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Educação de jovens e adultos ANTONIO FERNANDO VIEIRA NEY 1ª Edição Brasília/DF - 2018 Autores Antonio Fernando Vieira Ney Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário Organização do Livro Didático....................................................................................................................................... 4 Introdução ............................................................................................................................................................................. 6 Capítulo 1 Cenário da EJA e da Educação Popular ................................................................................................................ 9 Capítulo 2 Trajetória histórica da EJA e da Educação Popular .........................................................................................24 Capítulo 3 Paulo Freire...................................................................................................................................................................48 Capítulo 4 Políticas Públicas ........................................................................................................................................................59 Capítulo 5 Andragogia e Heutagogia ........................................................................................................................................78 Capítulo 6 A Formação de Educadores para a EJA ................................................................................................................89 Referências ........................................................................................................................................................................98 4 Organização do Livro Didático Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Cuidado Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. Importante Indicado para ressaltar trechos importantes do texto. Observe a Lei Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem, a fonte primária sobre um determinado assunto. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. 5 ORgAnIzAçãO DO LIvRO DIDáTICO Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Posicionamento do autor Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. 6 Introdução A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é imprescindível no mundo atual tendo em vista a necessidade de se transformar as sociedades marcadas pelas injustiças sociais (com grandes concentrações de rendas, desigualdades, pobreza, fome, pessoas analfabetas sem nenhum direito) em sociedades mais justas. Não se pode ignorar o perfil do aluno/aluna que procura esse segmento, pois são pessoas das mais diversas raízes culturais que geralmente migraram de suas regiões para os centros urbanos na procura de melhores condições de vida, moradia, trabalho e oportunidades ou aqueles jovens que já passaram pela escola, mas, sem sucesso, repetiram alguns anos ou séries e acabaram excluídos da escola com baixa escolaridade, sem complementar o próprio ensino fundamental. Muitas vezes, a falta da escola para esses alunos/alunas representa grande constrangimento na família, quando filhos solicitam ajuda aos pais e estes não podem ajudar por não terem tido a educação adequada, ou no trabalho, quando são colocados em posições de subalternidade, inferioridade, simplesmente porque não estudaram. A educação para tais pessoas se torna o elemento excludente. É óbvio que apenas a educação não irá transformar as sociedades, pois, para que isso aconteça, é fundamental que a própria sociedade tenha esse desejo, ou seja, o processo é um tipo de espiral cuja relação entre educação e sociedade tem que ser biunívoca, tem que possuir caminho de dupla via. Assim, a proposição que este Livro Didático apresenta o objetivo para a compreensão do que efetivamente é a EJA, seu histórico e as suas diferenças com a educação básica (ensino fundamental e ensino médio) com o propósito de capacitá-lo a trabalhar na EJA. Ser docente ou trabalhar em outras funções para o desenvolvimento do segmento não é, a nosso ver, igual a trabalhar como profissional da educação básica regular em que as crianças estão com a relação idades e classes adequadas, ou seja, o perfil de alunos é totalmente diferente. As classes de EJA têm uma enorme variedade de idade e necessidades diferentes, o que torna o desafio do processo de ensino-aprendizagem mais complexo. Entretanto, muitas pessoas acabam achando que o sistema regular de ensino é a mesma coisa que EJA, pois analfabeto independe de idade, o ensino fundamental ou médio tem o mesmo conteúdo e que o processo da pedagogia e da didática é idêntico. Essa postura corresponde a um grande erro, pois, como ressaltado anteriormente, o público-alvo é outro; não são crianças em processo de desenvolvimento físico, social e psicológico, mas jovens/adultos que já possuem vivência e experiências de vida. Esse fato reflete no docente, pois aqui ele terá que ter outras competências, habilidades e atitudes, e entender que entre os objetivos da EJA está a emancipação do aluno/aluna de modo que ele tenha conhecimento de si e da sociedade em que está inserido e, principalmente, de seus direitos e deveres. O trabalhar com a cidadania é obrigatório. Para 7 InTRODuçãO facilitar a abordagem da EJA, abrimos espaço para discutir as ideias de Paulo Freire com relação à educação de adultos, principalmente que, a nosso ver, é um sistema e não apenas um método de ensino. No Livro Didático será discutida também a educação popular. Essa disciplina irá tratar de EJA de modo que o aluno/aluna consiga alcançar conhecimentos e competências capazes de permitir o domínio e a compreensão dos conhecimentos para trabalhar na EJA e na Educação Popular. Abordaremos nesta disciplina: » Cenário da EJA. » Trajetória Histórica da EJA. » Paulo Freire. » Políticas Públicas. » Andragogia e Heutagogia, » A formação dos educadores para o EJA. Objetivos » Conhecer a educação de jovens e adultos e seus desafios. » Conhecer a trajetória da EJA e os resultados alcançados. » Compreender as teorias de ensino-aprendizagem para a EJA. » Conhecer o sistema Paulo Freire. » Conhecer um sistema de formação inicial e continuada para educadores do EJA. 9 ApresentaçãoEste capítulo permitirá ao leitor a oportunidade de ter os conhecimentos básicos fundamentais para compreender as conceituações sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e sobre a Educação Popular. Assim, é imprescindível possuir o domínio sobre a conceituação do tema e as exigências sobre o referido segmento educacional. Ele se constitui em um dos maiores desafios da educação, tendo em vista que possui o objetivo da inclusão (grifado pela importância) de milhões de jovens e adultos na sociedade dita do conhecimento, abrindo as portas com a chave da educação para maiores oportunidades no mundo do trabalho. Quando falamos em inclusão, estamos nos referindo ao fornecimento do nível de escolaridade básica (ensino fundamental e médio) e da formação profissional, se necessária, a todos os brasileiros que não tiveram a oportunidade de estudar e concluir tais cursos na idade correta, com isso procurando interromper o processo de exclusão gerado como consequência pela baixa escolaridade. Objetivos » Conhecer a situação da Educação de Jovens Adultos e da Educação Popular no Brasil. » Conhecer o perfil do aluno/aluna da EJA. 1 CAPÍTULO CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR 10 CAPÍTULO 1 • CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR Preâmbulo É do senso comum se afirmar que a educação muda a sociedade e que a educação é prioritária e que é fundamental haver recursos financeiros para investir na educação, pois esta permitirá transformar a sociedade, promover o desenvolvimento social e econômico e diminuir as enormes desigualdades sociais existentes. Quando paramos para verificar a realidade da América Latina de ser o continente de maior iniquidade no mundo cuja minoria privilegiada tem maior diferença de desigualdade social (maior desiquilíbrio de distribuição de renda do mundo) com relação às maiorias empobrecidas, constatamos a importância da educação na ajuda para a mudança desse cenário, mas não para a garantia do crescimento econômico e social. Observe o que Esclarín (2005, p. 24-25) oferece em sua afirmativa: No México, 24 famílias têm renda maior que 24 milhões de mexicanos. Alguns executivos mexicanos ganham 124 vezes mais que seus operários. No Brasil, 10% da população se apodera de 60% da riqueza do país. Tudo isso está provocando, entre outras coisas, a generalização de todo o tipo de violência e o aparecimento de economias ilegais com sequestros, assassinatos encomendados, tráficos de pessoas e de órgãos, a pornografia e a prostituição de adultos e de crianças, o narcotráfico, que é a segunda multinacional, só atrás dos negócios de armas. Estes geram uns quinhentos milhões de dólares por ano, e 97% desses recursos ficam irrigando o sistema financeiro dos países do Norte. (...) As 225 pessoas mais ricas do mundo acumulam uma riqueza equivalente à que possuem 2.500 milhões dos habitantes mais pobres, isto é 47% da população total. Os três personagens mais ricos do planeta possuem ativos que superam o PIB (Produto Interno Bruto) combinado dos 48 países mais pobres. 