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LINGUÍSTICA APLICADA AO ENSINO DO PORTUGUÊS Juliana Battisti Bibiana Cardoso da Silva Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 B336l Battisti, Juliana. Linguística aplicada ao ensino do português / Juliana Battisti, Bibiana Cardoso da Silva. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. 157 p. : il. ; 22,5 cm. ISBN 978-85-9502-062-7 1. Linguística aplicada. I. Silva, Bibiana Cardoso da. II. Título. CDU 81’33 Linguistica_Aplicada_Iniciais_Impressa.indd 2 10/03/2017 13:13:36 Adequação descritiva e explicativa da Gramática Tradicional Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: n Relacionar o uso atual da Gramática Tradicional no contexto escolar. n Identifi car as contribuições do Gerativismo aos estudos linguísticos. n Reconhecer os conceitos de Gramática Descritiva e Explicativa. Introdução Para falar de gramática e suas diferentes abordagens, é preciso conhecer um pouco sobre as teorias linguísticas e suas diferentes contribui- ções para o campo ao longo do tempo. A Teoria Gerativa, conhecida mundialmente no fim da década de 1950, traz novos caminhos para a análise da língua. Neste texto, você vai conhecer como a Gramática Explicativa e Descritiva foi elaborada com base no Gerativismo e nos estudos de Noam Chomsky. Qual o papel da Gramática Tradicional no contexto escolar? Ainda muito associado ao ensino de Língua Portuguesa na escola, o ensino da Gramática Tradicional ocupa, na maioria das vezes, um espaço central na aula de língua. Não é raro encontrarmos escolas que nomeiem a disciplina escolar de Gramática e não Língua Portuguesa. Mas o que isso quer dizer? Que gramática é essa ensinada na escola? Todos nós já fomos alunos de U N I D A D E 2 Linguistica_Aplicada_U2_C01.indd 45 10/03/2017 11:33:37 “gramática” na escola e podemos descrever uma típica aula: memorização de nomenclatura e exercícios de fi xação nos quais “aplica-se” o os nomes memorizados. Esse é o ensino da Gramática Tradicional, estritamente ligado ao ensino de uma terminologia complicada e problemática, ignorando as variedades linguísticas da língua e considerando válida apenas uma varie- dade: a norma padrão. É papel da escola ensinar a norma padrão aos alunos, pois essa é uma importante variedade da língua portuguesa. Ela é a variedade utilizada em diversos contextos institucionais nos quais queremos que nossos alunos circulem. Porém, é importante enfatizar que existem outras variedades, que podem ser menos ou mais adequadas dependendo da situação. Quando a escola transforma a aula de Língua Portuguesa em aula de Gramática Tradicional, ela fecha os olhos às outras variedades, induzindo os alunos a acreditarem que a norma padrão é a única a ser reconhecida e valorizada. A atitude de desconsiderar a dinamicidade da língua fortifica os preconceitos e abusos de poder. Saiba mais sobre o ensino de gramática na escola, lendo Mas o que é mesmo gramática?, de Carlos Franchi, Esmeralda Negrão e Ana Lúcia Müller (2006). Ao ensinar a gramática de maneira contextualizada e reflexiva, a escola ajuda o aluno a ampliar seu repertório de estruturas linguísticas. Também o ensino das nomenclaturas da Gramática Tradicional, quando feito de forma significativa, pode ser útil aos alunos. Por exemplo, o conhecimento das nomenclaturas dá acesso a uma variedade de materiais de apoio como dicio- nários, gramáticas, guias de ortografia, etc. Ou seja, o ensino da gramática tem um papel importante na aula de línguas, apesar de não ocupar o lugar central. Em uma perspectiva que adota o ensino reflexivo da gramática, o texto é o elemento central da aula e, a partir dele, a gramática faz sentido. A temática da aula não será “orações coordenadas e subordinadas”, mas dentro da análise linguística de um texto, é de extrema relevância entender como as orações se organizam. Portanto, a gramática está a serviço de algo maior: a língua, e não vice-versa. Linguística aplicada ao ensino do português46 Linguistica_Aplicada_U2_C01.indd 46 10/03/2017 11:33:37 Um exemplo extremamente ilustrativo