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Claucio Ciarlini ÍNDICE 1. Entre a casa, a escola e os fogos de artifício.....................10 Entrevista realizada em abril de 2008. Publicado em O Piaguí 8, edição de junho de 2008 2. Um exemplo de vida: A trajetória de Neguinho Hot Dog!... .........................................................................................14 Entrevista realizada em dezembro de 2007. Publicado em O Piaguí 4, edição de fevereiro de 2008 3. Do Pimpão ao Central: conversa boa, piadas e jogos de dama!...............................................................................16 Entrevista realizada em fevereiro de 2008. Publicado em O Piaguí 6, edição de abril de 2008 4. Sobre sentimentos, sonhos e paixões...........................20 Entrevista realizada em maio de 2008. Publicado em O Piaguí 10, edição de agosto de 2008 5. O anônimo poeta que consertava o relógio da Praça da Graça...............................................................................24 Entrevista realizada em março de 2008. Publicado em O Piaguí 7, edição de maio de 2008 6. Das Bancas de Madeira aos dias de Hoje........................28 Entrevistas realizadas em janeiro de 2008. Publicado em O Piaguí 5, edição de março de 2008 7. Tia Zezé: Um Exemplo de Amor à Vida e à Educação!.....32 Entrevista realizada em janeiro de 2017. Publicado em O Piaguí 113, edição de março de 2017 8. Do tempo em que escutávamos Rock and Roll!...........36 Entrevista realizada em abril de 2010. Publicado em O Piaguí 32, edição de junho de 2010 9. O braço, o lábio e a voz................................................40 Entrevista realizada em janeiro de 2016. Publicado em O Piaguí 102, edição de fevereiro de 2016 10. Um sobrevivente da árdua batalha da vida................ 44 Entrevista realizada em dezembro de 2009. Publicado em O Piaguí 29, edição de março de 2010 11. Lembranças de uma vida inteira, das copas do mundo e de muito mais..................................................................46 Entrevista realizada em fevereiro de 2010. Publicado em O Piaguí 30, edição de abril de 2010 12. O desenhista parnaibando que teima em querer alcançar as estrelas.........................................................................48 Entrevista realizada em meados de 2009. Publicado no meu Blog Cultura Pop, do Portal Costa Norte, no ano de 2009 13. Entre os mestres, os idolos e os reis!..........................50 Entrevista realizada em junho de 2008. Publicado em O Piaguí 11, edição de setembro de 2008 14. De Educadora a Administradora: uma trajetória de fé e resiliência!........................................................................54 Entrevista realizada em outubro de 2018. Publicado em O Piaguí 134, edição de dezembro de 2018 15. O Professor, o Poeta e o Amigo....................................60 Publicado em O Piaguí 64, edição de fevereiro de 2013 16. A viagem de Clauder Ciarlini.....................................62 Publicado em O Piaguí 8, edição de junho de 2008 17. Apenas mais um dia de trabalho, na vida de um professor..........................................................................64 Entrevistas realizadas entre maio e setembro de 2010. Publicado em O Piaguí 36, edição de outubro de 2010 Em memória de: Aloísio Sousa Cruz Clauder Ciarlini Dilton Fernandes Batista Iweltman Vasconcelos Mendes José Maria Thomaz Sobrinho Noeme Vieira dos Santos Pinto Apresentação Parnaíba, assim com qualquer outra cidade, não é compos- ta apenas por seus monumentos ou personagens célebres de ontem e hoje. As pessoas que vivem a cidade, que respiram e atuam nos bastidores também são responsáveis por sua eterna construção e re- construção. Como numa peça de teatro, por exemplo, onde existem atores, diretores, cenários, ou seja, o que enxergamos de forma mais clara. Mas o que seria de um espetáculo sem as pessoas da produção, os que nunca aparecem para a multidão, mas que sempre estão lá, bem antes do show ter início e por muitas horas após a cortina ter se fechado? Em cada lugar é assim, existem os prefeitos, ex-prefeitos, juízes, médicos, advogados, ou seja, pessoas que costumam estar em evidência na sociedade e que prestam um importante papel na árdua tarefa de lapidar esta interminável obra de arte humana. Porém eles não estão sós, existem também celebres anônimos, pessoas que não costumam estampar capas de jornais ou aparecer na televisão, nem tão pouco, são assuntos nas bocas e ouvidos do povo, mas que também desempenham um papel importantíssimo! Indivíduos que trabalham a cada dia e/ou a cada noite, atendendo a população com o que eles sabem e tem a oferecer de melhor. Figuras como, por exemplo, um vendedor de cachorro-quente, que com simpatia atende seus clientes famintos, ou donos de banca de revista que nos man- tém informados com o que acontece no mundo; um dono de ótica que acaba revelando-se também um artista sensacional; experientes barbeiros, que entre uma piada e outra, sensibilizam seus clientes, ou até mesmo um senhor dono de um comércio de ferragens e fogos de artifício, responsável por nos trazer lembranças preciosas de nossas vidas. Ao pesquisarmos esses e muitos outros personagens da vida real, ao analisarmos suas histórias de vida, estamos, consequente- mente, contando a história de onde eles se encontram inseridos, pois as cidades são feitas de quem nelas vive ou delas lembra, se não fosse dessa forma, não existiriam, passando a serem apenas fúnebres cemitérios ou inacabadas construções, onde é predominante a ausên- cia da vida e das emoções. E foi na busca incessante de descortinar Parnaíba, seus perso- nagens, e inspirado por minha paixão, tanto pela história, como pela literatura, que tive a iniciativa de criar esta série para o impresso O Piaguí, que estreou logos nos primeiros meses do jornal, no que se- gue até os dias de hoje, embora nos últimos anos, em razão de muitos compromissos, tem havido um espaço maior entre uma entrevista e outra, mas no que sigo conversando com estas pessoas, que também fazem por Parnaíba, dando a elas um pouco de voz, para que com o tempo, esses exemplos de vida acabem por refletir a cidade na qual vivemos e sentimos. Claucio Ciarlini As entrevistas a seguir foram feitas entre os anos de 2007 e 2018, tendo sido aprovadas para publicação impressa ou virtual, assim como as fotos que as ilustram, todas do acervo dos entrevistados, que foram gentilmente cedidas ao autor. 10 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | Entre a casa, a escola e os fogos de artifício. O ano é 1988! Com sete anos de idade encontro-me, de frente ao Armazém Caboclo e com alguns trocados na mão. É mês de junho, e como de costume nessa época, a vida se dividia entre casa, escola e fogos de artifício. Da simples bombinha ao foguete, comprava quase todos os dias, com o que sobrava do dinheiro da merenda do colégio. Quem me vendia era o Sr. José Maria Tho- maz Sobrinho, dono do estabelecimento, e que me aconselhava a ter cuidado na hora de brincar com os fogos. Despedindo-me dele, já com o saquinho de bombas e traques na mão, me dirijo à casa de um amigo, Bernardo Borges Silva, onde de lá fomos juntar latas, no intuito de estourá-las. Encontrando as tais latas, posicionamos a bomba, riscamos o fósforo, acendendo o pavio, colocamos a lata em cima, esperando o grande momento do estouro... Por um segundo pisco os olhos e me vejo sentado à frente do Sr. José Maria, 20 anos depois, que me relata: “Nasci em Santana do Acaraú Ceará, em 11 de novembro de 1946, e logo fui trazido para Parnaíba, por meus pais, quando tinha menos de um ano de idade, sou primogênito de uma família de 12 irmãos”. José Maria iniciou sua vida profissional muito cedo, aos 10 anos, trabalhando em várias lojas e repartições públicas da cidade. No ano de 1960, aos 14 anos, começou a traba- lhar no Armazém Caboclo, fundado pelo comerciante maranhense Celso dos Santos Veras, no que comenta: “onome armazém cabo- clo, deve-se ao fato do Sr. Celso Veras ter trabalhado, quando ainda jovem, em uma loja do ramo de ferragens em Belém-PA com o mesmo nome”. Esta relação patrão-empregado, logo se transformou e fez com que José Maria se tornasse sócio da empresa, como o próprio Celso Veras dizia: “ele é o filho que não tive”, pois o mesmo havia perdido seu único filho homem. Em meados dos anos 60, José Ma- ria, passa a ser o titular da empresa e seu pai (como o considerava) e patrão, Celso volta a concentrar seus negócios na cidade de Tutóia onde mantinha residência. José Maria mante- | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 11 12 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | ve o Armazém dentro dos mesmos padrões de seu antecessor, sem- pre voltado para o comércio de gêneros alimentícios, ferragens e os tradicionais fogos de artifício. Foi auxiliado também por um tempo, por seu pai biológico, José Thomaz Lourenço Neto, que passou a as- sessorá-lo, após a aposentadoria como funcionário público federal. Por cerca de 20 anos José Maria também lecionou na rede estadual de ensino de Parnaíba, no período noturno, enquanto que durante o dia cuidava do Armazém, foi professor das disciplinas de Estudos Sociais e Geografia, nos colégios Lima Rebelo, Raquel Magalhães, Premem e Escola Normal, e enfatiza: “aprendi muito no magistério, não apenas ensinei aos alunos, mas também eles me ensinaram”. É casado há mais de 30 anos com Rosangela Moreira de Albuquerque e teve 3 filhos: Liana, José Celso e José Maria Thomaz Júnior. Mais tarde no final da década de 90, em virtude de sucessivas crises no ramo de perecíveis, o Armazém Caboclo passa por uma transfor- mação em seu ramo de atividade, se especializando no comércio de ferragens e ferramentas, sem deixar também os fogos. Hoje conta com um completo sortimento de ferragens e ferramentas, materiais elétricos e hidráulicos, no setor de fogos de artifício, vem