20% da população mundial se apodera de 80% de todos os recursos da terra, o que demonstra a impossibilidade de que toda a humanidade alcance os níveis de consumo da minoria privilegiada. Esclarín descreve o comentário acima quando aborda o tema globalização no subitem “Vivemos sob o signo da globalização?”. Mas, voltando ao cerne da questão se a educação transforma de fato a sociedade ou não. Não se pode ignorar que a educação muda a sociedade se e somente se esta (sociedade) desejar, ou seja, a educação só será transformadora se a sociedade quiser. Esse fato da relação entre a sociedade desejada (sonhada; a ser transformada) e a educação transformadora pode ser comprovada pela visão de Danilo Gandin (1999) em suas obras sobre planejamento educacional. Este autor apresenta o esquema a seguir: 11 CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 1 Figura 1. A educação e a sociedade Fonte: gandin (1999) Embora a intenção de Gandin seja desenvolver a ideia no sentido de se planejar a educação para se alcançar uma nova sociedade, a ideia é plenamente válida para a EJA. Assim, esse esquema serve para Gandin expor que a sociedade desejada só será alcançada conforme os sonhos e metas estabelecidas (desejadas), se e somente se, tivermos um projeto educativo novo capaz de desenvolver práticas transformadoras, que promovam as transformações sociais. Trata-se de uma construção inovadora, crítica e dinâmica. A crítica serve para se construir e avaliar continuamente se estamos seguindo na direção correta, enquanto a dinâmica é responsável pela evolução. Entretanto, a continuidade e a eternidade de determinadas ideias correspondem ao retorno a um processo continuamente reprodutor, ou seja, voltamos à reprodução conservadora, ingênua e estática. Ingênua porque acredita que a fórmula inicialmente bem-sucedida se repetirá sempre. Um ditado que marca essa ingenuidade é aquele que diz: “em time que está vencendo não se mexe”. A estática vem a reboque pelo simples fato que não se deve mexer em quem está ganhando. Reforçando, conforme vimos anteriormente, que não vamos ser ingênuos de acreditar que a educação por si só irá transformar a sociedade. Para que isso aconteça, é imprescindível que a sociedade tenha esse anseio, ou seja, a educação é uma condição necessária, mas não é suficiente, pois a sociedade tem que possuir vontade política, poder e ação para agir. A teoria e a prática têm que ser uma unidade. Vasconcellos, ao abordar O Planejamento como Método da Práxis Pedagógica destaca a necessidade do planejamento para realizar a transformação citada por Gandin. Para isso, ele aponta como fator fundamental a existência da necessidade de mudar. Entretanto, ele deixa claro que o educador é o sujeito da transformação, pois se tal agente não se colocar na posição de mudar a realidade, ele apenas reproduzirá o existente. Assim, ele afirma: “O planejamento só tem sentido se o sujeito coloca-se numa perspectiva de mudança” (p. 38). E complementa que o planejamento é uma necessidade do professor. (1999, p. 41) 12 CAPÍTULO 1 • CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR Vasconcellos (1999, p. 40) afirma que para se fazer algo, o agente transformador (educador) obrigatoriamente terá que querer e ter poder para realizar. Assim, essas duas condições, querer e poder, se complementarão. Atenção Essa ideia de Vasconcellos do planejamento só tem sentido em uma perspectiva transformadora, não significa que não se deve planejar para a manutenção de uma realidade ou de determinada situação. Sempre deve se planejar as atividades em qualquer tipo de trabalho (educacional ou não). O querer é fruto da vontade e do desejo. A vontade é um motivo consciente, enquanto o desejo é inconsciente. O querer representa efetivamente a necessidade (VASCONCELLOS, 1999). O poder tem duas dimensões básicas: saber e ter. O saber se caracterizará pelo conhecimento (saber propriamente dito), o saber fazer e o saber ser (VASCONCELLOS, 1999). A questão a ser colocada agora e é norteadora para o estudo é: Qual a importância da EJA para a sociedade brasileira? Em um país cujo nível de escolaridade é baixo, a qualificação profissional de grande parte da população insuficiente e caracterizada pela baixa produtividade, a EJA e a Educação Popular se tornam imprescindíveis para a inclusão social e para o próprio desenvolvimento socioeconômico do Brasil. É estranho, mas estamos diante de um sério caso de inclusão social. Por exemplo, entre pessoas de 25 a 34 anos encontramos apenas 10% com curso superior, quando a média dos países componentes da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é da ordem de 34% (OCDE, 2007), estamos em uma situação preocupante. A gravidade se amplia quando vemos que metade da população brasileira com 25 anos ou mais não concluiu o ensino fundamental completo, segundo o Censo de 2010. No meio rural esse índice é alarmante porque chega a 79,6%,enquanto no meio urbano esse índice é 44,2%. Mesmo entre os jovens dessa faixa etária que concluíram o ensino fundamental cerca de 14,65% (16 milhões de pessoas) não concluíram o ensino médio e apenas 11,26% concluíram o ensino superior. A média de escolaridade do brasileiro gira em torno de 7,7 anos, quando, em países desenvolvidos, esse número é da ordem de 12 anos. Verificando a realidade do mundo do trabalho, vamos constatar que essa faixa etária é a de maior índice de desemprego na sociedade brasileira. Em resumo, a EJA e a Educação Popular são imprescindíveis e devem ser repensadas e trabalhadas para contribuir para a mudança da situação desses milhões de pessoas excluídas. 13 CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 1 visitando a EJA Um primeiro ponto a comentar se refere à identidade da Educação de Jovens e Adultos, pois ela não é a mesma da educação básica regular, e Ferrari (2001) destaca este ponto: A Educação de Jovens e Adultos apresenta hoje uma identidade que diferencia da escolarização regular e essa diferenciação não nos remete apenas a uma questão de especificidade etária, mas, primordialmente, a uma questão de especificidade sócio-histórico-cultural. É fundamental ter em mente essa diferenciação quando trabalhamos na EJA, tendo em vista que fica claro que não se trata da repetição do processo de ensino-aprendizagem que deu certo na escolarização regular, dará na EJA. Um erro comum é considerar o jovem da EJA igual ao de mesma idade que estuda no ensino regular e com a mesma visão de mundo e ideais (ideologias). Esse jovem vive e tem uma realidade totalmente diferente. Acrescenta-se que esse problema se agrava quando observamos a diferença de idades dos diversos alunos nas turmas de EJA, o que se torna um desafio maior para o docente. Ferrari (2001) deixa claro este erro quando afirma: “O jovem participante da educação de Jovens e Adultos é percebido como uma pessoa”, cujas condições de existência remetem à dupla exclusão, quer dos seus pares de faixa etária quer do sistema regular de ensino, por evasão ou reprovação. Vale ressaltar que esse aluno que é pertencente ao mundo do trabalho, ou do desemprego, como é mais comum, incorpora-se ao curso da EJA, objetivando, na maioria das vezes, concluir etapas de sua escolaridade para buscar melhores ofertas do mercado de trabalho por sua inserção no mundo letrado. Desta forma, assemelha-se ao adulto que sempre buscou este tipo de curso para sua formação, mas diferencia-se dele em suas condições biológicas e psicológicas, apontando para uma demanda diferente da do adulto no atendimento escolar. Outro ponto integrado à identidade refere-se à importância de se conhecer o perfil do aluno/aluna da EJA de modo que em sala de aula seja trabalhado todo o processo de ensino-aprendizagem com a vivência e a experiência de vida de cada aprendiz, inclusive para evitar o erro comentado anteriormente. A vivência e a experiência vão permitir desenvolver a contextualização no processo de ensino-aprendizagem da EJA. Paulo Freire (apud OSÓRIO, 2003, p. 135) confirma tal procedimento e nos dá uma lição primorosa quando afirma: “Todo o processo de educação de adultos implica o desenvolvimento crítico da leitura de mundo, que é um trabalho político de conscientização”, e complementa: “Jamais aceitei que a prática educativa devesse limitar-se apenas à leitura do texto, mas que ela devesse incluir também a leitura do contexto”. (idem, p. 140). 