu
obipartidarismoinflouoSTF
de 11 para 16membros, com
os5extrasescolhidosadedo
pelo regime. A ideia era dilu-
ir vozes opositoras.
Nãosatisfeitos,osmilitares,
jáanabolizadospeloAI-5,cas-
saramtrêsministrosem1969,
queconsideravamdeesquer-
da:VitorNunesLeal,Hermes
Lima eEvandroLins e Silva.
Outrosdois,emprotesto,sa-
íramporcontaprópria:Gon-
çalvesdeOliveira eLafayette
deAndrada.
Comacorte já “sanitizada”
aosolhosdoregime,ascinco
vagasabertasnãoforampre-
enchidas,eonúmerode11mi-
nistros foi restabelecido, ta-
manhoqueperduraatéhoje.
Como instância de contro-
leconstitucionaldeumsiste-
maquenãorespeitavadireitos
fundamentais, e com a ame-
açadecassaçãodeministros
sempreporperto, oSTF teve
umpapel secundário duran-
te a ditadura,muito distante
doestrelatodosdiasdehoje.
Isso gerava grande frustra-
çãonosmembrosmais inde-
pendentes da corte, comofi-
cou evidente em um episó-
dio teatral ocorrido em 1971.
Inconformado com a de-
cisão do STF de considerar
constitucionalacensurapré-
via, oministro Adauto Lúcio
Cardoso, quehavia sido voto
vencido, levantou-senomeio
dasessão,pendurousuatoga
nacadeiraeabandonouople-
náriodotribunal.Emseguida,
requereusuaaposentadoria.
Ogestocausoucomoçãona
imprensa, algo incomumpa-
ra uma corte que tinha a dis-
crição comomarca.
“Naquelaépoca,opoderes-
tava realmente concentrado
no governomilitar. O STF ti-
nhasuascompetênciastotal-
mente podadas. Era uma si-
tuação de humilhação, mais
do que de conflito”, diz o ex-
ministrodoSTFFranciscoRe-
zek,nomeadoduasvezespa-
raacorte,aprimeiradelasna
retafinaldoregime,em 1983.
Segundo Rezek, o Judiciá-
rio só teve algum grau de in-
dependênciaentre1964e1968
eapósofimdoAI-5, em 1979.
“Por cimadaConstituição,
cavalgava o AI-5. Com a edi-
çãodesteato,oBrasilpassoua
convivercomumaordemins-
titucional paralela, que neu-
tralizavaporcompletoasga-
rantias individuais”, diz.
O ato fechou o Congresso
porquaseumano,cassouau-
toridades,endureceuacensu-
ra, abriu as portas para a re-
pressãoviolentaesuspendeu
o habeas corpus para acusa-
ções de cunhopolítico.
Tudo,relembraoex-minis-
tro,eravistosobaóticadase-
gurançanacional,oque limi-
tava emmuito os direitos in-
dividuais.
“A temática da segurança
nacional era interpretadado
modomaisextensivopossível
pelo regime. Isso levou oAli-
omarBaleeiro[presidentedo
STFentre 1971 e 1973] adizer
quenãodavamaispararespi-
rardiantedasuperinflaçãodo
conceito”, afirmaRezek.
Numdiscursofamoso,Bale-
eiro reclamouqueatébatom
demoçaecigarrodemaconha
eram “segurançanacional”.
Asuperemendaconstituci-
onal de 1969, tão ampla que
muitosaconsideramumano-
va Constituição, incorporou
os princípios do AI-5 à Carta
que existia desde 1967.
Uma rápidaolhada emseu
capítulo sobre direitos e ga-
rantias individuais mostra
comotaisconceitos,nareali-
dade,nãosignificavammuita
coisa naprática.
O artigo 153 da Carta, por
exemplo, faziaumalongade-
fesada livremanifestaçãode
pensamento e de convicção
política oufilosófica,mas in-
cluíaumaressalvaquenaprá-
ticaanulavatudo.“Nãoserão
toleradas a subversão da or-
dem e as publicações e exte-
riorizações contrárias à mo-
ral e aos bons costumes”, di-
zia o texto.
