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PORTUGUÊS Talita Campos Informações implícitas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir as características dos pressupostos, dos implícitos, das infe- rências e dos subentendidos. Reconhecer a presença de informações implícitas nos textos. Aplicar estratégias de identificação das informações implícitas para uma leitura competente. Introdução Neste capítulo, vamos estudar as teorias relacionadas às informações implícitas nas modalidades verbal, não verbal e multimodal da língua. Trata-se de um conteúdo tão naturalmente absorvido pelos falantes da língua que, normalmente, sequer percebem que parte (ou muitas) das informações que depreendem do enunciado não foram, de fato, ditas. Isso ocorre porque a leitura não é um trabalho isolado: trata-se de um trabalho conjunto, de construção de sentidos, inferencial. Um exemplo pode ser visto no seguinte enunciado: “Ainda não escovei os dentes”, resposta possível para a pergunta “Já tomou seu café da manhã?”. Como resposta, provavelmente se esperaria um “sim” ou um “não”; contudo, a resposta contém um “não” implícito, cuja compreensão está diretamente relacionada com o contexto, porque, em nossa cultura, ao acordar, as pessoas costumam escovar os dentes e, apenas em seguida, fazer o desjejum. Trata-se de um “não” que não foi dito, mas foi entendido. Ler, é, pois, um ato sociocognitivo, cheio de preenchimento de lacu- nas. Por isso, duas são as informações gerais abordadas neste capítulo. A primeira se relaciona aos dois lugares distintos que ocupam a leitura e a escrita. Trata-se de duas modalidades que acionam habilidades cognitivas distintas e que se encontram, inclusive, em lugares teóricos bastante demarcados: geralmente, os pesquisadores se concentram em um ou em outro recorte. Destacar isso é necessário, porque as habilidades aqui discutidas são aquelas relacionadas à leitura. O segundo ponto a ser destacado refere-se à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que, desde 2017, vem ocupando destaque nas discus- sões dos profissionais de Letras, o que nos leva à necessidade de atualizar os saberes que se relacionam à leitura, de acordo com os pressupostos das habilidades e competências demarcadas pelo documento. Dessa forma, a seguir, veremos não apenas a teoria voltada para o implícito, mas também a teoria aplicada às diferentes leituras e, ainda, aos documentos político-educacionais que regem o ensino desse conteúdo na escola. 1 O ato de inferir informações implícitas: definindo noções e categorias As diferentes áreas do saber conceituam de formas distintas os termos aqui defi - nidos. Contudo, cada uma das grandes áreas, como a psicolinguística, a psicologia cognitiva e a linguística, trata o processo de inferência em relação ao fato de o leitor adicionar informações ao texto lido. A seguir, traremos a abordagem tradicional de Koch e Travaglia, segundo os quais a inferência é um processo de raciocínio que leva o leitor a concluir algo a partir de outra informação conhecida. Para esses importantes pesquisadores, para que se conheça um texto, há que se fazer uma série de inferências ao longo da leitura. Assim, inferir é um ato cognitivo, e os demais processos (as informações implícitas) são as estratégias linguísticas sobre as quais o leitor/ouvinte realizará a inferência. Tal processo linguístico-textual (realizado por meio dos implícitos) é importante por causa da economia linguística. Se precisássemos ler/ouvir cada informação de modo explícito, literalmente dita, os textos/falas precisariam ser demasiadamente longos. Sobretudo na fala, comumente as inferências são estabelecidas a partir de pistas como a prosódia (entoação, volume e qualidade da voz, pausa, velocidade e ritmo da fala), as escolhas léxicas, a distribuição sintática, o estilo, a mímica, os gestos, a postura corporal, etc. As inferências são produzidas com o aporte de elementos sociossemânticos, cognitivos situacionais, históricos e linguísticos de vários tipos, que operam de forma integrada. Compreender, essencialmente, consiste