14 CAPÍTULO 1 • CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR Atenção Estas duas frases (“Todo o processo de educação de adultos implica o desenvolvimento crítico da leitura de mundo, que é um trabalho político de conscientização” e “Jamais aceitei que a prática educativa devesse limitar-se apenas à leitura do texto, mas que ela devesse incluir também a leitura do contexto”) de Freire permitem se fazer uma reflexão a respeito de se trabalhar com a vivência e a experiência do aluno/aluna na sala de aula, pois são estes elementos que provocarão a motivação e o desenvolvimento da consciência crítica. » Você concorda? » Como usar esse caminho? A EJA/Educação Popular tem a missão de cumprir as três funções fundamentais com relação ao seu público-alvo, conforme previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA (PARECER nº 11/2000, apud CARNEIRO, 2015, p. 454): Função reparadora: recuperação de um direito negado ao cidadão na idade própria. Com essa medida, assegura-se-lhe a reintrodução no circuito dos direitos civis; Função equalizadora: recuperação do direito à igualdade pela ampliação das possibilidades de acesso, permanência e aprendizagem sequenciada via educação escolar. Função qualificadora: recuperação do direito de aprender a aprender, aprender sempre, capacitar-se para o exercício da educação permanente, ampliando-se as chances de viver adequadamente na sociedade do conhecimento como um cidadão ativo, participativo e socialmente produtivo. (Grifos nossos) A conjunção e a integração de funções comprovam a importância da EJA/Educação Popular e a preocupação não é apenas com o acesso à escola, mas que o jovem ou adulto se mantenha na escola. Quando observamos que a LDB, em seu art. 39, § 2º, determina: “A educação profissional e tecnológica abrangerá os seguintes cursos: I – de formação inicial e continuada ou qualificação profissional;(...)”, podemos concluir a preocupação com a permanência na escola, não só com a escolaridade mínima, que corresponde à Educação Básica, mas, também, com a formação e qualificação profissional necessária a inclusão social. Contexto A história social do País tem três movimentos essenciais definidos por pesquisadores para se compreender a própria história: » Independência ou morte. 15 CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 1 » Ordem e Progresso. » Nacional-Desenvolvimentismo. (JARDILINO; ARAÚJO, 2014, p. 41). Tais movimentos buscaram o desenvolvimento e crescimento econômico do País saindo de um país monoagricultural exportador para um país industrial. Jardilino e Araújo (2014) afirmam que independente da análise de cada um desses processos em todos aconteceram desenvolvimentos, mas sempre com as marcas da desigualdade social. Essas marcas, desde o período do Brasil Colônia até os nossos dias, estão presentes na sociedade brasileira. Octávio Ianni (2004, p. 85, apud JARDILINO; ARAÚJO, 2014, p. 43) descreve esta problemática ao afirmar: O Brasil moderno parece um caleidoscópio de muitas épocas, formas de vida e trabalho, modos de ser e pensar. Mas, é possível perceber as heranças do escravismo predominando sobre todas as heranças. As comunidades indígena, afro-brasileira e camponesa (esta de base cabocla e imigrante) também estão muito presentes no interior da formação social brasileira no século XX. As culturas gaúcha, caipira, mineira, baiana, amazônica e outras parecem relembrar “ciclos” de açúcar, ouro, tabaco, gado, borracha, café e outros. Subsistem e impregnam o modo de ser urbano, burguês, moderno da cultura brasileira dominante e oficial. Jardilino e Araújo (2014, p. 44) complementam esse cenário quando afirmam: O século XX é síntese desse processo no Brasil. O período está plamasdo por uma ideia fixa: recriar o País à altura daquele século e torná-lo para o contexto/ mundo moderno, para que pudesse dialogar com o mundo. Em suma, há uma questão nacional implícita, ou melhor, posta na tarefa de preparar a protonação para a urbanização, a industrialização, a modernização, enfim, “recivilizar” o Brasil para o contexto/mundo. O desequilíbrio social marcado pelo desenvolvimento brasileiro implicou várias questões sociais que se tornaram o cerne dos problemas e desequilíbrios nacionais. Esse desequilíbrio inclui a baixa escolaridade da população brasileira, que dificulta ou limita o próprio desenvolvimento tecnológico e econômico do País. Mais uma vez, Octávio Ianni (2004, p. 103, apud JARDILINO; ARAÚJO, 2014, p. 43) nos dá uma lição: A históriada sociedade brasileira está permeada de situações nas quais um ou mais aspectos importantes da questão social estão presentes. Durante um século da república, compreendendo a oligarquia, a populista, a militar e a nova, essa questão se apresenta como um elo básico da problemática. A Tabela 1 serve para comprovar essa baixa escolaridade com as pessoas acima de 25 anos e que boa parte serão os alunos /alunas da EJA/Educação Popular. 16 CAPÍTULO 1 • CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR Tabela 1. Distribuição das pessoas de 25 anos ou mais de idade, por grupos de anos de estudo – Brasil 2007/2014 Fonte: <http://brasilemsintese.ibge.gov.br/educacao/anos-de-estudo.html>. Acesso: 8/12/2016. Tendo em vista que a simbologia das cores da figura não está completa, apresentamos a relação de todas as faixas a seguir: » Sem instrução e menos de um ano. » Um a três anos. » Quatro a sete anos. » Oito a 10 anos. » 11 a 14 anos. » 15 ou mais anos. » Não determinado. Em uma análise simples da Tabela 1, constatamos que em 2007 temos um total 66,2% da faixa dos Sem instruções e menos de um ano até a faixa de oito a 10 anos e que evoluiu para 57,4% em 2014. Se considerarmos a faixa de 11 a 14 anos, teríamos um acréscimo de 24,7% em 2007 e 30,1% em 2014. Esses números são preocupantes quando observamos que os anos de escolaridade dos países desenvolvidos e da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apresentam a maior parte de suas populações com educação básica completa, ou seja, no mínimo, com 12 anos de escolaridade. http://brasilemsintese.ibge.gov.br/educacao/anos-de-estudo.html 17 CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 1 Atenção O Unesco’s Statistics on Education, 2010 apud Carneiro (2015, p. 104) apresenta a tabela a seguir com o percentual da população com Ensino Médio: Países % Inglaterra 94 Israel 94 Alemanha 91 Hong-Kong 90 França 88 Malásia 85 grécia 80 Tailândia 73 Hungria 72 Chile 70 uruguai 70 Itália 69 Indonésia 62 Argentina 61 Índia 48 BRASIL 35 Essa tabela apresenta o desafio do Brasil para estabelecer as políticas públicas educacionais no sentido de capacitar a população para o desenvolvimento e o crescimento econômico e social. A criação de empregos e renda envolve a necessidade de capacitação de pessoal para trabalhar com as novas tecnologias. Acrescenta-se a esse problema da baixa escolaridade o fator do analfabetismo funcional no qual uma série de pessoas ditas como alfabetizadas não consegue ter um padrão mínimo aceitável de leitura para o exercício profissional. Reflita sobre a situação em si e o papel da EJA/Educação Popular neste cenário. Diferenças entre mundo do trabalho e mercado de trabalho Recorrendo a Carneiro (2015, p. 466) encontra-se o seguinte comentário para se fixar a diferença entre o mercado de trabalho e o mundo do trabalho: Mundo do Trabalho e mercado de trabalho são conceitos diferentes. O primeiro refere-se ao trabalho como expressão humana de conteúdo cultural. O segundo vincula-se ao trabalho como expressão de mercado, portanto, expressão de postos fixos de trabalho na ampla moldura do chamado trabalho produtivo. Assim, é de todo necessário esclarecer a compreensão da expressão trabalho produtivo. A educação profissional e tecnológica conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva, ou seja, para o mundo do trabalho. Porém, não só para isto, uma vez que esta educação profissional deve estar integrada às diferentes formas de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. Portanto, também, ao mercado de trabalho, isto é, ao espaço socioeconômico 18 CAPÍTULO 1 • CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR do mercado de trabalho, dos postos fixos de trabalho, do emprego e do exercício qualificado das atividades profissionais realizadas por trabalhadores assalariados. É fundamental se compreender a sutileza da diferença dos dois conceitos, pois o mundo do trabalho é uma conceituação mais ampla e defendida por vários autores como meta de formação profissional. Seria a preparação da pessoa para o trabalho com sólida base de conhecimentos teóricos em termos científicos e