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Fa cu ld ad e Ed uc ac io na l d a La pa (O rg .) So ci o lo gi a, F ilo so fia e É ti ca Faculdade Educacional da Lapa (Org.) Sociologia, Filosofia e Ética 2ª Edição Curitiba 2018 Sociologia, Filosofia e Ética Faculdade Educacional da Lapa (Org.) Fernando Lothario da Roza Francisco Gilson R. Pôrto Jr. Jair José Maldaner Marcelo Rythowem Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501 S678 Sociologia, filosofia e ética / Fernando Lothario da Roza; et al. [organização da] Faculdade Educacional da Lapa – 2. ed. – Curitiba: Fael, 2018. 195 p.: il ISBN 978-85-5337-015-3 Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 1. Sociologia 2. Filosofia 3. Ética I. Roza, Fernando Lothario II. Porto Jr., Francisco Gilson R. III. Maldaner, Jair José IV. Rythoem, Marcelo V. Faculdade Educacional da Lapa CDD 300 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Diretoria Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Projeto Gráfico Sandro Niemicz Imagem da Capa Shutterstock.com Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Capítulo 1: Filosofia, Ética e Cidadania .................................................. | 9 1 Investigando o que é filosofia, ética e cidadania ......................... | 11 2 Pressupostos filosóficos da ética e da cidadania na Antiguidade ............................................................... | 29 3 Pressupostos filosóficos da ética e da cidadania na Idade Média .................................................................................. | 47 4 Modernidade ...................................................................................... | 59 5 Liberalismo e Iluminismo ............................................................... | 73 6 A crise da razão e a filosofia ........................................................... | 83 7 Os desafios da filosofia, ética e cidadania na pós‑modernidade ....................................................................... | 95 Referências | 105 Capítulo 2: Sociologia da Organização .............................................. | 107 1 Sociologia e antropologia e sua relação com a administração ........................................................................ | 109 2 Estratificação social e as organizações ............................... | 129 3 Sociologia das organizações: conceitos básicos ............... | 141 4 As organizações na era industrial clássica ........................ | 151 5 Era industrial neoclássica: humanizando a eficiência ... | 161 – 4 – Sociologia, Filosofia e Ética 6 Era da informação: as organizações em um mundo em constante mudança ........................................... | 169 7 Organizações com base em ideias ou cultura e ideologia .................................................................................... | 181 Referências .................................................................................. | 193 Apresentação Ao ler esta obra Sociologia, Filosofia e Ética percebe-se que vai além de um simples livro voltado aos alunos de cursos de gradua- ção e de pós-graduação, trata-se de um material riquíssimo, no qual se tem a oportunidade de descobertas em um instrumento de espe- culação sobre a identidade cultural brasileira, as perspectivas filosó- ficas, históricas e sociológicas que interferem no contexto social e educacional brasileiro.Além da relevância da temática, o autor busca levar o leitor a refletir e a dialogar com os diversos temas, os quais – 6 – Sociologia, Filosofia e Ética vão desde a origem do entendimento da atividade filosófica, percepção de mundo, possibilidade de construção do conhecimento, passando por concei- tos e chegando aos paradigmas e as concepções, estabelecendo relações entre os aspectos culturais, os históricos, os religiosos e os políticos da sociedade. Tratando de educação como redentora da sociedade é essencial buscar aperfeiçoar conhecimentos em uma linha reflexiva das ações que levam a questionamentos, envolvendo duas correntes filosóficas: Ceticismo e Dogmatismo. Assim, nessa linha de pensamento a Filosofia é entendida como uma forma de conhecimento, que nos permite refletir sobre a existência humana, buscando assim manter a coerência de suas ponderações, visando que o conhecimento é fonte de poder, a partir dele é possível dominar com mais facilidade o outro, enfim dominar ao seu redor para a transformação da sociedade e do mundo. Este livro também traz reflexões acerca da Filosofia enquanto esforço racional para compreender a realidade, pois acredita-se que, a atividade racional é a capacidade que o ser humano possui de esforço intelectual para ordenar as coisas. Assim, passa-se a entender que a ideologia para Marx, é uma junção de ideias, as quais servem para contradizer a realidade, justificando a visão de mundo, as intuições e as importâncias do grupo social dominante, Marx é considerado representante de paradigmas do conflito por defender ideias de mudanças e de transformações na sociedade. Portanto, para analisar os limites da racionalidade humana, a partir dos conceitos de ideologia e de inconsciente, são precisos exercícios críticos, que vão além de uma simples análise ou de um conceito, e sim um longo caminho a percorrer de estudos aprofundados, para então se chegar a uma conclusão, ou seja, a verdade absoluta. Os pensamentos aqui veiculados abrem amplo leque de sabedoria, pois são considerações que buscam levar o leitor ao entendimento da formação social, indispensável para que se possa envolver sua educação, é preciso focar a diversidade cultural existente, assim como, entender as finalidades que ela persegue, abrangendo as influências da cultura no campo educacional e analisando os diversos espaços da educação e as possibilidades de interação desta com a Filosofia e a Sociologia. Englobando dentro desse contexto duas correntes epistemológicas: Empirismo e Inatismo, avaliando as consequências – 7 – Apresentação dessas para a ação docente, bem como, a concepção tradicional às práticas da atualidade e as características da educação renovada e dos movimentos religiosos em seus aspectos educacionais, compreendendo o caminho pela educação no pensamento socialista. Este é um livro que propõem uma leitura aberta sobre os entendimentos e as concepções filosóficas abrangentes dentro da atual sociedade capitalista que nos deparamos hoje, além de elucidar os diversos conteúdos acima especificados e aguçar a curiosidade sobre outros pontos relevantes para a área da educação, o autor apresenta uma lista de leitura recomendadas para que a reflexão continue além dessa obra. Diante desse cenário, sugere-se a todos que aproveitem este livro com muita curiosidade, ampliem seus saberes acerca da Filosofia da Educação de maneira consciente e crítica. Acredita-se assim que, deste modo, a leitura terá maior proveito. Capítulo 1 Filosofia, Ética e Cidadania Francisco Gilson R. Pôrto Jr. Jair José Maldaner Marcelo Rythowem Filosofia, ética e cidadania são conceitos próximos, comple‑ mentares, interligados e abrangentes. Ao longo da história, vários foram os enfoques que a sociedade deu a esta temática. O berço da Filosofia é a sociedade grega, que abordou os temas da ética e cidadania. O discurso ético‑filosófico grego é um discurso de afir‑ mação da cidadania no sentido mais completo do termo, ou seja, a participação ativa e efetiva nos decisões da cidade, participação nas riquezas coletivas e gozo de direitos definidos coletivamente.No período medieval, esta caracterização de cidadania é abandonada. Prevalecem os valores e crenças religiosas e o interesse por questões espirituais, em detrimento de questões materiais e políticas. 1 Investigando o que é filosofia, ética e cidadania – 12 – Sociologia, Filosofia e Ética Com o advento da modernidade e, depois, com a Revolução Francesa, a cidadania começa a se efetivar mediante declarações e legislações. Atual‑ mente, o desafio maior da sociedade e dos governos é assegurar o efetivo acesso aos direitos, como saúde, educação, moradia, trabalho, lazer, etc., que garantem a cidadania. 1.1 Filosofia Para início de conversa, leia, atentamente, este trecho do livro Alice no país das maravilhas de Lewis Carroll: O Gato apenas sorriu quando viu Alice. Ele parecia bem natural, ela pensou, e tinha garras muito longas e muitos den‑ tes grandes, assim ela sentiu que deveria tratá‑lo com respeito. “Gatinho de Cheshire”, começou, bem timidamente, pois não tinha certeza se ele gostaria de ser chamado assim: entre‑ tanto ele apenas sorriu um pouco mais. “Acho que ele gos‑ tou”, pensou Alice, e continuou. “O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para sair daqui?” “Isso depende muito de para onde você quer ir”, respondeu o Gato. “Não me importo muito para onde...”, retrucou Alice. “Então não importa o caminho que você escolha”, disse o Gato. “... contanto que dê em algum lugar”, Alice completou. “Oh, você pode ter certeza que vai chegar”, disse o Gato, “se você caminhar bastante” (Disponível em: <http://www. alfredo‑braga.pro.br/biblioteca/alice‑3.html>). O termo filosofia vem do grego philos (amigo) e sophos (sabedoria, conhe‑ cimento). O filósofo é, portanto, o amigo do conhecimento. A maioria de vocês já deve ter ouvido falar da filosofia. Talvez alguns pensem que filosofia é algo difícil, “coisa de gente doida”, “ocupação de quem está no mundo da lua”. Isto não lhe lembra a história de Alice frente ao gato no iní‑ cio deste texto? Quem sabe, o filósofo, por se preocupar em – 13 – Investigando o que é filosofia, ética e cidadania pensar os