na atividade de relacionar conhecimentos, experiências e ações em um movimento interativo e negociado (MARCUSCHI, 2011). Informações implícitas2 Você deverá levar em conta, entretanto, que a inferência pode ser reali- zada por meio de estratégias subjetivas, como nos casos dos subentendidos, conforme veremos adiante. Apesar disso, esse tipo de inferência não ocorre sem critérios, ou seja, não é um tipo de leitura/inferência realizado pelo fator exclusivamente psicológico. A inferência segue lógicas, leva em consideração o enunciador, o contexto, as escolhas linguísticas, etc., embora possa ser desconstruída (como no caso dos já citados subentendidos). Assim, ler é mais que “juntar letrinhas”. Conforme Marcuschi (2011, documento on-line): [...] a interpretação dos enunciados é sempre fruto de um trabalho, não uma simples extração de informações objetivas. Como o trabalho é conjunto, não unilateral, pois compreender é uma atividade colaborativa que se dá na inte- ração entre leitor-texto-autor ou ouvinte-texto-falante, podem ocorrer desen- contros. A compreensão é também um exercício de convivência sociocultural. Por isso, fazer inferências é uma capacidade associada aos leitores mais fluentes, os quais, além de irem além das informações explícitas, chegam às camadas mais recobertas do texto, associadas às relações menos ou mais exclusivamente cognitivas. Nesse tipo de leitura fluente, o leitor parte das pistas encontradas nos textos, até chegar às inferenciais, associando-as a seu conhecimento de mundo. Com base nessas premissas, você verá, nesta seção, que as informações recuperadas cognitivamente por meio das inferências situam-se na ordem dos implícitos. Como você já deve saber, a palavra “implícito” significa aquilo que não está exposto claramente; ou seja, é o oposto de explícito. Nos estudos da linguagem, o conteúdo implícito pode ser desvelado por meio do subentendido e, ainda, por meio do pressuposto, e Ducrot (1987) foi o responsável por sistematizar essas noções. Para o teórico, os subentendidos não são expressos formalmente; ou seja, as informações não são expressas por meio do código linguístico, mas são inferidas (ou a partir de pistas linguísticas encontradas no contexto e/ou por meio de informações contex- tuais). Esse tipo de estratégia permite que o entendimento das insinuações colocadas no texto seja de responsabilidade do leitor/ouvinte, tornando esse tipo de compreensão subjetivo. Há que se fixar, sobre o subentendido, que esse tipo de implícito nem sempre é previsível, não segue uma regra, como as regras linguísticas formais da língua, tampouco está preso ao sentido literal do texto. Os implícitos são 3Informações implícitas ancorados no contexto e podem, perfeitamente, desfazer-se nesse mesmo con- texto. Segundo Pauliukonis (2006), trata-se de um trabalho de conjecturas, de avaliação global, situada em determinada ação comunicativa e de observação de intencionalidades: Suponhamos que alguém chegue a um escritório no centro da cidade, em pleno inverno, e a pessoa o receba com o ar refrigerado no máximo; se o visitante disser: “Está frio demais aqui, não?”, pode-se concluir que ele não está querendo apenas fazer um comentário, mas um pedido para que desligue o ar, ou que diminua a refrigeração. O evento situacional é que vai determinar esse raciocínio. Mas a outra pessoa pode retrucar: “Não acho que esteja tão frio assim, você é muito friorento...”. Ou seja, a polêmica pode ser instaurada, nesse momento, mas o visitante pode ignorar toda essa inferência contestatória e dizer: “Não estou pedindo que você desligue o ar, estou mesmo de saída” (PAULIUKONIS, 2006, p. 1.920). O exemplo dado por Pauliukonis (2006) revela a diferença básica entre o subentendido e o pressuposto. Enquanto, nesse exemplo do ar-condicionado, há uma possibilidade de conjecturas, de raciocíniopor meio de relações indiretas, no pressuposto, essa possibilidade não existe: para cada pressuposto há algo posto (uma verdade indiscutível, posta). Em outras palavras: os pressupostos estão embasados em informações colocadas no texto e