tecnológicos. Aqui se une qualificação profissional e consciência crítica. A formação profissional para o mercado de trabalho tem uma preocupação com o posto de trabalho que o aluno /aluna exercerá em sua vida profissional. Sob determinado aspecto se busca formar a pessoa para o exercício de função da profissão ou ocupação profissional a ser exercida. A essência é a oferta de conhecimentos/competências, habilidades e atitudes apenas necessárias ao desenvolvimento do exercício do trabalho no posto respectivo. Aqui se tem uma questão fundamental de opção para a preparação dos cursos e currículo da educação profissional e do próprio ensino médio. A EJA/Educação Popular também tem essa questão em meta. Educação de Jovens e Adultos (EJA) O Brasil busca abater a sua dívida social para com as pessoas que não estudaram na idade própria com a Educação de Jovens e Adultos (EJA). A EJA é uma modalidade de ensino que visa atender pessoas com faixa etária superior à considerada própria no Ensino Fundamental e Ensino Médio. São pessoas com defasagem escolar provocada por não terem acesso à escola ou por causa de evasão por diversos motivos. O inciso I do art. 208 da Constituição Federal preconiza que é dever do Estado a garantia do Ensino Fundamental obrigatório e gratuito para todos, independentemente da idade. A amplitude da carência escolar de adultos e jovens, na situação de EJA, é bem variada, tendo em vista que vai da pessoa totalmente analfabeta, passando pelo analfabetismo funcional e termina naqueles que não possuem o ensino fundamental ou o ensino médio incompleto. Esse cenário gera a exclusão social que impede a participação de tais pessoas adequadamente no mundo do trabalho ou no exercício da cidadania. A vida produtiva de tais pessoas é limitada e com quase nenhuma oportunidade de desenvolvê-la dentro dos padrões que um cidadão tem de direito. Um ponto fundamental é que a EJA, como toda a educação com qualidade, tem que ter a organização estruturada, forma sistemática e contínua. O Poder Público tem a responsabilidade de tomar as medidas/ações para viabilizar o acesso e a permanência dos trabalhadores na escola. É fundamental que os sistemas educacionais/as escolas ofereçam as oportunidades educacionais flexíveis e apropriadas de acordo com as necessidades dos alunos/alunas, tendo em vista as 19 CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 1 condições de vida e de trabalho. (CNE/CEB, 2010). A flexibilidade deve acontecer com relação ao tempo, espaço e currículo de modo que: I. haja possibilidade de percursos individualizados com conteúdos adequados para os jovens e adultos em opção ao ensino regular para crianças. II. o processo de ensino-aprendizagem tenha atenção individualizada para cada estudante com intuito de atender as sus necessidades por meio de trabalhos /atividades variadas;. III. haja um contínuo processo de motivação e orientação aos estudantes com o propósito de: › mantê-los na escola com participação efetiva nas aulas; e › ajudá-los na melhoria do aproveitamento e desempenho. A palavra motivação representa o maior esforço que a escola e os docentes deverão realizar para que o estudante permaneça na escola e efetivamente aprenda. Essa ação para promoção da motivação tem que acontecer desde o primeiro contato com o aluno/ aluna. IV. haja a execução de atividades e vivências socializadoras, culturais, recreativas e esportivas que integrem e valorizem a formação dos estudantes, lembra-se que o público alvo do EJA normalmente não tem acesso à cultura e à eventos de natureza semelhante. V. – seja promovido o desenvolvimento de perfis profissionais (competências, habilidades e atitudes) para o trabalho. Atenção A descrição da EJA posta nos parágrafos anteriores é resumida no trecho doParecer CNE/CEB nº 11/2010 que merece uma reflexão: A Educação de Jovens e Adultos (EJA), voltada para a garantia de formação integral, abrange da alfabetização às diferentes etapas da escolarização ao longo da vida, inclusive àqueles em situação de privação de liberdade, sendo pautada pela inclusão e pela qualidade social. Ela requer um processo de gestão e financiamento que lhe assegure isonomia em relação ao Ensino Fundamental regular, um modelo pedagógico próprio que permita a apropriação e contextualização das Diretrizes Curriculares Nacionais, a implantação de um sistema de monitoramento e avaliação, uma política de formação permanente de seus professores, formas apropriadas para a destinação à EJA de profissionais experientes e qualificados nos processos de escolha e atribuição de aulas nas redes públicas e maior alocação de recursos para que seja ministrada por docentes licenciados. Muitos docentes que defendem a aplicação dos mesmos métodos de alfabetização e aprendizagem de crianças em adultos. Em função da afirmativa e do texto acima, reflita sobre o que o tema e quais são as preocupações do CNE/CEB sobre a EJA que ele procura esclarecer no texto. 20 CAPÍTULO 1 • CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR O primeiro ponto do CNE/CEB levanta é o da formação integral e esse fato merece uma reflexão sobre o que é formação integral. Antonio Gramsci (1995, p. 118 apud CAMPELLO, 2009, 139), apresenta a seguinte concepção para a formação integral propondo uma escola única (politecnia). Esta concepção pode ser resumida em: Escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre equanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectualmente. Deste tipo de escola única, através de repetidas experiências de orientação profissional, passar-se-á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho produtivo. Na realidade, a escola única (politecnia) defendida por Gramsci tem o objetivo de acabar com a dualidade educacional celebrando as novas relações entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, principalmente agregando a educação escolar à vida cultural e social. O que se pretende é que o estudante esteja preparado não só para o exercício de uma profissão, mas, também, para a cidadania. Outro ponto citado na reflexão se refere à “isonomia em relação ao Ensino Fundamental regular” e a existência de “um modelo pedagógico próprio que permita a apropriação e contextualização das Diretrizes Curriculares Nacionais”. Ao analisar a proposição encontra-se uma preocupação do CNE/CEB que deixa claro que a EJA não é o mesmo que o Ensino Fundamental regular, mas que deve ter isonomia e, principalmente, um modelo pedagógico próprio. A preocupação fica ampliada com relação ao docente (educador), pois este deve ter se licenciado, experiente e com formação adequada para a EJA. Educação Popular Esclarín (2005, p. 18) apresenta a seguinte conceituação para a educação popular: A Educação Popular é aquela que é dada aos pobres os habitantes dos bairros, os camponeses, os indígenas, todos os que se encontram marginalizados ou excluídos do poder político, econômico e social. Ao ser utilizada a expressão popular tem-se a ideia claramente no imaginário de que se trata de uma educação de segunda categoria, algo inferior. Essa categorização predomina na maior parte da sociedade brasileira, significando a coisa do povão e não um “serviço” de qualidade como são os oferecidos para a elite e a classe hegemônica/rica. Aliás, esse pensamento já predominou até 21 CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 1 na educação profissional regular, inclusive com o Presidente Nilo Peçanha, ao justificar a criação de escolas técnicas em 1909 utilizou a expressão de escolas para desvalidos da sorte. Muitos estudiosos entendem que a Educação Popular corresponde a uma educação livre, informal, de formação em si, treinamento ou algo específico para adultos. Outros pensadores defendem a posição de que não teria sentido existir uma educação popular tendo em vista que a educação é igual para todos. Discorda-se dessa visão, pois a concepção de Educação Popular é exatamente outra, pois esta tem a proposição de construir um cidadão na concepção da palavra – conhecedor de si e da sociedade em que está inserido – para uma sociedade mais justa. A globalização é excludente para aqueles que são a maioria. A grande questão que se enfrenta em um mundo de globalização, neoliberalismo e pós- modernidade é: Como desenvolver uma Educação Popular nesse contexto? Quando observamos que o número de pobres, desempregados e excluídos aumenta no dia a dia, a Educação Popular tem maior importância e deve ter maior atuação, de modo a oferecer uma formação inicial ou continuada a essas pessoas para que tenham uma vida mais digna e consigam conhecer e exercer os seus direitos. Segundo Esclarín (2005, p. 19), a Educação Popular pode ser “entendida como um movimento alternativo, diferente das práticas educativas tradicionais, com o objetivo de promover uma sociedade mais democrática e mais justa”. Mas essa Educação Popular tem que ter a sua intencionalidade transformadora. Esclarín chama a atenção para o objetivo da Educação Popular que deve ser: “...formar pessoas solidárias e cidadãos responsáveis, capazes de imaginar um modelo de sociedade diferente e de comprometer-se com sua construção”. t Mas a concepção de Freire e Nogueira (2014, p. 33) sobre a Educação Popular é a seguinte: Entendo a educação popular como o esforço de mobilização, organização e capacitação das classes populares; capacitação científica e técnica. Entendo que esse esforço não se esquece, que é preciso poder, ou seja, é preciso transformar essa organização do poder burguês que está aí, para Atenção Em resumo, Esclarín (2005, p. 19-20) concebe a Educação Popular “como uma proposta ética, política e pedagógica para transformar a sociedade, de modo que os pobres e excluídos se transformem em sujeitos de poder e atores de suas vidas, e como um projeto humanizador de sociedade e de nação”. Essa concepção traz dois aspectos fundamentais: uma é a transformação da pessoa e a outra é a transformação da sociedade. 