problemas e buscar algumas respostas, ocupe no imaginário da sociedade um espaço reservado para estes pro‑ blemas que parecem sem sentido. Esse tipo de pensamento a respeito da filosofia deve‑se ao fato de vivermos em uma sociedade em que o ato de pensar criticamente perdeu um pouco a sua razão de ser. Na maioria das vezes, quando precisamos resolver algum problema, é comum recorrermos aos especialistas de plan‑ tão. Ou seja: há sempre à nossa disposição alguém que sabe mais do que nós e que pode pensar a solução do problema. Estes dias, ficamos sabendo da existência do personal organizer – que é um especialista em pensar soluções de organização para a bagunça de seus clientes. Vamos, aos pou‑ cos, perdendo o interesse em procurar por nós mesmos a solução para os nossos problemas. Na realidade, filosofamos o tempo todo no cotidiano, no plano dos valo‑ res pessoais, sociais, econômicos, políticos. Filosofar significa também uma forma de conhecimento que procura responder às grandes questões que os seres humanos se colocam: por que existem as coisas e não o nada? Quem sou eu? O que devo fazer? Como devo agir em relação aos outros? Qual o sentido de tudo? A filosofia não é nem melhor, nem pior que as demais formas de conhecimento (religião, arte, ciência, senso comum). O ponto de partida é o pensamento – aqui entendido como coerência lógica de seus argumentos e raciocínios. Dife‑ rentemente da teologia, que parte da fé e dos livros sagrados; da ciência, que utiliza a experimentação; da arte, que utiliza a intuição estética, e do senso comum, que parte do conhecimento vulgar e cotidiano, a filosofia utiliza‑se da razão e busca manter a coerência de suas reflexões. Esses conhecimentos, no entanto, inter‑relacionam‑se. Os pressupostos de uma ciência têm na sua base uma concepção filosófica. O senso comum é ponto de partida para filosofar, para o desenvolvimento das ciências. As religiões são analisadas pelos filósofos e pelas demais ciências sociais, enquanto valores vivenciados pelas pessoas. Por exemplo: um grupo religioso, que, por razões doutriná‑ rias, não pode receber transfusões de sangue, colaborou financeiramente para a invenção do sangue artificial. – 14 – Sociologia, Filosofia e Ética O termo vulgar vem de vulgo, aquilo que diz respeito às pes‑ soas em geral. Porém o termo vulgar assumiu uma conotação moralista, o que lhe confere um sentido de baixaria, coisa feita por gente sem educação. Nesse caso, utilizamos vulgar como aquilo feito pela maioria das pessoas, deixando de lado a ques‑ tão moralista e resgatando o sentido original da palavra. Para muitos, o exercício filosófico é complicado pela diversidade de res‑ postas encontradas para questões sobre as quais não há um consenso. Ao contrário do que essas pessoas pensam, vemos que essa é a riqueza da filosofia, pois há sempre espaço para criar algo novo. Renée Descartes, pai da filosofia moderna e um dos mais importantes filósofos do século XVI, afirma que “[...] na filosofia havia sobre um assunto, tantas opiniões quantas fossem as cabeças a pensá‑lo” (DESCARTES, 1962, p. 46). Nessa linha de raciocínio, vamos analisar diferentes concepções do que seja a filosofia. Em seu livro Convite à Filosofia, Marilena Chauí (1997, p. 16‑17) apresenta quatro conceitos: 2 visão de mundo: de um povo, de uma civilização ou de uma cul‑ tura. É um conceito muito amplo e genérico que não permite, por exemplo, distinguir a filosofia da religião; 2 sabedoria de vida: a filosofia seria uma contemplação do mundo e dos homens para nos conduzir a uma vida justa, sábia e feliz. Esse conceito nos diz somente o que se espera da filosofia (a sabedoria interior), mas não o que é e o que faz a filosofia; 2 esforço racional para conceber o universo como uma totalidade orde‑ nada e dotada de sentido. Este conceito dá à Filosofia a tarefa de explicar e compreender a totalidade das coisas, o que é impossível; 2 fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas. A filosofia se interessa por aquele instante em que a realidade natu‑ ral e histórica tornam‑se estranhas, espantosas, incompreensíveis. Quando o senso comum já não sabe o que pensar e dizer, e as ciên‑ cias ainda não sabem o que pensar e dizer. – 15 – Investigando o que é filosofia, ética e cidadania Segundo Chauí, o último conceito é o mais abrangente, pois concebe a filosofia como análise das condições das ciências, da religião, da moral, como reflexão sobre si mesma e como crítica das ilusões e dos preconceitos indivi‑ duais e coletivos das teorias científicas, políticas. “(...) a Filosofia é a busca do fundamento e do sentido da realidade em suas múltiplas formas” (CHAUI, 2002, p. 16‑17). O termo crítica vem do grego krínein¸ que sig‑ nifica julgamento, apreciação, bom senso. Karl Marx afirma que a filosofia deve não só interpretar o mundo, mas transformá‑lo. Isto é: a filosofia também pode ser compreendida como uma atividade que pode transformar o mundo, por meio da ação de homens e mulheres preocupados em construir o futuro de acordo com seus princípios. Quem pode ser filósofo? No século XX, Antônio Gramsci (1891‑1937), filósofo italiano, afirma que todos os seres humanos podem ser filósofos. Acompanhe, a seguir, como Gramsci defende esta ideia. Deve‑se destruir o preconceito muito difundido de que a filosofia seja algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cien‑ tistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemá‑ ticos. Deve‑se, portanto, demonstrar, preliminarmente, que todos os homens são ‘filósofos’, definindo os limitese as características desta ‘filosofia espontânea’ peculiar a ‘todo o mundo’, isto é, a filosofia que está contida: 1) na própria linguagem, que é o conjunto de noções e de conceitos e não, simplesmente, de palavras gramaticalmente vazias de con‑ teúdo; 2) no senso comum e no bom‑senso; 3) na religião popular e, consequentemente, em todo sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ver e de agir que se mani‑ festam naquilo que se conhece geralmente por ‘folclore’ (GRAMSCI, 1995, p. 11). – 16 – Sociologia, Filosofia e Ética A filosofia da qual fala Gramsci é, muitas vezes, inconsciente, porque não é refletida e está permeada pelo viver cotidiano. Para que esta filosofia espontânea, isto é, vivenciada diariamente, possa contribuir para a cons‑ trução de um sentido e a formação da consciência do sujeito, é necessário um segundo momento: o da crítica. Gramsci indaga esse momento nos seguintes termos: [...] é preferível pensar sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é, ‘participar’ de uma concepção de mundo ‘imposta’ mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos vários grupos sociais nos quais todos estão envolvidos desde sua entrada no mundo consciente (...) ou é preferível elaborar a própria concepção de mundo de uma maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com este trabalho próprio do cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na pro‑ dução da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade? (GRAMSCI, 1995, p. 12). Essa é, como vocês podem perceber, uma das mais esclarecedoras defi‑ nições de filosofia, pois a vê como essencial para a formação da cons ciência das pessoas. 1.2 Investigando o que é ética Leia as manchetes a seguir. Em março deste ano, o caso da americana Terri Schiavo virou motivo de polêmica nos EUA. Em estado vegetativo havia 15 anos, Terri parou de receber alimentação por determinação da Justiça dos EUA, após um pedido do próprio marido. Os pais da americana tentaram, sem sucesso, reverter a decisão com o argumento de que ela ainda poderia se recuperar – ao contrário do que afirmavam os médicos. Terri acabou mor‑ rendo 13 dias depois (Mundo. Zero Hora, Porto Alegre, 6 out. 2005. Caderno Gente). Washington – Estudo do Banco Mundial (Bird) sobre os efei‑ tos da deterioração do meio ambiente, denominado “O meio ambiente importa”, apresentado na quarta‑feira, mostra que a poluição do ar mata 800 mil pessoas anualmente. O docu‑ – 17 – Investigando o que é filosofia, ética e cidadania mento afirma também que cerca de um quinto das doenças dos países em desenvolvimento podem ser atribuídas a pro‑ blemas ambientais, como falta de água potável e poluição do ar, e que os problemas ecológicos atingem, sobretudo, os mais pobres e as crianças (Disponível em: <http://www.estadao. com.br/ciencia/noticias/2005/out/06/9.htm>). Os fatos que você viu anteriormente talvez tenham lhe provocado algum tipo de reação. Situações e manchetes como essas sempre tocam o nosso senso moral. Em nossa consciência, avaliamos se são boas ou más, desejáveis ou indesejáveis, justas ou injustas, certas ou erradas. É muito difícil que fique‑ mos indiferentes a elas. É uma prova de que, a todo o momento, avaliamos o que se passa à nossa volta e procuramos, conscientemente ou não, aquilo que nos parece ser o melhor. O senso moral e a consciência moral referem‑se aos princípios que fun‑ damentam nossas escolhas, sentimentos, emoções e valores. Mesmo sem nos darmos conta desses princípios, eles são a expressão de nossas crenças mais profundas, do mais valioso que possuímos. Podemos afirmar, portanto, que o nosso agir, a maneira como nos relacionamos conosco, com os outros e com o mundo, é o reflexo de nossa existência ética. Isso significa que, mais do que uma série de conteúdos normativos, refletiremos, neste capítulo, sobre a forma como assumimos essa relação com o que nos rodeia. 