Oartigoseguinte,o 154, era
ainda mais direto. “O abuso
de direito individual ou polí-
tico,comopropósitodesub-
versãodoregimedemocráti-
cooudecorrupção, importa-
ráasuspensãodaquelesdirei-
tos de dois a dez anos”.
Com o fim do AI-5, diz Re-
zek, o STF tevemais liberda-
de para julgar e passou a ser
refúgio para opositores que
queriam contestar pontos
do regime.
“A oposição percebeu es-
senovomomentoepassoua
reverenciaroSTF.Recorriam
comalgumafrequência,mui-
to como se faz hoje”.
O restabelecimento pleno
dosistemadefreiosecontra-
pesosrepresentadopelasepa-
raçãodePoderesveioapenas
com o término da ditadura,
em 1985, o que foi consolida-
dopelaConstituiçãode 1988.
Só então o alicerce demo-
crático foi refeito, apesar do
que tentam fazer crer atual-
mente os apologistas daque-
le período.
AI-1
De 9.abr.1964,
institucionali-
zou o golpe e
criou um colé-
gio eleito-
ral para esco-
lher o presi-
dente; gerou
a primeira
onda de cassa-
ções e suspen-
são de direi-
tos políticos
AI-2
De 27.out.1965,
estabeleceu
o bipartida-
rismo e inflou
o STF, que pas-
sou de 11 para
16ministros
AI-5
De 13.dez.1968,
endureceu o
regime, com o
fechamento do
Congresso, cen-
sura, cassação
demandatos
e restrição do
habeas corpus
Tanques emBrasília no dia 1º de abril de 1964 Jornal do Senado
Principais
atos insti-
tucionais
$
Os presidentes
militares
Lei de Segu-
rançaNacional
Teve diversas
versões, entre
1967 e 1983
(esta última,
em vigor até
hoje); com
formulação
genérica, deu
poderes ao
Estado para
agir contra
cidadãos que
ameacem
a ordem, a
soberania e as
instituições
Constituição
de 1967
Entrou em
vigor em
15.mar.1967
e consolidou
todo o arca-
bouço jurídico
do golpe,
incluindo atos
institucionais
e decretos-lei
Emenda
constitucional
de 1969
Tão abrangente
que é consi-
derada por
muitos uma
nova Constitui-
ção, endureceu
o regime à luz
do AI-5 e cen-
tralizou ainda
mais o poder
no Executivo
Lei daAnistia
Sancionada em
28.ago.1979
após intensa
pressão popu-
lar, anistiou
crimespolíticos
cometidos pelo
regime e seus
opositores
desde 1961, o
que contribuiu
para viabilizar
a transição
democrática,
mas deu
origem a um
sentimento de
impunidade
que semantém
até hoje
Os instru-
mentos
jurídicos
do regime
.
a eee DOMINGO, 28 DE JUNHO DE 2020 5
oque foi a ditadura
A MÁQUINA DA CORRUPÇÃO
“Onegócioélu-
crativo sob qualquer aspec-
to: a Odebrecht pode cobrir
todos os seus gastos e exigir
também adicionais. Quanto
mais cara a construção,mai-
ores os rendimentos para os
acionistas.”
A afirmação pode soar fa-
miliar ao noticiário recente
dopaís,masestampavaaspá-
ginas daFolhano longínquo
ano de 1978, ainda no penúl-
timo dos governos do regi-
memilitar.
Àépoca,ojornalrepercutia
reportagemdarevistaalemã
DerSpiegelsobresupostas ir-
regularidadesemumacordo
firmadoentreBrasileAlema-
nhaqueviabilizouaconstru-
ção das usinas nucleares de
Angra.Apublicaçãoeuropeia
questionava ligações de mi-
nistroscomasempresascon-
tratadas, atrasos das obras e
o encarecimentodoprojeto.
Aliadosdoentãopresiden-
teErnestoGeiselrepudiavam
oteordasacusaçõesdarevis-
ta.E,assimcomoaconteceria
36 anosmais tarde no âmbi-
to da Operação Lava Jato, o
principalnomedaempreitei-
ra foi convocado para depor
em uma CPI: Norberto Ode-
brecht, fundadordaconstru-
tora,falouaosparlamentares
emabril de 1979.
A comissão parlamentar,
criada por causa da reporta-
gem,ouviuoutrasdezenasde
testemunhas,masteveescas-
sas consequências.