22 CAPÍTULO 1 • CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR que se possa fazer escola de outro jeito. Em uma primeira “definição” eu a aprendo desse jeito. Há estreita relação entre escola e vida política. (...) Agora...depois que entendo como mobilização, depois que a entendo como organização popular para o exercício do poder que necessariamente se vai conquistando, depois que entendo essa organização do saber ...compreendo o saber que é sistematizado ao interior de um “saber-fazer” próximo aos grupos populares. Então...se descobre que a educação popular tem graus diferentes, ela tem formas diferentes. Ao ler a citação acima pode ser inferido que a proposta de Paulo Freire se relaciona com uma formação acadêmica agregada a uma formação política. Veja que é dita a questão da transformação que comentamos no início do capítulo. Assim, destacam a necessidade de mobilização, organização e capacitação envolvendo as classes populares. Reafirmam a capacitação científica e técnica de modo que não se pode pensar em um processo de ensino-aprendizagem reduzido a um mero treinamento ou instrução para a preparação para o exercício de uma função, mas em um processo mais desafiador que aproxima escola e vida política. É importante observar que Freire e Nogueira chamam a atenção para a existência de graus e formas diferentes, o que é fundamental se ter em mente. Certificação Profissional A realidade nacional obriga que se tenha um sistema de certificação profissional que reconheça os saberes dos trabalhadores alcançados no mundo trabalho. Não interessa como o trabalhador obteve as competências profissionais, mas se de fato ele sabe e domina o conhecimento daquela profissão e tenhacondições para prosseguir os seus estudos na busca de uma melhor qualidade de vida. Observe o importante texto de Alexim e Lopes (2003, p. 3-4) desenvolveram para apresentar as duas formas de certificação no Brasil: Existem, hoje, duas formas de certificação, organizadas de acordo com os distintos propósitos, público-alvo e grupos de interesse que as orientam. De um lado, a certificação regulamentada do ensino de diferentes níveis – fundamental, médio e superior, incluindo o ensino médio técnico, mas mantendo a dissociação entre certificação e formação profissional (a educação profissional básica); e, de outro lado, as medidas “alinhadas com as demandas do mercado de trabalho, interessadas no reconhecimento formal de competências adquiridas e acumuladas no exercício de trabalho”, com a finalidade de aumentar a competitividade do sistema produtivo e/ ou “organizar e valorizar o mercado de trabalho”. (Grifos nossos) 23 CEnáRIO DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 1 A primeira forma segue a rigidez do processo educativo, enquanto a segunda forma tem a sua estruturação na demanda de mercado e não possui o intuito da inclusão social e do reconhecimento das competências que a pessoa efetivamente aprendeu no mercado de trabalho. A integração à EJA da certificação profissional pode ser um grande passo para solucionar o problema desde que sistematizada e planejada com cuidado. Entretanto, tem que se ter cuidados com a organização e a estruturação de um sistema de certificação profissional para que ele não se torne um novo “filtro” de acesso ao mundo do trabalho, principalmente porque o nível da escolaridade brasileira é muito baixo e os pré-requisitos para a certificação podem se tornar limitadores com relação à certificação. A certificação do EJA tem que pensar no aproveitamento de estudos da educação básica, mas, também, das competências que o estudante possui oriundo das suas experiências e vivências do mundo do trabalho. Não interessa “o como” aprendeu ou registros para comprovação. Ele deve ser submetido a uma avaliação para comprovar as competências que possui. Resumo Vimos até agora a: » A discussão se a educação transforma ou não uma sociedade. » A diferença entre o mundo do trabalho e o mercado de trabalho. » A concepção da Educação de Jovens e Adultos. » A concepção de Educação Popular. » A concepção de certificação na EJA. 24 Apresentação Neste capítulo teremos a oportunidade de compreender a trajetória da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e da Educação Popular no Brasil. O objetivo da trajetória é se ter uma ideia da importância dada a EJA e a Educação Popular no País ao longo do tempo, as experiências realizadas e pontos que merecem ser pesquisados e refletidos de modo que se consiga, no futuro, a melhor solução para a formação de adultos. Objetivos » Compreender toda a trajetória da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Educação Popular. » Entender a importância da educação de jovens e adultos para a inclusão social e para o desenvolvimento econômico e social. 2 CAPÍTULO TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR 25 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 2 Cenário da Situação nacional Preâmbulo Ao se analisar a história do Brasil constata-se que desde o descobrimento pelos portugueses o modo produtivo foi um modelo capitalista monocultural escravocrata, ou seja, o modo de produção escravocrata. Mesmo com a Independência do Brasil em 1822, a escravidão permaneceu até 1888. Um ano após ocorreu a Proclamação da República. O café era o produto que praticamente sustentava o Brasil. Ao longo dessa parte da história do Brasil não existiu investimento em educação para a população, principalmente a escrava. A educação era de natureza humanística e sem relação com a tecnologia utilizada no processo produtivo. A própria educação profissional era algo inferior, visto que o trabalho era “coisa” de escravo e a supervalorização do diploma fruto dos títulos de nobreza do Império era verdadeiro. Esse cenário levou o Brasil a entrar no século XX com uma população que tinha 74,4% de analfabetos e o Distrito Federal (cidade do Rio de Janeiro) sendo a única exceção. Em todos os demais estados do País o quadro era terrível, com elevado índice de analfabetismo, sendo que a média nacional era de 746 analfabetos para cada mil habitantes. (CENSO de 1906). A população brasileira era da ordem 18 milhões de brasileiros com 80% vivendo no campo. As primeiras escolas de aprendizes profissionais são criadas pelo Presidente Nilo Peçanha em 1909, embora sem relacionamento com o processo produtivo ou tecnológico do País. A proposta era atender os “desvalidos da sorte”. Entre os anos de 1889 e 1930 ocorreram várias políticas públicas de educação, mas fragmentadas e pontuais sem objetivos ou metas de longo prazo, de modo geral, tinham preocupação com o ensino secundário, mas centrado na elite. Assim, as reformas de Benjamim Constant, Epitácio Pessoa, Rivadávia Correa e João Luiz Alves/Rocha Vaz, embora com boas intenções e propostas, não deram os resultados esperados. O cenário só começa a mudar com a Revolução de 1930, quando o País entra em crise com a queda do café e da borracha. Acontece que a classe média com interesse em um país industrializado, mais justo socialmente, torna-se a base de sustentação política nacional junto a uma nova oligarquia nascedoura no período que se tornará hegemônica. A oligarquia predominante até a Revolução de 1930 acaba se integrando à nova emergente. O governo Vargas, de fato, investe na educação, promovendo a criação do Ministério da Educação, do Conselho Nacional de Educação, das universidades e por meio de leis orgânicas desenvolve a estruturação e a organização do sistema educacional, essa última ação já nos anos 1940. A intenção da industrialização e de modificar o País é marcante. 