diversifi- cando, trabalhando com montagem de shows pirotécnicos em toda circunvizinhança de Parnaíba. Sempre recorda com admiração do Sr. Celso Veras, personagem deveras importante em sua vida: “tínhamos laços muito fortes de amizade, confiança e respeito”, tanto com ele, como com sua família, a esposa Umbelina Conceição, que conside- rava minha segunda mãe e suas filhas Teresinha, Eunice e Felicidade Veras, que sempre tive como minhas irmãs”. Num exemplo de que nem sempre o sangue é o mais importante, numa relação afetiva, o professor José Maria nos ensina uma importante lição, que deveria ser seguida por todos. Talvez dessa forma o mundo se tornasse um pouco menos áspero e frio. Ao fim, encerro a entrevista, contente por mais uma conversa com esse Senhor que considero hoje um amigo, e feliz, por enxergar em seus olhos sensíveis e experientes, o mesmo respeito e admiração aos quais tenho por ele. Relembrando o que ocorreu há 20 anos, tento lembrar se a bomba funcionara ou não... É difícil, pois a memória é algo que sempre está nos “pregando peças”, porém sinto que se explodiu ou não, é questão de mero detalhe, pois no fim das | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 13 contas não são os objetos ou ações que importam, na hora de recor- dar, mas sim as pessoas e os sentimentos, por quais passamos nessa constante luta chamada vida. Claucio Ciarlini (2008) 14 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | Um exemplo de vida: A trajetória de Neguinho Hot Dog! – Simpatia e perseverança! Talvez sejam as duas qualidades que levaram Francisco de As- sis a vencer as adversidades da vida e crescer, sem que fosse preciso “passar por cima de ninguém”. Nascido em Porto (Piauí), no dia nove de novembro de 1970, tendo morado a maior parte da vida em Parnaíba, “Neguinho”, como é mais conhecido, vem de família humilde, perdeu o pai aos cinco anos e terminou de ser criado apenas pela mãe. Estudou sempre em escola pública e desde criança preferiu o trabalho ao invés do ócio como ele mesmo disse: “dos seis aos nove anos eu trabalhava vendendo alumínio, ferro (…) essas coisas que as pessoas compram como ferro velho, vendia bolo em fatias pela cidade; trabalhei em ola- ria, fui jardineiro em algumas casas, vendia até manga no Pindorama”. Apesar das dificuldades que sua condição lhe impusera, Negui- nho sempre teve responsabilidade e tentou vencer a árdua batalha da vida pelo seu próprio esforço e suor: “minha mãe nunca me obrigou a trabalhar, eu fazia porque não queria ficar pedindo dinheiro na rua, e com isso podia comprar meus bombons, chocolates etc.”. Aos 10 anos voltou à cidade de Porto para continuar os estudos na casa da avó. Não ficou parado, lá vendia carvão, picolé e batata doce. Aos 13 morou no interior de Pirangi e trabalhou na roça por três anos. Aos 16 voltou para Parnaíba, onde morou “de favor” na casa de conhecidos; aqui, estudou | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 15 em várias escolas: “estudei no Galhanoni, no Clóvis Salgado, no Edison Cunha e terminei os estudos no Lima Rebelo”; durante esses meses, trabalhou em serrarias, como ajudante de pedreiro, ajudante de eletri- cista e construiu calçamentos, como ele mesmo brincou: “eu era mil e uma utilidades”. Já aos 21 anos casou. Na ocasião, trabalhava vendendo picolés na praia: “na época eu vendia picolé na praia e quando casei fui trabalhar na Kibon de 91 a 95”; a Kibon Sorvane (distribuidora e pro- dutora de picolés e sorvetes), no ano de 1995, diminuiu seu quadro de vendedores de rua. A empresa achou por bem fechar a distribuidora em Parnaíba. O pagamento dado a ele por mais de quatro anos de trabalho foi o valor de 600 reais (e ainda parcelado em 3 vezes), porém, isso não foi o suficiente para causar alguma mágoa, ou ressentimento: “saí numa boa, depois comprei um carrinho de compensado, carrinho esse que pegou até muita chuva, estava todo inchado, comprei por 140 reais, mas eu pensei: é… Pra começar tá bom” (sic). A capacidade de nunca desistir e jamais perder o bom humor lhe foram bem úteis, pois, de carrinho de mão, teve que recomeçar do zero: “no primeiro dia levei 30 pães, uma panelinha com carne moída e uns refrigerantes, para o Colégio das Irmãs, tive medo de não vender, mas Graças a Deus vendi tudo…”. O negócio do cachorro-quente havia dado certo e com o passar dos meses, economizando bastante, ele pôde comprar uma Kombi. Nas temporadas de dezembro a fevereiro, que não havia aula, Neguinho viajava então para São Luís, no Maranhão, e ajudava seu cunhado numa empresa desentupidora de esgotos. O tempo foi passando e a Kombi foi substituída por uma Taunner. E ele não se acomoda em momento algum, além de hoje possuir dois transportes para vender cachorro-quente em diversos lugares da cidade e em Luís Correia, tem um ponto comercial em casa e um empreendi- mento maior na Avenida São Sebastião; a comunidade do Orkut criada em homenagem a ele pelo estudante Glauber Rodrigues Lima, já possui 1.835 pessoas, de vários lugares como Teresina, Fortaleza, São Luis e Natal. Porém, a maior vitória desse piauiense batalhador não foi a sua independência econômica, ou suas conquistas comerciais, mas a humil- dade que até hoje permanece estampada no sorriso de um vencedor! Cláucio Ciarlini (2008) 16 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | Do Pimpão ao Central: conversa boa, piadas e jogos de dama! Já passa das 9h da manhã de um sábado ensolarado! Entro no Salão Central, como faço há 13 anos, e encontro os três barbei- ros de costume; jogando uma partida de damas. Dois senhores, que enquanto mexem as peças do tabuleiro aproveitam para conversar sobre o jogo do Parnahyba e sobre política. Sento na cadeira do bar- beiro mais antigo, conhecido como Caçula, e de gravador mp3 na mão peço permissão para conhecer um pouco de sua vida e da bar- bearia onde trabalha. Risonho, como sempre, e antes de mais nada, ele me conta uma piada, uma de suas marcas registradas. Depoisdo ambiente ficar mais descontraído, relata: “Meu nome é Francisco Rodrigues do Amaral, sou de 27 de maio de 1928, nasci em Luís Correia. Tenho quase 80 anos de batalha!”. E sua vida realmente não foi das mais fáceis, em 1957, aos 30 anos, já casado e com filho, Caçula precisou sair de Luís Correia para Minas Gerais por proble- mas de saúde de sua esposa: “por questão de força maior, fui para lá, pois minha esposa estava doente, porém não fui feliz, pois ela acabou falecendo naquela localidade”. Caçula passou três anos e meio fora do Piauí e quando voltou, já viúvo, recebeu o convite de seu irmão João Rodrigues do Amaral, mais conhecido como Teixeira, para traba- lharem juntos numa barbea- ria na cidade de Parnaíba. Depois de um tempo tra- balhando juntos, tiveram que se separar devido ao dono do Ponto, em que se localizava a barbearia, ter vendido o prédio para outra empresa. Teixeira então foi trabalhar com um barbeiro chamado Valentim e Caçula | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 17 passou a exercer a mesma função numa barbearia de Manoel No- nato, na época conhecida pelo nome de Pimpão. A barbearia, que se localizava em frente à Praça da Graça, e ao lado do Banco do Nordeste (onde hoje é um estacionamento), na década de 60 e 70, foi uma das principais na cidade, personalidades das mais variadas cortaram cabelo ou fizeram a barba, ou as duas coisas, indivíduos que hoje são deputados, juízes, jornalistas, prefeitos etc. Caçula re- corda também dos outros três barbeiros da época em que foi para o Pimpão: “tinha mais três barbeiros quando cheguei: o Toim, João Machado e o João Gomes”. Ainda na década de 60, o dono do es- tabelecimento Pimpão, que alugava para Manoel Nonato, resolveu transferir o mando de aluguel para Caçula, fato que causou certa es- tranheza para com os outros que ali trabalhavam, pois Caçula havia chegado por último na barbearia. Sem muitas explicações por parte do dono do estabelecimento, o Pimpão passou a ser administrado por Caçula que, passado um tempo, resolveu dar uma “cara nova” ao local: “turma, vou fazer uma reforma no Pimpão; vou botar um ar condicionado e uma parede de vidro, e também queria que a gente passasse a usar uma jaleca”. A tentativa de tornar o Pimpão mais bem visto passou a ser encarada por alguns como exagero, e o clima que já estava um tanto diferente com a alteração do administrador, ficou ainda mais com as mudanças sugeridas por Caçula. Com o decorrer dos dias, os clientes passaram a elogiar as mudanças e os ânimos melhoraram, logo tam- bém Teixeira, o irmão de Caçula, volta a trabalhar com ele, porém, na década de 70, o dono do ponto onde localizava-se o Pimpão, o vende, e a barbearia passa a funcionar na rua Duque de Caxias, exa- tamente por trás de onde era, “viramos o quarteirão”. Nesse local o Pimpão durou 14 anos, até no fim dos anos 80, quando o barbeiro se viu tendo que mudar de endereço mais uma vez, pois o dono do ponto da rua Duque de Caxias pediu para que todos saíssem, dan- do prazo de um ano. Alguns anos antes, em 1984, Caçula sofreu mais um golpe na vida, seu filho de 10 anos, fruto de seu segundo casamento, sofre um acidente na escola ao cair de um brinquedo, bate a nuca e vai às pressas para o hospital, Caçula lembra de como foi naquele dia: “cheguei ao hospital e o médico me informou que meu filho já havia chegado morto”. Como sempre foi de tratar todos 18 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | bem, Caçula encontrou amigos que o confortaram e lhe ofereceram ajuda financeira, nesse momento tão difícil. Com uma força ímpar, ele levantou a cabeça e seguiu em diante, como poucos fariam… Já no início de 90, a barbearia passa a funcionar, onde existe até hoje, na rua Marquês do Herval (em frente à loja Macavi), e passou a ser chamada de Salão Central; eram novos tempos, a cidade havia mudado bastante desde a época de 60, os barbeiros viram a neces- sidade de alterar o nome, o que na