não permitem que se construam sentidos subjetivos que desviem a compreensão do dito; e, no dito, há uma verdade. Para Ducrot (1987, p. 239, acréscimo nosso): [A]s informações pressupostas que se baseiam em informações recuperadas linguisticamente não podem ser negadas pelo emissor nem desconsideradas pelo interpretante de um texto, pois estão inseridas na própria língua; por isso, é fundamental que sejam verdadeiras, porque é a partir delas que se constroem as argumentações; se forem falsas, todo o raciocínio decorrente delas também será. No pressuposto, pois, não há uma relação subjetiva, como ocorre no suben- tendido. No pressuposto, há uma informação irrefutável, permitida pelas pistas linguística contextuais. É o que ocorre no exemplo criado: “Esta semana, não comi carne”, em que as inscrições linguísticas apresentam um “posto”, uma “verdade posta”: “esta semana, não comi”, que autoriza ao leitor pressupor, sem polêmicas ou possibilidade de desconstrução dessa verdade, que, nas semanas anteriores, o enunciador comeu carne. Para Ducrot (1987, p. 42), “[...] dizer que pressuponho X, é dizer que pretendo obrigar o destinatário, por minha fala, a admitir X, sem por isso dar-lhe o Informações implícitas4 direito de prosseguir o diálogo a propósito de X. O subentendido, ao contrário, diz respeito à maneira como esse sentido é manifestado”. Por isso, inferência feita no exemplo da carne (“Esta semana, não comi carne”) não é possível em “Tome um remédio ao se deitar”. Nesse exemplo, não se pode pressupor que o destinatário/coenunciador tome remédio sempre que se deita, nem mesmo que ele tome remédios. A esse enunciado, são possíveis contrarrespostas: o coenunciador pode estar sendo convidado a tomar um remédio por estar cansado, não doente, por exemplo, se o contexto for de uma exaustão muscular ou de insônia. Esse tipo de comparação demonstra que a linha divisória entre pressuposto e subentendido é tênue, embora haja uma descrição linguística para distingui- -los. Isso ocorre, sobretudo, porque, no mesmo enunciado, podem ocorrer os dois fenômenos discursivos. No exemplo anterior (“Tome um remédio ao se deitar”), tem-se o pressuposto de que, em algum momento, o coenunciador vai se deitar; a isso, não se pode refutar. Por essa razão, ao se trabalhar o tema com os estudantes, o conteúdo precisa estar inscrito em nível textual- -discursivo, de modo que essas nuanças possam ser observadas. Assim, pois, a temática poderá ser observada da perspectiva crítica do desenvolvimento das competências e habilidades marcadas nos documentos legais mais atuais para o ensino de língua(gens). Podem ser consideradas implícitas todas as informações veiculadas sem que o fa- lante precise se comprometer com sua verdade diretamente; as que se baseiam em informações recuperadas linguisticamente constituem os pressupostos, e as que estão relacionados ao contexto e à situação são os chamados subentendidos (PAULIUKONIS, 2006). 2 As informações implícitas no texto: da teoria ao reconhecimento Como você viu na seção anterior, as informações implícitas são parte natural da construção de qualquer texto. Nesta seção, você será desafi ado a olhar, mais detidamente, a presença dessas informações nos textos. Contudo, você será desafi ado a olhar não apenas para os textos verbais, mas também para 5Informações implícitas textos multimodais. Isso porque textos de outras semioses também agregam construções implícitas. Dessa vez, entretanto, as pistas linguísticas são, tam- bém, aquelas pertencentes à modalidade não verbal. Assim, pressupostos e subentendidos emergem em gêneros textuais diversos, presentes em diferentes esferas discursivas. O implícito nos textos verbais Os textos verbais oferecem uma gama enorme de implícitos. São, tradicio- nalmente, os mais analisados por meio de diferentes gêneros textuais, sobre- tudo naqueles que abarcam características literárias, como letras de canções, poemas, etc. Por outro lado, você não pode deixar de levar em conta que os implícitos estão presentes em todos os tipos e gêneros, pois são constituintes da