1.2.1 Ética e moral É muito comum, no dia a dia, utilizar‑se os termos ética e moral como se fossem sinônimos. Pretendemos demonstrar, neste tópico, que são conceitos distintos. Em comum, possuem o fato de regular o agir humano, mas diferem quanto ao modo como se dá esse processo. Práxis: os gregos chamavam práxis à ação de levar a cabo alguma coisa: significa ainda o conjunto de ações que o homem pode realizar e, neste sentido, a práxis se contrapõe à teoria. No marxismo, significa interpendência entre a teoria e a prática, ou seja, uma prática refletida e uma teoria que vise a transformar o mundo. – 18 – Sociologia, Filosofia e Ética Para Heráclito, o ethos designa a morada do homem. O ethos é a casa do homem, onde surgem os atos humanos – o fundamento da práxis. Para Heráclito, a ética está vinculada à índole interior, ao estado de consciência da pessoa. O ethos é o espaço, a partir do qual a Consciência se manifesta no homem. É algo íntimo, presente nele e não assimilado do exterior. Não é algo introjetado, mas aquilo que está presente nele. A ação ética surge de dentro para fora, tendo a Consciência como fonte que impulsiona para o reto agir. Em termos de Educação temos a “escolha da consciência”. Para Aristóteles, o ethos diz respeito ao comportamento que resulta de um constante repetir‑se dos mesmos atos. Hábito. Modo de ser ou caráter que se vai adquirindo ao longo da existência. Ethos‑hábitos‑atos. Para Aristóteles, o ethos não é algo que já esteja no homem e sim aquilo que foi adquirido por meio de hábitos. A ação expressa aquilo que foi assimilado previamente do exterior. Por isso, não é inato. A ação ética surge de fora para dentro. São atos repetidos. Em termos de Educação, temos o ensino – a formação de hábitos. Esse foi o ponto de partida para o uso posterior da palavra moral, os costumes que devem ser introjetados por meio da educação moral. Quando a palavra ethos foi transliterada – escrever com o nosso alfabeto uma palavra – predominou a conceituação utilizada por Aristóteles, ou seja, com o significado de hábito ou costume. Moral: vem do latim mos, moris, que significa maneira de se compor‑ tar, regulada pelo uso. Daí vem costume, com as palavras do latim moralis, morale, relativo aos costumes. Os costumes são diferentes em épocas e locais diferentes. A moral está vinculada ao sistema dominante, aos costumes daquela sociedade, e é relativa; já a ética é universal. Se os hábitos são diferentes em culturas diferentes, os princípios universais, a busca do bem, a preservação da vida, etc., são cons‑ tantes e estão acessíveis, em qualquer lugar onde o homem estiver, pois ali estará sua mente. Por influência de Aristóteles, e devido à transformação do ethos como morada em costumes, a ética, no seu sentido primordial dado por Heráclito, acabou sendo confundida com a moral tradicional. Se no grego havia dois sentidos para o ethos, no latim foi usada só uma palavra – mores – 19 – Investigando o que é filosofia, ética e cidadania (costumes). E, assim, costumes, vinculados aos hábitos, foi o significado que prevaleceu. A ética é a ação em conformidade com a consciência. É uma ação sem‑ pre refletida e fruto da escolha livre e consciente – até para infringir uma norma, se for o caso. Não se trata de uma ação que vise apenas a seguir o senso comum ou o politicamente correto, para não ferir as aparências, a imagem ou aquilo que é externo. A ética é, antes de tudo, expressão da índole pessoal. Não defendemos com isto o relativismo, ou que tudo é lícito por ser fruto da deliberação pessoal, inclusive a violência. Pelo contrário, a ação livre e consciente está sempre de acordo com aqueles princípios universais, especial‑ mente o respeito pela dignidade do outro como absolutamenteoutro em sua dignidade como pessoa humana. Por sua vez, a moral se expressa como um conjunto de normas, regras, leis, hábitos e costumes que definem de antemão o certo e o errado, o permitido e o proibido, o desejado e o indesejado. Por ser um conjunto de regras externas, a nossa consciência deve ser cumprida necessariamente. Como não possui a adesão pessoal, seu não cumprimento resultará em algum tipo de sanção. Enfim, quando se percebe o clamor na sociedade por novos códigos de normas (e de sanções), não se discute a ética, mas apenas mais um código moral. Dessa forma, perde‑se o espaço para a reflexão e tomada de decisões, tendo em vista as consequências de nossos atos, e deixa‑se a cargo de terceiro, com os méritos e deméritos, o papel de guardião da ética, enquanto exime‑se de assumir a condução da própria vida. A ação moral é muito menos exigente porque o esforço em pensar novas possibilidades de ação não chega a ser cogitado. Viver no mundo da ética implica caminho muito mais espinhoso, mas recompensador, tendo em vista que podemos atuar de forma autônoma, construtiva e responsável. 1.2.2 A avaliação ética Conforme afirmamos anteriormente, a ética trabalha com juízos de valor. Os juízos de valor são normativos, porque exprimem algo que é desejável e reprovam o que possa ser prejudicial. Os juízos de valor indi‑ cam, então, o que é o bom, pois visam a alcançar o bem. Porém, nem – 20 – Sociologia, Filosofia e Ética sempre é fácil determinar o que é o bem como fundamento para uma ava‑ liação do que é desejável. A seguir, apresentamos uma interessante abor‑ dagem do problema do bem e do bom, a partir de algumas concepções em quatro períodos históricos, com base nas reflexões de Vázquez (2001, p. 155‑171). 1.2.3 O bom como felicidade – eudemonismo Aristóteles foi o primeiro pensador que sustentou a felicidade como o bem supremo. Para alcançá‑la, seria necessário viver de acordo com a razão e possuir alguns bens. A ética cristã sustenta que a verdadeira felicidade não se consegue aqui na terra, mas no céu como prêmio a uma vida de acordo com os preceitos cristãos. Os filósofos iluministas e materialistas franceses sustentavam o direito de os homens serem felizes neste mundo, porém tratavam o homem de forma abstrata sem levar em conta as condições reais em que vivia. Eudemonismo: etimologicamente, em grego, significa felicidade. Doutrina filosófica que defende a felicidade como bem supremo. 1.2.4 O bom como prazer – hedonismo Epicuro sustentava que cada um deveria procurar o máximo de prazer, não se referia aos prazeres sensíveis e imediatos (comida, bebida, sexo), mas aos prazeres duradouros e superiores como os intelectuais e estéticos. As teses fundamentais do hedonismo são: 1. todo prazer ou gozo é intrinsecamente bom; 2. somente o prazer é intrinsecamente bom; 3. a bondade de um ato ou de uma experiência depende do prazer que contém. – 21 – Investigando o que é filosofia, ética e cidadania Hedonismo: vem do grego, hedoné, pra‑ zer. Doutrina que atribui ao prazer uma predo‑ minância, quer de fato, quer de direito. 1.2.5 O bom como “boa vontade” – formalismo kantiano Kant defendia que o bom deveria ser absoluto, irrestrito ou incondicio‑ nado. Afirma, portanto, que “a boa vontade não é boa pelo que possa fazer ou realizar, não é boa por sua aptidão para alcançar um fim que nos propu‑ séramos; é boa só pelo querer, isto é, boa em si mesma”. Considerada por si só, é, sem comparação, muitíssimo mais valiosa do que tudo que poderíamos obter por meio dela. Iluminismo: corrente filosófica (século XVIII) que defende o uso da razão contra o absolutismo que impede as pessoas de saírem de sua menoridade intelectual. 1.2.6 O bom como útil – utilitarismo O utilitarismo concebe o bom como útil, mas não em um sentido egoís ta ou altruísta, e sim no sentido da felicidade geral para o maior número de pes‑ soas possível. Os principais expoentes desta corrente foram Jeremy Bentham (1784‑1832) e John Stuart Mill. 1.2.7 Responsabilidade ética O sujeito ético, para que alcance o status de responsável por sua ação, deve atender a quatro condições. No esquema a seguir, abordaremos a con‑ cepção de Chauí (2002, p. 337‑338): – 22 – Sociologia, Filosofia e Ética 2 ser consciente de si e dos outros, isto é, ser capaz de reflexão e de reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos iguais a si; 2 ser dotado de vontade, isto é, de capacidade para controlar e orien‑ tar desejos, impulsos, tendências, sentimentos (para que estejam em conformidade com a consciência) e de capacidade para delibe‑ rar e decidir entre várias alternativas possíveis; 2 ser responsável, isto é, reconhecer‑se como autor da ação, avaliar os efeitos e consequências dela sobre si e sobre os outros, assumi‑la, bem como as suas consequências, respondendo por elas; 2 ser livre, isto é, ser capaz de oferecer‑se como causa interna de seus sentimentos, atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos que o forcem e o constranjam a sentir, a querer e a fazer alguma coisa. A liberdade não é tanto o poder para escolher entre vários caminhos possíveis, mas o poder para autodeterminar‑se dando a si mesmo as regras de conduta. 1.3 Cidadania: construindo possibilidades O discurso da cidadania tem ocupado importantes espaços de discussão em nossa sociedade. Tem‑se apresentado a cidadania como a panaceia que resolverá todos os males, principalmente os que envolvem o desvio dos recur‑ sos públicos. A banalização do uso do termo não tem contribuído para a efetivação de políticas públicas e do engajamento da sociedade civil na solução dos graves problemas sociais que enfrentamos na sociedade contemporânea. Mas o que é cidadania afinal? Como ela é vista e vivida? Podemos nos reportar à cidadania como algo automático? Essas são questões que orientarão nosso debate a seguir. Para que se compreenda melhor o sentido de cidadania é importante que se estabeleça um paralelo, buscando o sentido de duas palavras gregas e de seus significados etimológico‑semântico: Civita, de cidade e Polis de política. Para os gregos, cidadão significa aquele que é necessário. As duas palavras têm o mesmo sentido em sua origem e acepção gregas. – 23 – Investigando o que é filosofia, ética e cidadania 2 Cidade: do latim civìtas, átis–cidade, reunião de cidadãos, nação, pátria, foro, direito de cidadão romano; o povo da cidade, de civis, is–cidadão/cidadã; no lat. cl. raramente civitas era us. por urbs, voc. que na baixa latinidade perdeu todo seu espaço para civitas; f. hist. s. XIII cidade, çibdade, s. XIV çiobdade, s. XIV. çiudade, s. XV ciidade, s. XV sidade ( Disponível em: <http://houaiss.uol.co.br/ busca.jhtm?verbete=cidade&cod=48687>). 