ocasião não agradou a todos, porém, os tempos evoluem, e assim como na época do Pimpão, que houveram mudanças físicas, como o ar condicionado, por exemplo, a barbearia deixou de ser Pimpão e passou a se chamar Central, mas a boa conversa, as piadas e os jogos de dama permaneceram intactos, assim como a parceria dos irmãos, Caçula e Teixeira, acompanha- dos por João Batista do Amaral, que desde o Pimpão já era parceiro deles no serviço. Amaral, como costumam chamá-lo, é filho de um irmão da dupla, o Sr. Albino Teixeira. Quando João Rodrigues do Amaral, o Teixeira, teve que se afastar por motivo de saúde, seu filho, Francisco das Chagas Amaral, assumiu a cadeira do barbeiro; Chagas como é conhecido, já havia trabalha- do no Pimpão só que deixou a profissão para se aventurar em outros ofícios, voltando então quando do afastamento do pai Teixeira, que em 2007 faleceu, deixando saudade a todos que o conheceram. Nesse instante a lâmi- na é passada pela última vez em minha face, a cadeira é levantada e ao abrir os olhos encontro alguns senhores es- perando para cortar o cabe- lo. Pergunto para um deles, Marcos Barreto, cliente fiel | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 19 da barbearia desde a época do Pimpão, que me explica o por quê de nunca ter deixado de fazer a barba e o cabelo com os irmãos Tei- xeira: “sou Cliente desde a época do Pimpão, e sempre cortei com eles devido o bom atendimento, e a amizade que tenho para com esses senhores”. O rádio é ligado nas notícias e enquanto a conversa rola solta no recinto, me despeço dando um até logo, e prometendo regressar para ouvir mais histórias, sorrir de mais piadas e, quem sabe, até ter a honra de jogar dama com algum conhecido um dia na barbearia que faz parte da cultura e da história da cidade, como bem Caçula finalizou: “até quando Deus permitir”. E ele vai, pode ter certeza que vai. Claucio Ciarlini (2008) 20 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | Sobre sentimentos, sonhos e paixões Havia terminado de escrever uma poesia sobre o amor, ao meu lado, na carteira da esquerda, encontrava-se um amigo, que também concluía seu poema. Ele me mostrou o que escreveu, e fiz o mesmo. Já possuíamos o hábito de comentar o trabalho um do outro, era o Segundo ano do Ensino Médio e como que “fugindo” de uma aula tediosa de química, nos transportávamos para o mundo das sen- sações e das subjetividades, que tanto a escrita proporcionava. A poesia que ele mostrou naquele dia 17 de abril de 1997, in- titulada “Brasil”, acabaria sendo publicada duas semanas depois no jornal “ O Dia”, e o amigo, Frederico Osanan Amorim Lima, ainda percorreria uma difícil estrada no decorrer da vida até que enfim al- cançasse o respeito e a consideração merecidos. Desde a ado- lescência, já traba- lhava auxiliando na loja dos pais, Osa- nam Elias Lima e Haydeé Rego Amo- rim Lima. Nasceu em 25 de fevereiro de 1981, na cidade de Oeiras, mas desde a infância reside em Parnaíba. Estudamos na mesma sala desde pequenos, no Colé- gio Nossa Senhora das Graças, ao fim da oitava série do Ensi- no Fundamental fo- mos para o Colégio Delta, nesse período começamos a escre- ver poesias. Jovem | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 21 bastante sensível, fã de Renato Russo e sua Legião Urbana, Frederi- co iniciou no caminho das letras com 15 anos, ainda com a mesma idade entrou para o teatro, atuando em várias peças, como também escrevendo, dirigindo e produzindo roteiros de boa parte delas. Sua sensibilidade era tamanha que às vezes chegava a ser incompreendi- do por quem optava apenas pelo uso da simples e pura razão. Assim como seu ídolo na adolescência, esbarrou nas muralhas impostas pelo meio social, onde muitas vezes a emoção é deixada de lado e onde costuma-se ingenuamente acreditar que seja possível separar raciocínio de sentimentos, como quem separa objetos em uma mesa. Porém essas dificuldades logo foram ultrapassadasatravés de seu talento e força de vontade Em 1998 fomos estudar em Fortaleza, capital do Ceará, no Colégio Farias Brito, com mais dois amigos: Bruno Carvalho Neves e José Carlos Candeira Filho. Na ocasião, Frederico se destacou num concurso da escola cearense, no caso, o XX Concurso Farias Brito de Poesia, Conto, Redação e Desenho, ficando entre os vencedo- res das duas primeiras modalidades citadas. Concluindo o Ensino Médio, voltamos à Parnaíba, e depois de anos seguindo na mesma trilha, escolhemos diferentes destinos, embora a mesma carreira. Fui estudar em Sobral (Ceará) História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA e Frederico ingressou no curso de História da Uni- versidade Estadual do Piauí, onde conquistou, através de profundos estudos, uma brilhante graduação, tendo ensinado em várias escolas da cidade. Logo veio a Especialização em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí (Campus Parnaíba), e o mestrado em História, também, pela UFPI (Campus Teresina). Frederico ocupa já há algum tempo os cargos de coordenador do Curso de Licenciatura Plena em História da UESPI e coordenador do curso de pós- gra- duação em Historia do Brasil da Faculdade Piauiense. Atualmente desenvolve Projeto de pesquisa financiado pela Funpesq trabalhando com temas relacionados a cinema, contracultura e década de 1970. É hoje um dos profissionais mais respeitados na área de História no Piauí. Ter visto sua evolução artística, como também ter assistido seu crescimento profissional, tornou possível para mim, e acredito 22 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | que para muitos estudantes de História de hoje, acreditar que com muita dedicação e esforço ao que se deseja na vida, os sonhos são alcançados. Sonhos esses que começam com um simples gesto de escrever, que acaba gerando vitórias, conquistas de um incansável historiador, que compartilha comigo a mesma paixão pela Arte e pela História, e que certamente o futuro conhecerá seu nome e fei- tos, mas que para sempre em minha memória vou lembrar: do amigo de infância que naqueles dias em que as aulas estavam enfadonhas, buscávamos refugio no papel a na caneta… seres sensíveis, lutando | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 23 contra as hipocrisias do mundo, tentando sobreviver aos desafios do crescimento e falando sobre sentimentos, sonhos e paixões. Claucio Ciarlini (2008) 24 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | O anônimo poeta que consertava o relógio da Praça da Graça Relojoeiro, comerciante, fotógrafo, desenhista, escultor, pin- tor e poeta. Diferentes facetas em um só indivíduo. O Sr. Dilton Fernandes Batista, de 68 anos, é natural do estado do Maranhão, da capital São Luis, e durante os primeiros anos de infância morou com o pai em Guajaramirim (fronteira com a Bolívia), partindo aos cinco anos para Rondônia, onde viveu até os 20. Foi lá que aprendeu a arte da fotografia, como também os ofícios de relojoeiro e ourives. Antes de mudar para o Piauí, fato que ocorreu em 1960, chegou a ser capturado por uma tribo indígena, quando fazia uma travessia de barco com um amigo boliviano, Wilis Tabográ, pelo rio | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 25 Madeira a caminho do estado de Mato Grosso, uma forma de buscar aventura e também vender produtos. Durante 10 dias foi mantido amarrado, até que foi ganhando a confiança dos índios e, passado um mês, ele e o amigo ganharam a liberdade, e algo mais: “nos pri- meiros dias, achávamos que íamos morrer, jovens ainda, chegamos a chorar e combinar de que se algum de nós conseguisse sair com vida era para avisar para a família do outro, mas depois que a tribo se familiarizou com a gente, recebemos até presentes deles, que pu- demos levar, quando partimos”. Deixando para trás Rondônia, Dilton chegou em Parnaí- ba, e encontrou o Sr. Milton Magalhães, que lhe cedeu um ponto comercial para abrir seu comércio, onde até hoje existe. Depois de quatro anos, e já instalado em loja própria, Dilton é chamado para consertar o relógio que havia na Praça da Graça, e lembrando com nostalgia relatou um pouco de como era o funcionamento e a ma- nutenção desse símbolo da cidade: “o relógio tinha uns 15 metros e era constituído de três partes: o comando, na parte inferior, no meio, a parte da propaganda e acima o relógio em si… A entrada para o conserto se dava por um portão de ferro de 60 centímetros”. Na ocasião, Dilton se estabeleceu como técnico responsável pela manutenção de um dos monumentos mais marcantes de Parnaíba que, depois da reforma ocorrida na década de 70, do qual várias mudanças foram realizadas, o relógio foi desmontado e retirado do local, fato que causou tristeza para o cidadão que durante mais de 10 anos zelou por esse patrimônio da cidade: “na época, entrei na Praça, já fechada para a reforma, e vi que tinham tirado do lugar e desmontado, tentei alguns anos depois (na década de 80) falar com o chefe do depósito, onde se encontravam as peças do relógio, para que fosse montado novamente, mesmo que fosse em outro lugar, mas recebi um ‘é complicado’ como resposta”. Passado alguns anos, já na década de 90, seu comércio, que desde o inicio localizou-se na Rua Almirante Gervásio Sampaio, N.