comunicação. Assim, torna-se importante levar os estudantes a analisarem textos tidos, socialmente, com “neutros”, como as notícias de jornal. Pensemos no assunto a partir do poema da importante escritora Conceição Evaristo (2008): A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. ecoou lamentos de uma infância perdida. A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos-donos de tudo. A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta no fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue Informações implícitas6 e fome. A voz de minha filha recolhe todas as nossas vozes recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas. A voz de minha filha recolhe em si a fala e o ato. O ontem — o hoje — o agora. Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância O eco da vida-liberdade. Nesse poema, temos vários exemplos de implícitos. Nele, o leitor tem pistas que o levam ao tema que é retratado de forma indireta, e nele reside o ambiente discursivo do eu-lírico: o lugar da herança da escravidão. Vejamos: em “a voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio”, é possível, por meio de raciocínio indireto, depreender que a bisavó foi escravizada, trazida à força para o Brasil em um navio negreiro; “lamentos” e “infância perdida” são pistas desse subentendido. Para essa compreensão, o leitor precisa predispor de conhecimentos de mundo, como sobre os navios negreiros e o lugar dos escravos nesses navios (o porão). Já em “a voz de minha avó ecoou obedi- ência”, o subentendido está na servidão imposta aos africanos escravizados. Expressões como “brancos-donos de tudo” possibilitam o subentendido de que, aos negros, sobra a necessidade de obediência; e o conhecimento de que os europeus colonizaram vários países e escravizaram pessoas, sobretudo povos africanos, corrobora isso. Em “a voz da minha mãe ecoou baixinho revolta [...] rumo às favelas”, encontramos, subentendido, um momento histórico de pós-escravidão. No trecho, tem-se a servidão que, contudo, é ressignificada com a “liberdade de ir” a algum lugar. Lugar esse, porém, que ainda é de inferioridade em relação aos brancos. Aqui, há, ainda, o subentendido de que os brancos são donos de tudo: “roupagens sujas dos brancos”. Os trechos “a minha voz ainda ecoa versos perplexos” e “na voz da minha filha se fará ouvir a ressonância o eco da vida-liberdade”, autorizam, respectivamente, subentendidos de que o eu- 7Informações implícitas -lírico discorda das atrocidades vividas pelas gerações anteriores e que sua filha avançará ainda mais um pouco em relação às ancestrais, o que se pode subentender pela palavra “liberdade”, que aparece pela primeira vez no poema. O implícito nos textos multimodais Cada vez mais os profi ssionais das Letras reconhecem a importância de se estudar, compreender e ensinar a leitura dos textos multissemióticos. Isso ocorre porque, cada vez mais, esses textos circulam nas diferentes esferas da sociedade contemporânea. Se, antes, esses textos eram vistos como “menores”, aparecendo “apenas” em gêneros textuais que serviam ao lazer, como nas histórias em quadrinhos, atualmente a multimodalidade fi gura nas linguagens digitais, essenciais para as sociedades globalizadas. Analisemos, na tira abaixo, a presença do pressuposto e do subentendido na linguagem multimodal (Figura 1). Figura 1. Tirinha de Armandinho com pressuposto e subentendido. Fonte: Beck (2017, documento on-line). Nessa tirinha, você pode observar a presença de um pressuposto. Noques- tionamento da personagem (“E a versão dos índios?”) tem um posto: a versão que estão contando sobre a história do Brasil não é a dos povos originários. Na tirinha, a importância da linguagem não verbal está na informação sobre o local em que Armandinho está aprendendo sobre a invasão às terras brasi- leiras: na escola (representada pela carteira escolar, a mochila, o caderno...). Além disso, podemos ver a presença de um subentendido na tirinha. Perguntar sobre a versão dos índios pode levar o interlocutor a entender que a versão dos índios é importante para a construção dos saberes sobre