de como as variedades linguísticas podem ser trabalhadas em aula é a abordagem trazida na questão 123 do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em 2016. Nessa questão, é interessante observar a questão oralidade/escrita. Fonte: Brasil (2016) Alternativa correta: E 47Adequação descritiva e explicativa da Gramática Tradicional Linguistica_Aplicada_U2_C01.indd 47 10/03/2017 11:33:38 O papel dos estudos linguísticos na transformação do ensino de gramática Por que linguística na escola? A linguística auxilia o professor a compreen- der as concepções de linguagem, entender como a língua funciona. Nesse processo, o professor não pode esquecer que a linguagem oral também é constitutiva da língua e está em constante mudança. Geraldi (1996) afi rma que “[...] a língua nunca pode ser estudada ou ensinada como um produto acabado, fechado em si mesmo.”. Portanto, os estudos linguísticos são essen- ciais na formação dos professores de língua – o professor tem que se colocar muitas vezes no papel de pesquisador da língua. Para ser um investigador, é importante que o docente saiba da existência de diferentes correntes de pesquisa dentro da linguística geral. Além disso, é essencial que ele saiba no que uma linha de pesquisa acaba infl uenciando a outra, contribuindo ou acrescentando para se alcançar os atuais achados da LA, por exemplo. As defi nições de língua e linguagem para diferentes correntes foram constituindo a consistência teórica e histórica da linguística. Dessa forma, ao falarmos de ensino, temos que entender a historicidade e a relação entre esses conceitos para compreender como eles circulam no contexto da educação pública brasileira, por exemplo. Os estudos linguísticos são extremamente úteis ao professor de línguas. Isso não quer dizer que o professor deve ensinar linguística em aula, mas ele pode fazer uso desses conhecimentos no seu planejamento. Chomsky (1996) faz uma comparação com o fato de ser extremamente importante que o professor de Educação Física saiba algo sobre fisiologia. Para percebermos os reflexos dos Estudos Linguísticos em sala de aula, basta analisarmos as mudanças dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e como essas mudanças se refletiram nas práticas dos professores. Nos PCNs, podemos observar o esforço para a formação de professores mais críticos e questionadores, sujeitos conhecedores da língua e suas Linguística aplicada ao ensino do português48 Linguistica_Aplicada_U2_C01.indd 48 10/03/2017 11:33:38 variedades, que incentivam a pesquisa e a pluralização do idioma. Esse professor pode revisar as diferentes concepções de gramática, enfatizando as interações discursivas. Trabalhar com as contribuições da linguística nas aulas de língua significa prestar atenção aos usos da linguagem e sua relevância dialógica. Britto (1997, p. 150-151), linguista aplicado brasileiro, que trata sobre ques- tões de sala de aula, afirma que: “[...] o reconhecimento de que a Gramática Tradicional é inadequada e não oferece uma descrição coerente do português, nem em sua modalidade culta, seja pelo normativismo abusivo, seja pelas incoerências teóricas e descritivas, seja ainda por sua desatualização, seja, finalmente pela ausência de progressão de sua apresentação na prática peda- gógica [...]” é uma constatação consolidada por meio dos avanços dos estudos da linguagem ao longo dos anos. Dentro dos estudos linguísticos, podemos afirmar que os estudos sobre a Gramática Gerativa (CHOMSKY, 1986) contribuíram de maneira substancial para o abandono de uma preocupação somente na forma, para uma preocupação com a forma e o significado das expressões de uma língua, além da mente do indivíduo. Um ponto interes- sante no programa de Chomsky, quando pensamos no ensino da gramática na escola, é a substituiçãoda noção de certo e errado pela noção de gramatical/ agramatical. Para Chomsky (1986), todos os falantes possuem uma gramática internalizada e, portanto, são capazes de distinguir sentenças gramaticais de sentenças agramaticais. A frase incorreta segundo a perspectiva da Gramática Tradicional pode ser uma frase gramatical. 