º 680, torna-se uma óptica, numa época onde os ofícios como de relojoeiro já não eram mais tão requisitados devido às novas tecno- logias que surgiram; Dilton, então, acaba por adaptar sua loja aos no- vos tempos. Pai de seis filhos, Dilton Jr., Fredde, Epitácio, Cristian, 26 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | Hilton e o mais novo Gilton, nascidos do casamento com Jandira de Moura Batista que já dura quase 50 anos. Dilton lembra como sua vida se estabeleceu nos últimos 48 anos, quando se mudou para Par- naíba: “cheguei e logo depois, felizmente montei um negocio e casei, moro na mesma casa, há mais de 40 anos… finquei raízes ”. Artista sensível, escreve poesias desde a mocidade, seus textos falam de como foi sua vida, os problemas que enfrentou, como também sua visão da sociedade ao qual se encontra inserido. Tem apreço pela pintura desde a infância, seus quadros podem ser vistos no interior de sua loja e não tratam apenas de paisagens mor- tas pintadas sem sentido, pelo contrário, muitos chegam a quase ter vida própria, sendo uma representação crítica do que o artista absor- ve da existência. Não contente, ainda exerce a atividade de escultor, esculpindo brilhantemente na madeira. Dilton conta que aprendeu bastante nessas décadas e que não se arrepende de nada. O anônimo poeta que consertava o relógio da Praça da Graça, hoje, coleciona recortes do passado, em forma de objetos e | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 27 lembranças; sempre preocupado com a preservação da história, faz um apelo para quem possuir peças antigas e raras, que não queiram mais, para entrarem em contato com ele, concluindo: “sou muito fe- liz, graças a Deus, e com ele, minha família e amigos sigo meu ca- minho…”. Claucio Ciarlini (2008) 28 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | Das Bancas de Madeira aos dias de Hoje Antiga Banca do Aloísio (próxima à Ponte Simplício Dias) Até o fim da década de 60, as bancas de revista em Parnaíba, assim como em várias partes do Brasil, eram bem diferen- tes de como conhecemos hoje. A distribuidora Abril, empresa que comandava a distribuição das principais revistas, resolveu financiar a construção de bancas de ferro, no lugar das que existiam antes: as de madeira. Dois senhores estiveram nessa época e acompanharam todo o processo de mudança, deixando suas marcas até os dias de hoje. O primeiro foi Aloísio Sousa Cruz, o Seu Aloísio, como cos- tumam chamá-lo, cearense de Santa Quitéria, de 20 junho de 1931. Com 10 anos de idade veio ao Piauí, mais precisamente para Campo Maior, de onde fixou residência até o limiar de sua juventude, quan-do então se mudou para Parnaíba, tornando-se “um parnaibano de coração”. Nos anos 50, trabalhou em várias empresas: “trabalhei na | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 29 loja Marc Jacob, na Sulamerica seguros, depois fui pra Fortaleza, trabalhar no deposito de sola…”. A sola, nessa ocasião, era produ- zida em Parnaíba e enviada ao depósito em Fortaleza, porém, o cur- tume não conseguiu agüentar a demanda e Aloísio acabou voltando para Parnaíba. Ao regressar, já década de 60, Aloísio recebeu um convi- te de seu cunhado José de Morais Véras, mais conhecido por Ze- quinha da Coca-Cola, para trabalhar no ramo das revistas. Como Zequinha era dono da distribuidora, Aloísio passou, então, a tra- balhar na distribuição e venda dos periódicos: “eu era o respon- sável pela distribuição; recebia a revista, anotava e distribuía para o pessoal… Treinei muita gente para assumir as bancas”. Na década de 70, com banca já firmada na localidade próxima a pon- te Simplício Dias da Silva, começou a treinar pessoas, no intuito de que elas assumissem as bancas existentes. Empreendedor, “Aloísio gostava de ajudar os iniciantes, ao tempo que batalhava na vida, em prol do sustento de sua família”, como lembrou a sua esposa, Carlota de Moraes Cruz. Um dos seus estagiários foi Francisco das Chagas Sampaio, rapaz da cidade de Buriti dos Lopes, nascido em 22 de agosto de 1954, e que veio aos 17 anos para Parnaíba e, logo, começou a tra- balhar no comércio: “Comecei trabalhando numa loja de vender re- des, durante um ano e meio, aí, depois, fui trabalhar em banca de revistas, Estudava a noite, trabalhava durante o dia”, e brinca, ao lembrar do nome que arrumaram para ele, “Louro”: “Peguei esse apelido de Louro no primeiro ano que eu fui trabalhar em banca de revista, foi até um senhor que morava em frente à Praça Santo Antô- nio que falava: – Que negocio de Chagas… é louro, tu não é louro? Então é louro!” (sic). No início, Francisco tinha uma banca de madeira, como era de costume na época, na Praça Santo Antônio (em frente onde, hoje, é o Biola), ele, Louro, recorda: “Comecei fazendo um estágio com seu Aloísio de uma semana, em janeiro de 1974, no fim desse mesmo mês eu assumi uma banca que estava fechada na praça Santo Antô- nio, trabalhei lá até 1978…”,ainda ele: “Quando eu trabalhava na 30 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | praça Santo Antônio, quem trabalhava na praça da Graça era o Vicente, em frente a Igreja do Rosário e a Marc Jacob”. Em 1978, a Praça da Graça estava fechada para reformas, a banca que antes ficava em frente ao antigo Palácio dos Móveis e que, hoje, é a Receita Federal, terminada a reforma, em 1979, deslo- cou-se para onde se encontra atualmente, em frente à Caixa Econô- mica Federal. “As vendas melhoraram quando eu mudei pra Praça da Graça, também fui fazendo amigos, fregueses que ficaram com- prando sempre na minha banca…”. Depois que o Zequinha da Co- ca-Cola faleceu, Parnaíba perdeu a representação, que passou a ser Teresina. Nos últimos anos, cada dono de banca passou a receber seu pacote de revistas, o que diferia de antes, onde eles podiam escolher na própria distribuidora da cidade. “Seu Aloísio”, hoje, tem cinco filhos e 15 netos, uma família grande, que tende a crescer ainda mais, e “Louro” é casado com Ma- ria das Dores Carvalho Sampaio, dessa união nasceu um filho, que já trabalha na mesma profissão do pai. Falar da trajetória dos dois (Aloísio e Louro), e de suas bancas de revista, não é apenas contar mais de 30 anos da história de vida de dois respeitados senhores, | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 31 é mais que isso, é lembrar um pouco da história da própria cida- de. Quantas personalidades anônimas ou célebres já não compra- ram jornais e revistas nas mãos dos, aqui, ensaiados comerciantes, e aproveitaram para pôr o “papo em dia”: saber das novidades, muitas vezes até travar verdadeiros embates ideológicos, ou despejar críti- cas etc. Confesso que há 20 anos frequento as bancas de Parnaíba, quase que diariamente, porém, sempre me firmei mais nessas duas, pois foi onde criei laços de amizade e respeito indissolúveis. Senti- mentos esses que surgiram com o decorrer do tempo, através do bom atendimento de ambos, ponto mais importante para qualquer tipo de comércio que pretende atravessar 20, 30, 40 ou mais anos! Claucio Ciarlini (2008) 32 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | Tia Zezé: Um Exemplo de Amor à Vida e à Educação! A pequenina gigante contra os terríveis olhos de desprezo… Escondida do mundo… Ela assim pensava, porém por debai- xo da mesa estava… A imaginar mil e uma histórias, no intuito de escapar do tédio que era estar ali. Entre um curiar e outro, tentava entender como poderia existir, gente de toda sorte e vaidade, alguns carregando olhos de sinceridade, outros, uma terrível face de des- prezo… E ela ali, pequenina (desencontrada), em meio àquela sala, que ouvia, vez por outra, alguém dizer que era de aula… Mas que nem por um momento, até então, acalentava o seu mais que inquieto coração. Apenas ir, comer, fingir e partir. Era assim no colégio, ao | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 33 menos até os nove. Até que um dia (e que dia!), uma mulher revesti- da de coragem e paciência resolveu fazer mais que sua obrigação… Mergulhou fundo nas águas geladas, sem tanque de oxigênio e sem temer os perigos que pudesse haver em território tão obscuro, à pro- cura daquela menina… Na verdade não se tratava de rio, e nem lago, mas o velho esconderijo, debaixo da mesa… O fato é que ela foi encontrada, e de lá, resgatada. Conheceu pela primeira vez, uma aula de verdade. Uma aula com amor. A partir daquele dia a escola passou a ter cor, a fazer sentido, até mesmo sabor, quem diria… Não o suficiente para fazer os pro- blemas do dia desaparecerem, mas agora ela sentia que dava pra re- solvê-los… Mesmo que demorasse e assim custasse inúmeras gotas de suor e criatividade. Ela passou a enfrentar o mundo, do seu jeito. E enfrentar para ela sempre foi lembrar de uma inspiração eterna, que mesmo o tempo (por vezes vilão) não apagou… A lembrança da adorada mãe, que sozinha criou seis e mais essa pequenina (tra- quina), que gostava de observá-la, educando e cuidando de todos, sem distinção ou crueldade, apenas a realidade, exposta a cada um e antes de dormir, as histórias de trancoso, para aguçar ainda mais a curiosidade, enquanto divertia e a fazia esquecer a infância pobre, porém honesta. E de histórias que existiam e outras nem tanto, a juventude chegou, e com ela, outros dilemas… Fosse no bairro de origem, ou por ou- tros que morou, passou dias, ou até horas, vez por outra tropeçando, caindo, sem saúde, sem chão e ainda assim, a contragosto daqueles mais desumanos, lembrando do quanto é forte, e se reerguendo, fi- cando de pé, e ensinando, aprendendo, vencendo, se formando… E tendo a noção, desde sempre, que é preciso de alegria, muita alegria (mesmo na dor) para derrotar o cruel inimigo preconceito… Tendo a força da lembrança da mãe, e de todos aqueles que já apoiaram e a acompanham como combustível… E inspirada naquela professora, que um dia mergulhou, sem pestanejar, fazendo ela ver que também poderia resgatar tantos outros meninos e meninas, que a vida tratou de magoar (a vida não, os seres com olhos de desprezo) e que escon- didos estão, estes meninos e meninas, à espera, mesmo sem saber, de alguém grandioso como ela, que um dia pode chegar, com uma bolsa carregada de sonhos e um punhado de esperança. E os salvar. 