Regimeagigantouas
empreiteiras e foi rico em
escândalosfinanceiros
Imagem de que períodomilitar foi mais honesto se deveu a
falta de transparência e fragilidade de órgãos de controle
-Felipe Bächtold
são paulo
Sehojeomantradesimpa-
tizantesdoantigoregimedos
generaiséodeque,emquepe-
seoautoritarismo,nãohavia
corrupçãonaépoca,osarqui-
vosdoperíodoeosrelatosdaimprensamostramumasérie
de episódios polêmicos en-
volvendo altos funcionários
eatéagitaçãopolíticaprovo-
cadapor revelaçõesqueche-
gavamapúblico.
Sobretudo nos anos finais
do regime, o discurso anti-
corrupçãofoiencampadopor
opositoresnaesteiradecasos
comooLutfalla,desuspeitas
naconcessãodeempréstimos
àfamíliadamulherdoex-go-
vernadorPauloMaluf,eoDel-
fin,sobreoabatimentodedí-
vidasdeumafinanceira.Atéo
uso da expressão “mar de la-
ma”, concebida na Presidên-
ciadeGetúlioVargas,nosanos
1950, foi reciclado.
OpróprioGeiselsemostra-
vareservadamentecríticodo
ambiente que o circundava.
“Só num país como o Brasil
na situação atual eu poderia
chegar à Presidência”, disse,
antes de assumir o cargo, se-
gundo conta o livro “A Dita-
dura Derrotada”, do jornalis-
ta Elio Gaspari. “Como é que
se chega aomeunome?Ora,
porquefulanoécretino,sicra-
noéburro,beltranoésafado!
Isso é jeito?”
Dez anos antes da CPI so-
bre Angra, houve a medida
quetalvezsejaoelomais sig-
nificativodoperíodo comos
tempos daLava Jato.
OgovernodopresidenteAr-
thur da Costa e Silva decidiu
restringiracontrataçãopúbli-
cadeconstrutorasestrangei-
ras,quetradicionalmenteto-
cavamgrandesprojetospelo
paísatéentão,comoformade
estimular o capital nacional.
Adécadaseguinteeoavan-
ço econômico do chamado
“milagre brasileiro” seriam
marcados pelas chamadas
obras faraônicas, como a ro-
doviaTransamazônicaeahi-
drelétrica deTucuruí.
Sem a concorrência exter-
na, empresas nacionais en-
contraram espaço para am-
pliar suas operações. A Ode-
brecht,antesumaempresade
projetosmaismodestos e re-
gionais, ganhouprojeçãona-
cional.Consolidaramsuaspo-
siçõesdegrandesconglome-
rados a Andrade Gutierrez e
aCamargoCorrêa,todashoje
comconfissõesdepagamento
depropinaemobraspúblicas.
AexpansãodopapeldoEs-
tado na economia na época,
que inclui a criação de esta-
taisedefundospúblicos,tam-
bémfoiumadascaracterísti-
cas daquele período.
“O processo de corrupção
de empreiteiros junto ao Es-
tado é anterior [ao regime].
Mas durante a ditadura isso
se consolida e se maximiza
de umamaneira radical”, diz
oprofessordehistóriaPedro
HenriqueCampos,daUniver-
sidade Federal Rural do Rio.
Elepesquisouemtesededou-
toradoarelaçãoentreasem-
preiteiraseaditaduraeescre-
veu um livro a respeito, “Es-
tranhasCatedrais”.
Campos listanaobracasos
de oficiais militares que fo-
ramnomeadosparagrandes
companhiasdopaís,emuma
aproximaçãodoempresaria-
do como regime.
O professor cita como um
dos fatores para um “cená-
rio ideal para práticas cor-
época o Congresso tinha es-
sa prerrogativa em denúnci-
ascontraparlamentares.Oex-
ministrosempreafirmouque
nãocometeuirregularidades
equenãohouveparticipação
deGolbery no empréstimo.
Seepisódiosassimjácausa-
ramrepercussãoapesardali-
mitadaliberdadepolíticaede
expressãodaépoca,háainda
outrosrelatoscontrovertidos
quesórecentementevierama
públicoporcausadaliberação
de arquivos sobre o regime.