1. A porta está aberta. – gramatical 2. *Porta aberta está a. – agramatical Com a evolução dos estudos linguísticos, já não faz mais sentido falar do ensino de uma gramática normativa tradicional. Muitas pesquisas têm sido direcionadas para o estudo de práticas pedagógicas relacionadas ao ensino da gramática reflexiva e relacionada ao uso da língua. Cabe ao professor de línguas conhecer esses estudos e transformar sua prática de sala de aula. 49Adequação descritiva e explicativa da Gramática Tradicional Linguistica_Aplicada_U2_C01.indd 49 10/03/2017 11:33:39 A adequação descritiva e explicativa da Gramática Tradicional As teorias de Noam Chomsky relacionadas à Gramática Gerativa da língua chegaram ao Brasil no fi nal da década de 60 e tiveram um refl exo marcante nas obras publicadas por linguistas brasileiros. Dessa forma, a LA passou a coexistir com a linguística gerativo-transformacional de Chomsky e com os estudos formalistas de base gerativista. Nessa época, os estudos linguísticos se tornaram quase matemáticos e buscavam uma precisão em suas análises linguísticas, tendo em vista que o conceito de ciência era estritamente asso- ciada à exatidão. A Gramática Gerativa tem como objeto de estudo a gramática universal. Nessa teoria, todas as línguas têm aspectos sintáticos em comum, ou seja, há uma gramática subjacente a todas as línguas. Essa seria transmitida geneticamente, levando em conta a existência de mecanismos inatos, de matriz biológica que projeta o desenvolvimento da linguagem. O objetivo da corrente gerativista não se relacionou primeiramente com o processo de ensino de língua, mas, sim, à elaboração de teorias que explicassem a aquisição de línguas. É importante que o professor de línguas saiba sobre o gerativismo, por que comprova a afirmação de que já nascemos sabendo a nossa língua. Isso significa dizer que é falsa a frase “eu não sei português”, dita e repetida por muitos estudantes sobre sua própria língua materna, pois se não sou- bessem, não interagiriam por meio da linguagem no mundo. A concepção de língua para Chomsky é de base biológica. Isso quer dizer que o cientista acredita que ela seja uma capacidade natural que os humanos tenham para a linguagem. A língua é um sistema radicado na mente e no cérebro dos indivíduos. O Quadro 1 organiza as principais obras (monografias e manuais) que trabalharam a perspectiva da Gramática Gerativa. Linguística aplicada ao ensino do português50 Linguistica_Aplicada_U2_C01.indd 50 10/03/2017 11:33:39 Fonte: Adaptado de Batista (2010). Data Autor Título Editora 1973 Nádia V. Tondo Uma teoria integrada da comunicação linguística: introdução à gramática transformacional Porto Alegre: Sulina 1973 Eunice Pontes Verbos auxiliares no português coloquial Petrópolis: Vozes 1974 Mary Kato A semântica gerativa e o artigo definido São Paulo: Ática 1975 Leila Barbara A sintaxe do modo verbal São Paulo: Ática 1976 Francisco da Silva Borba Fundamentos da gramática gerativa Petrópolis: Vozes 1976 Mário Perini A gramática gerativa: introdução ao estudo da sintaxe portuguesa Belo horizonte: Vigilia 1977 Mário Perini Gramática do infinitivo português Petrópolis: Vozes 1978 Carly Silva Gramática Transformacional: uma visão global Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico 1983 Gustavo Adolfo P. Silva Estruturas sintáticas do português: uma abordagem gerativa Petrópolis: Vozes 1984 Miriam Lemle Análise sintática: teoria geral e descrição do português São Paulo: Ática Quadro 1. Principais obras que trabalharam a perspectiva da Gramática Gerativa. 