os europeus e a descoberta das terras hoje brasileiras (lembrando que o subentendido depende do conhe- cimento e da visão de mundo do leitor/ouvinte: é uma construção contextual). Informações implícitas8 Esse exemplo é uma forma de demonstrarmos que o pressuposto e o su- bentendido podem ser uma estratégia linguístico-discursiva importante para iniciar um questionamento. Vejamos a presença do subentendido em mais uma tirinha do Armandinho (Figura 2). Figura 2. Tirinha de Armandinho com subentendido. Fonte: Beck (2016, documento on-line). Nessa tirinha, você pode observar a presença de um subentendido em “Es- queceu dos vizinhos?”. A linguagem não verbal está marcada pelas imagens das notas musicais (em tamanhos extragrandes, preenchendo boa parte do quadrinho) e pela presença do aparelho de som, ambas nos três quadrinhos. Tais imagens contribuem para a construção da informação de há uma música sendo tocada e que ela está em volume alto, e as imagens dos dois primeiros quadrinhos dão conta de informar o leitor sobre essa situação. Contudo, como vimos anteriormente, o subentendido não está amarrado em uma verdade inquestionável: ele permite que a subjetividade marque a compreensão. Assim, Armandinho entende que o pai se referia (com a pergunta “Esqueceu dos vizinhos?”) a incluir os vizinhos em seu lazer (ouvir música). Não fosse a presença das imagens na construção de sentido do texto, não conseguiríamos perceber a presença do implícito, tampouco construir o sentido humorístico sugerido por Alexandre Beck, autor da tirinha. Esse exemplo é uma forma de demonstrarmos que o subentendido pode ser uma estratégia linguístico-discursiva importante para a geração de humor e que a linguagem não verbal pode ser utilizada para contribuir para essa construção. A multimodalidade é uma forte aliada dos textos persuasivos que circulam na sociedade, que preza pelos textos curtos, resultado da vida apressada e dos carros em movimento, por exemplo. Não se deve menosprezar a importância social e a riqueza de seu conteúdo. Por exemplo, no anúncio publicitário da Figura 3, o leitor pode realizar a inferência e chegar a dois tipos de informações implícitas. Na propaganda, 9Informações implícitas encontramos a frase “Quem nasceu só para ser big, nunca vai ser king”. Na frase, o advérbio “só” aponta para a seguinte verdade posta: o big é restritivo, a despeito de o leitor reconhecer, ou não, o significado em português para as duas palavras inglesas: big e king. Além da linguagem verbal, a linguagem visual contribui para a depreensão de sentidos: a palavra king está em letras maiores que a palavra big, representando, pela multimodalidade, que king é maior que big, apesar de big significar “grande”. No que se refere ao subentendido, o leitor pode inferir que a empresa Burger King está se referindo ao McDonald’s, que oferece o famoso sanduíche Big Mac. Para chegar a esse subentendido, o leitor precisa conhecer o contexto de concorrência entre as duas empresas e, ainda, acessar o conhecimento de mundo a respeito dos nomes dos sanduíches dessas empresas. Se o leitor for um morador de cidades afastadas e/ou pobres, por exemplo, ou sem acesso a esse tipo de oferta, ele conseguirá, possivelmente, pelo acesso linguístico, chegar ao entendimento do pressuposto, mas não do subentendido. Figura 3. O implícito como estratégia de Marketing. Fonte: Quem nasceu... (2008, documento on-line). Informações implícitas10 3 A localização de informações implícitas para uma leitura competente Como vimos desde o início do capítulo, ler com competência não é apenas “juntar letrinhas”. Isso não pode acontecer, primeiramente, porque são neces- sárias informações de mundo para compreender as organizações linguístico- -discursivas de um texto. Em segundo lugar, não é possível apenas “juntar letrinhas” porque nem sempre todas as letrinhas estão postas. Muitas delas estão no lugar do não dito, nas entrelinhas. Assim, não é sufi ciente pensar em estratégias de leitura se o leitor não conseguir enxergar com efi ciência o “não dito”. Além disso, se o profissional de Letras