Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS GRADUÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS CURSO DE DIREITO MARCELO AUGUSTO RODRIGUES DE LEMOS A BOA-FÉ OBJETIVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO E A DISTORÇÃO IMPOSTA PELO INTÉRPRETE NO PROCESSO DE REALIZAÇÃO DO DIREITO. SÃO LEOPOLDO 2013 MARCELO AUGUSTO RODRIGUES DE LEMOS A BOA-FÉ OBJETIVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO E A DISTORÇÃO IMPOSTA PELO INTÉRPRETE NO PROCESSO DE REALIZAÇÃO DO DIREITO. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS Orientador: Prof. Dr. Marcos Jorge Catalan São Leopoldo 2013 Dedico esta obra ao meu pai, Olindo Lemos, por sempre desafiar os meus conhecimentos jurídicos, me proporcionando motivação para buscar o meu próprio caminho. AGRADECIMENTOS Primeiro, é importante que se agradeça às pessoas que me proporcionaram a oportunidade do estudo, não só acadêmico, como também de todas as nuances da vida, tais como respeito, educação e amor. Por tal motivo, obrigado ao meu pai, Olindo Lemos e a minha mãe, Fátima Lemos, pelo intenso apoio e amor incondicional. Também se faz necessário o agradecimento aos meus irmãos, Adriano e Fabrício Lemos, os quais nutrem a mesma dedicação ao Direito quanto a minha pessoa e, ainda, compartilham suas dúvidas e esclarecimentos, a fim de que, juntos, possamos evoluir e sermos melhores juristas. Agradeço, especialmente, à minha namorada, Cecília Tonial, por sempre estar ao meu lado, tanto nas dificuldades que afrontam o nosso cotidiano, como também naqueles momentos de glória, tais como o que ora se apresenta, qual seja, na apresentação de uma árdua monografia de conclusão de curso. O seu apoio incondicional e o seu amor se transformam em motivação para buscar o meu caminho. Por fim, é imperioso que se faça um agradecimento ao Profº. Dr. Marcos Jorge Catalan, um brilhante jurista, o qual me orientou com toda a sua dedicação e, principalmente, sabedoria, a fim de que eu pudesse apresentar o melhor trabalho possível. “Uma vez tomada a decisão de não dar ouvidos mesmo aos melhores contra-argumentos: sinal do caráter forte. Também uma ocasional vontade de ser estúpido”. Friedrich Nietzsche RESUMO Com a evolução doutrinária, a boa-fé objetiva se consolidou como princípio que gera deveres de conduta e cria standards de comportamento que os contratantes deverão respeitar durante toda a relação contratual, compreendendo não só as negociações preliminares, mas também o período posterior ao advento final do pactuado. O que se percebe, todavia, é que quando se tem a utilização deste princípio em ações consumeristas, verificar-se-á a superposição deste em face do princípio da equivalência das prestações, agregando-lhe uma função corretora de desequilíbrio contratual e, igualmente, atribuindo-lhe uma função instrumental de tutela do contratante débil. A boa-fé objetiva é um princípio jurídico que norteia as relações contratuais, com base nos valores atinentes à lealdade, honestidade e probidade e não poderá ser sobreposta a outro princípio jurídico igualmente relevante para o processo obrigacional. Para chegar a esta conclusão, mister se faz apresentar a estrutura do aludido princípio, com base na cronologia jurídica que incute a boa-fé objetiva como hoje a conhecemos. Neste ínterim, a evolução jurídica das formas de realização do Direito são apresentadas no presente trabalho, evocando à história, iniciando-se no jusracionalismo até a Constitucionalização do Direito Civil que derrocou a constituição dos privados. Isto é, centralizou o epicentro da civilística na Constituição e superou a antiga arqueologia jurídica do Código Civil como o principal instituidor das relações privadas. Imperioso se faz a compreensão histórica do princípio da boa-fé, tanto no Direito Romano, quanto no Direito Brasileiro. Ressalte-se que é importante que se tenha consciência de que tal princípio é conhecido desde os meandros do século XIX, com a sua inserção no Código Comercial de 1850, mesmo que tal restou frustrada. A aludida distorção/superposição da boa-fé objetiva nas relações de consumo se procede na prática jurisprudencial, por intermédio da apreciação equivocada por parte de intérpretes do Direito. Neste interregno, far-se-á uma análise jurisprudencial para, de alguma forma, voltar às raízes da boa-fé e não divorciar as suas funções quando sobrepostas ao caso concreto. Palavras-chave: Boa-fé objetiva, relações de consumo, superposição, desequilíbrio contratual. ABSTRACT With the doctrinal evolution, the good faith has consolidated as the principle that generates duties of conduct and standards of behavior that the contractors shall respect throughout the contractual relationship, including not only the preliminary negotiations, but also the subsequent period to the final advent of the agreement. What is noticeable, however, is that when you have the use of this principle in consumers issues, checking will be the superposition of this over the principle of equivalence of benefits, adding to it a function brokerage contractual imbalance and also giving it an instrumental role of supervision of the weak contractor. The objective of good faith is to guide contractual relations, based on the values relating to loyalty, honesty and integrity and can not be superimposed on another legal principle equally relevant to the obligatory process. To reach this conclusion, is necessary to present the structure of the aforementioned principle, based on the legal chronology instills the good faith as we know it today. In the meantime, the legal evolution of the embodiments of the law are presented in this work, evoking the history, starting in jusracionalism to constitutionalization of civil law that overthrew the private constitution. In other words, put the civil Law as the epicenter of private Law, and surpassed the old legal archeology of the Civil Code as the main founder of private relations. Becomes imperative the understanding of the historical of the principle of good faith, such in Roman law, as in Brazilian Law. It must be noted that it is important to be aware that this principle is known from the intricacies of the nineteenth century, with its inclusion in the 1850 Commercial Code, even if it was left frustrated. The alluded distortion / superposition of good faith in consumer relations is carried in judicial practice, through a mistaken appreciation by interpreters of law. In this interregnum must have a jurisprudential analysis to somehow go back to the roots of good faith and analyze how can not divorce their functions when superimposed on the case. Keywords: Good faith, consumer relations, superposition, contractual imbalance. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................9 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................................. 9 2.1 ABANDONANDO A EXEGESE: O PAPEL DOS PRINCÍPIOS NA CONTEMPORANEIDADE JURÍDICA BRASILEIRA ..................................................... 12 2.2 CODIFICAÇÃO, DESCODIFICAÇÃO E RECODIFICAÇÃO DO DIREITO CIVIL 31 2.3 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL: A DERROCADA DA CONSTITUIÇÃO DOS PRIVADOS ................................................................................... 38 2.4 A ARQUEOLOGIA JURÍDICA DA BOA-FÉ .............................................................. 46 2.5 A ATUAÇÃO DA BOA-FÉ NO DIREITOPRIVADO BRASILEIRO ........................ 61 2.6 TUTELANDO VULNERABILIDADES: UM PALCO NO QUAL A BOA-FÉ NÃO PODE ATUAR ..................................................................................................................... 74 3 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 84 REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS ................................................................................ 87 9 1 INTRODUÇÃO Esmiuçar o princípio da boa-fé objetiva é o desígnio inequívoco do presente trabalho, com vista a enquadrá-lo na sua real função dentro da relação obrigacional. Todavia, para tanto é imperioso referir a cronologia histórica do Direito Privado. É de salientar, a priori, que o contexto no qual se desenvolveu o Direito Privado advêm de uma série de revoluções jurídicas que se alastraram no tempo. Observa-se que o Direito deixou, ao menos teoricamente, a compreensão de unidade. Isto é, em tempos atuais não mais se admite a acepção de análise reduzida do Direito. Não deve mais este ser observado somente a partir de códigos. Estes, por sua vez, são meros condutores das relações privadas, ao passo que a intervenção do intérprete e a sua compreensão são preponderantes para o processo de realização do Direito na era pós-positivista. São válidas, porém, as críticas ao modelo atual. Não sob o viés estrutural, mas sim no que ocorre na prática. De fato, o intérprete agregou uma notória responsabilidade em realizar o Direito. Entretanto, jamais pode este se abster de consultar as fontes legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais. A decisão com base em sua própria compreensão pode acarretar severas aberrações jurídicas. Pode-se, por exemplo, dar respaldo a criação de princípios que são desconexos à realidade. Ou, até mesmo, a utilização equivocada destes em dadas relações obrigacionais. Neste ensejo, a utilização errônea da boa-fé objetiva nas relações de consumo não compreende a real função do aludido princípio. A determinação de standards de comportamento a serem observados em todas as etapas de uma relação obrigacional