26 CAPÍTULO 2 • TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR Além da estruturação da educação são criados os cursos técnicos de nível médio (ex-2º grau) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) que se tornará hegemônico com relação à formação da classe operária que apareceu nos anos 1920. Segundo o Anuário Estatístico do Brasil do IBGE, a população brasileira passa de 20 milhões em 1920, chegando a cerca de 40 milhões pessoas nos anos 1940 e a 52 milhões na década seguinte, com um forte processo de transferência demográfica do campo para a cidade. Em 1940 já tínhamos 31,24% das pessoas nas cidades. Esse processo era fruto da busca de oportunidades de trabalho e melhoria de qualidade de vida. Em 1940, o Censo Populacional acusa que a população brasileira maior de 15 anos analfabeta era de 56%. (FÁVERO, 2015). O desafio de se pensar na Educação de Adultos (denominação que aparece a EJA) só inicia em 1947 para vários autores com as campanhas promovidas pelo Ministério da Educação e Saúde (MES). A Lei nº 1.920, de 25 de julho de 1953, alterou o Ministério da Educação e Saúde, criando o Ministério da Saúde. Retornando a MES, Bernardim (2007) afirma que as principais ações do governo federal para a educação de adultos seriam: Quadro 1. Principais Ações do governo Federal Ano Ações do Governo 1945 Campanha da Educação de Adultos e Adolescentes (CEAA) Criado em 1945, mas oficializado apenas em 1947. 1957 Campanha nacional de Erradicação do Analfabetismo (CnEA) Criado pela Lei nº 3.327-a/1957, de JK. 1964 Plano nacional de Alfabetização (PnA) nascido da experiência do método Paulo Freire por meio do Decreto nº 53.465, de 21/1/1964. Contudo, o golpe Militar de março de 1964 extinguiu o Plano em 14/4/1964. 1967 Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) 1971 Ensino Supletivo Lei nº 5.692/1971 1985 Fundação Educar Extinta pelo Presidente Fernando Collor em 17/3/1990. 1990 Programa nacional de Alfabetização e Cidadania (PnAC) 1996 Programa Alfabetização Solidária (PAS) Programa nacional de Reforma Agrária Recomeço (PROnERA).Que previa apoio financeiro a estados e municípios das regiões norte e nordeste + 389 municípios com baixo IDH. O Ensino Supletivo passa a ser conceituado como Educação de Jovens e Adultos (EJA) 2003 Programa Brasil Alfabetizado Fonte: Adaptado de Bernardim (2007) apud Romanzini. 27 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 2 Os primeiros projetos Osmar Fávero (2015) em seu texto Memória da educação de jovens e adultos (1947-1967) afirma que a alfabetização de adultos é considerada um problema nacional sério desde meados dos anos de 1940, o que confirma o comentário de Bernardim com relação às primeiras políticas governamentais sobre o assunto. Ele acrescenta que ocorreram manifestações anteriores desde o Brasil Colônia, mas de forma pontual. O Império brasileiro chegou a decretar que o Exército fizesse a escolarização de primeira à quarta série do antigo primário para todos os recrutas que chegassem analfabetos e, entre os anos de 1920-1930 acontecem experiências importantes no ensino supletivo de adultos em função do trabalho de Paschoal Lemme no decorrer da gestão de Anísio Teixeira na Secretaria de Instrução Pública do Distrito Federal. (FÁVERO, 2015). Fávero (idem) acrescenta que não ocorreu nenhuma ação efetiva do Estado, igrejas, organizações (denominada nos dias atuais de sociedade civil) até meados dos anos de 1940. É interessante destacar que o autor chama a atenção para o fato que “educação popular correspondia a ensino primário para crianças das camadas populares: classe média baixa e população pobre”. O nome de Paschoal Lemme, segundo Fávero, representa pioneirismo, pois ao se candidatar ao cargo de técnico de educação do Ministério da Educação e Saúde 1 apresenta a monografia Educação Supletiva. O analfabetismo era visto como uma praga que deveria ser combatida, inclusive o analfabeto era dado como um uma pessoa incompetente, quase um inválido. A frase: “Ou o Brasil acaba com o analfabeto ou o analfabeto acaba com o Brasil” é um exemplo do que aparecia nas conduções, rádios, campanhas e outras, entretanto, as políticas públicas não existiam como já foi comentado. (FÁVERO, idem). Essa postura muda nos anos de 1960, quando o problema é posto nos seguintes termos: o problema não era o analfabetismo e alfabetizar não era a solução. Na verdade, o problema era a miséria do povo, o meio rural sem escolas ou com um arremedo delas. Nos anos 1960, criou-se um dito, que representava uma nova postura: o problema não era o analfabetismo e alfabetizar não era a solução. Na verdade, o problema era a miséria do povo, o meio rural sem escolas ou com um arremedo delas. (FÁVERO, 2015) Essa nova postura significava que o problema não era apenas de natureza educacional, mas, também, de natureza política, ou seja, o processo educacional deveria ser outro mais crítico. Tal postura é montada em função do pensamento e das iniciativas determinadas por Paulo Freire em seu Sistema de Alfabetização em 1962-1963. 28 CAPÍTULO 2 • TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) Fávero (2015) afirma: A CEAA – Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, a primeira grande movimentação promovida pelo Estado, criada e coordenada pelo então Ministério da Educação e Saúde, começou em 1947 e foi bastante influente até meados dos anos 1950. Foi uma campanha muito ampla, importante naquele momento da redemocratização do Brasil. Acabara o Estado Novo, Getúlio Vargas havia sido deposto em 1946, havia sido proclamada a nova Constituição, retomando as bases da democracia liberal proposta pela Constituição de 1933. A CEAA teve grande penetração em praticamente todos os estados da federação. Com firme coordenação de Lourenço Filho, estabeleceu convênios com muitas secretarias dos estados e municípios. Não se limitou a atuar nas capitais, atingiu muitas cidades do interior. Significou, ao mesmo tempo, um movimento de alfabetização de adultos e um movimento de extensão da escolarização no meio rural. Embora se definindo como educação de adultos, a Campanha limitou-se à alfabetização; foi mesmo muito criticada por ter se tornado uma “fábrica de eleitores”. Estava-se fazendo a recomposição dos partidos políticos, preparavam-se eleições, a educação de adultos restringia-se à alfabetização e o processo de alfabetização restringia-se a ensinar a assinar o nome para se obter o título de eleitor; “ferrar o nome”, como Paulo Freire criticou mais tarde. (Grifos nossos). Pelo trecho exposto constata-se que a campanha se resumia praticamente a ensinar a pessoa a escrever o nome, embora houvesse a necessidade de alfabetização de adolescentes, jovens e adultos para industrialização do País determinar outros requisitos. É lógico que somente assinar o nome não resolveria o problema. O comentário de Paulo Freire era claro, tendo em vista que é fundamental que a pessoa tenha uma formação capaz de conhecer a si e a sua sociedade, bem como exercer a própria cidadania. A visão de Freire não era apenas para a pessoa ser um eleitor, mas um cidadão. Acrescenta-se que à época só podia votar quem fosse alfabetizado. A Unesco tinha um projeto de educação de base para países como o Brasil. Mas o que era essa educação de base? Fávero (2015, p. 3-4) afirma que a educação de base era: O conteúdo da escola primária, da boa escola primária de seis anos ou oito anos na Europa, proposto para aqueles que não tinham tido a oportunidade de escolarização na “idade própria”; naquele tempo, entre sete e dez anos; hoje, de sete, e mesmo seis, a quatorze. Esse conteúdo era muito amplo; propunha-se o desenvolvimento da capacidade de ler, escrever e contar, noções de higiene e saúde, moral e civismo, noções de política…Acredita-se que esse conteúdo ficou praticamente restrito ao que normalmente se fazia, e creio que ainda hoje se faz 29 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 2 isso em muitas escolas rurais: nos primeiros e segundo anos, ou nas primeiras e segunda fases da escolarização que, na verdade, não é mais do que a alfabetização. Em se falando de educação de adultos, obviamente há fortes motivações para ser alfabetizado, válidas sempre: ler a Bíblia, escrever cartas para e ler carta de parentes, não precisar depender da ajuda de um filho ou de um vizinho para isto, tirar o título de eleitor etc. Esses motivos existiam naquele tempo, e existem até hoje, ampliados por outras necessidades, principalmente nas cidades, nas quais vivemos mergulhados no que chamamos de “sociedade letrada”. Essa proposição da Unesco estava muito acima do que a CEAA oferecia, pois o parágrafo citado resumia muito bem o que a organização internacional pensava e o que a política pública brasileira oferecia. Analisando as escolas instituídas com a CEAA verifica-se improvisação que inclui até os professores. Com relação ao material