34 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | Nota: Maria José Veras Ferreira, mais conhecida como Tia Zezé ou a pequenina gigante deste breve conto inspirado em sua vida, enfrentou preconceitos, obstáculos e pedras no caminho… Su- perou todos! E é um exemplo para quem já fez parte de sua história (os que possuem coração). Nasceu em 10 de abril de 1965, é par- naibana e residiuboa parte de sua vida no Bairro São José, tendo morado também em outros lugares e hoje no Bairro Pindorama. É graduada em Pedagogia e especialista em Educação Infantil, tendo atuado em várias escolas e faculdades (tanto públicas, como parti- culares) sempre com o mesmo empenho e entrega, a citar o Colégio Nossa Senhora das Graças, onde lecionou por 25 anos. É referência na área de educação e cultura de Parnaíba, também é poetisa, rotei- rista, escreveu e dirigiu várias peças em escolas. O nome da profes- sora que a resgatou e lhe serviu de inspiração é Ana Teles e o nome de sua mãe: Teresinha de Jesus Pascoal Veras. Os irmãos: Francisca, Socorro, Antônia Maria, Maria Ozanete, Regina Célia e José Carlos. | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 35 Os filhos: Darcon e Dalila. Sua caminhada pessoal e profissional, que tive o privilégio de conhecer através de nossas conversas (que muito me emocionaram), é uma grande lição de resiliência e de amor à sua cidade e à Educação, numa linda e vibrante trajetória que pre- cisaria de inúmeras páginas… Um livro! E que livro seria… Quem sabe um dia! Claucio Ciarlini (2017) 36 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | Do tempo em que escutávamos Rock and Roll O som se fazia inconfundível, e por vezes até ensurdece- dor… Black Dog, um cover ledzepeliano, se mostrava com toda sua força e genialidade, numa noite de sexta-feira, 26 de junho de 2009, no ambiente do Sesc – Beira Rio. Embora, acredito que, muitos ali, nem mais conseguissem distinguir as notas e arranjos, emitidos pelas guitarras furiosas e experientes, de uma banda que, com toda certe- za, carrega a bandeira e o espírito de seus ídolos, o famoso grupo de rock inglês Led Zeppelin. E era tão perfeita a entrega da pla- teia que ali se encontrava, imersos na aura setentista, mergulhados nas profundezas do que muitos chamariam de “O bom e velho rock and roll”, que estes indivíduos já não mais enxergavam uma banda à sua frente, nem tão pouco escutavam os acordes distorcidos dos instrumentos amplificados pelos auto-falantes, mas sim um univer- so paralelo, uma outra dimensão de cores e formas infinitas, que a | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 37 todo instante se sobressaíam, umas às outras, produzindo mágicas melodias que viajavam por todos os sentidos, fazendo com que sur- gissem emoções, das mais variadas… Ao meu lado, um amigo, Is- rael Galeno Machado, colega de escola desde a época das séries ini- ciais, conversávamos sobre nossa juventude, no início dos anos 90, e lembrando de inúmeras situações e pessoas pelas quais havíamos passado, acabamos por recordar do tempo em que descobrimos os sons de Iron Maiden, Metallica, Guns and Roses, Aerosmith e Bon Jovi, para não citar várias outras bandas de rock que, aos 12 anos de idade, escutávamos à exaustão, como que numa maneira de expurgar todos os problemas e questionamentos surgidos no período da ado- lescência… No meio da conversa nostálgica surge em nossa frente, de forma apressada e com uma mochila nas costas, simplesmente o organizador do evento, o roqueiro e professor Paulo Roberto Rocha Bastos, o Paulim, como costumo chamá-lo. Nascido em 11 de julho de 1961, na cidade de Fortaleza (Ceará), mas mudando-se para Parnaíba aos 4 anos de idade, trazido pelos pais Francisco Ferreira Bastos e Cosma Rocha Bastos, Paulim, que se considera de fato parnaibano, pois residiu nos últimos 45 anos nesta cidade, estudou em diversos colégios, tendo concluído o ensi- no médio na escola estadual Lima Rebello. Formado em Adminis- tração de Empresas pela Universidade Federal do Piauí, onde atual- mente é professor, e servidor do estado há 21 anos, detém hoje, além de algumas especializações e cursos, o cargo de diretor da escola estadual Cândido de Oliveira. Porém não é apenas o ofício do ma- gistério que faz com que Paulo Bastos seja reconhecido e elogiado pelos quatro cantos da “velha Parnaíba”, mas também sua paixão exacerbada pelo rock, nascida desde ainda muito jovem, em meados dos anos 70, quando escutou em um programa do locutor Bernardo Silva, chamado “O som nosso de cada dia”, da Rádio Educadora de Parnaíba, uma canção da banda Led Zeppelin, intitulada Black Dog – sim, caro leitor, Black Dog, o mesmo nome que, décadas depois, uma banda cover do Led pegaria emprestado e, certo dia, faria um 38 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | show em Parnaíba, que este humilde escritor acabaria por comentar no início deste artigo. Depois de ter escutado o rock da banda ingle- sa, Paulo Bastos foi tomado pela essência deste estilo e desde então, nunca o abandonou. Na década de 80, já tendo aprendido a tocar violão, montou um grupo de Heavy Metal chamado Condutores de Cadáver, onde a formação tinha: Paulo Bastos (Guitarra), Nilson Borges (Voz e Baixo) e Netinho (Bateria). A banda não durou muito, mas serviu para Paulim conhecer várias pessoas ligadas à música na cidade, e principalmente aqueles que pertenciam ao gênero roqueiro. O rock em Parnaíba, como em todo Brasil, estava em alta durante os anos 80, em decorrência do surgimento de várias bandas nacionais de destaque, como também do festival ocorrido em 1985, no Rio de Janeiro, no qual Paulim teve o prazer de ser espectador, evento este que trouxe para o nosso país nomes como Scorpions, AC/DC, Ozzy Osborn e Withesnake – logicamente, caro leitor piaguiense, que es- tou falando da primeira edição do Rock in Rio. Entre o fim de 80 e início de 90, Paulim teve que deixar de lado a cena roqueira, ao menos profissionalmente, para trabalhar como professor da rede estadual de ensino, porém nunca esqueceu o rock, como ele mesmo afirma: “Nunca deixei minhas raízes”. E foi com esse pensamento que Paulim teve a ideia, em 1994, de montar uma | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 39 loja de artigos de rock, chamada Metal Vídeo. Vendas de camisas e cds, gravações de fitas-cassete (e posteriormente cds) era no que Paulo trabalhava, ao mesmo tempo em que exercia o cargo de pro- fessor, tanto do estado como, também, já nesse período, da Univer- sidade Federal do Piauí. Dois anos depois, em 96, casa-se com Ligia Thomaz Bastos, de onde surgiram os dois filhos, Samuel (12) e Ga- briel (9), ambos fãs de rock e que já tocam violão e guitarra, mesmo com a pouca idade. A loja Metal Vídeo, que se situava na Rua Padre Castelo Branco, em 1998 teve sua mudança para o endereço localizado à Rua Caramuru, que depois se tornou também locadora. Em 2004, ainda não satisfeito, começa a promover festivais de rock na cidade, trazendo bandas de vários lugares do Brasil, como foram os casos de: Dark Season (Teresina), Paradise in Flames (Belo Hori- zonte), Andrals (São Paulo) e Desgrace and Terror (Pará), para não citar outras. Foram sete eventos já realizados em diversos palcos de Parnaíba, fortalecendo, assim, a cena roqueira da cidade nos últimos anos. O último evento, realizado em 2009, que trouxe a banda carioca Black Dog e que tive o prazer de presenciar, significou um dos pon- tos altos, segundo o próprio Paulo Bastos, em sua jornada como propagador e incentivador do rock em Parnaíba. Sempre na busca de ajudar tanto veteranos quanto grupos recém-formados, ele segue, assim como o vi naquela nostálgica noite, de forma apressada e com uma mochila nas costas, mochila esta que traz uma bagagem rica de conhecimentos e atitudes, de alguém que soube amadurecer e enve- lhecer, sem nunca deixar de lado os anseios de quando era apenas um jovem, igual a muitos, igual a mim ou a vocês, rebeldes, senti- mentais, inseguros, sonhadores, indomáveis, inesquecíveis, e muitas outras coisas… Claucio Ciarlini (2010) 40 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | O braço, o lábio e a voz. 1968! Protestos pelo Brasil. Nas ruas, praças e aveni-das, o descontentamento. O movimento em prol da Democracia ganha força. 100 mil, que logo se torna muito mais. Em resposta, a ditadura militar aumentaa repressão. E com o Ato Institucional N° 5 lacra de vez quaisquer direitos que ainda restassem de proferir, reclamar. É o governo do calar, obedecer. Enquanto isso, um jovem sonhador, filho de Parnaíba e ainda alheio aos conturbados acontecimentos, deixa Fortaleza (cidade que morava há dois anos) para continuar os estudos em Salvador, a primei- ra capital do Brasil. Até então, o que sempre prevalecia na mente deste simpático indivíduo era a paixão pelo futebol, a vontade de se divertir, passear; o apreço pela família e a fé que sempre devotou a todos os Santos e ao Deus do Cristianismo. Porém, ao chegar à Bahia, começou a perceber que nem tudo na vida era belo, que o mundo de antes, tão divertido, exibiria um universo de caras feias e de momentos imprestáveis. Ele estaria longe da família, tendo que contar, por inúmeras vezes com apenas um: ele próprio. E a fé, de sempre, seria testada, e por vezes até abalada, na medida em que assistia uma sociedade controlada, amordaçada, no passar de cada dia e mês, em que percebia as imperfeições, os perigos, os preconceitos. A hipocrisia em sua mais alta plenitude. | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 41 Era a vida batendo forte. E ele tendo que aprender. A fim de não ser nocauteado. E conseguiu. Porém, para entendermos melhor, de onde veio a fé quefez com que Mario Pires Santana, nascido em 1946, sobrevivesse aos inúmeros golpes e rasteiras que a vida lhe proporcio- nou, é preciso que regressemos à Parnaíba da década de 50, quando ainda garoto, e aos sete anos, acompanhou a mãe numa procissão pela chegada de Nossa Senhora de Fátima: Era 1953, e me marcou profundamente a Chegada da San- ta, as pessoas aguardando com ansiedade… Lembro que eu cheguei a me perder de minha mãe, tamanha era a multidão… Todos muito emocionados. Com o passar do tempo, e ainda em formação para a vida adulta, ele seria novamente arrebatado por um momento único de fé, quando do evento do Cruzeiro das Santas Missões: Tinha padre de tudo quanto era