é função agregada à boa-fé objetiva. Obviamente, que esta singela conceituação não compreende a extensa gama de considerações que devem ser feitas acerca do princípio. Imperioso ressaltar que no contexto da Contemporaneidade, a boa-fé objetiva é uma das principais norteadoras das relações contratuais, possuindo uma relevante função no plano obrigacional. Contudo, cumpre destacar que a utilização equivocada se dá na prática jurisprudencial, em razão do extenso rol de possibilidade de inserção do princípio da boa-fé objetiva. O intérprete não pode, sobremaneira, buscar reequilibrar uma dada relação contratual, tendo por gênese o aludido princípio. Mais precisamente é o que ocorre, por vezes, nas relações de consumo. O consumidor possui condição de vulnerabilidade em virtude de origem constitucional. Em sendo assim, nas relações consumeristas o intérprete, por vezes, pode 10 agregar à boa-fé objetiva um sentido de princípio de tutela de vulneráveis, o que não está correto. Em outras palavras, adiciona uma função corretora de desequilíbrio contratual, assim, se sobrepondo ao princípio da equivalência das prestações. Nesta cronologia se desenvolverá o estudo ora realizado. No primeiro capítulo apresentar-se-á a evolução do sistema jurídico, iniciando no jusracionalismo e atravessando séculos, até chegar no positivismo jurídico. Neste ínterim, verificar-se-á a estrutura das codificações civis brasileiras. Primeiro, o Código Civil de 1916, com as suas características estritamente patrimonialistas, que se desenvolveu em um contexto desconexo à realidade na qual foi promulgado. O Código Civil de 2002, em seu turno, foi inserido hodiernamente com uma estrutura até então não utilizada na juridicidade brasileira. As chamadas cláusulas gerais solidificaram a utilização de princípios jurídicos para o desenvolvimento de casos concretos. Passou-se, então, o intérprete da codificação a ter uma notória função: a de construção jurídica. Os princípios, por sua vez, ganharam notoriedade e passaram a ser utilizados como norteadores das relações obrigacionais – como ocorre com a boa-fé objetiva. Desta feita, princípios são normas e as regras a espécie. Ou seja, consagrou-se a normatização dos princípios jurídicos. No capítulo II, ressalta-se a arqueologia jurídica da boa-fé objetiva em determinados períodos históricos: Direito Romano, Germânico e Canônico. Demonstrar-se-á como se deu o nascimento da boa-fé (bona fides) na romanística, inclusive ressaltando-se o contexto jurídico da época. Após, no Germânico, desenvolveu-se a ideia de boa-fé aliada a concepção de crença e lealdade (trent und glauben), paralela a estrutura utilizada a posteriori na acepção Schuld und Haftung. Por fim, a boa-fé foi apresentada ao Direito Canônico com um viés oposto à má- fé. Unificou-se o princípio em uma definição estreitamente oposta à Eclesiástica, ao passo que tudo que não fosse de acordo com a boa-fé, seria pecado. Passada a construção histórica da boa-fé na idade média, passou à edificação do princípio na primeira e na segunda sistemática, representadas pelo humanismo e jusracionalismo, acarretando no surgimento do princípio em duas grandes codificações oitocentistas: O Código Civil Francês de 1804 e o Código Civil Alemão (“BGB”). Toda essa evolução histórica desencadeou a utilização da boa-fé no direito brasileiro. A primeira tentativa de inserção do aludido na codificação tupiniquim surgiu em 1850 com o Código Comercial. Apresentada em seu viés subjetivo, não se adaptou às estruturas da 11 sociedade da época. Com a derrocada do Código Civil (como a constituição dos privados), a boa-fé objetiva passou a ser um dos principais princípios jurídicos da Contemporaneidade. Por fim, ressalte-se que a utilização da boa-fé objetiva nas relações de consumo acometeu uma série de distorções. Ao princípio, fora agregado uma função de corretor de desequilíbrio contratual a ser utilizado nas relações de consumo, o que, inequivocamente, se sobrepôs a outros remédios jurídicos compatíveis com tal incumbência. É nesse contexto que esta pesquisa será realizada. 12 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 ABANDONANDO A EXEGESE: O PAPEL DOS PRINCÍPIOS NA CONTEMPORANEIDADE JURÍDICA BRASILEIRA Inequivocamente, o Direito Natural está diretamente ligado a uma ideia de justo. Neste sentido, apresentou-se preliminarmente em três vertentes: Cosmológico, teleológico ou teocêntrico e antropocêntrico1. Em síntese, o primeiro período se manifestou com uma característica preponderante de uma redução do Direito a problemas filosóficos oriundos da justiça, em um sentido cosmológico. Isto é, um Direito emanado da essência do universo. Na transição entre a História Antiga e a Idade Média surgiu a segunda manifestação do Direito Natural, com uma concepção voltada à centralização do Direito em Deus. Neste sentido, o que não fosse de acordo com a lei divina, não seria considerado Direito ou até mesmo não teria validade. Verificou-se, destarte, que neste período o Direito estava institucionalizado na igreja e na fé cristã. Contrario sensu, a terceira vertente, pautada no antropocentrismo, buscou livrar-se dos preceitos divinos, fazendo com que o homem assumisse o papel de construtor dos fundamentos do Direito. Buscou-se, assim, a independência da filosofia teológica, para dar lugar à razão humana2. O jusracionalismo também se apresentou em três manifestações (racionalista, empírico e mecanicista, bem como iluminista e formalista) nas quais as duas primeiras caracterizam o apogeu deste, ao passo que o terceiro já demonstra a sua superação, culminando com a sua transição ao Positivismo3. No período racionalista, dois foram os precursores desta doutrina: Grócioe Pudendorf. O primeiro tinha como cerne de sua obra jusracionalista, a concepção de uma salvaguarda à 1 CAVALCANTE, Marcos. O Sentido do Direito: A polêmica Jusnaturalismo X Positivismo. Disponível em: <http://portal2.trtrio.gov.br:7777/pls/portal/docs/PAGE/GRPPORTALTRT/PAGINAPRINCIPAL/JURISPRUD ENCIA_NOVA/REVISTAS%20TRT- RJ/047/REVISTA%20TRIBUNAL%20REGIONAL%20%20DO%20TRABALHO%20DA%201%C2%AA%20 REGI%C3%83O%20N%2047/O%20SENTIDO%20DO%20DIREITO.PDF>. Acesso em: 04 set. 2013. p. 177. 2 CAVALCANTE, Marcos. O Sentido do Direito: A polêmica Jusnaturalismo X Positivismo. Disponível em: <http://portal2.trtrio.gov.br:7777/pls/portal/docs/PAGE/GRPPORTALTRT/PAGINAPRINCIPAL/JURISPRUD ENCIA_NOVA/REVISTAS%20TRT- RJ/047/REVISTA%20TRIBUNAL%20REGIONAL%20%20DO%20TRABALHO%20DA%201%C2%AA%20 REGI%C3%83O%20N%2047/O%20SENTIDO%20DO%20DIREITO.PDF>. Acesso em: 04 set. 2013. p.184 3 CAVALCANTE, Marcos. O Sentido do Direito: A polêmica Jusnaturalismo X Positivismo. Disponível em: <http://portal2.trtrio.gov.br:7777/pls/portal/docs/PAGE/GRPPORTALTRT/PAGINAPRINCIPAL/JURISPRUD ENCIA_NOVA/REVISTAS%20TRT- RJ/047/REVISTA%20TRIBUNAL%20REGIONAL%20%20DO%20TRABALHO%20DA%201%C2%AA%20 REGI%C3%83O%20N%2047/O%20SENTIDO%20DO%20DIREITO.PDF>. Acesso em: 04 set. 2013. p. 185. 13 autonomia do racional, defendendo, igualmente, a independência de que existe um Direito que advém anteriormente a uma vontade humana e, mormente, divina. Pudendorf, em seu turno, creditava a sua doutrina a uma ideia advinda de uma “construção de um direito natural perfeitamente racional, fundado na natureza humana, que seria então o critério normativo- material para a validade do Direito”. Sintetizando, buscou este dar uma concepção científica matemática, adstrita a um preceito individualista-construtivo, à moralidade e à política4. A segunda vertente, qual seja, empírica e mecanicista, foi representada, principalmente por Thomas Hobbes e John Locke. Hobbes pautou a sua doutrina jusfilosófica em uma ideia de que a realidade humana era percebida por intermédio da razão, negando veementemente a vontade divina, estabelecendo-se “um contrato [...] como forma de convivência pacífica”. Locke, por sua vez, “defendeu que o conhecimento seria a percepção da conexão e da concordância ou discordância e contraste entre nossas ideias”. Não obstante, a concepção de jusracionalismo entre os dois filósofos está umbilicalmente ligada à “natureza livre e racional do homem, independentemente de ter sido ele criado por Deus (Locke) e de haver uma vontade divina que é um mandamento”5. O epílogo do Direito Natural clássico se acentuou com Emmanuel Kant e Jean-Jacques Rousseau. Ambos trouxeram “a racionalidade da lei consubstanciando as exigências normativas da juridicidade, procurando uma justiça racional da universalidade que trouxesse igualdade e segurança”6. A filosofia de Rousseau estava consubstanciada em uma desmistificação de crenças do pecado original e versando que o homem em sua índole natural é um “bom selvagem”, na medida em que a sociedade é o que o corrompe. Assim, o indivíduo deve compactuar com um contrato que garanta a continuação de seu estado natural, qual seja, o contrato social. O seu preceito jusnaturalista deriva de que os direitos civis já estão corroborados no contrato, espraiado na vontade geral. Desta feita, a fundamentação normativa deve advir de uma noção 4 CAVALCANTE, Marcos. O Sentido do Direito: A polêmica Jusnaturalismo X Positivismo. Disponível em: <http://portal2.trtrio.gov.br:7777/pls/portal/docs/PAGE/GRPPORTALTRT/PAGINAPRINCIPAL/JURISPRUD ENCIA_NOVA/REVISTAS%20TRT- RJ/047/REVISTA%20TRIBUNAL%20REGIONAL%20%20DO%20TRABALHO%20DA%201%C2%AA%20 REGI%C3%83O%20N%2047/O%20SENTIDO%20DO%20DIREITO.PDF>. Acesso em: 04 set. 2013. p. 186. 