desconstruir a ideia de que ler é “juntar letrinhas”, outro equívoco será desconstruído: a ideia de que ler não se ensina continuamente. Com a noção de quer ler é “juntar letrinhas”, os professores das séries iniciais acabam concentrando-se exclusivamente no ensino ativo de leitura. Depois disso, percebem-se apenas cobranças de que o estudante deveria ter compreendido de “tal forma”, não da forma como ele compreendeu. E não se ensina o caminho para isso: o como, o método. Portanto, faz parte dessa aprendizagem mostrar aos estudantes onde estão os implícitos, por que eles são importantes para determinada leitura e como essa leitura seria diferente sem a investigação do implícito. Para isso, o professor deveria despir-se do papel de quem ensina e assumir o papel de mediador entre texto e leitor. Assim, o estudante poderá tornar-se um leitor proficiente e crítico. Ao encontro dessa ideia, Pauliukonis (2006, p. 1.919, acréscimo nosso) afirma: [...] [p]ara que se tenha um leitor mais crítico e eficiente, em termos de com- petência nos diversos níveis de leitura, é preciso sensibilizá-lo para o fato de que todo sentido, mesmo o literal, inclui informações apresentadas em diferentes graus de implicitude. Uma leitura consciente verifica que todo texto pode dizer mais coisas do que parece estar dizendo e que, além do que está expresso na superfície, há dados que estão subentendidos ou pressupostos; em suma, deve se ler tanto nas linhas como também nas entrelinhas. Todo o trabalho de interpretação de um texto passa também pela descodificação desses implícitos textuais, que não podem passar despercebidos, com sua gama de significados importantes, a um leitor perspicaz. Com um mediador, o estudante conseguiria, portanto, assumir o pro- tagonismo da leitura sem, contudo, estar desassistido nessa jornada, que é continuada. 11Informações implícitas Nas questões elaboradas, as avaliações externas inserem os descritores relacionados aos processos inferenciais. Isso mostra que a ação de inferir é tão importante para a leitura competente que o desenvolvimento da inferência como estratégia de leitura é “verificada” por meio dessas provas. Para as séries finais do Ensino Fundamental, a inferência é representada pelos descritores da Figura 4. Figura 4. Matriz de referência de língua portuguesa do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Fonte: Brasil ([201-?], documento on-line). Leitura e compreensão na Base Nacional Comum Curricular Por que pensar nos implícitos de forma encadeada com a BNCC? Embora as discussões a respeito da BNCC estejam em pleno andamento (aliás, nem mesmo as discussões acerca das Diretrizes e dos Parâmetros Curriculares estão esgotadas) e a BNCC ainda venha recebendo muitas críticas voltadas para 1) o possível engessamento do trabalho do professor do Ensino Básico, 2) as difi cultadas contextuais que poderão inviabilizar a aplicação das propostas Informações implícitas12 encontradas no documento e 3) as possíveis e/ou necessárias reformulações do documento ofi cial, uma coisa é certa: as competências e habilidades con- templadas pela matriz da BNCC trazem um bojo teórico pautado em teorias do texto, realmente, atualizadas. Veja, a seguir, apenas a título de exemplo,duas habilidades a serem de- senvolvidas pelos estudantes ao longo do Ensino Médio: “EM13LP28: Organizar situações de estudo e utilizar procedimentos e estratégias de leitura adequados aos objetivos e à natureza do co- nhecimento em questão” (BRASIL, 2017, p. 37, grifo nosso). “EM13LP02: Estabelecer relações entre as partes do texto, tanto na produção como na leitura/escuta, considerando a construção compo- sicional e o estilo do gênero, usando/reconhecendo adequadamente elementos e recursos coesivos diversos que contribuam para a coerên- cia, a continuidade do texto e sua progressão temática, e organizando informações, tendo em vista as condições de produção e as relações lógico-discursivas envolvidas (causa/efeito ou consequência; tese/ argumentos; problema/solução; definição/exemplos, etc.)” (BRASIL, 2017, p. 5, grifo nosso). Os termos em