lugar, confessando na Pra- ça da Graça… Foi impressionante, eu tinha meus treze pra quatorze anos, bonito de ver, acompanhar, a fé de todos… Um acontecimento que serviu para fortalecer a minha crença… Ainda na adolescência, na São Sebastião, eu fiz as nove primeiras sextas feiras do mês, de comunhão e confissão… Se perdesse uma, podia estar na quinta, por qualquer motivo, tinha que recomeçar e eu consegui fazer todas, sem quebrar a corrente. Tudo isso, hoje, faz parte de sua mais que sensível memória. Assim como guarda no peito os amigos, os momentos incríveis que passou ao lado deles. A companhia prazerosa dos parentes, as precio- sas lições repassadas por seu pai e por sua mãe, os filmes que assistiu no Éden, as voltas que deu na Praça da Graça. Uma época de sonhos e de sorriso no rosto, quase sempre. Bem diferente da realidade desafiadora de Salvador, de onde Mario pôde perceber os inúmeros problemas dos quais sua pátria vi- via. Onde esteve, por vezes, bem próximo de celebres nomes da cultu- ra brasileira que atuaram contra o sistema opressor: Por diversas vezes eu estive há poucos metros de Caetano, Gil e de outros nomes da cultura brasileira (…) Ao mesmo tempo em que a consciência política de Mario era 42 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | aflorada, ele foi sendo obrigado a se adaptar ao ambiente de trabalho, que para ele foi tudo, menos favorável: Eu passei no Concurso para Técnico Químico da Petrobras, e fui trabalhar num laboratório, que, infelizmente, na ocasião, não tinha a segurança que se tem hoje… Trabalhando com produtos peri- gosos, benzeno, tolueno… Acetona… Destilação de gás em um quar- tinho apertado… Foram onze anos de sofrimento, que me renderam problemas de saúde… Mas era o meu trabalho, minha responsabili- dade, e eu tive que cumprir. Até que, enfim, consegui minha transfe- rência em 85 para Fortaleza, e as coisas melhoraram. O ano de 1985 marcou o fim da Ditadura e o principio da re- democratização brasileira. Foi o ano em que Mario, enfim, obteve sua transferência, a fim de estar mais próximo de seus parentes e onde ele passaria a trabalhar em melhores condições, mudando de setor. Não que a Bahia tenha lhe rendido apenas momentos cruéis A Bahia lhe conduziu à leitura, que por sua vez aguçou seu senso crítico – reflexivo. O que serviu para alimentar o seu lado escri- tor, que anos depois surgiria com força e coragem. A Bahia lhe rendeu alguns anos na faculdade de Química. E um emprego na Petrobras, que foi seu sustento e de onde se aposentou com todos os méritos em 1997, regressando no ano seguinte à sua amada Parnaíba. Salvador também lhe deu de presente o amor de toda a vida, a querida Lia, fiel companheira desde os tempos de dificuldade e que foi, por várias vezes, a sua força, quando nos momentos de fraqueza, | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 43 própria do ser humano, Mario pensou em desistir… Lá estava ela, para lhe mostrar o quão poderia ser forte e continuar. Da união amorosa, que já se encaminha aos 40 anos de feliz convivência, nasceram as filhas, Marina e Marisa, respectivamente em 78 e 79. Hoje ele já brinca e caduca com os netos, que chegaram para tornar a família ainda mais bela e unida. Mario é uma dessas raras pessoas que além de ter forte sen- sibilidade, consegue demonstrar. Sensibilidade que para tantos pode significar fraqueza, e no que rebato: as pessoas mais sensíveis que já encontrei pela vida, foram as que mais conseguiram enfrentar o desco- nhecido, sofrendo, por vezes, nas mãos do impensável e ainda assim, ao final de cada ciclo de agonia e dor, renasceram ainda melhores e com a humildade e capacidade de amar intactas. Ele é assim, um ser humano maravilhoso, com qualidades que se sobressaem aos defeitos. Um cidadão consciente de seu papel para com a cidade que tanto admira e que a eterniza, em crônicas belís- simas lançadas nos jornais, livros e páginas da internet. É dessa forma que ele tenta ajudar Parnaíba, terra da qual ele tem um amor, que só cresce com o tempo, desde ainda pequeno, sempre e a cada dia mais. Filho de uma cidade que já foi Gigante em se tratando de comércio, economia, mas que nas últimas cinco décadas vem se tornando cada vez mais frágil e pequena, por razões político – sociais. Mario é um escritor que diz a verdade, mesmo que ela inco- mode, pois sabe que é um direito adquirido a duras penas e através do sangue de inúmeros que lutaram para que a Nação se tornasse livre de um governo que durante 21 anos limitou o direito de livre expressão e implantou o medo de questionar. Ele sempre estará disposto a lutar por essa liberdade, do jeito que for preciso, e como diria Belchior: é para isso que se faz o seu braço, o seu lábio e a sua voz. Claucio Ciarlini (2016) 44 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | Um sobrevivente da árdua batalha da vida Até quando um ser hu- mano pode suportar o peso da existência? Antes mesmo que você, leitor, comece a refletir sobre essa complicada ques- tão, me permita contar a histó- ria de Francisco de Assis Lemos, hoje conhecido como Guerreiro. Nascido na cidade de Altos, Piauí, em nove de maio de 1954, filho de José Luiz Lemos e Cândida Viana Lemos, Guerreiro, ao me relatar seu passado, contou como foi sua infância: “Eu era criança de seis para sete anos e já ajudava meu pai na roça, o trabalho era duro e sobrava pouco tempo para descanso”. Porém, lembra que havia também momentos fe- lizes: “Nossa família era unida e sempre havia brincadeiras, até no cami- nho e na volta da roça, sempre conversávamos e nos divertíamos” (sic). Quando nem havia completado oito anos, Guerreiro despertou a atenção de alguns conhecidos ao desenhar com habilidade, figuras e paisa- gens no chão, não utilizando um lápis ou pincel, mas pedaços de carvão. Fato que acabou resultando numa proposta por parte de alguns parentes de levá-lo à Teresina,para que lá pudesse aprimorar sua arte, assim como exibi-la para um maior contingente de pessoas. E eis que era a década de 60 e Guerreiro chegando à capital do estado, logo arrumou o que, para ele, foi: “um trampo para ilustrar numa coluna de um jornal conhecido da época” (sic). Durante um bom tempo a “nova vida” em Teresina transcorreu com certa tranquilidade, até Guerreiro se deparar pelo caminho com algumas “puxadas de tapete”: “Trabalhei durante uns meses, em fase experimental, num jornal de destaque, fazia charges e caricaturas, mas chegou um mo- mento que não deu mais certo e tive que sair do jornal (…) Passei a dese- nhar rostos de pessoas à domicilio”. Jovem e ainda um tanto inexperiente perante as malícias do meio publicitário e jornalístico, acabou perdendo o emprego no jornal e se viu tendo que encarar de frente o selvagem mundo da concorrência: “Expus meus desenhos no Teatro 4 de Setembro algumas vezes, e participei de concursos e festivais de humor, mas haviam pessoas com mais experiência e ´amizades` do que eu, o que não ajudou muito, pois estava numa cidade que não era a minha e onde eu tinha poucos co- | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 45 nhecidos, mas sempre toquei o barco pra frente e fui lutando com o suor do rosto” . Durante décadas, Guerreiro aprimorou sua habilidade e amadure- ceu bastante, passando até a adotar diferentes estilos. Porém, como “nem tudo eram flores”, à medida que crescia artisticamente, recebia proporcio- nalmente diversas “pancadas da vida”, primeira-mente com “diversas difi- culdades financeiras e sentimentais pelos quais passava durante a época”, e depois com a morte dos pais, fatos que lhe causaram bastante melancolia; acontecimentos que, diversas vezes, quase o levaram à loucura, se não fos- se tudo que havia aprendido no decorrer de sua trajetória de altos e baixos, como sobrevivente da árdua batalha da vida. Na última década, depois de idas e vindas, à Teresina e Altos, como também excursões pelo interior do Piauí e algumas cidades do Nordeste, Guerreiro muda-se para Parnaíba, cidade pela qual ele mesmo comenta: “tenho um apreço muito grande, pois foi uma cidade que me acolheu e que já a tenho em meu coração”. Boêmio assumido, mas “na medida saudável”, sempre simpático com todos “não importando classe social, sexo ou cor” e deveras preocupado com os problemas que assolam o Piauí, Guerreiro bus- ca retratar em seus trabalhos as várias percepções de seu olhar como artista sensível, desenhando desde laços de amizade, como bem exemplifica o mu- ral existente na lanchonete situada abaixo da Casa Grande de Simplício Dias, ou então aspectos sociais e políticos de nossa terra, acrescentaria ainda a re- presentação de ídolos que povoaram sua mente durante muitos anos, como é o caso do cantor Roberto Carlos, do qual Guerreiro devota bastante admi- ração: “Sou fã de vários cantores, desde Raul Seixas a Ivete Sangalo, mas o meu preferido é o Rei!”, revelou ao mesmo tempo em que mostrou em sua pasta, recheada de rostos eternizados no papel, a imagem do cantor e ídolo. Destemido e incansável, busca a cada dia conquistar seu espaço, demonstrando seu talento de forma humilde, honesta e cativante, ultrapas- sando barreiras, vencendo medos e resistindo aos desafios do tempo, sem nunca desistir e, principalmente, sabendo viver intensamente todas as expe- riências que o mundo lhe oferece; e isto nos conduz novamente à pergunta do início: Até quando um ser humano pode suportar o peso da própria exis- tência? Acredito que, através da história de Guerreiro seja possível come- çarmos a perceber que caminhos, cada um de nós pode traçar, a fim de que, um dia, encontremos nossas respostas. Claucio Ciarlini (2009) 46 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | Lembranças de uma vida inteira, das Copas do Mundo e de muito mais… “Ainda lembro deste dia, como se ti- vesse sido há poucas horas…”. …Era 17 de julho de 1994 e, de pé, junto a um grupo de pessoas, assistia, no clube da AABB, o atacante italiano