51Adequação descritiva e explicativa da Gramática Tradicional Linguistica_Aplicada_U2_C01.indd 51 10/03/2017 11:33:39 Para Chomsky, “[...] uma teoria da linguagem deve satisfazer as condições de adequação explicativa na medida em que pode construir uma teoria de linguagem descritivamente adequada” (DILLINGER; PALÁCIO, 1997, p. 203-204). Portanto, para entendermos essa teoria da linguagem, é importante discutirmos quais as concepções de adequação descritiva e adequação explicativa. Um dos aspectos da Gramática Gerativa, que consideramos radical, era que somente a união dessas duas adequações poderia promover uma descrição adequada da língua, ou seja, não se faz uma teoria da linguagem contando apenas com a descrição. Para esse grupo de teóricos, trabalhos de descrição de língua não chegam a propor elementos teóricos o suficiente para que o ideal explicativo possa ser alcançado. Por isso, Chomsky fala sobre uma tensão entre a adequação explicativa e a adequação descritiva: “Houve um problema crítico que apareceu bem no início da Gramática Gerativa. Havia uma tensão crucial, ainda não resolvida, que de certo modo direcionou a área desde o início: a tensão entre o que chamamos tecnicamente de adequação descritiva e explicativa.” (DILLINGER; PALÁCIO, 1997, p. 203) Sobre os critérios de adequação descritiva e adequação explicativa, uma gramática satisfaz o primeiro critério se descreve corretamente os fenômenos linguísticos, se pode modelar o conhecimento tácito exibido pelos falantes- -ouvintes. A gramática satisfaz o segundo critério quando, além de descrever adequadamente, também explica como os falantes adquirem esse conhecimento. Chomsky afirma que as gramáticas tradicionais não são descritivamente adequadas, porque nem mesmo tentam descrever os fatos, procuram apenas descrever propriedades gerais e exceções, mas não como as coisas realmente funcionam na linguagem (DILLINGER; PALÁCIO, 1997). Para Chomsky, como a adequação descritiva não é o objetivo da Gramática Tradicional, não pode ser considerado um problema o fato de ela não ser adequada (DILLIN- GER; PALÁCIO, 1997). Chomsky vê a Gramática Gerativa como uma tentativa de entender os fatos essenciais da melhor maneira possível, a partir do momento que você começa a entendê-los, a gramática passa a ser descritivamente adequada: “Quando se tenta descrever os fatos, no início eles parecem ser incrivelmente complexos. Cada língua parece ser diferente das outras e dentro de uma mesma língua, parece não haver duas construções semelhantes.” (DILLINGER; PALÁCIO, 1997) Para ilustrar essa colocação, Chomsky usa como exemplo a língua inglesa: “[...] orações relativas não se parecem com interrogativas, elas têm propriedades bem diferentes e as passivas também não se parecem com inter- rogativas [...]” (DILLINGER; PALÁCIO, 1997). Isso mostra como os sistemas de regras são ricos e variam muito de língua para língua. Linguística aplicada ao ensino do português52 Linguistica_Aplicada_U2_C01.indd 52 10/03/2017 11:33:40 O objetivo da Gramática Gerativa não era ditar regras, mas, sim, identificar todas as frases gramaticais e, a partir delas, gerar um número infinito de frases. Ou seja, a partir de uma identificação de como se realizam os processos na língua e suas estruturações, a partir de uma teoria abstrata, se baseiam as mensagens que vão para o mundo. Essa identificação e descrição se centra na competência do falante e se materializa no desempenho. A competência é a capacidade inata que o sujeito tem sobre as estruturas da sua própria língua. O desempenho é o uso, a performance do falante conforme o contexto. Dessa forma, o gerativismo vai contra a teoria estruturalista de apenas descrever as estruturas e não explicar como que o falante chega a ela. Embora surgindo como corrente contrária ao estruturalismo, não podemos esquecer essas duas correntes são consideradas linguísticas formais, ou seja, ciências que não analisavam a interação, nem o social da língua, mas, sim, a sua estrutura de diferentes perspectivas.Segundo Vitral (1992), uma evidência que dá legitimidade à gramática universal é a aquisição da linguagem pela criança. As crianças não repetem o que os adultos falam. Elas já têm ativas estruturas linguísticas internas que permitem que elas façam associações sobre frases gramaticais e agramaticais. Além disso, a criança aprende todo o sistema linguístico de forma homogênea, ou seja, não aprende primeiro a estrutura interrogativa para depois aprender a estrutura relativa, por exemplo. Para Chomsky (1981, p. 103): [...] o