5 CAVALCANTE, Marcos. O Sentido do Direito: A polêmica Jusnaturalismo X Positivismo. Disponível em: <http://portal2.trtrio.gov.br:7777/pls/portal/docs/PAGE/GRPPORTALTRT/PAGINAPRINCIPAL/JURISPRUD ENCIA_NOVA/REVISTAS%20TRT- RJ/047/REVISTA%20TRIBUNAL%20REGIONAL%20%20DO%20TRABALHO%20DA%201%C2%AA%20 REGI%C3%83O%20N%2047/O%20SENTIDO%20DO%20DIREITO.PDF>. Acesso em: 04 set. 2013. p. 187. 6 CAVALCANTE, Marcos. O Sentido do Direito: A polêmica Jusnaturalismo X Positivismo. Disponível em: <http://portal2.trtrio.gov.br:7777/pls/portal/docs/PAGE/GRPPORTALTRT/PAGINAPRINCIPAL/JURISPRUD ENCIA_NOVA/REVISTAS%20TRT- RJ/047/REVISTA%20TRIBUNAL%20REGIONAL%20%20DO%20TRABALHO%20DA%201%C2%AA%20 REGI%C3%83O%20N%2047/O%20SENTIDO%20DO%20DIREITO.PDF>. Acesso em: 04 set.2013. p. 188. 14 de justiça, oriunda do contrato social, bem como de toda e qualquer convenção humana. Também a sua doutrina demonstra que “não é da ideia de Deus ou da revelação através de Seus profetas, ou de uma força metafísica, que emana a justiça das leis, mas dos próprios homens que sabem respeitar os limites de legislar segundo a natureza”7. Kant delineou a sua doutrina jusfilosófica com base em sua Crítica da Razão Prática, discorrendo sobre a forma que o homem deve se portar, a partir do seu imperativo categórico de dever. Isto é, o homem deve proceder com uma dada ação, respeitando a lei, não sendo possível confrontar estas duas pontes porque pela “razão do Ser (sein) não pode nunca se inferir o Dever-Ser (sollen)”. Kant também acreditava não haver Direito sem coação, ao passo em que este seria somente efetivado, se pautado em uma (necessária) coercitividade. Esta filosofia kantiana representou o limbo entre o direito natural e o Positivimo “na medida em que o seu imperativo ético, sobrevalorizando o dever, levou à heteronomização do direito, que passa a ser eminentemente técnico e instrumental”8. O Positivismo foi apresentado ao mundo jurídico em forma de lei expressa em códigos. Era um modo legalista de expressar o direito, no qual o juiz nada mais desempenhava do que a subsunção9 do fato à regra. Consoante apontam Carolina Salbego Lisowski e Santiago Artur Berger Sito, a Escola Positivista se caracterizaria pelo: (a) o alijamento da esfera do prático, que desnuda a cisão [...] entre “questão de direito” e “questão de fato”, “teoria” e “prática”, ou “validade” e “legitimidade”; (b) ou a negação completa da moral como parte da vida 7 CAVALCANTE, Marcos. O Sentido do Direito: A polêmica Jusnaturalismo X Positivismo. Disponível em: <http://portal2.trtrio.gov.br:7777/pls/portal/docs/PAGE/GRPPORTALTRT/PAGINAPRINCIPAL/JURISPRUD ENCIA_NOVA/REVISTAS%20TRT- RJ/047/REVISTA%20TRIBUNAL%20REGIONAL%20%20DO%20TRABALHO%20DA%201%C2%AA%20 REGI%C3%83O%20N%2047/O%20SENTIDO%20DO%20DIREITO.PDF>. Acesso em: 04 set. 2013. p. 190. 8 CAVALCANTE, Marcos. O Sentido do Direito: A polêmica Jusnaturalismo X Positivismo. Disponível em: <http://portal2.trtrio.gov.br:7777/pls/portal/docs/PAGE/GRPPORTALTRT/PAGINAPRINCIPAL/JURISPRUD ENCIA_NOVA/REVISTAS%20TRT- RJ/047/REVISTA%20TRIBUNAL%20REGIONAL%20%20DO%20TRABALHO%20DA%201%C2%AA%20 REGI%C3%83O%20N%2047/O%20SENTIDO%20DO%20DIREITO.PDF>. Acesso em: 04 set. 2013. p. 191. 9 Uma importante ressalva é a caracterização de subsunção, a qual pode ser entendida como a inserção de um preceito particular a uma perspectiva universal. Fernando Andreone expõe um exemplo que sustenta esta argumentação no sentido de que se todo o assassino deve ser punido com prisão perpétua, logo se M cometeu um homicídio, este deve ser condenado à prisão perpétua. Via de regra, não analisa as intempéries que o homicida possa ter tido ao executar o crime, tampouco se verifica as condições psicológicas deste e os motivos que levaram-no a cometer tal barbárie. Em contrapartida, o mesmo jurista, fazendo coro à doutrina de Robert Alexy, discorre sobre a bom emprego de uma subsunção secundária, denominada como metassubsunção, a qual consiste na existência de outra regra que se mostre aplicável ao mesmocaso concreto, no qual a primeira lei não se mostrou conivente para o deslinde da solução do fato. Isto é, uma análise dupla para permitir a realização do Direito através da subsunção da lei ao fato. (VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O Conceito De Derrotabilidade Normativa. Dissertação de Mestrado na Universidade Federal do Paraná. 2009. IN: BARCELOS, Débora Ceciliotti. Linguagem, Regras e Princípios. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/publicacao/uff.php>. Acesso em 28 fev. 2013). 15 (positivismo normativista de Kelsen) ou sua plena aceitação como instância reguladora da aplicação do direito (moral que corrige o direito – teorias argumentativas); (c) a consideração dos princípios, ou como Princípios Gerais do Direito, ou seja, meros (e últimos) mecanismos de resolução de lacunas (alheio, portanto, ao avanço trazido pelo neoconstitucionalismo), ou na forma de um panprincipiologismo, ou ainda, instrumento de criação de standarts (ou padrões) interpretativos, bem como de inserção de valores na ordem jurídica a partir de um comportamento solipsista e antiético; e a mais importante marca da chaga positivista, (d) a aposta na discricionariedade do intérprete que, por não saber lidar com cisão aristotélica de razão prática vs. razão teórica, entrega-se à exclusividade da razão teórica, e alija a razão prática (que no positivismo se chama discricionariedade) para fora das preocupações jurídico-epistemológicas10. As formas do Positivismo se manifestaram em variadas nuances nas leis europeias. Na Inglaterra, expressou-se de forma utilitarista, na qual a regra era avaliada unicamente em razão de suas consequências; na França, espraiada pelo Código Napoleônico, predominava a exegese de lei, isto é, o que estava disposto no código, prevaleceria sobre o fato; na Alemanha foi apresentada com um formalismo conceitual, o qual possuía seu fundamento na Jurisprudência dos Conceitos11. No sistema jurídico francês e alemão, as experiências fundadas na Exegese se deram em razão da forte influência do Direito romano. Tal influência não se deu pelo fato de que os romanos criaram as leis escritas, mas sim por desenvolverem todo o seu Direito em torno de uma pré-codificação denominada Corpus Juris Civillis. A codificação efetua a seguinte “marcha”: antes dos códigos, havia uma espécie de função complementar atribuída ao Direito Romano. A ideia era simples, aquilo que não poderia ser resolvido pelo Direito Comum, seria resolvido segundo critérios oriundos da autoridade dos estudos sobre o Direito Romano – dos comentadores ou glosadores. O movimento codificador incorpora, de alguma forma, todas as discussões romanísticas e acaba “criando” um novo dado: os Códigos Civis (França, 1804 e Alemanha, 1900)12. Na escola exegética, o código era caracterizado como “texto sagrado” 13, no qual toda a argumentação jurídica girava no entorno da legislação, tendo uma estrutura perfeita e acabada, apta a abranger todas as situações jurídicas que a sociedade poderia criar14. 10 LISOWSKI, C. S.; SITO, S. A. Pública Direito - www.publicadireito.com.br. Disponível em:< http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=23d2e1578544b172>. Acesso em 09 abril 2013. 11 STRECK, Lenio. Aplicar a Letra da Lei é uma Atitude Positivista? Revista NEJ - Eletrônica, v. 15, n. 1 p. 158-173, jan.-abr. 2010. 12 STRECK, Lenio. Aplicar a Letra da Lei é uma Atitude Positivista? Revista NEJ - Eletrônica, v. 15, n. 1 p. 158-173, jan.-abr. 2010. 13 STRECK, Lenio. Aplicar a Letra da Lei é uma Atitude Positivista? Revista NEJ - Eletrônica, v. 15, n. 1 p. 158-173, jan.-abr. 2010. 16 A Exegese criou uma ideia sistemática, de que as regras jurídicas seriam o norte da relação jurídica, na qual esta própria deveria dar retorno a ela mesma. Sob esta perspectiva, a solução de determinado imbróglio, sempre deveria estar disposto na lei. O sistema jurídico então se criou como um sistema perfeito e acabado, recheado de silogismos, sem mensurar uma possível necessidade de interpretação do magistrado, de modo que a este cabia apenas a aplicação e não a interpretação da lei15. O poder legislativo era quem criava o direito, enquanto que o mediador (intérprete) possuía um papel tão somente de aplicação da lei, adaptando o caso concreto a esta. O objetivo era separar o material jurídico (normas) do material não-jurídico (moral, política, religião). Implicava, portanto, em um método dogmático, através da interpretação puramente sistemática. A intenção, portanto, era criar um Código que abrangeria todas as situações possíveis da vida humana, de modo que a tarefa do intérprete seria tão somente a de aplicar silogisticamente o Direito16. Esta forma de realização do Direito consagrou a quebra do dogmatismo eclesiástico, nos primórdios do século XIX, por um novo meio de enxergar o Direito através de decisões corretas e repleta de silogismos. Trocava-se, portanto, o dogmatismo sacro, pelo Positivismo Exegético17. A Modernidade, com traços exegéticos, inviabilizava a possibilidade de evolução do Direito18, bem como criava diversas lacunas no ordenamento jurídico. Isto é, a realização do direito se restringia à letra da lei. Com o passar do tempo, os conceitos de subsunção do fato à regra começaram a perder amparo, eis que a realização do Direito não poderia se resumir à simples interpretação do texto legal. Tal característica abreviava a evolução do direito, considerando que não haviam sido previstas muitas das novas problemáticas contemporâneas19. 