Roberto Baggio chutar a bola para bem distante do gol, pro- vocando uma alegria geral de todos que ali estavam. Afinal, depois de um longo jejum de 24 anos, o Brasil vencia novamente uma Copa do Mundo. Naquele instante, uma onda eufórica percorria os corações de muitos fãs do tão amado futebol, atingindo até aqueles que nem simpatizavam tanto com tal modalidade esportiva, mas que, tragados por essa onda benéfica, se uniam num grande coro em come- moração à conquista do Tetra. Próximo ao local onde eu estava, a poucos quarteirões de distância, mas precisamente na Coroa (hoje Bairro do Car- mo), encontrava-se um homem que, ao vibrar com a vitória do Brasil sobre a Itália, acabou por mergulhar no passado, de quando ainda era garoto, e ou- viu pelos quatro cantos da “Velha Parnaíba”, os brados de – “É campeão!” – quando o Brasil venceu sua primeira Copa, há mais de cinco décadas. Este homem era José Maria Alves Costa Filho. Zé Maria, como muitos o chamam, nasceu no dia 12 de março de 1952, na cidade de Araioses (Maranhão), porém, ainda com um ano de ida- de, foi levado pelos pais para Parnaíba, cidade que considera sua terra natal. Ele veio ao mundo apenas dois anos após a amarga derrota do Brasil para o Uruguai na Copa que nosso próprio país foi sede, e adquiriu o interesse pelo futebol ainda muito jovem, aos seis anos, quando vencemos por 5 a 2 a Suécia, conquistando, assim, a primeira Copa em 1958. Apenas quatro anos depois, nosso time vencia, pela segunda vez, o torneio mundial, desta vez em cima da Tchecoslováquia, e Zé Maria, agora com 10 anos, já despontava perante os colegas a habilidade que tinha como centroavante, fato que des- pertaria com o tempo a atenção de pessoas ligadas ao futebol em Parnaíba, e que o conduziria para um tempo de glórias e gols inesquecíveis. Ainda na infância, junto aos irmãos Antônio, Raimundo e Alcionei- de, Zé Maria, estudante das escolas José Narciso, Comercial da Parnaíba e, posteriormente, Estadual Lima Rebello, aprendia lições de matemática | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 47 e português, dentre outras, enquanto crescia na prática do futebol, perce- bendo, pouco a pouco, a infância iria terminar e, junto dela, a inocência, a tranquilidade e muitas outras coisas… Na década de 70, aos 18 anos, e já jogador experiente, Zé Maria teve a felicidade de acompanhar o tricampeonato brasileiro, conquistado no México em cima da rival, Itália. Durante alguns anos, jogou nos times e seleções de futebol da cidade e, principalmente, no Payssandu, eterno adversário do Parnahyba Sport Club. Porém, chegou um momento em que Zé Maria teve que deixar o estado do Piauí para ganhar seu sustento, pois a carreira de futebol, até os de dias de hoje, infelizmente, nem sempre assegu- ra quem dela tenta viver, e partindo para o Centro do País, ele abandona as chuteiras, deixando de lado o sonho de ser um artista dos pés para se tornar um nobre trabalhador das mãos. Foi nesse período, passando pelos estados de Goiás e Mato Grosso que Zé Maria casou-se e teve dois filhos, mas a sau- dade o trouxe de volta anos depois, em 1991, para a sua cidade do coração, Parnaíba. Divorciado, casa-se novamente em 1993, e como que numa incrí- vel coincidência ou mágica do destino, o Brasil volta a vencer, desta vez, na Copa dos Estados Unidos e, novamente, sobre a Itália. Daí veio a Copa de 2002, trazendo o pentacampeonato, e hoje Zé Maria trabalha no condomínio no qual resido, e local que tive a oportunidade de conhecê-lo. Com um rádio na mão, e sempre ligado nos jogos do Flamengo, seu time preferido, este veterano do futebol e da vida, já aposentado dos grama- dos, possui um olhar distante, porém sereno, quando lembra do passado e de suas inúmeras vitórias como jogador e ser humano; campeão dos inúme- ros obstáculos que surgiram e ainda surgem do amadurecimento diário de conquistas e derrotas, impostas pelo cotidiano de uma sociedade cada vezmais fria e sem sentimentos. E é com um sorriso cativante que ele termina a conversa, aliás, uma das muitas que já tivemos no decorrer desses três anos de amizade. Quando me despeço deste eterno craque, começo novamente a lem- brar daquela Copa do Mundo de 1994, quando tive o prazer de gritar bem alto: – “É tetra, é tetra!” Da mesma forma que, em 1958, ele vibrou. Alegrias que hoje lhe trazem recordações nostálgicas de um tempo em que a vida era menos complicada e os problemas mais facilmente resolvidos. E num último instante, quase posso ouvi-lo sussurrar, como que apenas para si… “Ainda lembro deste dia, como se tivesse sido há poucas horas…”. Claucio Ciarlini (2010) 48 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | O Desenhista Parnaibano que teima em querer alcançar as estrelas Há milhões de anos luz da terra, na imensidão e frieza do espaço sideral, existe um pirata, ou melhor, um Corsário Azul. Ávido de alcançar e dominar nosso enfermo planeta. E ao mesmo tempo em que este ser, dotado de coragem, astúcia e humor, enfrenta mil aven- turas, lutando contra robôs e espaçonaves em prol de seus desejos, em contrapartida, existe um desenhista (aqui mesmo em Parnaíba) que persegue, a todo custo seus ideais, com bastante humildade, in- teligência e humor. Um ser, de nome Enio Silva, que desde jovem teima em sonhar com as estrelas, mesmo quando estas aparentam estar, bem mais distantes | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 49 do que seu coração possa senti-las. O Corsário Azul, fanzine parnaibano que já possui cinco edições lan- çadas, entre o período de 2006 a 2009, é uma criação do talentoso (e guerreiro) Enio Silva. E é da escrita do próprio Enio, que retiro um trecho (do editorial da edição número três), para que possamos entender um pouco mais de ambos os personagens: O da Ficção e o da Vida Real. “Corsário Azul é o personagem que apareceu para ajudar a extinguir o fraco hábito de leitura em nossa cidade, além de ser criado também para a garotada que curte animes e mangas, histórias criadas por um fanzineiro louco por mangás, que sempre foi doente por animes e que foi contaminado pela inspiração dos mesmos para criação do Fanzine Corsário Azul.” Porém, este dedicado profissional e pai de família, está longe de ser apenas o criador do “Pirata Viajante das Estrelas”. Chargista com forte veia critica, utiliza seu dom de desenhar com brilhantismo e destemor, na luta contra as injustiças sociais e as trapaças políticas existentes no mundo, e não se amedronta perante os desafios e di- ficuldades, sempre levando um sorriso, no lugar de escudo, quando se depara com as hipocrisias e mentiras de uma sociedade leviana. E é nessas horas que fico a pensar, e começo a perceber o quanto de Corsário tem em Enio, e o quanto de Enio há no Corsário… Guardo em meu armário de colecionador, as edições de Corsário Azul, esperando ansiosamente pela sexta edição (contendo, quem sabe, a possível chegada do pirata em nosso planeta), ao mesmo tem- po em que agradeço aos “deuses dos quadrinhos”, por terem me pro- porcionado conhecer este incrível cara, que nunca desiste de lutar, e que nos presenteia a todo instante, com sua criatividade extraordiná- ria e sem limites… Claucio Ciarlini (2009) 50 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | Entre os mestres, os ídolos e os reis Existe um clássico dos quadrinhos americanos que há gerações di- verte e emociona uma porção de adolescentes que, depois, se tornam adultos, mas nunca esquecem dele. Trata-se de Conan, o Bárbaro, personagem criado pelo escritor texano Robert E. Howard em 1932, uma obra literária que, com o tempo, foi adaptada para os quadri- nhos; narra a história de um aventureiro, da era antiga, hábil espada- chim, de disposição violenta e contrária às hipocrisias e fraquezas da civilização de sua época, e que se defrontava com ameaças sobrena- turais sobre as quais sempre prevalecia, fossem elas magos, demô- nios ou outras criaturas de eras perdidas no tempo. Um guerreiro de | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 51 destemida força e enorme coração. Nos últimos anos fui apresentado por um amigo e também colecionador, Isaac dos Santos, a literatura deste bárbaro, que antes o conhecia apenas por alguns filmes, lança- dos nos nostálgicos anos 80. E é justamente depois de ter conhecido a lenda de Conan, que pude entender mais a fundo a personalidade de um de seus maiores fãs, o desenhista, músico e historiador Mauro Júnior Rodrigues Sousa, o Mauro Jr., como os amigos costumam lhe chamar. Nascido em Floriano (PI), em meados de 70, foi trazido pelos pais, para a cidade de Parnaíba quando tinha apenas um ano de idade, cur- sou o primário na Unidade Escolar Lauro Correia, e desde criança já esboçava seus talentos artísticos. Aos sete anos começou a desenhar inspirado nos arquétipos de sua adolescência, o já citado Conan e He-man, um personagem de desenho animado que lutava em prol da justiça. Aos nove anos passou a ler clássicos da literatura mundial, através de uma coleção intitulada Reino Colorido da Criança, uma série de livros, que lhe transmitiram muitas informações, principal- mente sobre cultura e história medieval. No início da adolescência, aprendeu a tocar bateria, inspirado nos seus ídolos do rock, como, por exemplo, as bandas Black Sabbath, Rush e Iron Maiden. Como tam- bém influenciado pelo irmão mais velho José Carlos Ro- drigues Sousa, um excelente guitarrista, no qual Mauro se espelhava e pessoa de fun- damental importância tanto em sua vida como no que diz respeito ao início de sua carreira musical. O garoto, que já demons- trava bastante talento na arte do desenho, passava agora 52 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | também a despontar na música. Em 1988, com 11 anos, ingressou como desenhista na ASARTEP (Associação dos Artistas e Técnicos de Parnaíba), entidade que funcionou durante cerca de dois anos e que tinha como finalidade a integração dos jovens de