Em 2018, um professor da
Universidade Federal de São
Carlos(SP),JoãoRobertoMar-
tins Filho, divulgoupesquisa
na qual mostrou que a dita-
dura atuou para abafar uma
investigaçãodecorrupçãona
comprade fragatasdoReino
Unidonosanos 1970. Ascon-
clusões se basearam em pa-
péis confidenciais históricos
do governobritânico.
Osdocumentosmostraram
que, em 1978, o Reino Unido
estava disposto a investigar
denúnciadesuperfaturamen-
tonacompradeequipamen-
tos para a construção de na-
viosvendidosaoBrasilesuge-
riuopagamentodeindeniza-
ção. “Éevidentequeelesnão
gostariamquemandássemos
um time de investigadores e
nãoiriamcolaborarcomum,
seelefosse”,diziarelatórioda
diplomacia britânica.
Adespeitodetodoessehis-
tórico, alguns fatorespodem
tercontribuídoparaqueainda
maiscasosdecorrupçãonão
tenhamvindoà tonaeparaa
difusão da imagemde admi-
nistração“honesta”hojealar-
deadapor apoiadores do an-
tigo regime.
O fimdo autoritarismo e a
Constituição de 1988 garan-
tiramuma série demecanis-
mos de controle e de fiscali-
zaçãodasociedadesobreva-
riadas instânciasdegoverno.
Omaior exemplo disso é o
Ministério Público, hoje, ao
ladodaPolícia Federal, prin-
cipalatoremgrandesinvesti-
gaçõespelopaís,quetevesua
autonomiagarantidanaCar-
ta promulgadanaquele ano.
Anteriormente,sempoder
deapuração,ainstituiçãotra-
balhava atrelada aos gover-
nos.Nãohavia atuação insti-
tucionalizada para áreas co-
mo improbidade adminis-
trativa e defesa do patrimô-
nio público.
No plano federal, até 1988,
asituaçãosoahoje inusitada:
o Ministério Público Federal
tinha entre suas atribuições
funçõeshojedesempenhadas
pelaAdvocacia-GeraldaUni-
ão, de defesa pública.
Atualmentecorriqueiras,as
operações da Polícia Federal
só se tornaramparte da roti-
naemmeadosdosanos2000,
comaampliaçãodosquadros
eoaparelhamentodacorpo-
ração.Em2001, foicriadatam-
bém a Controladoria-Geral
daUnião.
A evolução tecnológica ga-
rantiu ainda ferramentas de
transparência, como as pu-
blicações de dados governa-
mentaise facilidadesnaapu-
ração de delitos financeiros,
comoocruzamentodeinfor-
mações embancos de dados
eaampliaçãodacooperação
internacionalemcasosdere-
cursosmantidosnoexterior.
Oscrimesfinanceiros,aliás,
um dos delitos mais visados
poroperaçõescomoaLavaJa-
to, tiveram ummarco com a
lei criminalizandoa lavagem
dedinheiro, em 1998.
O sucesso da investigação
iniciadanoParanádevemuito
aoutra lei, aindamais recen-
te,de2013,queregulamentou
colaboraçõespremiadas,além
detipificarocrimedeorgani-
zação criminosa.
“Hoje com a transparên-
cia eas investigações, se tem
mais noção do tamanho do
problema [da corrupção].
Mas o problema já existia,
sem amenor sombra de dú-
vida.Haviagrandesescânda-
losnaépocaeeramabafados.
A imprensa nãopodia publi-
car.Erabemdiferenteasitua-
ção”,dizoprocuradordeJus-
tiçaaposentadoRicardoPra-
do,deSãoPaulo,quepreside
aassociaçãoMinistérioPúbli-
coDemocrático.
Alguns dos
maiores
escândalos
do período
Lutfalla
BNDES fez
empréstimo à
têxtil Lutfalla,
da família da
mulher de
PauloMaluf.
Houve suspei-
tas de fraudes
das garantias
apresentadas
GeneralElectric
Então chefe da
GE no Brasil
disse que foi
pago suborno
para a Rede
Ferroviária
Federal adqui-
rir locomotivas
em condições
rejeitadas
pela estatal
Fragatas
Documentos
da inteligência
do Reino Unido
tratamde uma
investigação
sobre super-
faturamento
na compra
pelo Brasil de
equipamentos
para fragatas
nos anos 1970.