didático, mesmo considerando que tinha o propósito da educação de adultos era pobre, segundo Fávero (2015). Fávero (idem) descreve as cartilhas do seguinte modo: As cartilhas distribuídas pelo Ministério da Educação foram elaboradas com base no chamado Método Laubach – parte do ABC, do a, e, i, o, u e apresenta algumas “historinhas” para adultos, quase uma transposição de conteúdos e modos de trabalhar típicos da escola primária para crianças. O segundo livro, Saber, era composto de pequenos textos, alguns bastante moralistas, em uma sequência muito bem articulada. O Livro de Aritmética apresentava os números e as quatro operações, com exercícios. Existiam outros livros, ligados à produção, à higiene da casa, sempre bastante simples. Esse material didático dos anos 1950 voltou a ser usado nos anos 1960, depois do golpe, pela Cruzada ABC, embora “modernizado”. Em suma, a CEAA tinha a sua estruturação pensando a formação da criança como seu alvo e a improvisação marcante, o que, de certa forma, perdurará até os nossos dias. Era uma formação de “segundacategoria”, sem a efetiva preocupação do Estado. Atenção Durante muito tempo se considerou uma pessoa alfabetizada aquela que assinava apenas o nome. Sempre houve a preocupação, no País, com as estatísticas apontando para a redução do analfabetismo, entretanto é imprescindível se pensar na questão do que seja exatamente uma pessoa alfabetizada. A luta pelo acesso e manutenção de uma pessoa na escola deve vir acompanhada do objetivo educacional a ser alcançado. Assim, questões como: » Que homem pretendemos que saia da escola? » Que perfil ele deve possuir? » Qual deve ser o seu nível de escolaridade? » Só o ensino fundamental ou a educação básica completa tem que ser trabalhada? 30 CAPÍTULO 2 • TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR Campanhas de Educação Rural Posteriormente, copiando-se um movimento mexicano, foi implementado (principalmente) no antigo Estado do Rio de Janeiro, cuja capital era Niterói, o movimento Missões Rurais. Fávero destaca que o Núcleo de Estudos e Documentação em Educação de Jovens e Adultos (Nedatte) possui um excelente relatório de Lourenço Filho sobre a missão realizada em Colatina –ES e ele destaca que tais missões deveriam ser mais estudadas de modo a atender o segmento. Em 1950 é criada a Campanha de Educação Rural pela conjunção de ações entre os Ministérios da Educação, da Saúde e da Agricultura com a coordenação de Artur Rios. Ocorre uma mudança importante, pois a proposta pedagógica não englobava apenas a sala de aula, mas as próprias comunidades rurais. A proposta tem agregada a educação sanitária, a saúde, a higiene e técnicas agrícolas. Fávero (2015, p. 5) traz importantes informações e dados sobre a evolução do processo de educação de adolescentes e adultos quando afirma: Nos anos de 1950, Anísio Teixeira, diretor do INEP – Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, criou o CBPE – Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, desdobrados em vários Centros Regionais, que realizaram importantes pesquisas sociológicas, sobre educação e sobre o modo de vida da população de povoados e pequenas cidades. A sociologia encarava a educação como um “fato social”, por isso objeto de pesquisas da sociologia, sobretudo tendo em vista a mudança social. Como uma das consequências dessa concepção e desses estudos, o grupo de técnicos que trabalhava no INEP recusava a ação massiva das campanhas e propôs um projeto experimental, visando à expansão e melhoria da qualidade do ensino primário e procurando “secar as fontes do analfabetismo”. Entendia que não adiantava alfabetizar adolescentes e adultos, pois a inexistência ou o mau funcionamento da escola primária “fabricava” mais analfabetos, tanto no meio urbano quanto no meio rural. Na inviabilidade de realizar um programa nacional, pela falta de verbas, esses técnicos planejaram desenvolver uma ação intensiva em algumas cidades escolhidas como laboratórios. Ora, embora existam a preocupação e as pesquisas com a educação de adultos, pouca coisa efetivamente acontecia nesse campo. A visão do problema do analfabetismo com o relacionamento da fraqueza do ensino primário representava um avanço, tendo em vista que o primário sendo fraco, seus alunos ficariam também excluídos, socialmente falando. O primário estaria criando uma fábrica de analfabetos, ou, na melhor situação, analfabetos funcionais. Fávero (idem) afirma: Naquele tempo não se falava em sistema municipal de educação, mas na verdade o que se pretendia era organizar sistemas municipais de educação, matriculando todas as crianças de sete a dez anos na escola, colocando todas as crianças 31 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 2 e adolescentes de 10 a 14 anos em “classes de emergência”, nas quais seriam associados o ensino primário e a iniciação profissional, e instalando classes noturnas de ensino supletivo para adultos. Essa citação deixa clara a pretensão de determinados segmentos dentro do próprio governo de promover outro caminho mais produtivo e ativo em termos de alfabetização. Com o governo do Presidente Juscelino Kubitschek, em 1956, as campanhas de educação de adultos foram extintas. Sistema de Rádio Educativo nacional (Sirena) O Sistema de Rádio Educativo Nacional (Sirena) corresponde à utilização do rádio como importante meio de educação de adultos. É o primeiro sistema em rádio constituído efetivamente com infraestrutura adequada para ensino. Essa infraestrutura era composta por profissionais da área de Educação, Saúde, Agronomia e Veterinária, bem como com a participação das melhores vozes da Rádio Nacional que gravavam os programas radiofonizados. Na realidade, o Ministério da Educação e Cultura lançou o Sirena e a Igreja Católica assumiu o projeto. O Sirena é criado em 1957 em Leopoldina (MG). As gravações dos programas eram feitas em discos de acetato de 12” e eram transmitidas nas rádios conveniadas de 18 às 18:30 horas. Os alunos ouviam as transmissões em locais precários e as cartilhas, embora mais bonitas e impressas em cores. (FÁVERO, 2015). Fávero (2015, p. 6) faz uma forte crítica a este material quando afirma que: Utilizar este material para alfabetizar jovens e adultos do meu rural é, no mínimo, ridículo. Esse livro era fartamente distribuído em todo o Brasil e foi recusado pelos movimentos de cultura e educação popular do início dos anos de 1960, que passaram a elaborar novas cartilhas e novos textos de leitura, assim como o inovador sistema audiovisual sistematizado por Paulo Freire. A utilização dos meios de comunicação e de tecnologias tornam-se imprescindíveis e fundamentais para a educação desde que os materiais instrucionais, ao serem estruturados e elaborados, estejam adequados de acordo com os objetivos a serem alcançados. Assim, a crítica de Fávero é perfeita, tendo em vista que não se pode pensar em um material próprio para alfabetização de adultos e no seu planejamento em que serão trabalhados. Esse erro é comum quando se usa o existente ou o dia a dia e procura-se transformar em material instrucional informatizado. 32 CAPÍTULO 2 • TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR Atenção Desde 1948 ocorriam os debates pela primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e nessa época ocorre o Movimento em Defesa da Escola Pública liderado por Florestam Fernandes e professores da USP, bem como Anísio Teixeira e outros. A LDB só foi promulgada em 1961 (Lei nº 4024/71) e em função desta se tem o primeiro Plano Nacional de Educação em 1962. Surge nesta época várias iniciativas para a educação de adultos: » Igreja Católica – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – Rio de Janeiro. » UNE – União Nacional dos Estudantes – Rio de Janeiro. Movimentos: » MCP – Movimento de Cultura Popular no Recife. » CPC – Centro Popular de Cultura da UNE. » De pé no chão também se aprende a Ler. » CEPLAR – Campanha de Educação Popular da Paraíba. » MEB – Movimento de Educação de Base. » Sistema Paulo Freire. Será visto no próximo capítulo. (FÁVERO, 2015). Movimento de Cultura Popular (MCP) Com a eleição do prefeito de Recife Miguel Arraes em 1958 vai nascer o Movimento de Cultura Popular. Esse movimento é fruto de um trabalho de Arraes que buscando junto aos comitês de bairro as prioridades para seu governo, identificou a prioridade na educação. A cidade crescia, mas não tinha escolas em todos os bairros, principalmente os bairros mais pobres. Arraes promoveu uma grande mobilização com ajuda de grupos da sociedade. Instalou escola em vários lugares como salões paroquiais, centros esportivos, clubes e outros locais em que era possível ter uma escola. A Secretaria de Educação da Prefeitura capacitava pessoal para ser os professores; preparava e fornecia o material e supervisionava