14 STRECK, Lenio. Aplicar a Letra da Lei é uma Atitude Positivista? Revista NEJ - Eletrônica, v. 15, n. 1 p. 158-173, jan.-abr. 2010. 15 GALUPPO, Marcelo Campos. O Direito Civil no Contexto da Superação do Positivismo Jurídico: A Questão do Sistema. Direito Civil: Atualidades, Belo Horizonte, volume único, 2003. p. 159-183. 16 GALUPPO, Marcelo Campos. O Direito Civil no Contexto da Superação do Positivismo Jurídico: A Questão do Sistema. Direito Civil: Atualidades, Belo Horizonte, volume único, 2003. p. 159-183. 17 LISOWSKI, C. S.; SITO, S. A. Publica Direito - www.publicadireito.com.br. Disponível em:< http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=23d2e1578544b172>. Acesso em 09 abril 2013. 18 Paulo Lobo ressalta que na Modernidade, as relações civis eram reguladas pelo patrimônio do indivíduo e não pela sua pessoa. Isto é, era o “ predomínio do ter sobre o ser”. LÔBO, Paulo. Princípio da Igualdade e o Código Civil. Palestra proferida na XVIII CONFERÊNCIA NACIONAL DOS ADVOGADOS, São Paulo, 12 de novembro de 2002. 19 NETO, Francisco dos Santos Amaral. A Interpretação Jurídica Segundo o Código Civil. Revista Brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro, v. 29, p. 17-41, 2007. 17 O sistema Positivista explicitava uma falsa realidade, não condizente com o desenvolvimento tecnológico e das sociedades hipercomplexas, gerando a necessidade do Direito ser constituído através de “sistemas abertos” 20 para estar apto a oferecer soluções aos problemas surgidos no âmbito social. Com base nisto, percebeu-se que aquilo que estava disposto nos códigos – incidentes da prática da subsunção - não cobria a realidade e então, passou-se a pensar o Direito sob uma nova perspectiva que desencadeou, prima facie, na Escola da Exegese francesa e na Jurisprudência dos Conceitos, na Alemanha. O primeiro, Lênio Streck, unindo vozes à Castanheira Neves, denomina como Positivismo Legalista. O que caracteriza esta manifestação na codificação alemã e francesa era o uso da conexão lógica dos preceitos do Código o qual seria o necessário para resolver este imbróglio. Desta forma, o uso de conceitos em meio de analogia e a utilização dos princípiosgerais do Direito seriam o suficiente para, em casos excepcionalíssimos, adequar os casos às regras legislativas21. Com a crescente disseminação dos sentimentos nacionalistas, movimentos ultranacionais, o preceito interpretativo se enalteceu. Nos primórdios do século XX, espalhavam-se teorias fundadas na adequação da lei às decisões emanadas na jurisprudência, mormente pelo advento da Jurisprudência dos Interesses e a Escola do Direito Livre, na Alemanha e França, respectivamente, as quais estavam assolando o avanço do Positivismo22. Neste contexto e contra este movimento, surgiu o Positivismo Normativista difundido por Hans Kelsen, no qual houve uma significativa mudança no modo de pensar do Positivismo. Espalhou-se nas primeiras décadas do século XX, em função da inadequação dos modelos semânticos de interpretação do Direito, eis que estes estavam defasados diante da evolução da sociedade. Houve, então, a primeira externação da indeterminação do Direito23. Isto é, o primeiro momento no qual se percebeu que o sistema jurídico perfeito e acabado não era capaz de mensurar tudo que poderia ocorrer. Kelsen tentou reforçar o método analítico exposto pela Jurisprudência dos Conceitos, para que fosse possível responder à perda de força do Positivismo diante da crescente corrente 20 Para fins da presente monografia, utilizaremos o termo “sistema aberto” para referenciar a estrutura das leis, mesmo tendo conhecimento de que na contemporaneidade não existe sistema que não seja aberto, mormente pelo fato de que é impossível aplicar silogisticamente o processo de realização do direito, ao passo que um sistema fechado não se sustenta. 21 STRECK, Lenio. Aplicar a Letra da Lei é uma Atitude Positivista? Revista NEJ - Eletrônica, v. 15, n. 1, p. 158-173, jan-abr. 2010. 22 LISOWSKI, C. S.; SITO, S. A. Publica Direito - www.publicadireito.com.br. Disponível em:< http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=23d2e1578544b172>. Acesso em 09 abril 2013. 23 STRECK, Lenio. Aplicar a Letra da Lei é uma Atitude Positivista? Revista NEJ - Eletrônica, v. 15, n. 1, p. 158-173, jan-abr. 2010. 18 representada pela Jurisprudência dos Interesses e pela Escola do Direito Livre, as quais fizeram surgir os argumentos psicológicos, políticos e ideológicos no decorrer da explanação do Direito. Kelsen, então, aduziu que o problema seria de semântica, em vez de sintático. Mas, em um ponto específico, Kelsen “se rende” aos seus adversários: a interpretação do direito é eivada de subjetivismos provenientes de uma razão prática solipsista. Para o autor austríaco, esse “desvio” é impossível de ser corrigido. No famoso capítulo VIII de sua Teoria Pura do Direito, Kelsen chega a falar que as normas jurídicas – entendendo norma no sentido da TPD, que não equivale, stricto sensu, à lei – são aplicadas no âmbito de sua “moldura semântica”. O único modo de corrigir essa inevitável indeterminação do sentido do direito somente poderia ser realizada a partir de uma terapia lógica – da ordem do a priori – que garantisse que o Direito se movimentasse em um solo lógico rigoroso. Esse campo seria o lugar da Teoria do Direito ou, em termos kelsenianos, da Ciência do Direito. E isso possui uma relação direta com os resultados das pesquisas levadas a cabo pelo Círculo de Viena 24. O mesmo jurista aponta a sua crítica no sentido de que Kelsen já havia superado os preceitos da Exegese, tendo em vista que as nuances exegéticas já haviam perdido força no início do século XX e haviam influenciado o doutrinador austríaco. Contudo, este olvidou o problema da interpretação concreta do Direito25. Ainda, Lenio Streck expõe, nas vozes de Júlia Lafayette e Jânia Saldanha, que o Positivismo Normativista na realidade se operou como uma cisão entre validade e legitimidade, ao passo que a primeira era resolvida por uma análise lógico-semântica e a segunda, inserida num contexto problemático moral, ficando aos cuidados de uma teoria política infundada26. Marcelo Galuppo27 entende que o grande problema do Positivismo é que nunca haverão casos idênticos. Todo o caso concreto possui a sua particularidade que é passível de interpretação pelo juiz. Se a sociedade continuasse com esse pensamento Positivista, pautando o direito tão somente na lei, o rumo seria a criação de milhares de microssistemas que pudessem englobar as situações da vida humana, que, como bem se sabe, é impossível mensurar em apenas um código tudo que podemos ter no âmbito social28. 24 STRECK, Lenio. Aplicar a Letra da Lei é uma Atitude Positivista? Revista NEJ - Eletrônica, v. 15, n. 1, p. 158-173, jan-abr. 2010. 25 STRECK, Lenio. Aplicar a Letra da Lei é uma Atitude Positivista? Revista NEJ - Eletrônica, v. 15, n. 1, p. 158-173, jan-abr. 2010. 26 LISOWSKI, C. S.; SITO, S. A. Pública Direito - www.publicadireito.com.br. Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=23d2e1578544b172>. Acesso em 09, abril, 2013. 27 GALUPPO, Marcelo Campos. O Direito Civil no Contexto da Superação do Positivismo Jurídico: A Questão do Sistema. Direito Civil: Atualidades, Belo Horizonte, volume único, p. 159-183. 2003. 28 Vide item 2.2 deste trabalho. 19 Paolo Grossi aponta duas situações que fazem a Modernidade cair por terra frente à Contemporaneidade: O mercado e a rede. O primeiro em vista de seu caráter dinâmico e plástico que tem aversão ao disposto em lei ante a sua complexidade. A rede, por sua vez, a partir do momento em que existe, na sociedade atual, uma interligação de condicionamentos e integrações entre os indivíduos29. Segundo Francisco Amaral, a derrocada da Modernidade implicou na quebra do silogismo de subsunção, na qual a realização do Direito ocorria através da simples interpretação do texto legal30, para, então, iniciar o processo de raciocínio jurídico, consagrado, igualmente, no Código Civil de 2002, sob a mediação de práticas judicativo- decisórias que caracterizam o sistema jurídico como uma atividade, não só dedutiva da codificação, como também prática31. Luiz Edson Fachin expõe a superação da Modernidade através da simbólica passagem da Carta Política que se converteu na tábua promissora da emancipação dos sentidos, da mitologia grega, narrando a analogia de Procusto, o qual era um salteador que morava em uma floresta e que possuía uma imensa cama de ferro. Todos que passavam pela estrada próxima a sua residência eram aprisionados em sua cama. Se grandes demais para couber na cama, Procusto cortava-lhes membros que ficassem de fora. Por outro lado, se fossem pequenos demais, este os esticava. Assim, o tamanho da cama seria o padrão utilizado por Procusto32. Desta forma, faz-se um paradoxo com o Direito Civil dogmatizante, o qual não possuía abertura para questões de cultura jurídica, justiça e ponderações sociais, para que, então, a “própria vida se adaptasse ao leito da forma”. Procusto teve seu fim, assim que Teseu, um aclamado herói ateniense, o qual havia recuperado as sandálias e a espada que haviam pertencido ao seu pai, Egeu, derrotou Procusto, tomando-lhe as suas armas. E assim, portanto, “a realidade rebelou-se contra o artificial mundo dos conceitos”. Com isso, novas características vieram à tona, consoante Fachin: Características embalavam esse soi-disant 29 GROSSI, Paolo. A Formação do Jurista e a Exigência de um Hodierno "Repensamento" Epistemológico. Disponível em <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/view/1731/1431>. Acesso em 29 jan. 2013. 