2 Política: do gr. politikê (sc. tékhné) (ciência) dos negócios do Estado; a administração pública; segundo AGC, pelo lat. tar. politica id.; ver polit‑; f. hist. s. XV política. (Disponível em: <htt‑p:///houaiss.uol.co.br/busca.jhtm?verbete=pol%EDtica&st ype=k>). As duas palavras em acepção moderna devem resgatar o seu significado clássico atribuído pelos gregos e pela filosofia. Dizer que alguém é cidadão é afirmar que ele cuida da cidade, da polis. Ele cuida do espaço público. Nesse sentido só os livres poderiam se dedicar à política. Ele busca o bem comum, a felicidade da vida na polis e na civitas. Todo cidadão é político em sentido filosófico e na Grécia dos séculos VI e IV a. C. 1.3.1 A cidadania entre os gregos Provavelmente, um cidadão grego estranharia o conceito de cidada‑ nia para nós hoje. Podemos identificar a origem do conceito de cidadania na sociedade greco‑romana, no período da Antiguidade Clássica, entre os séculos VI e IV a.C. A cidadania era um título recebido por aquele queparticipava do culto da cidade e, dessa forma, poderia usufruir dos direitos civis e políticos. Cidadão na Grécia antiga é, portanto, todo aquele que segue a religião da cidade e honra seus deuses. Aos estrangeiros, às mulheres, aos escravos, às crianças, era vedada essa possibilidade, tendo em vista a preservação das Para cerimônias sagradas. A religião era, dessa forma, o marco referencial que deli‑ mitava o espaço da cidadania e distinguia, de forma categórica, o cidadão do estrangeiro. Em outras palavras: a cidadania grega era realmente excludente. – 24 – Sociologia, Filosofia e Ética A pólis, definindo um modo de vida urbano que seria a base da civilização ocidental, mostrou‑se ser um elemento funda‑ mental na constituição da cultura grega. Ela possuía uma con‑ figuração espacial. Na Grécia antiga, ser cidadão significava a oportunidade de ser ouvido na assembleia, isto é, representava o direito de exercer cargos públicos e defen‑ der seus próprios interesses no tribunal. A cidadania, em suas origens, é um mecanismo de exclusão. Designava aqueles que podiam gozar de uma série de direitos e aproveitar‑se disso tomando decisões favoráveis aos seus interesses. Apesar dos avanços conseguidos pela cidadania que, de certa forma, eliminaram as diferenças de origem, classe e função e instauraram a isonomia, isto é, a igual participação de todos os cidadãos no exercício do poder, a maioria absoluta da população encontrava‑se alijada deste exercício. Aranha e Martins (2003, p. 65) nos dão uma visão dessa situação de exclusão quando afirmam que o apogeu da democracia ateniense se dá no século V a. C., já no período clássico, quando Péricles era estratego. É bem ver‑ dade que Atenas possuía meio milhão de habitantes dos quais 300 mil escravos e 50 mil metecos (estrangeiros); excluídas mulheres e crianças, restavam apenas 10% considerados cida‑ dãos propriamente ditos, capacitados para decidir por todos. Apesar desse aspecto excludente, a cidadania, como os antigos a constru‑ íram, foi uma grande invenção, pois separou os interesses públicos e privados e mostrou que o poder poderia ser exercido por todos os cidadãos. Essa é a grande contribuição de gregos e romanos para nossa cultura. 1.3.2 Os direitos do homem e do cidadão: a cidadania a partir da Revolução Francesa (século XVIII) Com a expansão territorial e militar romana, a Grécia acabou sendo dominada. O conceito de cidadania, como os gregos o haviam construído, – 25 – Investigando o que é filosofia, ética e cidadania era incompatível com as formas oligárquicas de exercício do poder na socie‑ dade romana. Após a fragmentação do Império Romano do Ocidente e a constituição da sociedade feudal, a questão da cidadania perde sua relevância política e cai no esquecimento. Porém, com a reurbanização e o fortalecimento do poder centralizado nos Estados modernos, os debates em torno da cidadania voltam a ocorrer. A necessidade de justificação racional do poder político em oposição às monarquias hereditárias, claro sinal de privilégio para a nobreza, será realizada pelo Iluminismo. Esse movimento filosófico torna‑se o escopo ideológico para os interesses da burguesia que, apesar de possuir o poder econômico, não participa politicamente do poder e é obrigada a sustentar os privilégios da nobreza pelo pagamento de impostos. O lema “sapere aude” ‑ ouse fazer uso da tua razão ‑ indica que somente aquilo que pode ser racionalmente justificado é válido. A origem do poder não é mais de ordem teológica, mas os seres humanos, por meio de um contrato, baseado em critérios racionais, é que constituirão o poder. Instaura‑se o conflito entre a burguesia e a nobreza. Daí ocorrem as Revoluções Inglesa (1688) e Americana (1776). Revolução Francesa é o nome dado ao conjunto de aconte‑ cimentos ocorridos entre 5 de maio de 1789 e 9 de novembro de 1799 e que alteraram o quadro político e social da França. Historiadores modernos apontam que a Revolução teve três fases: uma fase burguesa, uma segunda fase radical e a ter‑ ceira, contra‑burguesa. A Revolução Francesa, nesse caso, é paradigmática. Por meio da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC), institucionaliza‑se que os seres humanos gozam de direitos frente ao Estado antes de participar de qualquer sociedade. São, dessa forma, direitos naturais do indivíduo singular. A DDHC oferecerá ao cidadão o direito, inalienável, de liberdade frente ao Estado, devendo resistir a qualquer forma de opressão e agressão à sua dignidade por parte deste. – 26 – Sociologia, Filosofia e Ética Inspirados na experiência das declarações inglesa e americana, que reconheciam juridicamente os direitos do cidadão, os revolucionários ins‑ titucionalizam por meio da nova constituição as conquistas alcançadas pela Revolução. Com isso, pretendiam impedir possíveis retrocessos. Porém a burguesia, condutora do processo revolucionário, precisa delimitar quais serão os elementos do Antigo Regime que deverão ser reformados e quais conservados, além de procurar deter os anseios populares, na medida exata para a realização dos próprios interesses ante as demandas de reformas abrangentes prometidas às massas em troca de apoio na Revolução. Por isso, a forma como a cidadania será estabelecida é muito mais formal e abstrata do que os desejos do povo. Assim, a burguesia preserva seus interesses econômicos. A expansão e a universalização da cidadania se darão a partir da legaliza‑ ção dos direitos sociais, fato que se deu entre o fim do século XIX e o início do século XX. É o que veremos a seguir. 1.3.3 Conceituando a cidadania Jaime Pinsky (2003, p. 9) afirma que ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar do destino da sociedade, votar e ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranquila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais. O ordenamento jurídico contemporâneo entende que o direito necessita de reconhecimento, na forma de uma lei escrita, ou seja, positivada. Do ponto de vista legal, só isso bastaria para assegurar os direitos de cidadania. Porém não é essa a opinião de setores amplos da sociedade organizada, uma vez que o Estado deve promover sua organização de forma a garantir, por meio de políticas públicas, que todos tenham acesso aos direitos. Em um regime democrático, como o nosso, é imprescindível que o debate em torno das políticas públicas seja feito de forma transparente, – 27 – Investigando o que é filosofia, ética e cidadania assegurando a todos o direito de colocar publicamente suas demandas. A aplicação de mecanismos de democracia direta, tais como consultas popu‑ lares, audiências públicas, criação de conselhos entre outros, é instrumento necessário para a participação da sociedade civil, uma vez que é cada vez mais consenso na sociedade que a democracia representativa parlamentar possui uma série de lacunas e falhas. O Brasil já vem dando passos significativos quanto a isso. Mas somente por meio de uma boa política educacional, que vise à emancipação do cidadão, é que esses instrumentos terão eficiência e eficácia. A educação de qualidade promove o bem‑estar coletivo e constrói no cidadão as condições, para que possa controlar a execução das políticas públicas, ou seja, o efetivo acesso aos direitos, e exigir a transparência necessária por parte do Estado no uso dos recursos públicos. Conclusão O termo filosofia deriva do grego philos (= amigo) e sophia (= sabedoria). Quem pode ser filósofo?Todos aqueles que cultivam a curiosidade, estão abertos ao novo, não aceitam as coisas passivamente e procuram dar uma resposta pessoal aos problemas que encontram. A admiração/espanto e a angústia são atitudes que provocam o início da reflexão filosófica. Vimos também, neste capítulo, que a ética é uma postura de vida que não pode ser reduzida a uma série de normas. Pudemos perceber também que, ao longo da história, cada cultura e cada povo procuram construir princípios éticos que visam sempre a alcançar o bem. A banalização do uso do termo cidadania não tem contribuído para a efetivação de políticas públicas e de engajamento da sociedade civil na solução dos graves problemas sociais que enfrentamos. Cidadão na Grécia é todo aquele que segue a religião da cidade e honra seus deuses. Aos estrangeiros, às mulheres, aos escravos, às crianças, era vedada essa possibilidade, tendo em vista a preservação das cerimônias sagradas. Com a Revolução Francesa, cria‑se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC), a qual institucionaliza que os seres humanos gozam de direitos frente ao Estado, antes de participar de qualquer sociedade. 