Os papéis
afirmamque
o governo à
época não
demonstrou
interesse na
apuração
Capemi
Empresa
ganhou direito
de explorar
madeira
na área da
represa de
Tucuruí (PA).
O serviço não
foi entregue,
a subsidiária
faliu e houve
suspeitas de
desvios por ofi-
ciaismilitares
GrupoDelfin
Em 1982, Folha
mostrou que
o BNH (Banco
Nacional de
Habitação)
aceitou quitar
dívida do grupo
em troca de
terrenos de
valormuito
abaixo do
débito
Coroa-Brastel
Caixa deu
empréstimo
que teria como
finalidade
salvar a corre-
tora Laureano,
influente no
regime. O
Coroa-Brastel
quebrou e
lesoumilhares
de investidores
ruptas na época” a amplia-
ção dos fundos públicos e o
aparelhamento empresarial
doEstadobrasileiro.
A liberação de recursos do
BNDES, que virou tema de
debates nas campanhas pre-
sidenciais deste século, tam-
bémdespontouemumepisó-
dio polêmico do regime dos
fardados.
Um dos nomes mais influ-
entes do período, o general
Golbery do Couto e Silva, foi
criticado por pedir financia-
mentoaobanco,àépocacha-
madodeBNDE,paraamulti-
nacional Dow Chemical, cu-
ja filial brasileira ele chefiou
enquanto esteve fora do go-
verno. Na ocasião do lobby,
porém,Golbery já atuavaco-
moconselheirodeGeisel, de
quemseriachefedaCasaCivil.
Golbery tambémchegou a
ser mencionado em um dos
principais escândalos finan-
ceirosdaditadura,ocasoCo-
roa-Brastel.
Curiosamente,o imbróglio
teveanosdepoisumadesuas
sentençasexpedidasporuma
dasestrelasdaLavaJato,o ju-
izfluminenseMarceloBretas.
Era 1998, quando o magis-
trado, iniciante na carreira,
condenou a oito anos de pri-
são o empresário Assis Paim
Cunha,pivôdeumamanobra
financeira que respingouem
umdosmais conhecidosmi-
nistrosdoregimemilitar,Del-
fimNetto.
Delfim e o ex-ministro da
Fazenda Ernane Galvêas fo-ramdenunciados sob acusa-
çãodedesvioderecursospú-
blicosaoautorizaràspressas
liberação de empréstimo da
Caixa ao empresário dono
dogrupovarejistaefinancei-
ro Coroa-Brastel em 1981, de
valor equivalente na época a
US$ 25milhões.
O pano de fundo do repas-
se, segundo a acusação do
Ministério Público à época,
era uma operação de socor-
ro a uma corretora influente
quebrada,aLaureano.Ogru-
po Coroa-Brastel foi liquida-
do em 1983, deixando 34mil
pequenos investidores lesa-
dosporcausadetítulosemiti-
dossemlastro(suportefinan-
ceiropara cobrir umeventu-
al resgate).
Paim Cunha morreu em
2008, aos 80 anos, e afirmou
atéofimdavidaque foi leva-
do a entrar no negócio por-
que havia interesse do gene-
ralGolberynasalvaçãodacor-
retora Laureano.
Jáapósofimdoregime,em
1989, a Câmara dos Deputa-
dos negou autorização para
que o Supremo Tribunal Fe-
deralprocessasseDelfim_na
Obras da ponte Rio-Niterói em 1971 Folhapress
.
a eee6 DOMINGO, 28 DE JUNHO DE 2020
oque foi a ditadura
A MÁQUINA DA REPRESSÃO
Doisdiasapósogol-
pede1964,oex-sargentoGre-
górioBezerrafoipresonoRe-
cife.DirigentedoPCB,ele foi
amarradopelopescoçoepu-
xadopelasruasdacidade,en-
quantoumoficial incentivava
a população a linchá-lo.
Exibidas naTV local, as ce-
nas simbolizaram a inaugu-
raçãodeumregimequeado-
touarepressãoviolentacomo
método.Pesquisadoresretra-
tamBezerracomoaprimeira
vítimadetorturadoperíodo.