negrito representam a forma como a BNCC compreende a noção de leitura: ação sociocognitiva que demanda estratégias específicas, a depender de cada fator que constitui cada texto que circula na sociedade e, especialmente, estratégias que pensem o texto em seu contexto situacional. Assim, as inferências (os implícitos, os pressupostos) precisam ser observadas a partir, também, da situacionalidade e, por isso mesmo, devemos instru- mentalizar os estudantes com informações do mundo e com criticidade e protagonismo (conforme prevê a BNCC). Em uma iniciativa de incentivo à leitura, a Somos Educação criou o site “Coletivo Leitor”, o qual busca disseminar a importância da literatura para o desenvolvimento cognitivo e para o processo de aprendizagem. Digite “coletivo leitor” no seu motor de busca preferido para ter acesso ao site, no qual você encontra materiais e conteúdos educativos e de livre acesso. 13Informações implícitas Ao longo deste capítulo, vimos as características dos pressupostos, dos implícitos, das inferências e dos subentendidos de forma a perceber que a noção de leitura não é restritiva ao autor do texto/fala, mas, também, de responsabilidade do leitor/ouvinte, sendo, pois, forjada de modo interacional e por sujeitos sociocognitivos, de acordo com a situação de comunicação e com os saberes compartilhados. Além disso, vimos a presença de informações implícitas em textos de diferentes modalidades, de modo a pensar em como as distintas situações podem levar o mesmo tema a ter diferentes possibilidades de informações implícitas. Por fim, analisamos em estratégias de identifi- cação das informações implícitas para uma leitura competente, situadas no contexto educação vigente, o da BNCC. Agora, você está capacitado não apenas para pensar as estratégias possíveis para a leitura de implícitos, mas também para perceber que essas estratégias integram uma demanda social e político-educacional. Esses saberes, certamente, farão de você um profissional eficiente frente a essas demandas. BECK, A. Tirinha do Armandinho. 2017. Disponível em: https://64.media.tumblr.com/88 47f55d77c5e7d6fbf6d08bdd5cd859/tumblr_ooblb0y8zV1u1iysqo1_1280.png. Acesso: 14 set. 2020. BECK, A. Tirinha do Armandinho. O Povo, 2016. Disponível em: https://www20.opovo. com.br/images/app/noticia_132346504881/2016/10/14/3663868/1410va0110.jpg. Acesso: 14 set. 2020. BRASIL. Base nacional comum curricular: ensino médio. Brasília: Ministério da Educação, 2017. (E-book). BRASIL. Matriz e escalas SAEB. [201-?]. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/educacao- -basica/saeb/matrizes-e-escalas. Acesso em: 14 set. 2020. DUCROT, O. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1987. EVARISTO, C. Poemas da recordação e outros movimentos. Belo Horizonte: Nandyala, 2008. MARCUSCHI, L. A. Compreensão textual como trabalho criativo. Cultura Acadêmica, v. 11, p. 89–103, 2011. Disponível em: http://acervodigital.unesp.br/bitstream/12345678 9/40358/3/01d17t07.pdf. Acesso em: 14 set. 2020. PAULIUKONIS, M. A. L. Texto e discurso: os processos de desvendamento inferencial. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE LETRAS E LINGUÍSTICA, 2006, Uberlândia. Anais eletrônicos [...]. Disponível em: http://www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_097. pdf. Acesso: 14 set. 2020. Informações implícitas14 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. QUEM NASCEU para ser Big nunca vai ser KING. De tudo um pouco, 2008. Disponível em: https://misturado.wordpress.com/2008/06/20/quem-nasceu-para-ser-big-nunca- -vai-ser-king/. Acesso: 14 set. 2020. Leituras recomendadas KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 1989. SANTOS, M. R. M. O estudo das inferências na compreensão do texto escrito. 2008. 151 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) — Departamento de Linguística Geral e Ro- mânica, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2008. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/12420749.pdf. Acesso: 14 set. 2020. 15Informações implícitas
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