2 Pressupostos filosóficos da ética e da cidadania na Antiguidade No século V a.C., conhecido como Século de Péricles, auge da democracia, Atenas tornou‑se o centro da vida cultural e política da Grécia. – 30 – Sociologia, Filosofia e Ética O ideal de educação aristocrática, baseado em Homero e Hesíodo, do guerreiro belo e bom em que a virtude (arete = ser bom naquilo que se faz, excelência) maior era a coragem, é substituído pela educação do cidadão, a formação do bom orador, que é aquele que participa das decisões da pólis, argumentando e persuadindo os outros. 2.1 O movimento Sofista Para educar os jovens desse novo período, surgem os Sofistas (sábios, especialistas do saber). Eles eram cidadãos da Hélade (toda a Grécia), não só de uma cidade‑estado. Os Sofistas elaboraram teoricamente e legitimaram o ideal da nova classe em ascensão, a dos comerciantes enriquecidos. Para os Sofistas, o pensamento dos filósofos até então estava cheio de erros, era contraditório e não tinha utilidade para a vida da pólis (cidade). É inútil procurar as causas primeiras das coisas, a metafísica, sem antes estudar o homem em profundidade e determinar com exatidão o valor e o alcance de sua capacidade de conhecer. O interesse dos Sofistas era essencialmente humanístico. Metafísica: do grego metâ tà physikò = depois dos tratados da física. Assim, a palavra significa literalmente depois da física (Metha = depois, além; Physis = física). É também definida como a parte da filosofia que procura os princípios e as causas pri‑ meiras. A realidade e a lei moral, para os sofistas, ultrapassam a capacidade cognitiva do homem: ele não pode conhecê‑las. Tudo o que o homem conhece é arquitetado por ele mesmo: “O homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras). Não pode haver conhecimento verdadeiro, absoluto, mas somente conhecimento provável. O fim supremo da vida para os sofistas é o prazer. O movimento sofista tinha como pilar de sustentação a opinião e a retó‑ rica, cuja técnica definia o homem público. E foi com essa ideia de formação – 31 – Pressupostos filosóficos da ética e da cidadania na Antiguidade dos jovens na técnica da oratória e da retórica que se basearam os Sofistas, respondendo às necessidades da democracia grega. 2.2 Sócrates Sócrates viveu em Atenas entre 469 e 399 a.C. O Oráculo de Delfos lhe revelou que era o homem mais sábio da Grécia. Sócrates concluiu que era o mais sábio porque tinha consci‑ ência da sua própria ignorância. Sua vocação era ajudar os homens a procurar a verdade. Seu objetivo era incitar os homens a se preocuparem, antes de tudo, com os interesses da própria alma, procurando adquirir sabedoria e virtude. Antes de conhecer as causas primeiras, os princípios metafísicos, é preciso conhecer‑se a si mesmo, saber qual é a essência do homem. O homem é a sua alma. Alma é a razão, o lugar, a sede de nossa atividade pensante e eticamente operante. É preciso educar os homens, para que cuidem mais de sua alma do que do corpo. Dotado de espírito arguto e questionador, a grande preocupação de Sócrates era com a moral, era descobrir o que era justo, verdadeiro e bom. Assim as indagações filosóficas mais urgentes devem ser: O que é bom? O que é certo? O que é justo? Sócrates afirmava que o homem pecava por falta de conhecimento. Se tivesse conhecimento das coisas, não pecaria. Portanto conhecimento era vir‑ tude, sendo a ignorância a maior causa do mal. Para o conhecimento verdadeiro sobre o bem, o mal e a justiça, utilizava na praça pública, junto aos jovens e a todos os que o seguiam, inclusive Platão, o método de pergunta e resposta. Seu método foi posteriormente denominado maiêutica – parturição das ideias. Sócrates extraía, aos poucos, do interlocutor o conhecimento, através da lógica, impregnada de ironia. Sócrates deixa embaraçado e perplexo aquele que está seguro de si mesmo, faz com que o homem veja os seus problemas, desperta‑lhe a curiosidade e – 32 – Sociologia, Filosofia e Ética o estimula a refletir. Não ensina a verdade, mas ajuda cada um a descobri‑la nele mesmo. Para ele, aprender não é coisa fácil, só lenta e progressivamente se chega ao conhecimento da verdade. Fanarete, a mãe de Sócrates, era parteira. Talvez daí venha a influência para o seu método. Seu objetivo, por meio da dialética e da ironia, era desmascarar a falsa sabedoria e chegar a um conhecimento da natureza humana. Podia‑se chegar ao conhecimento verdadeiro com muito trabalho intelectual. A ética socrática baseava‑se no respeito às leis e, portanto, à coletividade. Vislumbrava nas leis um conjunto de preceitos de obediência incontornável, independentemente de elas serem justas ou injustas. Entendia o direito como um instrumento de coesão, em favor do bem comum. É pela submissão às leis que a ética da cidade se organiza, já que a ética do coletivo está sempre acima da ética do individual. Os poderosos da época viram‑se ameaçados pela atitude filosófica de Sócrates: ele provocava o pensamento crítico e os jovens poderiam começar a questionar as suas ações. Sócrates tornou‑se uma figura muito polêmica, amada e odiada por muitos. Foi preso sob acusação de corrupção da juventude e de não acreditar nos deuses da cidade. Seu julgamento ficou célebre e foi condenado com duas opções de pena: ou exilar‑se ou morrer (ingerindo um veneno – a cicuta). Coerente com sua postura e sua filosofia de que “mais vale um homem infeliz no sentido de estar permanentemente inquieto com a busca da verdade, do que viver como um porco satisfeito”, Sócrates escolhe beber cicuta, ficando para a posteridade seu amor à verdade, ao desapego aos bens materiais, à postura ética frente a si próprio e a sua sociedade. Aceitou a morte como prova de que ele defendia o valor da lei como elemento de ordem do todo. Magee (2001, p. 23), ao falar sobre a postura de Sócrates, afirma que: nenhum outro filósofo teve mais influência do que Sócrates, tendo sido o primeiro a ensinar a prioridade da integridade pessoal em termos do dever da pessoa para consigo mesma, e – 33 – Pressupostos filosóficos da ética e da cidadania na Antiguidade não para com os deuses, a lei ou quaisquer outras autorida‑ des. Além disso, buscou, mais do que ninguém, o princípio de que tudo deve estar aberto ao questionamento – não pode haver respostas taxativas e inflexíveis, porque elas próprias, como tudo o mais, estão abertas ao questionamento. Desde então, o método de pergunta e resposta, instigando o aluno a pensar, para buscar a verdade, constitui, por excelência, o método pedagógico utilizado amplamente no processo de ensino‑aprendizagem.2.3 Platão Seu nome era Aristócles, mas pelo vigor físico e extensão de sua testa recebe o apelido de Platão, platôs em grego significa amplitude, largueza, extensão. Platão foi discípulo de Sócrates por cerca de dez anos. Filho de família nobre, entrou na escola de Sócrates para se preparar para a política. Ficou, porém, decepcionado com as injustiças praticadas pelo governo e pela condenação de Sócrates à morte, abandonando sua aspiração à política. Com a condenação de Sócrates, Platão deixa Atenas e vai a Megara, temendo perseguições do governo de Atenas. Em 387 a.C., volta a Atenas e funda a Academia. A Academia é, por muitos, considerada a primeira universidade. Durante séculos, a Academia foi o centro de atração para todos os estu‑ diosos. Platão morre em 347a.C. Diferentemente de seu mestre Sócrates, que nada escreveu, Platão escreveu cerca de duas dezenas de diálogos, verdadeiras peças literárias. Por meio desses diálogos, expõe, na primeira etapa, as ideias de Sócrates e, na segunda, suas próprias ideias. Fundou sua escola com o nome de Academia, cujos estudos básicos eram aritmética, geometria, astronomia e as harmonias do som, cujo objetivo era preparar os jovens para se iniciarem nas indagações filosóficas. – 34 – Sociologia, Filosofia e Ética De sua obra, dois diálogos são considerados pelos historiadores os mais famosos: A República, que se ocupa, sobretudo, da natureza da justiça (e, portanto, da ética), no qual traça o plano do Estado ideal, e O Banquete, uma investigação sobre a natureza do amor. Platão acompanhou e vivenciou o drama da acusação de Sócrates e registrou o acontecimento nos diálogos: o Crítias, a Apologia e o Fédon. A Apologia narra o discurso feito por Sócrates em sua própria defesa em seu julgamento e é a justificativa de sua vida. Para você compreender melhor a concepção de Platão sobre ética, vamos explicar, resumidamente, algumas ideias desse filósofo sobre como conhecemos a realidade e sobre o que é a realidade. Segundo ele, existem dois tipos de realidade: o mundo em que vivemos, do qual temos apenas um conhecimento sensível, aparente, e um mundo ideal, que são as essências com existência própria. A República é um diálogo escrito no século IV a.C. por Platão. Nesse diálogo, são questionados os assuntos da organização social. Nesta obra, Platão nos apresenta a alegoria da caverna (Mito da Caverna). Nela, são apresentadas questões importan‑ tes sobre o viver, a ação e a ética. Visite o site <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mito_da_caverna> e aprofunde as questões que surgirem após a reflexão. Tente aproximar isso de sua prática profissional. A doutrina das ideias é a intuição fundamental de Platão da qual derivam todos os outros conhecimentos. Platão demonstra a existência do mundo das ideias da seguinte forma: a) reminiscência: não tiramos as ideias universais da experiência, mas sim da recordação de uma intuição do que se deu em outra vida; b) o verdadeiro conhecimento: a ciência só é possível quando são tra‑ balhados conceitos universais. Para isso, deve existir o mundo inte‑ ligível, universal; – 35 – Pressupostos filosóficos da ética e da cidadania na Antiguidade c) contingência: ideia necessária e estática para que se explique o nas‑ cer e o perecer das coisas. As ideias, segundo Platão, são incorpóreas, imateriais, não sensíveis, incorruptíveis, eternas, divinas, imutáveis, auto‑suficientes, transcendentes. 