Os casos registrados nos
meses iniciaisdaditadurafo-
ramtratadosporintegrantes
dogovernomilitar comoum
reflexodo “calor dahora”.
Aprática,porém,foiadota-
dacomoferramentapara in-
terrogarecombateroposito-
res,emespecialpersonagens
considerados subversivos.
Apartirde1968,arepressão
violentaformatouumaestru-
turadedicadaatortura,mor-
tesedesaparecimento_atéo
iníciodaabertura,nasegunda
metade dos anos 1970.
Osnúmerosdarepressãosão
pouco precisos, uma vez que
aditaduranuncareconheceu
essesepisódios.Auditoriasda
JustiçaMilitarreceberam6.016
denúnciasde tortura.
Engrenagemdeabusos
perseguiu,matou,
torturou e saiu impune
Comissão da Verdade apontou 434mortos e desaparecidos, além de
milhares de denúncias; Anistia descartou responsabilizar culpados
-Bruno Boghosian
brasília
terminouinvestigação.Oche-
fedogabinetemilitar,Ernes-
to Geisel, declarou que a re-
pressão violenta ocorria em
números reduzidos e havia
parado.Ninguémfoipunido.
“Quanto mais lenientes
eram os comandos, mais se
consolidavaessaprática”,diz
ahistoriadoraecientistapo-
lítica Heloisa Starling. “Não
era coisa de loucos, era um
método.”
Osatosviolentoseramatri-
buídosaoficiaisda“linhadu-
ra” que atuavanosporõesda
ditadura, especialmente nos
Dops (Departamentos Esta-
duaisdeOrdemPolíticaeSo-
cial) das polícias estaduais.
O regime estruturou um
aparato para executar a re-
pressão.OSNI(ServiçoNaci-
onaldeInformações),criado
em 1964 para coordenar ati-
vidades de inteligência, exe-
cutava espionagem e moni-
torava atividades subversi-
vas. As prisões e a tortura fi-
cavam principalmente a car-
go do CIE (Centro de Infor-
maçõesdoExército),de 1967.
Numpasso para ampliar a
violência, o AI-5, no ano se-
guinte, suspendeu a garan-
tia de habeas corpus para
suspeitos de crimes políti-
cos contra a segurançanaci-
onal. Facilitou o trabalhode
torturadores, que podiam
manter inimigos do regime
sob custódia.
Oentãocoronel JoãoBatis-
ta Figueiredo, que seria o úl-
timo presidente da ditadura
(1979-1985), resumia assimo
ato:“Oserrosdarevoluçãofo-
ramseacumulandoe, agora,
só restou ao governo ‘partir
para a ignorância’”.
O governo inaugurou tam-
bém,em 1969,umnúcleopa-
ra coordenar as ações de se-
gurança. Criada emSãoPau-
lo,aOban(OperaçãoBandei-
rante) tinha apoio financei-
ro de empresários paulistas.
Oaparelhofoiampliadosob
ogeneralEmílioMédici(1969-
1974).Em1970,ogovernofun-
douosDOIs (Destacamentos
deOperaçõesdeInformações)
eoCodi(CentrodeOperações
deDefesa Interna).
ObinômioDOI-Codisimbo-
Números
da
repressão
434
mortos e
desaparecidos
191
mortos
210
desaparecidos
33
desaparecidos
cujos corpos
foram locali-
zados poste-
riormente
8.300*
indígenas
mortos
20mil*
torturados
*Estimativa
Fontes: Comissão
Nacional da
Verdade (2014)
e Terceiro
Programa Nacional
de Direitos
Humanos (2009).
Estimativasfeitasnotercei-
ro ProgramaNacional de Di-
reitosHumanos,aprovadono
governoDilmaRousseff (PT),
apontampara 20mil casos.
Presosrelataramteremsido
pendurados empaus de ara-
ra,submetidosachoqueselé-
tricos,estrangulamento,ten-
tativasdeafogamento,golpes
compalmatória, socos, pon-
tapéseoutrasagressões.Em
alguns casos, a sessão de tor-
tura levava àmorte.
Em2014,aComissãoNacio-
naldaVerdade(CNV)listou191
mortos e o desaparecimento
de 210 pessoas. Outros 33 de-
saparecidostiveramseuscor-
poslocalizadosposteriormen-
te,numtotalde434pessoas.