conhecimento da gramática, e portanto o da linguagem, se de- senvolve na criança através da interação de princípios geneticamente determinados e de um determinado curso de experiências. Referimo-nos a este processo, de modo informal, como ‘aprendizagem linguística’. [...] sob certos aspectos fundamentais, na verdade não aprendemos uma língua; o que ocorre é que a gramática se desenvolve (cresce) na mente. Assim sendo, o falante de uma língua pode elaborar hipóteses linguísticas diversas a partir do seu conhecimento inato sobre a sua língua. Pode falar sobre ela e sobre o que pode ser gramatical e agramatical, pois é, do ponto de vista genético, predisposto linguisticamente. A Gramática Gerativa de Perini Podemos citar obras muito importantes para o cenário de estudos da língua advindos da Teoria Gerativa. A primeira delas foi escrita por Perini (1986), 53Adequação descritiva e explicativa da Gramática Tradicional Linguistica_Aplicada_U2_C01.indd 53 10/03/2017 11:33:40 chamada “Para uma nova gramática do português”. O autor afi rma que a obra surgiu da constatação sobre a inexistência de materiais que abordassem o trabalho sobre a língua que não fosse a Gramática Tradicional. Para Perini (1986), a gramática por ele elaborada não serve para ser utilizada em sala de aula, não serve para ser livro didático, mas para ser uma orientadora de professores que desejam saber mais sobre os estudos linguísticos descritivos. Afi rma que a gramática como ainda se trabalha hoje é contraproducente do ponto de vista educacional e pergunta-se até quando manteremos essa tradição que dissemina falta de coerência teórica, falta de adequação à realidade da língua e um normativismo sem controle. Esses problemas encontrados na Gramática Tradicional não incentivam que o aluno escreva e leia melhor. Ao contrário, o afastam de textos escritos. Perini (1986) escolheu descrever o português padrão brasileiro. A moda- lidade de língua utilizada no Brasil, na maior parte dos textos escritos, está no padrão técnico-jornalístico. Dessa forma, escolhendo esse corpus, o autor acredita que agrega um valor de realidade ao estudo da língua. Perini explica que, tradicionalmente, o método de obtenção de dados em sintaxe depende do julgamento dos falantes sobre as frases isoladas. Às vezes, se recorre à análise de textos. “Assim, tipicamente, o linguista constrói exemplos e utiliza seu próprio julgamento quando este é claro; caso contrário, pode também testá-lo com outros falantes. E nada impede que recorra ao exame de textos para a verificação de pontos específicos” (PERINI,1986, p. 39). Com base em Leite e Figueiredo (2010), trazemos o tratamento do mesmo tópico gramatical sendo tratado por duas perspectivas gramaticais distintas: Gramática Tradicional e gramática descritiva. Para as autoras, a GT define as classes gramaticais como se elas fossem mudar de função. A GD não deixa de prescrever, no entanto, está mais preocupada com a função do que com as classes. Para exemplificar o tratamento das duas gramáticas, as autoras trazem o exemplo de tratamento dado às classes de substantivo e adjetivo. Para a GT, o substantivo é a palavra variável em gênero, número e grau. O adjetivo é também variáveis em gênero, número e grau e caracteriza o substantivo. Ou seja, são definições que não consideram a função dessas palavras em orações especificas. Para Perini (2000), não se pode falar em duas classes, pois há palavras que podem ser tanto substantivo quanto adjetivo. Por exemplo, nas frases: “Meu menino ainda está no maternal” e “Meu amor por você é maternal”, já trariam confusões para a GT, pois seria uma primeira das muitas exceções às regras da norma. “Maternal” tem função de substantivo na primeira oração e de adjetivo na segunda. Perini (2000) sugere, então, a análise da palavra no contexto em que ela ocorre antes de defini-la como uma coisa ou outra. Linguística aplicada ao ensino do português54 Linguistica_Aplicada_U2_C01.indd 54 10/03/2017 11:33:41 Do mesmo modo, Perini (2000) critica a definição de classes a partir da análise da sua forma. Segundo