30 NETO, Francisco dos Santos Amaral. A Interpretação Jurídica Segundo o Código Civil. Revista Brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro, v. 29, p. 17-41, 2007. 31 NETO, Francisco dos Santos Amaral. A Interpretação Jurídica Segundo o Código Civil.Revista Brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro, v. 29, p. 17-41, 2007. 32 FACHIN, L. E. Entre Duas Modernidades: A Constituição da Persona e o Mercado. Revista de Direito Brasileiro, São Paulo. p. 101-110, jul./dez. 2011. 20 novo sonho: a troca de certeza pelo risco, a recusa da autoridade absoluta, a inexistência de modelos apriorísticos, e o nascimento jurídico do sujeito de necessidades33. Esta nova realidade concluiu que o pensamento jurídico não se trata de uma categoria científica, mas também ética, de modo que tal não pode se fundar tão somente na racionalidade técnico-intelectual, mas sim na prático-axiológica, tendo uma característica judicativo-decisória para proceder com o processo de realização do Direito, conforme os costumes e avanços do sistema jurídico, em razão da Contemporaneidade e os consequentes avanços que caracterizam a era34. Assim, o Direito passa a ter uma nova expressão de racionalidade, pautado na atividade judicial como ponto central, passando a ser um meio de concreção que se realiza por meio da decisão jurídica oriunda dos princípios jurídicos35. Desta forma, o intérprete36 passou a ter uma função permanente de construção jurídica e não só a mera interpretação do texto legal, outrora realizada na Modernidade. Neste sentido, ensina Amaral: (...) desenvolve-se um novo modelo, segundo o qual interpretar não é apenas compreender um direito pressuposto como objeto, mas sim elaborar soluções decisórias para casos jurídicos concretos, com eventual suporte em princípios jurídicos, cujo primado aumenta a importância do raciocínio jurídico e da sua revisão, não mais se admitindo o processo de aplicação dirigido pela lógica deôntica. A teoria de hoje, e, diga-se de passagem, mui mais benéfica para as partes de uma relação jurídica é referida por Francisco Amaral, quando diz que as teorias positivistas de outrora se externavam como realidades pré-constituídas, de modo que a lei era o ponto de partida e o pensamento jurídico era unânime para aplicação desta ao caso concreto. Nos dias atuais, o fato é o ponto de partida, os princípios correspondem ao fundamento e o pensamento 33 FACHIN, L. E. Entre Duas Modernidades: A Constituição da Persona e o Mercado. Revista de Direito Brasileiro, São Paulo. p. 101-110, jul./dez. 2011. 34 CASTANHEIRA NEVES, A. O Actual Problema Metodológico da Realização do Direito. Digesta. Coimbra, v. 2, p. 248-282, 2010. 35 Paulo Lobo acentua que os valores atinentes às relações jurídicas não mais devem se basear no caráter patrimonial do indivíduo, mas sim prezando pela primazia do ser humano. Desta forma, teve conseqüências marcantes para a realização do Direito, como, por exemplo, na superação da ideologia dogmática da assertiva de “que o que é contratual, é justo”. (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Direito Civil : Atualidades, Belo Horizonte, volume único, p. 197-217, 2003). 36 Explicando o papel que o intérprete agrega no processo de realização do Direito, Fernando Andreone, referindo Paolo Comanducci, discorre, em uma perspectiva conceitual, as etapas de interpretação dos enunciados jurídicos da seguinte maneira: (i) primeira etapa consistente na identificação lingüística do enunciado; (ii) segunda etapa constituindo a associação da interpretação lingüística a uma regra; (iii) terceira etapa identificando a lei como princípio; (iv) a última etapa consistindo na atribuição de sentido interpretativo à regra. (VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O Conceito De Derrotabilidade Normativa. Dissertação de Mestrado na Universidade Federal do Paraná. 2009. IN: BARCELOS, Débora Ceciliotti. Linguagem, Regras e Princípios. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/publicacao/uff.php>. Acesso em 28 fev. 2013). 21 jurídico é a razão prática para a realização do Direito através de uma atividade criativa- normativa37. A era de realização do Direito, com a utilização de princípios, é conceituada por A. Castanheira Neves, como dar uma solução, normativamente fundada, decidindo em termos juridicamente justificados. O jurista critica que o Direito deixou de buscar a justiça, a paz, abandonando a razão objetivo-material para prover tão somente os interesses sociais, assim, a razão funcionalmente instrumental38. Assevera, ainda, que a realização do Direito se divide em três pontos: (i) enquanto a intencionalidade a cumprir concretamente diante de sua realização – uma axiológica normatividade; (ii) enquanto espaço institucional da decisão, demarcado constitucionalmente por um estatuto orgânico e jurisdicionado por um processo; (iii) enquanto fundamento e critério do juízo ou da decisão que consubstancia a sua realização39. Mesmo assim, em regra parece que o jurista hodierno ainda se limita a subsumir o fato à regra. Desta forma, aduz que o que se encontra em crise não é a evolução constante da sociedade e a dificuldade do intérprete em assumir a função de adaptação do caso concreto à lei, mas sim os “modelos mentais de compreensão desta realidade”, caracterizado pelo pensamento “sistemático dogmático-conceitual” seguido pelo Positivismo Legalista do século passado40. Castanheira Neves41 expõe que o problema metodológico da realização do Direito tem o seu cerne no Direito Positivista, eis que extremamente lacunoso. Este é o ponto central: A dificuldade do jurista hodierno de superar a necessidade de simplesmente aplicar a lei ao caso concreto. Corroborando este entendimento, Paolo Grossi assevera que o jurista hodierno, com lassidão, não se adapta aos novos tempos, nos quais as problemáticas jurídicas são muito mais complexas do que outrora. Neste ínterim, os chamados “manuais jurídicos” caracterizam uma ideia da Modernidade, no qual o jurista age tão somente como um reprodutor da letra da lei. 37 NETO, Francisco dos Santos Amaral. A Interpretação Jurídica Segundo o Código Civil. Revista Brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro, v. 29, p. 17-41, 2007. 38 CASTANHEIRA NEVES, A. O Actual Problema Metodológico da Realização do Direito. Digesta. Coimbra, v. 2, p. 248-282, 2010. 39 CASTANHEIRA NEVES, A. O Actual Problema Metodológico da Realização do Direito. Digesta. Coimbra, v. 2, p. 248-282, 2010. 40 NETO, Francisco dos Santos Amaral. O Direito Civil na Pós-Modernidade. Direito Civil: Atualidades. Belo Horizonte, volume único, p. 59-77, 2003. 41 CASTANHEIRA NEVES, A. O Actual Problema Metodológico da Realização do Direito. Digesta. Coimbra, v. 2, p. 248-282, 2010. 22 Isto é, não há criticidade ao assunto que está sendo trabalhado, tampouco existe a renovação do Direito42. Luiz Edson Fachin também se manifesta e expõe que um dos desafios do sistema jurídico brasileiro para o porvir é “denunciar a manualística pedestre que dos Códigos fez o ‘seu código’ do pensar por repetições, memorizações e mitologias simplificadoras, num tocante pragmatismo rasteiro que vende parcos saberes, a peso de ouro, a famintos de pão e trigo verdadeiros” 43. Não obstante toda a problemática envolvendo a realização do Direito e a necessidade de adaptação do jurista a essa nova realidade, teoricamente, o Direito passa a funcionar com uma expressão prática, revelando-se na sua intenção e tarefas práticas, normativamente constituídas. Isto é, quem legisla é o intérprete44 e não só o legislador, de modo que este último deixou de ter o monopólio da realização do Direito45. 42 GROSSI, Paolo. A Formação do Jurista e a Exigência de um Hodierno "Repensamento" Epistemológico. Disponível em <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/view/1731/1431>. Acesso em 29 jan. 2013. 43 FACHIN, L. E. Entre Duas Modernidades: A Constituição da Persona e o Mercado. Revista de Direito Brasileiro. São Paulo,p. 101-110, jul-dez. 2011. 44 Muito embora toda esse clamor dado ao intérprete para a realização do Direito, Júlia Lafayette e Jânia Saldanha, em obra conjunta e fazendo coro a doutrina de Lenio Streck, criticam a discricionariedade do Juiz, difundida pelo pós-positivismo, reforçando que se trata de uma matéria que concede ao intérprete uma extensa liberdade, de modo que eclode no problema do solipsismo. Isto é, em algumas hipóteses, o juiz decide com base na sua consciência. Trata-se de uma forma egoística de pensar o direito. Para corroborar o entendimento, cita a decisão do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Gomes de Barros, no qual este aduz que não lhe importa o que dizem os doutrinadores, pois ele decide conforme a sua jurisdição e que decide assim, por pensar desta forma, ou seja, um mero preceito de sua própria moral. Ainda, o emérito Ministro afirma que seus colegas não são aprendizes de ninguém. Conforme expõem as juristas, discorrendo sobre a obra de Lenio Streck, após tantas conquistas que culminaram no Estado Democrático de Direito, acabamos por voltar ao mesmo ponto de partida, qual seja, o problema da democracia e da (necessária) limitação do poder. Esta ideia de decidir conforme sua própria consciência caracteriza o sujeito solipsista, aduzindo que se trata de uma construção teórica que possui raízes no paradigma metafísico. A vedação, ou ao menos a tentativa, de decisão do intérprete consoante os seus próprios preceitos