talento da épo- ca, ajudando-os no amadurecimento de seus respectivos dons. No início da década de 90, Mauro Jr. se une com alguns amigos e juntos fundam a banda de rock n´ roll “Artéria”, que passa a fazer shows no underground de Parnaíba, porém, depois de um tempo, ele deixa a banda e logo ingressa em outra, intitulada “Rabiscos Urbanos”, na qual tinha entre seus integrantes o cantor de renome nacional Teófilo Lima. A banda fez bastante sucesso e ganhou diversos prêmios, mas em 1993 Mauro parte em busca de novos ritmos. Chegou ainda a se integrar em outras bandas, e ao fim do ensino médio já havia evoluí- do bastante sua música e desenho. Um novo milênio surgiu e trouxe um Mauro Jr. mais maduro, já integrante da Banda Municipal de Parnaíba desde 1999. Entra para o curso de pedagogia da UESPI em 2001, e um ano depois une-se em matrimônio com a professora Silvia Milane, de onde geraram até este momento, dois frutos, Letícia e Guilherme. Em 2007, já formado em Pedagogia, ingressa no curso de História – UESPI, e no mesmo ano passa a integrar o grupo fiel de colaboradores do “O Piagüi”, onde com seus desenhos, sejam eles na forma de caricatura, linha clara ou reprodução, trouxe mais riqueza e brilhantismo a este meio de comunicação. E não satisfeito, Mauro Jr. passa a colaborar também com artigos ligados à história, expondo e analisando os resultados de suas pesquisas acadêmicas. Obcecado por quadrinhos de horror dos anos 60, 70 e 80, onde começou a ler influenciado por um amigo Lourival Júnior, o Lourival “Krueger”, (referência ao personagem de terror da série de filmes A Hora do Pesadelo), Mauro Jr. é leitor e colecionador de quadrinhos, hobby que coincide com o meu, já não bastasse a devoção que compartilhamos pelo estudo da História. Desde 1990 (ainda com nove anos de idade), eu havia começado a colecionar heróis em quadrinhos, e admito que sou um apaixona- do por esse mundo de emoção, suspense e aventuradaqueles que nunca desistem e sempre lutam (cada um a seu modo) em prol da | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 53 humanidade. Ter lido essas histórias que iam de Superman a Homem Aranha, passando por Hulk, Homem de Ferro, Batman, me ensinou muito sobre como sobreviver às adversidades, e como sempre fazer o possível para tentar ajudar o próximo. Lições que foram passadas também para esse incrível ser humano conhecido como Mauro Jr., que assim como seu ídolo nos quadrinhos, lutou desde cedo, cres- cendo e amadurecendo em múltiplos dons. E digo desde já que assim como Conan, ao fim de sua jornada, tornou-se rei, por mérito e bra- vura, os mesmos dons levarão Mauro Jr. ao lugar que lhe é de direito, ou seja, entre os mestres, os ídolos e os reis. Claucio Ciarlini (2008) 54 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | De Educadora a Administradora: uma trajetória de fé e resiliência E se durante toda a vida, você tivesse passado por enormes dificuldades, muitas vezes até contemplan- do o abismo, tendo que se reerguer das maiores perdas, armadilhas e traições, porém, mesmo assim, demonstrando, ao fim de cada ciclo de dor, que a sua fé em Deus se tor- nou ainda maior? Há cerca de oito anos, eu tive a honra de conhecer alguém assim, que já viven- ciou os piores cenários, desde a infância, e, ainda assim, não permitiu que o seu coração congelasse e nem tão pouco que os seus sonhos fossem reduzidos a pó. Estou falando de Rosilda Sales Dias, nascida em Parnaíba, na data de 24 de dezembro de 1961 e que possui uma história de vida, das mais desafiadoras. Filha de pais separados, logo ao nascer, tendo sido criada por seus avós até os sete anos, mas que em razão de um lamentável ocorrido, sua vida foi novamente alterada, e para pior: Aos sete anos, meu avô morreu, e fui morar com uns tios meus em Teresina, onde sofri bastante. Para completar, quando eu estava lá, com doze anos, recebi a notícia da morte do meu pai, o que fez com que minha situação piorasse mais, pois além das minhas perdas ain- da muito nova, minha tia havia dispensado todos os empregados da casa e me colocado para trabalhar no lugar deles. Para você ter uma ideia, eu com dez anos, não poderia estudar à noite, mesmo assim | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 55 ela me colocou para estudar nesse turno! Só quando o pessoal des- cobriu, é que fizeram com que ela me colocasse para estudar durante o dia. Porém dias mais felizes estariam por vir, principalmente quando do regresso à Parnaíba: Fiquei em Teresina até os 14 anos, depois voltei e vim morar com minha mãe, pois ela tinha conseguido comprar uma casa no Bairro Santa Luzia, e certo dia, quando tinha meus 14 pra 15 anos, fui no comércio perto de casa comprar uns picolés pros meus irmãos e lá estava o Nery: foi paixão à primeira vista! Todavia, não foi tão fácil, como relata Rosilda: Na época tinha um fazendeiro que tinha pedido minha mão em casamento, e minha mãe tinha aceito sem que eu nem soubesse e daí ela se zan- gou bastante comigo, até me bateu muito e quando Nery descobriu, pediu para que eu fugisse com ele. Eu brinquei, falando que fugir não, mas para casar eu aceitaria! Para que? No outro dia ele já es- tava com meus documentos atrás do fórum, queria casar logo padre e civil. Só que como eu era de menor, minha mãe tinha que assinar. Ela não queria, mas meu irmão, sem eu saber (vim saber há pouco tempo numa reunião de família), tomou a frente e disse para o Nery que eu iria casar, mas que ele tinha de deixar eu estudar até concluir o ensino superior, pois como sempre ele dizia, a pessoa só se torna alguém na vida, se tiver um curso superior, e ele está certo! Sou mui- to agradecida ao meu irmão, assim como aos demais irmãos. Rosilda me relata que muitos pensavam que o casamento nunca duraria… Profecia que não se concretizou, pois no último 24 de setembro, eles comemoraram 38 anos de casamento! No que ela declara: Nery, melhor pai do mundo, melhor marido do mundo, é tudo pra mim! Sempre tivemos uma vivência maravilhosa e pacífica! Depois do casamento, Rosilda concluiu os estudos básicos e ingressou na faculdade. Em meio a esse percurso, com 16 anos, engravidou de Adriano, sete anos depois veio Hielly, e oito meses após nasceu Diony. O primeiro curso que passou, de Administração na UFPI, ini- ciado em 1999, acabou não concluindo, tendo cursado apenas dois 56 | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | anos, mas revela que pôde aprender bastante: as lições aprendidas me servem até hoje. Fez curso técnico de enfermagem, no que traba- lhou por um período de quase três anos no hospital Nossa Senhora de Fátima. Em seguida foi fazer Pedagogia, ao mesmo tempo em que chegou a trabalhar também no escritório do Doutor Antonio Tomás durante alguns anos. Nesse período da faculdade, surgiram também outros trabalhos, como descreve: eu consegui algumas portarias, através da ajuda do meu irmão, na época do Paulo Eudes, também com o professor Iweltiman, que foi meu professor na faculdade, e comecei a trabalhar na Educação, fazer pedagogia e comecei a ser diretora, no que Rosilda compartilha: A primeira vez que fui diretora numa escola, foi na Mário Reis. No primeiro dia, fiz uma reunião na sala de aula com todos, e não cheguei impondo, mas querendo que todos trabalhassem juntos e compartilhassem suas ideias. Rosilda passou também a ministrar aulas: comecei também a dar aula na Educação de Jovens e Adultos, foi aí que eu me apaixo- nei de vez pela Educação, ao ensinar para aqueles senhores e senho- ras, bem de idade mesmo, de 50, 60, 70… Daí quando eu me formei, recebi um convite para dar aula no ensino superior pela primeira vez, foi em São João do Piauí, através da professora Josimeire, que era dona de duas faculdades. Quando eu cheguei lá, estava abrindo curso de pedagogia, era tanta gente que foi preciso transferir a aula para um auditório! Eu saí de lá no dia seguinte sem voz! Para você ter uma ideia, antes de iniciar, eu fui ao banheiro e fiz uma oração pe- dindo a Deus que me concedesse força! A disciplina foi Educação de Jovens e Adultos! E Graças a Deus, os alunos depois assinaram um papel, pedindo para que eu fosse novamente com outra disciplina, e a partir daí fui trabalhar também em outras faculdades e cidades. Cheguei a ministrar aulas todos os finais de semana, foi onde fui jun- tando um dinheiro pra comprar meu carro… Foi um momento muito corrido e muitas vezes tive de passar dias longe de casa, mas também de muitas lembranças boas. Nas eleições de 2004 e de 2008, época dos dois últimos man- datos do prefeito José Hamilton, Rosilda foi candidata a Vereadora, mas segundo ela: no primeiro, eu consegui apenas ser suplente de | Parnaíba, por quem também faz por Parnaíba | 57 vereadora, no segundo, a porca comeu por completo! (risos) Embora a sua carreira política não tenha deslanchado, a fez ficar bastante conhecida em vários locais de Parnaíba. E unindo isso, aos trabalhos já desenvolvidos por ela na Educação como Gestora e professora, Rosilda recebeu no ano de 2009 uma missão deveras im- portante, através de um amigo e professor, dono de faculdade: abrir turmas em Parnaíba e atuar como coordenadora de polo: abri duas turmas aqui, uma em Luís Correia, outra em Chaval. Tudo transcor- ria bem, até que no ano de 2011, veio o falecimento dele, o que a deixou numa situação complicada, pois: as pessoas que se matricu- laram na faculdade, se matriculavam comigo, confiando em mim, eu tive então que procurar outra faculdade que aceitasse a transferência destes alunos, ou seja, tive que “assumir” as turmas… Não foi fácil, mas consegui! Rosilda seguiu então, coordenando as turmas, porém o ano de 2013 traria a mais difícil das tragédias e adversidades que ocorre- ram em sua vida: a perda do filho mais velho, Adriano, pelas mãos da violência. Fato que a mergulhou por um período em depressão, mas que com seu grande poder
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