2.3.1 A ética das virtudes A compreensão da teoria ética platônica passa também pela forma como o filósofo concebe a alma e suas principais atribuições. Para o discípulo de Sócrates, a alma – princípio que anima ou move o homem – se divide em três partes: razão, vontade (ou ânimo) e apetite (ou desejos). As virtudes são função desta alma, as quais são determinadas pela natureza da alma e pela divisão de suas partes. Na verdade, ele estava propondo uma ética das virtudes, que seriam função da alma. Pela razão, faculdade superior e característica do homem, a alma se elevaria, mediante a contemplação, ao mundo das ideias. Seu fim último é purificar ou libertar‑se da matéria, para contemplar o que realmente é e, acima de tudo, a ideia do Bem. A ética platônica ensina a desprezar os prazeres, as riquezas, as honras, a renunciar aos bens do corpo e às coisas deste mundo e a praticar a Virtude. A vida aqui na terra é passageira, é uma prova. A verdadeira vida está no além ou Hades (o invisível). No Hades, a alma é julgada, podendo receber prêmios, castigo eterno ou castigo temporário. Para Platão, em conformidade com seu mestre Sócrates, a virtude consiste no conhecimento, e o mal, na ignorância. A virtude é uma só: a conquista da verdade. O ensinamento moral de Platão entra em choque com os valores tradicionais baseados nos poetas Homero e Hesíodo e codificados na religião pública. Os valores de beleza do corpo e de saúde física são desprezados por Platão. O verdadeiro e autêntico fim da vida moral é a alma. E como cuidar dela? Procurando purificá‑la, libertá‑la dos laços que a prendem ao corpo e ao mundo material, habituando‑a a viver só consigo mesma e só para si mesma. A alma deve elevar‑se ao supremo conhecimento do inteligível, ou seja, à contemplação das ideias. – 36 – Sociologia, Filosofia e Ética Platão, pode‑se dizer, criou uma “pedagogia” para o desenvolvimento das virtudes. Na escola, as crianças, primeiramente, têm de aprender a con‑ trolar seus desejos, desenvolvendo a temperança, depois incrementar a cora‑ gem para, por fim, atingir a sabedoria. A ética de Platão tem relações com sua filosofia política, pois é na pólis (cidade‑estado) que acontece a vida moral. O Estado ideal, segundo Platão, correspondia ao ser humano: como o corpo possui cabeça, peito e baixo‑ventre, também o Estado deveria possuir, respectivamente, governantes, guerreiros e trabalhadores, com as respectivas caracte rísticas que você vê a seguir. 2 Trabalhadores (lavradores, comerciantes e artesãos): neles prevalece o aspecto concupiscível da alma, o mais elementar. Sua virtude principal é a temperança que consiste na ordem, no domínio e na disciplina dos prazeres e desejos. Pressupõe‑se, também, desta classe, a submissão às ordens das classes superiores. 2 Guerreiros: nestes prevalece a força volitiva da alma. Suas caracte‑ rísticas devem ser, ao mesmo tempo, a mansidão e a ferocidade. A virtude dos guerreiros deve ser a fortaleza ou coragem. Esta classe é responsável pela vigilância, deve cuidar dos perigos externos e internos da Cidade. Deve‑se observar, também, que as tarefas sejam confiadas aos cidadãos conforme a índole de cada um. 2 Governantes: estes deverão amar a cidade como ninguém. Têm de cumprir com zelo sua missão e, acima de tudo, que devem conhe‑ cer e contemplar o Bem e a Justiça. Nos governantes, domina a alma racional, e sua virtude principal é a sabedoria. A justiça nada mais é do que a harmonia que se estabelece entre essas três virtudes: a sabedoria, a coragem e a temperança. O conceito de justiça em Platão é, segundo a natureza, cada um fazer aquilo que lhe compe‑ te fazer. O regime ideal para Platão é o do filósofo‑rei, pois o filósofo governa pela sabedoria e sabe discernir melhor do que ninguém o que é justo ou injusto para a pólis. Bom governo é o que realiza o bem do homem (da alma). Estado ideal é o que quer viver no bem, na justiça e na verdade. – 37 – Pressupostos filosóficos da ética e da cidadania na Antiguidade Logo o sábio e o cidadão pertencem aos segmentos superiores, são privilegiados que atingiram o conhecimento e a sabedoria pela razão. Na visão de Platão, os trabalhadores no Estado ocupam o lugar mais baixo em sua hierarquia. A filosofia platônica exerceu grande influência no pensamento religioso cristão e moral doOcidente. 2.4 Aristóteles Aristóteles (384‑322 a. C.) nasceu em Estagira, na Trácia, em 384 a.C., na fronteira com a Macedônia. Seu pai era médico e serviu a Corte da Macedônia. Aos 17 anos, vai a Atenas e entra na Academia de Platão, na qual permanece por 20 anos, até a morte de Platão. Com a morte de Platão (347 a.C.) volta à Macedônia e torna‑se preceptor de Alexandre Magno. Em 336 a.C., volta novamente a Atenas. Em Atenas abriu uma escola chamada Peripatética, pois dava suas lições em um corredor do Liceu (Perípatos). O interesse da Escola de Aristóteles está nas ciências naturais. Platão escreveu suas obras em forma de diálogo; Aristóteles, porém, preferiu o Tratado, pois permitia mais clareza, ordem e objetividade. A atividade filosófica, segundo Aristóteles, nasce da admiração. Os homens foram levados a filosofar, sendo primeiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias e foram progredindo pouco a pouco até resolverem problemas maiores. O filosofar deve estar destituído de conotação utilitária e interesseira. A Filosofia é a ciência das causas primeiras, é de todas as ciências a única que é livre, pois só ela existe por si. As outras ciências podem até ser mais necessárias que a filosofia, mas nenhuma se lhe assemelha em excelência. Aristóteles rejeitou a teoria das ideias de seu mestre Platão, privilegiando o mundo concreto. A observação da realidade, segundo Aristóteles, leva‑nos à – 38 – Sociologia, Filosofia e Ética constatação da existência de inúmeros seres individuais concretos e mutáveis que são captados por nossos sentidos. Partindo da realidade sensorial‑empírica, a ciência deve buscar as estru‑ turas essenciais de cada ser. É a partir da existência do ser que devemos atingir a sua essência em um processo de conhecimento que caminha do individual ao universal. Para isso, ele elege a experiência como fonte de conhecimento, mos‑ trando que as formas são a essência das coisas, que não há separação entre os objetos e as formas: essas são imanentes àqueles. As ideias não existem fora das coisas: dependem da existência individual dos objetos. Então, comparando as interpretações de Platão e Aristóteles sobre como podemos conhecer a realidade, constatamos que elas são radicalmente diferentes. Magee (2001), Platão e Aristóteles trabalham com dois arquétipos e modelos que, aparentemente, são conflitantes ao longo da história da filosofia. Platão atribuí um valor secundário ao modo como percebemos o mundo através de nossos sentidos. Para ele, os sentidos não podem ser objeto de confiança. Eles nos enganam. E é nesse sentido que Platão cria a metáfora do mundo das ideias. O mundo das ideias é o que está por trás do que está mostrado aos sentidos. Já para Aristóteles, todo o conhecimento é conhecido por meio dos sentidos. Nada chega à razão sem antes passar pelos sentidos. E é nesse sentido que o mundo, para Aristóteles, não está dividido, como para Platão, em duas realidades, mas tudo é percebido através da razão e dos sentidos. Para efeitos de nossos objetivos, destacamos para você o eixo central do pensamento de Aristóteles sobre Ética e Política. 2.4.1 O que é a ética para Aristóteles? O Homem é um ser racional, e sua felicidade consiste na atuação da razão, não em riquezas e honrarias. Felicidade é a plena realização das pró‑ prias capacidades. A atuação da razão está na contemplação. Mas os sentidos devem ser satisfeitos. É preciso haver harmonia entre razão e sentidos, prazer e razão. Se tivermos auto‑indulgência e autoconfiança desenfreadas, estare‑ mos em perpétuo conflito com os outros. Então tais atitudes são prejudiciais – 39 – Pressupostos filosóficos da ética e da cidadania na Antiguidade ao nosso caráter. Em contrapartida, a inibição também. O meio para conse‑ guir a felicidade é a virtude. Virtude é o hábito de escolher o justo meio. “A virtude está no meio”. Virtude é o ponto intermediário entre dois extremos, sendo esses extremos considerados vícios. Aristóteles não identifica virtude com saber (como Platão), mas dá importância à escolha, que depende mais da vontade que da razão. O homem encontra as virtudes éticas já prontas. São transmitidas pela ordem estabelecida na sociedade e no Estado (pólis). Tais virtudes têm vali‑ dade e consentimento universal (por exemplo, prudência, generosidade). A atitude ética não nasce inicialmente dos julgamentos, mas é adquirida graças à prática: pelo exercício, pelo hábito, pela aprendizagem. 