Ditaduras que dominaram
paísesvizinhossuperaramos
dados brasileiros. No Chile
(1973-1989), o governo regis-
troumaisde3.000mortos. Já
na Argentina (1976-1983) fo-
ramacimade 30mil vítimas.
“Isso é tido, às vezes, como
indicação de que a ditadura
brasileira teria sido menos
feroz ou absoluta. Não é ver-
dade.Arazãodessenúmeroé
oabsolutocontrolequeogo-
verno tinha do processo re-
pressivo”, diz o advogadoPe-
droDallari, que coordenoua
CNVem 2013 e 2014.
Quandoosprimeiroscasos
detorturaforamregistrados,
aindaem1964,acúpuladore-
gimeadotouatitudetolerante.
Naquele ano, o presidente
CasteloBranco(1964-1967)de-
lizou o combate repressivo e
aprimorouatortura.Haviace-
lasquesubmetiamospresosa
baixastemperaturasoumúsi-
caalta.Osdetidoseramimo-
bilizadosnasconhecidas“ca-
deirasdodragão”,paraaapli-
caçãode choques elétricos.
Militante da Ação Popular
(AP), a advogada Rita Sipahi
foipresaem1971.NoDOI-Co-
di paulista, foi agredida, des-
pidaerecebeuchoquesnava-
gina.Osinterrogadoresqueri-
amque ela revelasse a locali-
zaçãodeintegrantesdosmo-
vimentos de esquerda.
Pendurada no pau de ara-
ra, ela disse o endereço de-
poisdealgunsdias. “Jáestava
ficandocomosdedos roxos.
1 O jornalista
Vladimir
Herzog,
morto em
uma cela do
DOI-Codi, em
São Paulo
2 Cena do
assassinato
de Pedro
Pomar e
Ângelo
Arroyo,
militantes
do PCdoB
mortos em
1976
Divulgação
Enterro do estudante Edson Luiz,morto em 1968 no Rio de Janeiro Arquivo Nacional/Correio da Manhã
Os corpos de doismilitantes que participaramda Guerrilha do Araguaia,
no Pará, são observados por soldados 1972/Reprodução
1
2
Silvaldo Leung Vieira - 25.out.1975/Jornal do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo
Memorial da Democracia
O líder comunista Gregório Bezerra, preso no pátio emumquartel em Casa Forte, Recife (PE),
em abril de 1964, depois de ter sido torturado e arrastado com cordas no pescoço pelo bairro
.
a eee
$
Mortos, desaparecidos e torturados
Gregório Bezerra
(torturado, 1964)
Ex-sargento do Exército e mi-
litante comunista, é con-
siderado a primeira vítima
de tortura do regime. Em 2
de abril de 1964, foi amar-
rado à traseira de um jipe e puxado pe-
las ruas do Recife. Depois, foi espancado
com uma barra de ferro por um oficial
Alfeu deAlcântaraMonteiro
(morto, 1964)
Tenente-coronel da Aeronáu-
tica, é considerado o primei-
ro militar morto pela dita-
dura. Em 4 de abril de 1964,
foi executado com 16 tiros dentro do gabi-
nete da 5ª Zona Aérea, em Canoas (RS), por
se recusar a dar apoio ao golpe militar
CarlosMarighella
(morto, 1969)
Fundou a Ação Libertado-
ra Nacional, que praticava se-
questros, atentados e assal-
tos a banco. Em 4 de novem-
bro de 1969, foi morto numa emboscada coor-
denada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury
Chael Charles Schreier
(torturado emorto, 1969)
Integrante da VAR-Palma-
res, foi preso em novembro de
1969, aos 23 anos, após con-
fronto com o Dops. Transferi-
do a um quartel, foi torturado
emorto. Militares levaram o cadáver ao hospi-
tal, mas os médicos se recusaram a confirmar a
versão de que havia chegado vivo. É considera-
do o primeiro morto por tortura nos quartéis]
Rubens Paiva
(desaparecido, 1971)
Deputado cassado em 1964.
Em 20 de janeiro de 1971, foi le-
vado para o DOI-Codi, onde so-
freu tortura até morrer. A re-
pressão

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