morais auxilia no impedimento de crescimento do Panprincipiologismo o qual insurge como uma das conseqüências da discricionariedade do intérprete, uma vez que este adapta o texto jurídico a sua consciência, até encontrar a solução que mais lhe aparente ser compatível ao caso concreto. Afirmando Lenio Streck, Júlia Lafayette e Jânia Saldanha afirmam que no atual Estado Democrático de Direito não há mais espaço para que o juiz decida com base na sua convicção pessoal, eis que este deve estar apoiado a uma regra, pois não havendo esta, não terá como este partir para uma interpretação. Isto é, não entendendo plenamente o que a lei está querendo passar, não haverá como decidir com a sua própria convicção pessoal. Este terá que entendê-la, para, então, interpretá-la. O intérprete não irá fazer uma análise do texto, pois este se diferencia de lei, ao passo que o texto aparecerá ao intérprete já na qualidade de regra. Caso contrário, o juiz poderá, de modo solipsístico, auferir qualquer significado ao texto – o que baseia toda a crítica de Lenio Streck – contudo, para interpretar e aplicar a correta decisão ao caso concreto, deverá partir este de uma concepção prévia, buscando uma unidade de sentido. Para evitar o fenômeno do Panprincipiologismo, as juristas mencionadas afirmam que para institucionalizar um princípio é necessária a constituição de uma tradição. Ainda, propõem uma solução no sentido de que as decisões judiciais tenham uma voz única, de modo que sejam decididas com base no tratamento da equidade perante a Constituição, bem como o respeito à tradição e vedação ao Panprincipiologismo, garantindo a unicidade das decisões pautadas na discricionariedade do Juiz. (PEREIRA, Júlia Lafayette; SALDANHA, Jânia Maria Lopes. Pós-Positivismo e Teoria da Decisão: A Recepção Giro Linguístico-Ontológico no Direito como Condição de Possibilidade para a Superação do Solipsismo Judicial. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/publicacao/uff.php. Acesso em 28 fev. 2013. 45 CASTANHEIRA NEVES, A. O Actual Problema Metodológico da Realização do Direito. Digesta. Coimbra, v. 2, p. 248-282, 2010. 23 Em vista da descentralização do processo de realização do Direito, no qual a criação deste passou a ser tanto do legislador, como dos intérpretes, verificou-se a necessidade da utilização dos princípios para a concreção do direito, por intermédio do intérprete, com a sua função eterna de construção das normas e institutos do sistema jurídico, os princípios surgem como uma das principais fontes de direito, assim como a jurisprudência, com o objetivo de suprir as diversas lacunas deixadas pela Modernidade46. Os princípios foram inseridos no sistema jurídico brasileiro e, por isso, assumem uma posição de regra de aplicação imediata47. Deixam de ser meros norteadores do pensamento jurídico para se tornarem lei 48. Paulo Bonavides assevera que os princípios oxigenam as Constituições, e é graças a estes que os sistemas constitucionais auferem a unidade de sentido e a valoração da ordem normativa49. Os princípios assumem uma importância vital na Contemporaneidade, o que se torna cada vez mais evidente, mormente pela presença destes nas Constituições, aparecendo como pontos axiológicos fundantes do pensamento jurídico hodierno50. Bonavides explicita a esfera na qual os princípios chegaram na Contemporaneidade: Em resumo, a teoria dos princípios chega à presente fase do pós-positivismo com os seguintes resultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação da sua normatividade; a perda do seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo da sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão 46 Com o advento do Estado Democrático de Direito, o Positivismo acabou superado para dar lugar a uma nova era: A Constitucionalização do Direito Civil e o Neoconstitucionalismo, o qual iremos tratar minuciosamente no tópico subsequente, porém, não nos impede de ilustrar a sua importância na Contemporaneidade. A Constituição, no Estado Democrático de Direito, é o ponto de partida para o desenrolar de uma relação jurídica, muito embora ainda exista uma grande preocupação em não permitir que os juristas se mantenham restritos aos estatutos jurídicos. 47 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. 48 Paulo Bonavides explica que tal característica principiológica desencadeou uma onda doutrinária na qual alguns juristas, como Grabitz e Larenz, afirmam que deixando, os princípios, de ser ratio legis para se converter em Lex, passam a ser Direito Positivo. Assinalam que repartem-se, assim, em duas frentes: os que possuem como característica o norte das relações jurídicas, postulando por um lugar na jurisprudência e na lei; e aqueles que já desempenham uma aplicação imediata, em função da lei Os primeiros, então, denominam-se princípios “abertos” e os segundos princípios “normativos”. 49 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. 50 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. 24 máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios51. Portanto, na Contemporaneidade o Direito passar a ser pensado através da Constituição e não a partir dela, de modo que deixa a antiga adequação legislativa, para se tornar uma atividade aplicativa/jurisdicional. Isto é, o objeto do Direito não se resume à simples interpretação do texto legal, necessitando de um universo valorativo de princípios os quais não são taxativos para serem aplicados ao caso concreto52. A necessidade de aplicação dos princípios é imprescindível no contexto da sociedade atual, uma vez que a codificação não basta para delimitar as situações jurídicas que existem e que ainda poderão existir. Franscisco Amaral, por sua vez, entende que a realizaçãodo Direito deixou de ser uma prática meramente lógico-dedutiva para tornar-se uma atividade prático-criativa, sendo o intérprete da codificação a maior influência para criação da lei53. Em suma, para cada problema não será necessária a criação de um microssistema que venha a regular um determinado instituto, sendo os princípios uma forma de regular as relações jurídicas de acordo com os preceitos que a ele são competentes. Neste sentido, leciona: Diversamente dessas concepções, as teorias de hoje têm como característica o ‘ponto de vista prático’ e a crença de que o intérprete cria o direito, gerando uma nova aproximação ao direito e produzindo um crescente interesse pelo raciocínio jurídico, conforme se verifica nos estudos mais recentes da teoria do direito54. 51 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. 52 RADAELLI, Samuel Mânica. Teoria Constitucional do Direito: O Neoconstitucionalismo e a Ordem Jurídica Contemporânea. Revista Direitos Culturais. Curitiba, v.3, n. 5, dezembro 2008. 53 Desta forma, se verifica a pertinência dada a um juiz para realizar o direito. É ele o principal criador do direito na sociedade contemporânea, a principal figura da realização do direito. Por meio das decisões jurisprudenciais que os juízes emanam criam-se os conceitos jurídicos atinentes a um caso em específico, os quais poderão ser utilizados como precedente para a solução de outro eventual imbróglio. São estes que decidem o norte que será dado para o caso concreto, apoiado à norma, contudo não se fiando por inteiro a esta. Entretanto, há de se dar valor aos demais operadores do direito que trazem à tona as mais diversas problemáticas que a vida atual pode nos proporcionar. O advogado possui um papel importante e inovador de levar ao principal intérprete do direito (juiz) a solução para o imbróglio que se apresenta. De qualquer sorte, a ideia de que o juiz é a “boca da lei” permanece, todavia, a discricionariedade deste aumenta e muito, eis que este passa a fomentar o direito com precedentes jurisprudenciais (NETO, Francisco dos Santos Amaral. A Interpretação Jurídica Segundo o Código Civil. Revista Brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro, v.29, p.17-41, 2007). 54 NETO, Francisco dos Santos Amaral. Uma Carta de Princípios para um Direito como Ordem Prática. O Direito e o Tempo: Embates Jurídicos e Utopias Contemporâneas. Rio de Janeiro: Editora Renovar, p. 127-142, 2008. 25 Para o aludido jurista55, a dogmática dos princípios caracteriza o pós-positivismo jurídico56, a partir do seu pensamento, no qual se reconhece as funções interpretativa metodológica, considerando que os princípios orientam o intérprete à criação de novas normas; função integrativa quando invocados para preencher uma lacuna da lei; função diretiva ou programática quando aos princípios se recorre para orientação, pelo legislador, para a organização política e social do país; construtiva para impedimento de transformação da legislação em vários textos legais incoerentes e de decisões judiciárias esparsas, garantindo a unidade sistemática do direito. Amaral ainda aponta que os princípios tornaram-se fundamentais para a construção da racionalidade jurídica, passando a ser de grande relevância para a criação de normas e institutos, a quem se recorre quando em face de situações indeterminadas57, o que explica o Código Civil de 2002 como um “sistema aberto”, abrindo a possibilidade de criação de norma ulterior ao princípio. Ademais, constituem estes os fundamentos que dão garantia e certeza ao conjunto de juízos, se enaltecem como o norte da construção de normas e institutos jurídicos, quando diante de uma nova problemática que não possui, por ora, um microssistema ou legislação58. Para aplicação principiológica é necessária uma ponderação de princípios, compostos pelos da proporcionalidade em sentido estrito, idoneidade e necessidade. Um exemplo que Pablo Malheiros usa para explicar a necessidade da referida ponderação é o impedimento da entrada de um veículo de imprensa para cobrir os treinos e jogos de uma determinada agremiação esportiva. Neste caso, teríamos uma confrontação entre o princípio da liberdade de trabalho e a liberdade de informação. Haverá esta ponderação principiológica em virtude de não haver hierarquia entre os princípios, excetuando o da dignidade da pessoa humana, o qual somente poderá ser relativizado se for defender a dignidade de outra pessoa humana. Pablo Malheiros59 explica a conceituação principiológica proposta por Castanheira Neves, no seguinte sentido: (i) positivos (expressos pelo direito posto); (ii) transpositivos (estruturantes das diversas formas de expressão do direito) e; (iii) suprapositivos (expressam 55 NETO, Francisco dos Santos Amaral. Uma Carta de Princípios para um Direito como Ordem Prática. O Direito e o Tempo: Embates Jurídicos e Utopias Contemporâneas. Rio de Janeiro: Editora Renovar, p. 127-142, 2008. 