2.4.2 E a política, como Aristóteles a define? Para Aristóteles, o Homem é por natureza um animal político. A origem do Estado se dá de maneira instintiva, natural. Segundo ele, quem vive fora do Estado ou não precisa dele ou é Deus ou é um animal. O Estado deve tornar possível a vida feliz. Só o Estado torna possível a completa realização de todas as capacidades humanas. A finalidade do Estado é o Bem Comum. O que irá tornar possível a relação entre o homem e a política é a Justiça. Para a realização da justiça, é preciso que haja vontade: o sujeito irá praticar determinado ato não porque foi condicionado a isso, mas sim porque ele próprio optou por isso. Aristóteles desenvolveu um conceito de justiça distributiva a qual se refere a todo tipo de distribuição feita pelo Estado, seja de dinheiro, honras, cargos, etc. Refere‑se às repartições nas quais se consideram aspectos subjetivos, méritos, qualificações, desigualdades, etc. A justiça distributiva confere a cada um o que lhe é devido, dentro de uma razão de proporcionalidade participativa, pela sociedade, evitando os extremos tanto do excesso como da falta. O conceito de justiça distributiva implica outro conceito desenvolvido por Aristóteles, a equidade. Na realização de uma lei ou da justiça, pode ocorrer o injusto, daí nasce o conceito da equidade. A equidade indica um direito que, embora não formulado pelos legisladores, acha‑se difundido na – 40 – Sociologia, Filosofia e Ética consciência das pessoas. Uma lei, quando feita, tem sua aplicação genera‑ lizada. O fato é que a lei é para todos, mas nem todos os casos devem ser punidos com o máximo de justiça. A equidade nasce do fato de que se deve tratar de maneira desigual os desiguais. Em uma sociedade escravocrata, a desigualdade torna‑se algo comum. A equidade representa a excelência do homem altruísta que, ao ter de recorrer ao império coativo da lei, prefere valer‑se de técnicas de civilidade e virtuosismo, que seguem os princípios da moral que permeou a escola socrática. 2.5 Helenismo Atualmente, percebe‑se certa apatia das pessoas, em relação às questões sociais e políticas. Para a maioria, o que importa é cada um se preocupar consigo mesmo e não se envolver nas questões coletivas. Vejamos o que esse cenário tem a ver com o assunto em pauta. No século IV a.C., Atenas perde sua hegemonia e independência para os macedônios. Podemos datar esse período entre a morte de Aristóteles em 322 a.C. e o começo da Era Cristã. Nesse longo período, a cultura e a língua gre‑ gas desempenharam papel preponderante nos três grandes reinos helênicos, a Macedônia, a Síria e o Egito. Saiba mais Para melhor ilustrar este período sugerimos que você assista ao filme Alexandre. Após a decadência política e econômica da Grécia Antiga, com a invasão por Alexandre Magno da Macedônia, a cultura construída pelos gregos per‑ manece e se expande, por meio das conquistas de Alexandre, constituindo o fenômeno hoje conhecido por helenismo. Seu Império se estendia por quase todo o mundo conhecido pelos gre‑ gos antigos, da Itália à Índia, incluindo boa parte do que hoje é chamado de, Oriente Médio, junto com vastas áreas do Norte da África. As cidades‑Estado gregas perderam sua independência e foram absorvidas pelo império de Ale‑ xandre, perdendo seu predomínio cultural. – 41– Pressupostos filosóficos da ética e da cidadania na Antiguidade Esse imperador, aonde chegava, fundava novas cidades e incentivava o casamento dos gregos com mulheres locais, tornando essas populações cosmopolitas. Mas seu ethos e sua língua permaneceram gregos em toda parte. Formam‑se, então, populações multirraciais e multilíngues. Caíram, dessa forma, preconceitos racistas contra bárbaros e escravos, pois Alexandre instruiu milhares de jovens bárbaros na arte da guerra. Tentou equiparar os bárbaros e escravos com os gregos. A cultura helênica (grega) tornou‑se helenística na difusão entre os vários povos e raças. A Hélade teve de assimilar alguns elementos desses povos. Dos romanos, por exemplo, assimilou a praticidade. A cidade mais importante desse império foi Alexandria, fundada por Alexandre no norte da África. Capital cultural, durou cerca de trezentos anos, desde a queda das cidades gregas, no século IV a.C., até o surgimento do Império romano, no século I a.C. O declínio da pólis não corresponde ao nascimento de organismos políticos fortes, capazes de ser referência moral e acender novos ideais. As monarquias helenísticas, nascidas após a dissolução do império de Alexandre (323 a.C.), foram organismos instáveis. De cidadão, o homem grego torna‑se súdito. Das “virtudes civis”, passa‑se a determinados conhecimentos técnicos que não podem ser domínio de todos, porque requerem estudos e disposições especiais. O administrador da coisa pública torna‑se funcionário, soldado, mercenário. Há um desinteresse para com as coisas do Estado, da Política. O helenismo é pouco propício à profundeza e originalidade. Os três grandes filósofos de Atenas, Sócrates, Platão e Aristóteles, transformaram‑se em fonte de inspiração para diferentes correntes filosóficas, sobressaindo a preocupação com a Ética. Após a perda da independência da pólis, o cida‑ dão grego se sente inseguro e perdido. A via da salvação é refugiar‑se em si mesmo, em sua solidão interior. As grandes perguntas do período são: o que é felicidade? Qual é o bem supremo? O mundo helenístico forma indivíduos. Quebra‑se o laço entre ética e política, homem e cidadão. Em 146 a.C., a Grécia perde totalmente a liberdade tornando‑se uma província romana. Para resolver os problemas do homem cosmopolita da época, relativos à ética e à verdade, surgem alguns movimentos filosóficos, dos quais destacare‑ mos o estoicismo e o epicurismo. – 42 – Sociologia, Filosofia e Ética 2.5.1 Epicurismo O epicurismo foi a doutrina de maior influência no mundo romano. Deve seu nome ao pensador grego Epicuro de Samos (347‑270 a.C.) que foi seu iniciador. Epicuro não difundiu suas ideias sozinho, deixou discípulos que as disseminaram, quais sejam Menequeu, Heródoto, Pitocles, Metro‑ doro, Hermano e Colotes. Foi reconhecendo a importância dos sentidos e de seu papel para o homem que o epicurismo delineou seus princípios éticos, tendo como base fundamental a dor evitada e o prazer almejado. O prazer defendido pelo o epicurismo é a ausência de dor. Epicuro afirmava que, quando dizemos que o prazer é a meta, não nos referimos aos prazeres terrenos dos depravados e dos bêbados, como imaginam os que desconhecem nosso pensamento ou nos combatem ou nos compreendem mal, e sim à ausência de dor psíquica e à ataraxia da alma. Ataraxia: os estoicos identificam a ataraxia com a apatia, isto é, a serenidade intelectual, o domínio de si, o estado da alma que se tornou estranha às desordens das paixões e insensível à dor, rejeitando a procura da felicidade. Já que as “coisas” não podem ser de outro modo, o mais sensato é acomo darmo‑nos. A ética social epicurista, uma vez compreendida, leva à conclusão de que a consciência de dor e de prazer induz o homem a se furtar da dor, e, portanto, a evitar produzi‑la injustamente em outrem. Provoca, com isso, o surgimento da ética social do prazer. Assim, o homem que sofre torna‑se sensível ao sofrimento do outro. Aqui, está a chave da sociabilidade ética do epicurismo, e também a chave para a compreensão dos preceitos de justiça. A justiça consiste em conservar‑se longe da possibilidade de causar dano a outrem e de sofrê‑lo; consiste naqueles lugares em que se concluiu um pacto para não causar e não sofrer danos. Para o epicurismo, a sensação é a origem de tudo, uma vez que a busca do prazer e a repulsão à dor, a si e, por consequência, a outrem, fazem com – 43 – Pressupostos filosóficos da ética e da cidadania na Antiguidade que as relações humanas sejam firmadas em pactos, a fim de gozar de um bem‑estar social. Com o advento do cristianismo, os epicuristas foram vistos como sinô‑ nimo de perdição, pois negavam a imortalidade e a existência de um deus benévolo e afirmavam ser fundamental viver os valores deste mundo. A filosofia epicurista é considerada muito semelhante ao humanismo científico e liberal do século XX. Essa filosofia foi a primeira versão raciona‑ lizada de uma postura de vida que tem sido muito abraçada em nossa época. 