ele, não há como afirmar que o substantivo pode aparecer sempre depois do artigo, recebe aumentativo e diminutivo, faz plural, pois esses critérios podem também ser aplicados ao adjetivo. Para resolver isso, o gramático descritivo sugere que as palavras sejam analisadas a partir do potencial funcional. Ou seja, que a palavra seja analisada não tendo uma pré-classificação, pois é sua função em um deter- minado sintagma que pode defini-la. Leite e Figueiredo (2010) trazem dois exemplos: “um avião inimigo” e “um inimigo terrível”. “Inimigo” exerce diferentes funções nas duas frases. A partir dessa análise, Perini (2000) afirma que uma função não pode ser vista como derivada de outra, já que ambas existem na língua. Perini (1996) define dois principais aspectos de análise gramatical: formal e semântico. No formal, se analisa a pronúncia, a morfologia, o comportamento sintático; no semântico, se considera o significado mínimo da palavra e o seu contexto. Em sua gramática, o autor traz uma frase para exemplificar esses dois aspectos de análise: Joanita plantou jerimum no jardim. Do ponto de vista da forma, Joanita é uma palavra que: 1. Está no início da frase. 2. É o elemento da oração que está em relação de concordância com o verbo: plantou está conjugado conforme o sujeito Joanita: terceira pessoa, singular. Do ponto de vista semântico, podemos dizer que Joanita: 1. Refere-se a uma pessoa do sexo feminino. 2. Realizou uma ação, é o agente. 3. É uma pessoa só, não várias. Do ponto de vista formal, Joanita é o sujeito, do ponto de vista semântico, é o agente que pratica a ação. A partir dessas análises, podemos colocar os dois aspectos em relação e afirmar que o sujeito é o agente da ação. Mas ele é o agente da ação nesse caso, nessa frase. Porém, não podemos criar uma regra a partir da constatação e da análise de uma frase. Veja outro exemplo discutido por Perini (1996). 55Adequação descritiva e explicativa da Gramática Tradicional Linguistica_Aplicada_U2_C01.indd 55 10/03/2017 11:33:41 Eu apanhei de Joanita. O sujeito não é aquele que age. Evidentemente a ação é realizada por Joanita. Logo, nesse caso, não há como dizer que todo o sujeito é o agente da ação. Para fechar esse capítulo sobre as contribuições da gramática de Perini (1996) e dos estudos gerativistas para a linguística, podemos afirmar que a análise e a posterior relação entre forma e semântica estabelecem uma crítica fundamentada e clara à análise da Gramática Tradicional que, historicamente, faz o tratamento e o estudo das palavras a partir de seu isolamento frasal e contextual. Linguística aplicada ao ensino do português56 Linguistica_Aplicada_U2_C01.indd 56 10/03/2017 11:33:43 BATISTA, R. de O. Em busca de uma história a ser contada: a recepção brasileira à Gramática Gerativa. Rev. Anpoll, Florianópolis, n. 29, v. 1, p. 260-291, 2010. BRASIL. Exame Nacional do Ensino Médio: prova de redação e de linguagens, códigos e suas tecnologias; prova de matemática e suas tecnologias: 2º dia, caderno 7 azul. Brasília, DF: INEP, 2016. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/ enem/provas/2016/CAD_ENEM_2016_DIA_2_07_AZUL.pdf>. Acesso em: 07 fev. 2017. BRITTO, L. P. L. A sombra do caos: ensino de língua X tradição gramatical. Campinas: Mercado de Letras/ALB, 1997. CHOMSKY, N.Knowledge of language: its nature, origin, and use. Westport: Greenwood, 1986. CHOMSKY, N. Lectures on government and binding. Dordrecht: Foris, 1981. CHOMSKY, N. Studies on semantics in generative grammar. 4. ed. Berlim: Walter de Gruyter, 1996. (Janua Linguarum. Series Minor, v. 107). DILLINGER, M.; PALÁCIO, A. Lingüística gerativa: desenvolvimento e perspectivas uma entrevista com Noam Chomsky. DELTA, São Paulo, v. 13, p. 199-235, 1997. FRANCHI, C.; NEGRÃO, E. V.; MÜLLER, A. L. Mas o que é mesmo “gramática”? 2. ed. 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Linguística aplicada ao ensino do português58 Linguistica_Aplicada_U2_C01.indd 58 10/03/2017 11:33:44 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo:
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