56 Francisco Amaral denomina este período de pós-modernidade, tendo o prefixo “pós” o sentido de oposição, isto é, pensamento contrário às práticas modernas. 57 NETO, Francisco dos Santos Amaral. O Código Civil e o Problema Metodológico de sua Realização. Direito Civil: Direito Patrimonial e Direito Existencial. São Paulo: Editora Método, p. 1-24, 2006. 58 NETO, Francisco dos Santos Amaral. O Código Civil e o Problema Metodológico de sua Realização. Direito Civil : Direito Patrimonial e Direito Existencial. São Paulo: Editora Método, p. 1-24, 2006. 59 MALHEIROS, Pablo. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo. Dissertação de Mestrado na Universidade Autonôma do Estado de São Paulo. 2008. 26 valores fundamentais do direito). Nesta linha, os positivos constituem os fundamentais, os quais se enaltecem sobre qualquer regra e os institucionais que abrangem diversos institutos do sistema jurídico, como o direito dos contratos. Os transpositivos caracterizam os princípios balizadores do Código Civil de 2002, quais sejam, da eticidade, da operabilidade e o da socialidade. Por fim, os suprapositivos são o da justiça, da liberdade, da segurança, da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Existem sete princípios contratuais civis sendo que três constituem os individuais ou cardinais – autonomia privada, pacta sunt servanda e relatividade contratual – e quatro sociais – função social, função ambietal, equivalência material e boa-fé. Em linhas gerais, há de se referir, também, a discrepância entre os princípios constitucionais e os princípios gerais de direito, ao cabo que o primeiro está vinculado a instituição do Estado Democrático de Direito, o qual culminou na institucionalização da moral, enquanto que o segundo está interligado ao Positivismo Normativista. Os princípios gerais do direito em nada inovaram na nova concepção de realização do Direito, uma vez que permaneceram cumprindo o mesmo papel que lhes foi dado na teoria kelseniana, que era de legitimar o poder discricionário do Juiz, “oportunizando a abertura interpretativa das regras a serem subjetivamente apreciadas”60. Segundo Jânia Saldanha e Júlia Pereira, os princípios constitucionais, por sua vez, possuem um objetivo de impedir que os juízes decidam conforme seus preceitos morais e, assim, oportunizar o fechamento interpretativo das regras. Em síntese, asseveram que estes estão acobertados pelas regras e é delas que eles surgem61. Por isso, o ingresso das características da Contemporaneidade na Constituição do Estado Democrático de Direito, no Brasil, em 1988, bem como no Código Civil de 200262, consolidou a utilização de princípios na mediação dos litígios. 60 PEREIRA, Júlia Lafayette; SALDANHA, Jânia Maria Lopes. Pós-Positivismoe Teoria da Decisão: A Recepção Giro Linguístico-Ontológico no Direito como Condição de Possibilidade para a Superação do Solipsismo Judicial. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/publicacao/uff.php. Acesso em 28 fev. 2013. 61 PEREIRA, Júlia Lafayette; SALDANHA, Jânia Maria Lopes. Pós-Positivismo e Teoria da Decisão: A Recepção Giro Linguístico-Ontológico no Direito como Condição de Possibilidade para a Superação do Solipsismo Judicial. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/publicacao/uff.php. Acesso em 28 fev. 2013. 62 Cabe a ressalva de que o grande idealizador do Código Civil, Miguel Reale, o fez com um sentido de criação no qual estaria embasado, segundo o próprio, nos seguintes preceitos: (i) aderente aos problemas concretos da sociedade brasileira; (ii) unidade sistemática determinada pela parte geral; (iii) unificação linguística; (iv) unidade valorativa e; (v) sentido de concreção de que as normas possuem, fazendo uma conexão entre o direito doutrinário e jurisprudencial ao caso concreto. (BARROSO, Lucas Abreu; SOARES, Mário Lúcio Quintão. A Dimensão Dialética do Novo Código Civil em uma Perspectiva Principiológica. IN: Lucas Abreu Barroso Org. Introdução Crítica ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. P. 1-14. Disponível em: 27 Nesse momento, o novo Código Civil de 2002 surgiu com o condão de prevalecer os direitos coletivos sobre os individuais, consagrando a ruptura do patrimonialismo. Como pontos de mobilidade e de abertura do sistema jurídico, estariam dispostas as cláusulas gerais e conceitos indeterminados passíveis de interpretação pelo operador do direito63. Este pensamento que trouxe o Código Civil de 2002 já havia sido pensado muito antes de sua promulgação. A doutrina rebatia a necessidade de criação de um código com conceitos indeterminados para a concreção do direito. É o que expunha Judith Martins-Costa, quando conceitua as cláusulas gerais do código civil64 para a fundamentação de um sistema aberto, com conceitos indeterminados, que permitem a criação do Direito através da abertura de precedentes jurisprudenciais. Desta forma, para cada lacuna da lei, não se faz necessária a criação de norma, de uma legislação específica65. (...) a concreção das cláusulas gerais insertas no Código Civil com base na jurisprudência constitucional acerca dos direitos fundamentais evita os malefícios da inflação legislativa, de modo que ao surgimento de cada problema novo não deva, necessariamente, corresponder nova emissão legislativa 66. Ademais, o aludido Diploma Legal ainda não absorveu as novas problemáticas contemporâneas, ao passo que tardou trinta anos para ser promulgado. Lucas Abreu Barroso alude que a sua promulgação em 2002 veio em meio a uma série de crises políticas, derivadas http://www.portalibest.com.br/img_sis/download/645fb6f028172b35141a01c74e0c851a.pdf. Acesso em: 29 jan. 2013. 63 BARROSO, Lucas Abreu; SOARES, Mário Lúcio Quintão. A Dimensão Dialética do Novo Código Civil em uma Perspectiva Principiológica. IN: Lucas Abreu Barroso Org. Introdução Crítica ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. P. 1-14. Disponível em: http://www.portalibest.com.br/img_sis/download/645fb6f028172b35141a01c74e0c851a.pdf. Acesso em: 29 jan. 2013. 64 Judith Martins Costa aduz que a estrutura das cláusulas gerais se subdivide em três: (i) restritivo, de modo que delimita determinadas situações, que sejam confrontantes aos princípios estabelecidos; (ii) regulativo, que servem para regular fatos que não estão previstos casuisticamente; (iii) extensivo, ao passo que servem para permitir a regulação de determinados preceitos, consoante determinados em outras leis superiores hierarquicamente a esta (MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um "Sistema em Construção": As Cláusulas Gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 35, n. 139, p. 5-22, jul./set. 1998). 65 A atual composição do sistema jurídico brasileiro, o qual, com o advento do novo Código Civil, se tornou um sistema aberto permeado por cláusulas gerais que dão uma maior dimensão ao intérprete para aplicação da regra, concluiu-se que as problemáticas impostas pela realidade social impedem a construção de um sistema jurídico que não seja o aberto, pois não há como prever todos os problemas que a sociedade contemporânea pode acarretar, eis que hipercomplexa e cada vez mais abarrotada pelos contratos de massa e de adesão. Ou seja, é impossível um sistema jurídico pautado tão somente na aplicação lógico-dedutivo da codificação (MARTINS- COSTA, Judith. O Direito Privado como um "Sistema em Construção": As Cláusulas Gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 35, n. 139, p. 5-22, jul./set. 1998). 66 MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um "Sistema em Construção": As Cláusulas Gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 35, n. 139, p. 5-22, jul./set. 1998. 