2.5.2 Estoicismo O estoicismo é uma filosofia que preconiza que o homem deve enfrentar o seu destino com coragem e dignidade e suportar a dor. Os estóicos conside‑ ravam que o bem supremo era uma vida virtuosa. Foi fundado no século IV a.C., teve influências em toda a filosofia antiga e medieval‑cristã. A palavra estoicismo vem de Stoa, que significa pórtico (entrada do templo ou edifício nobre). Os estóicos ensinavam sob os pórticos de Atenas. Expoentes: Zenão – fundador da Escola, Crisipo, Epicleto, Sêneca e Marco Aurélio. Surgiu na Grécia, mas foi em Roma que exerceu grande influência, facili‑ tada pela austera psicologia do cidadão romano que constituíra o império. Foi a filosofia que influenciou com mais força o Cristianismo e tornou‑se indis‑ pensável para a preservação do direito greco‑romano. Ao expandir suas fron‑ teiras, formando um vasto império, Roma desenvolveu conhecimentos práti‑ cos, tais como construir estradas duradouras para trânsito de seus soldados e das mercadorias. Absorve a ética estóica, enquanto necessitava de guerreiros fortes, valentes e destemidos, que soubessem controlar as paixões e a dor. O estoicismo busca explicar o mundo, os fenômenos naturais e estabe‑ lecer uma ética para o homem, desenvolvendo dois valores: a igualdade e a liberdade. O ser humano só é livre quando a vontade é autônoma, e isso era possível na Grécia, onde os cidadãos tinham autonomia para criar suas nor‑ mas jurídicas. Com o surgimento do Império, os indivíduos perderam sua função, e isso fez com que surgisse uma nova concepção do homem. – 44 – Sociologia, Filosofia e Ética A filosofia estóica afirma que, uma vez que a morte e a adversidade estão fora de nosso controle e acontecem com todo mundo, devemos enfrentá‑las com nobre resignação. Portanto, para os estóicos, só devemos nos preocupar com aquilo que depender de nós, que estiver ao nosso alcance, e devemos aceitar com imperturbabilidade o que foge de nossa alçada. As pessoas não devem se rebelar contra essa fatalidade, que não é, na visão dessa filosofia, uma tragédia. A rebelião contra isso demonstra que nossas emoções estão erradas. Os estoicistas alertavam para a postura de que, se todas as nossas emo‑ ções forem submetidas a nossa razão, só serão admitidos juízos verdadeiros, e assim nos poremos de acordo com as coisas como realmente são. A ética estóica é uma ética da ataraxia, voltada não só para a finalidade da conduta humana, mas para a ação, pois é nela que reside a capacidade de conferir felicidade ao homem. A ética estóica determina os cumprimentos éticos pelo simples dever, ou seja, a ética deve ser cumprida, porque trata de mandamentos certos e incontornáveis da ação, mandamentos esses decorrentes de lei natural. É a intuição das normas naturais que confere ao homem acapacidade de discernir o que é favorável e o que é desfavorável ao seu bom agir. Isso vem bem espelhado nas obras de Cícero, quando explica que não se deve agir pelo temor social da punição. A vontade de praticar justiça deve ser o móvel da ação. A ética estóica teve influência indiscutível sobre a ética cristã. Os termos estóico e estoicismo, no uso familiar de nossa língua, significam enfrentar a adversidade sem se queixar. Conclusão O movimento sofista trouxe para o centro da reflexão filosófica a discus‑ são das questões humanistas. O objetivo de Sócrates era incitar os homens a se preocupar, antes de tudo, com os interesses da própria alma, procurando adquirir sabedoria e virtude. Sócrates, por meio da dialética e da ironia, pro‑ curava desmascarar a falsa sabedoria e chegar a um conhecimento da natu‑ reza humana. Para Platão, existem dois tipos de realidade: o mundo em que vivemos, do qual temos apenas um conhecimento sensível e aparente; e, por outro lado, um mundo ideal, que são as essências, com existência própria, fora deste mundo, que só atingimos por meio do conhecimento racional, – 45 – Pressupostos filosóficos da ética e da cidadania na Antiguidade após uma purificação do conhecimento sensório. Aristóteles rejeitou a teoria das ideias de seu mestre Platão, privilegiando o mundo concreto. A observa‑ ção da realidade, segundo Aristóteles, leva‑nos à constatação da existência de inúmeros seres individuais concretos e mutáveis que são captados por nossos sentidos. Partindo da realidade sensorial‑empírica, a ciência deve buscar as estruturas essenciais de cada ser. Para Aristóteles, o homem encontra as virtu‑ des éticas já prontas. São transmitidas pela ordem estabelecida na sociedade e no Estado (pólis). Tais virtudes têm validade e consentimento universal (por exemplo, prudência, generosidade). A atitude ética não nasce inicialmente dos julgamentos, mas é adquirida graças à prática: pelo exercício, pelo hábito e pela aprendizagem. Após a decadência política e econômica da Grécia Antiga, com a inva‑ são por Alexandre Magno da Macedônia, a cultura construída pelos gregos permanece e se expande por meio das conquistas de Alexandre, constituindo o fenômeno hoje conhecido como helenismo. O declínio da pólis não corres‑ ponde ao nascimento de organismos políticos fortes, capazes de ser referência moral e acender novos ideais. Para o epicurismo, a sensação é a origem de tudo, uma vez que a busca do prazer e a repulsão à dor, a si e, por consequ‑ ência, a outrem faz com que as relações humanas sejam firmadas em pactos, a fim de gozar de um bem‑estar social. O maior destaque da filosofia estóica é a capacidade de suportar as vicissitudes da vida com calma e dignidade. 3 Pressupostos filosóficos da ética e da cidadania na Idade Média O Cristianismo surge a partir do movimento iniciado por Jesus Cristo e, logo após sua morte, começa a propagar‑se, por meio de seus seguidores, introduzindo no mundo romano, junto às camadas mais desfavorecidas, novas crenças e valores que começam a sacudir os deuses do império romano que, então, serviam como uma das ideologias para sustentar a organização social do imenso império conquistado. – 48 – Sociologia, Filosofia e Ética Durante os mil anos entre a queda do Império Romano (séc. V d.C.) e o Renascimento (séc. XV), a Europa absorve a religião professada pela Igreja Católica. A partir do séc. III d.C., o pensamento religioso toma um lugar funda‑ mental na filosofia ocidental. No período medieval, três religiões vão influen‑ ciar o pensamento europeu: Cristianismo, Judaísmo e Islamismo. 3.1 Contextualizando a Idade Média A Idade Média é o longo período que vai de 476 (queda do Império Romano do Ocidente) até 1453 (queda do Império Romano do Oriente, tomada de Constantinopla pelos Turcos–Otomanos). O antigo império romano foi se dividindo pouco a pouco em três espaços culturais diferentes. A cultura cristã de língua latina formou‑se na Europa, cuja capital era Roma. Já na Europa oriental surgiu um núcleo cultural cristão de língua grega, cuja capital era Bizâncio. O norte da África e o Oriente Médio tinham pertencido ao Império Romano. Nes‑ sas regiões desenvolveu‑se, na Idade Média, uma cultura muçulmana de língua árabe. Em consequência, a filosofia grega tomou três rumos diferentes. A cul‑ tura católico‑romana no ocidente, a cultura romano‑oriental e a cultura árabe. No período medieval, os únicos letrados que tinham acesso ao conhecimento eram os monges. Então a temática da época estava relacionada à tentativa de conciliar a fé com a razão. O Método da disputa era típico da filosofia medieval e consistia na expo‑ sição de ideias filosóficas em que a tese era apresentada e devia ser refutada ou defendida por argumentos tirados da Bíblia, de Aristóteles, Platão ou dos padres da Igreja. Esse método era conhecido também como Princípio da Autoridade. Observe o que dizem Aranha e Martins na citação a seguir: o desejo de unidade de poder, de restauração da antiga ordem perdida se expressa na difusão do cristianismo que representa, na Idade Média, o ideal de Estado Uni‑ versal. Desde o final do Império Romano, quando o cristianismo obteve liberdade de culto do Império no ano 313, estabelece‑se a ligação entre Estado e Igreja. A – 49 – Pressupostos filosóficos da ética e da cidadania na Idade Média igreja legitima o poder do Estado, atribuindo‑lhe uma origem divina (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 199). O período medieval tinha a concepção de que o homem teria a natu‑ reza sujeita ao pecado e ao descontrole das paixões, o que exige vigilância constante, cabendo ao Estado intimidar os homens para que agissem corre‑ tamente. Há, dessa forma, uma estreita ligação entre política e moral, com a exigência de se formar o governante justo, que consiga obrigar, muitas vezes pelo medo, à obediência aos princípios da moral cristã. O Estado medieval tem em suas mãos o poder temporal, voltado para as necessidades mundanas. A Igreja possui o poder espiritual, voltado para os interesses da salvação da alma, o objetivo e horizonte ético central do homem medieval, e deve enca‑ minhar o rebanho para a verdadeira religião, por meio da força da educação e da persuasão. A fé popular nem sempre se manifestava nos termos pretendidos pela doutrina católica. Havia uma série de crenças e ações, denominadas here‑ sias, que se chocavam com os dogmas da Igreja. O papa Gregório IX criou, em 1231, os tribunais da inquisição, que tinham como objetivo combater as heresias. Os tribunais da inquisição atuaram em vários reinos cristãos: Itália, França, Alemanha, Portugal e, sobretudo, Espanha. Pressionada pelas monar‑ quias católicas, a inquisição atuou no combate aos movimentos contrários à ordem social dominante, desempenhando também papel de repressão social e política. A formação da sociedade feudal‑medieval se dá, efetivamente, com a instalação de um modo de produção: o feudalismo. A insegurança provocada pelas invasões dos séculos IX e X obrigou as populações a se proteger. Muitas pessoas migraram da cidade para o campo. Construíram‑se vilas fortificadas e castelos cercados por muralhas. Cada um se defendia como podia. Os mais fracos procuravam ajuda de nobres poderosos. Já os camponeses, que busca‑ vam a proteção dos senhores de terra, foram submetidos à servidão. Um fator histórico relevante é que, com a decadência da escravidão, a desestruturação do Império Romano e as invasões dos povos “bárbaros”, há uma transformação nas relações de trabalho e na sociedade em geral que resultou na estruturação da sociedade feudal. – 50 – Sociologia, Filosofia e Ética O sistema feudal tem como características principais: 2 a terra era o principal meio de produção e pertencia aos senhores feudais; 2 a sociedade era rigidamente
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