28 de corrupção, com o objetivo de apagar a fumaça e baixar a poeira destes escândalos políticos. Afirma que o novo Código Civil já nasceu velho67. Barroso ainda aponta que a discrepância socioeconômica da sociedade brasileira faz com que os direitos atinentes ao cidadão sejam distorcidos consoante as vontades da elite dominante do país: O Direito Civil, nos dias que se seguem, deverá apartar-se dos interesses ensejados pelas elites política e econômica que o manipulam em proveito de si próprias e primar por uma igualdade substancial, atuando como fator decisivo na distribuição horizontal da riqueza e na consolidação do pleno exercício dos direitos atrelados à afirmação da cidadania68. Nesta linha, a promulgação de novas leis estão diretamente ligadas a alguma dispersão do foco de determinados escândalos políticos que emanam de tempos em tempos em solo tupiniquim, como refere, o aludido jurista, que ocorreu quando da promulgação do novo Código Civil. Não obstante as críticas, Barroso assevera que a revolução doutrinária cada vez mais latente tenta aproximar a codificação civil dos novos problemas da vida privada69. Cabe salientar ainda, no que tange à estrutura da codificação civil, que existe uma contradição entre o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil que estabelece que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá com base na analogia, nos costumes e nos princípios gerais do direito”, para com o art. 127 do Código de Processo Civil, o qual aduz que o princípio da equidade somente será aplicado nos casos previstos em lei. Portanto, com essa divergência entre os dois Diplomas Legais, de certa forma anula o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, uma vez que o Código de Processo Civil já estabelece que a equidade não tem o condão de suprir eventuais lacunas da lei, pois está reduzida à letra da lei, em um rol taxativo, considerando ainda que esta não constitui fonte de direito e, assim, não tem a incumbência de criação de normas70. 67 BARROSO, Lucas Abreu. O Novo Código Civil no Momento Histórico de sua Realização. IN: CONFERÊNCIA REAL ACADEMIA DE JURISPRUDENCIA Y LEGISLACIÓN, Madri, 2010. Disponível em: https://docs.google.com/document/pub?id=1rL3e4OVNj4Bjiigrm6rPlLhmpr0NBhoCbJJRPmXwfH0. Acesso em: 29 jan. 2013. 68 BARROSO, Lucas Abreu. O Novo Código Civil no Momento Histórico de sua Realização. IN: CONFERÊNCIA REAL ACADEMIA DE JURISPRUDENCIA Y LEGISLACIÓN, Madri, 2010. Disponível em: https://docs.google.com/document/pub?id=1rL3e4OVNj4Bjiigrm6rPlLhmpr0NBhoCbJJRPmXwfH0. Acesso em: 29 jan. 2013. 69 BARROSO, Lucas Abreu. O Novo Código Civil no Momento Histórico de sua Realização. IN: CONFERÊNCIA REAL ACADEMIADE JURISPRUDENCIA Y LEGISLACIÓN, Madri, 2010. Disponível em: https://docs.google.com/document/pub?id=1rL3e4OVNj4Bjiigrm6rPlLhmpr0NBhoCbJJRPmXwfH0. Acesso em: 29 jan. 2013. 70 BARROSO, Lucas Abreu. Situação Atual do Art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Revista Brasileira de Direito Constitucional. São Paulo, n. 5, p. 236-242, jan./jun. 2005. Disponível em: 29 Ademais a aludida discrepância ignora o papel dos princípios no ordenamento, eis que este - por ter normatividade - é fonte de incidência imediata. Tal pensamento jurídico de que os princípios gerais do direito somente poderão ser invocados quando esgotadas as tentativas de interpretação da regra e o insucesso na utilização de analogia e usos e costumes, fora superado no contexto da Contemporaneidade71. O dispositivo em comento afronta não só o Código de Processo Civil, mas como toda a civilística incorporada pelo sistema jurídico brasileiro, quando veda a utilização de princípios, da forma como expomos que estes devem ser empregados no processo de realização do Direito. Em virtude disto, a incidência do artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil mostra-se totalmente descabida na Contemporaneidade, eis que a sua aplicabilidade não corrobora o que entendemos por realização do Direito. Muito embora todas estas falhas estruturais da codificação civil brasileira, de fato, a inserção dos conceitos indeterminados e cláusulas gerais foi muito festejada pela doutrina majoritária brasileira. Muitos apontam que se tratou de uma inovação, outros a referem como a quebra da civilística dogmática. Discordamos deste posicionamento, eis que os princípios, conforme já apontamos, é fonte de incidência imediata. Portanto, possui caráter de lei. Lenio Streck72 entende que a aposta nas cláusulas gerais nada mais é do que um reforço à velha discricionariedade positivista, a qual somente distinguia Direito e moral, mas não vedava a interpretação da legislação. Ainda, o jurista aponta o perigoso campo que se abre com a discricionariedade e decisionismos, ao passo da distinção entre casos simples, que poderiam ser solucionados por dedução ou subsunção e no que tange aos casos complexos, que, para estes, seriam invocados os princípios, considerando que a legalidade que hoje se encontra permeada no sistema jurídico é a pautada nos princípios. Isto é, o texto legal já deriva da aplicação analógica dos princípios jurídicos73. https://docs.google.com/document/pub?id=1sya2va99vdOViYkVVrY74d0WRc85cDHisAZTCYo9UYg. Acesso em: 29/01/2013. 71 CATALAN, Marcos Jorge. Do Conflito Existente entre o Modelo Adotado pela Lei 10.406/02 (NCC) e Artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Revista de Ciências Jurídicas e Sociais da Unipar. v.8, n.1, jan./jun., 2005. 72 STRECK, Lenio. Aplicar a Letra da Lei é uma Atitude Positivista? Revista NEJ - Eletrônica, v. 15, n. 1 p. 158-173, jan.-abr. 2010. 73 Fica evidente que a crítica de Lenio Streck diz respeito primeiramente à possibilidade de enaltecer o solipsimo judicial, um dos grandes problemas, segundo o próprio, do judiciário. Isto é, o decisionismo do juiz de acordo com a sua própria moral, sem a intervenção de doutrina e dos pensamentos jurídicos atinentes à prática jurídica contemporânea. Ainda, quando este se refere à utilização de subsunção para os casos menos complexos, remete- se à doutrina de Ronald Dworkin, no tocante a sua teoria dos Easy Cases e Hard Cases. Corroborando o entendimento, no Positivismo a discricionariedade do juiz era acionada na eventualidade de obscuridade da lei, recorrendo-se à vontade do legislador, em vez da lei, através de uma análise gramatical. Em suma, a referida discricionariedade que o juiz tinha no Positivismo era de analisar tão somente a intenção que o legislador tinha ao aplicar à norma, adequando-se, portanto, esta ao caso concreto. Desta forma, voltaríamos ao problema do 30 Paulo Lobo entende que a necessidade de aplicar o princípio normativo é imprescindível para a solução do caso em concreto, eis que com as modificações da sociedade contemporânea, é necessária para a realização da justiça social. Todavia, para a sociedade em mudanças, para a realização das finalidades da justiça social e para o trato adequado do fenômeno avassalador da massificação contratual e da parte contratante vulnerável, constituem eles ferramentas hermenêuticas indispensáveis e imprescindíveis74. Até então, tudo bem. A aplicação principiológica é imprescindível para a solução de um imbróglio sem precedentes de lei expressa - quando nos referimos a “lei expressa”, será aquela a qual iremos aplicar diretamente ao caso concreto sem necessidade de qualquer ponderação. Todavia, o princípio, a partir do momento em que inserto à codificação, já se caracteriza como lei de aplicação imediata75. Então, por que este clamor às cláusulas gerais? A cada lacuna da lei certamente não haverá necessidade de criação de norma, eis que a utilização dos princípios já deriva uma ideia de lei. Assim entende a doutrina de Lenio Streck: Portanto (...), estamos falando, hoje, de uma outra legalidade, uma legalidade constituída a partir dos princípios que são o marco da história institucional do direito; uma legalidade, enfim, que se forma no horizonte daquilo que foi, prospectivamente, estabelecido pelo texto constitucional (não esqueçamos que o direito deve ser visto a partir da revolução copernicana que o atravessou depois do segundo pós-guerra)76. A partir do estabelecimento dos princípios no texto constitucional, não há como negar a eficácia direta e imediata da norma, no que tange às emanadas do Direito Civil, como traduz Luiz Edson Fachin. O mesmo ainda expõe que pensamento adverso a este, importaria na morte da Constituição77. E, aliás, para complementar, qual conceito que não é indeterminado? Todos pendem de uma necessidade de aplicação ao caso concreto. Todos necessitam de uma fundamentação sujeito solipsista, aduzida anteriormente, no qual o intérprete poderia decidir com base em sua própria moral, o que não traz segurança jurídica às partes de uma eventual litigância jurídica (STRECK, Lenio. Aplicar a Letra da Lei é uma Atitude Positivista? Revista NEJ - Eletrônica, v. 15, n. 1 p. 158-173, jan.-abr. 2010). 74 LÔBO, Paulo. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil. Jus Navigandi. Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2796>. Acesso em: 04 set. 2013. 75 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. 76 STRECK, Lênio. Aplicar a Letra da Lei é uma Atitude Positivista? Revista NEJ – Eletrônica. v. 15, n. 1, p. 158-173, jan-abr, 2010. 77 FACHIN, L. E. Questões do Direito Civil brasileiro Contemporâneo. São Paulo: Renovar, 2008. 31 para sua utilização. Fernando Andreone78, através de Jurgen Habermas, discorre que todas as normas são indeterminadas ao passo que todas pendem de interpretação, inclusive aquelas as quais somente podem ser encontradas como situações padronizadas e tipicamente aplicáveis79. 2.2 CODIFICAÇÃO, DESCODIFICAÇÃO E RECODIFICAÇÃO DO DIREITO CIVIL Há de se ressaltar, a priori, que a ideia de um Código não nos remete apenas a um compilado de dispositivos legais sobre uma determinada matéria. Para se codificar o Direito, através de um Código, é necessária a coordenação de regras atinentes às relações jurídicas de uma mesma natureza, correlacionadas com princípios, com unicidade e sistematização. Em razão disto, não pode ser designada para estabelecer as regras de uma legislação especial,
Compartilhar