todo o processo, enquanto os pais construíam mesas e cadeiras para preparar o ambiente educacional. (FÁVERO, 2015). Ao mesmo tempo, Paulo Freire, Paulo Rosas, Aberlado da Hora, Anita Paes Barreto e GermanoCoelho, convocados por Arraes, compuseram um grupo que foi encarregado de criar e coordenar um movimento de cultura. (FÁVERO, idem) Fávero (2015, p. 8) afirma: Quanto à educação de adultos, como a escola radiofônica era novidade, o MCP chegou a pensar em escolas radiofônicas para adultos, à noite, a serem instaladas nos mesmos locais onde passavam a funcionar as escolas para crianças. Ao que se sabe, essa experiência não vingou e foram instalados o que se chamava na ocasião de “classes de emergência”. Como já foi dito, não existia 33 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 2 material didático adequado para adultos. Na perspectiva de um movimento sociocultural inovador, que começava com o cartão-postal Meninos de Recife, evidentemente não se aceitaria adotar a cartilha Ler da CEAA e muito menos a Radiocartilha. Havia a preocupação de produzir um material diferente, mas não se sabia qual. (Grifos nossos) Figura 2. Livro sobre MCP Fonte: CAPA do livro MCP: História do Movimento de Cultura Popular publicado em FávERO E MOTTA, 2015. A definição do material para a educação dos adultos é o grande desafio para o MCP. A Unesco defendia que as lições deveriam se basear em casos concretos reais. Para material de uso no campo o material deve ter ligação com a natureza e seu ritmo. O governo do Presidente João Goulart patrocina uma ida de estudantes a Cuba para conhecer as experiências de alfabetização que a Revolução Cubana implantara na época. Fidel Castro suspendera todo o sistema educativo e por meio do uso de brigadas de alfabetização partiu para alfabetizar toda a ilha. As cartilhas usadas eram simples, impressa em papel jornal e com sentido político/concreto conforme deveria ser. Paulo Freire era elemento do governo de Arraes, criticava as cartilhas e o modo pedagógico que se trabalhava com adultos. Tinha a experiência do Serviço Social da Indústria (Sesi) e nos processos de pós-alfabetização abordava conteúdos políticos. Ele trabalhava no sistema de audiovisual de alfabetização, enquanto Norma Coelho e Josina Godoy na elaboração do Livro de leitura para adultos do MCP que, segundo Fávero, era “inspirado” na cartilha cubana. (FÁVERO, 2015). O MCP foi terminado bruscamente pelo Golpe Civil-Militar de 1964. De Pé no Chão Também se Aprende a Ler Em 1961, o então prefeito de Natal, Djalma Maranhão, implantou a campanha De pé no chão também se aprende a ler. Nessa denominação de campanha não tem nada relacionado com a alfabetização e educação de adolescentes e adultos desenvolvidas pelo governo federal, como comentado no início. A sua criação também foi semelhante ao MCP, começando com a implantação do ensino primário de quatro anos para crianças pobres e, posteriormente ampliado para adultos. 34 CAPÍTULO 2 • TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR Fávero (2015, p. 10-11) afirma com relação ao movimento: Pela ideologia nacionalista que a inspirava, criou efetivos instrumentos para oferecer uma educação de qualidade: cuidadoso planejamento didático e esmerada preparação e acompanhamento das professorinhas. Essas ações foram ampliadas com a instalação de bibliotecas populares, praças de cultura, museus de arte popular e intensa valorização das festas, músicas e danças populares. Foram ainda complementadas com a alfabetização de adultos, usando para isto uma adaptação do Livro de Leitura para Adultos do MCP, e com a Campanha De pé no chão se aprende uma profissão, em 1963, que oferecia cursos de sapataria, corte e costura, alfaiataria, encadernação, barbearia, entre outros. Foi uma das experiências mais importantes do início dos anos de 1960, sobretudo enquanto formatação de um novo modo de oferecer o ensino, desde a estrutura física das escolas, sua programação de aulas e atividades e as inovações metodológicas introduzidas. Do mesmo modo que o MCP foi terminado, o movimento De pé no chão também se aprende a ler foi bruscamente terminado pelo Golpe Civil-Militar de 1964. Centro Popular de Cultura (CPC) Em 1960, com pequena ligação (indireta) com a alfabetização são desenvolvidas as atividades no Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE. Nessa época se tinha o auge dos movimentos estudantis e de operário urbano, enquanto no campo eram organizadas ligas camponesas por Francisco Julião e implantados os sindicatos rurais. O pensamento marxista predominava nas propostas iniciais no CPC com objetivos de formação de consciência política do povo. Os trabalhos eram centrados no teatro, na música e na poesia. (FÁVERO, 2015). Houve uma campanha de alfabetização organizada por Aron Abend e realizada pela UNE em 1963, quando o Ministério da Educação decidiu criar o Programa Nacional de Alfabetização (PNA), utilizando o Sistema Paulo Freire. (FÁVERO, idem). Movimento de Educação de Base (MEB) A Igreja Católica, desde o início do século XX, já vinha acenando a sua preocupação com a educação do povo pobre e a defesa da reforma agrária. A situação no início e no decorrer dos anos 1950 gerava, por parte da Igreja Católica, sérias preocupações com o meio rural, principalmente no Nordeste, e com o crescimento do comunismo no Brasil. As “ligas camponesas” na Paraíba e em Pernambuco. A Igreja Católica vinha de “perder” a classe operária e não desejava “perder” os trabalhadores do campo/rurais. (FÁVERO, 2015). Na segunda metade dos anos 1950 aconteceram as “Semanas dos Bispos do Nordeste” e a busca em atender as propostas da 2ª Semana foram aprovadas pelo presidente Juscelino Kubitschek com decretos e convênios visando atender aos objetivos estabelecidos nas “Semanas dos 35 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 2 Bispos”. Assim, o uso e a ampliação das emissoras de rádio católicas para difundir a educação de base passaram a ser imprescindíveis e a Igreja assumiu a centralidade do projeto do Estado. Dom Eugênio Sales (administrador apostólico de Natal na época) foi conhecer o Sutatenza, na Colômbia, tendo em vista que esse projeto era pioneiro na América do Sul com relação a rádio para transmissões educacionais de programas educacionais e catequéticos. (FÁVERO, idem). Dom Távora é responsável pelo nascimento do MEB quando solicitou ao Presidente Jânio Quadros apoio para o projeto de educação de base para o meio rural, via rádio e objetivo de em cinco anos alfabetizar milhares de pessoas. A proposta foi aceita pelo governo e a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O MEB tem a sua atuação no primeiro momento no Nordeste, no Centro-Oeste e no Norte e, posteriormente, em Minas Gerais. Atenção A educação de base se tratava de uma educação oferecida a crianças, jovens e adultos que não tinham tido a oportunidade de estudar ou estar escolarizados na idade correta e o conteúdo deveria ser o Ensino Primário que à época correspondia às quatro séries iniciais de estudo. (FÁVERO, 2015). Ler, escrever e contar; higiene, nutrição, prevenção de doenças endêmicas e transmissíveis, cuidados pré e pós-natal, práticas agrícolas e economia doméstica e civismo. Nessa proposta a Igreja Católica incluía a catequese. (FÁVERO, idem). O modelo dessa escola radiofônica, segundo Antonio Gramsci, era de uma escola interessada que tinha o propósito político e religioso conforme visto anteriormente. Uma afirmativa importante que descreve o cenário da época é de Osmar Fávero (2015, p. 14-15): Em 1960 houve uma crise séria na Igreja. A JUC – Juventude Universitária Católica, na comemoração de seus dez anos realizou um congresso que reuniu cerca de quinhentos estudantes universitários católicos. Tomando como referência o movimento estudantil católico da França, procurava entender os problemas do país e influir na sua solução. As críticas às causas do subdesenvolvimento e, sobretudo, ao crescente imperialismo americano eram bastante radicais. A JUC assumiu parte dessas críticas, o que criou problemas com a hierarquia. Na verdade, a Igreja não esperava, nem admitia que ela viesse a assumiruma posição política, muito menos de contestação. Imediatamente após o congresso, um de seus militantes, Aldo Arantes, foi eleito presidente da UNE, o que provocou a radicalização de parte da hierarquia da Igreja para enquadrar o movimento. Em decorrência dessa crise, em 1962 é criada, pelo grupo da JUC, a AP – Ação Popular, uma espécie de “partido ideológico”, utilizando a terminologia de Gramsci. A formação da AP teve enorme influência de um jesuíta, padre Henrique de Lima Vaz, que morreu há alguns anos. Era professor de Filosofia e Cosmologia na antiga Faculdade Nossa Senhora Medianeira, em Friburgo, destinada aos estudantes jesuítas, mas também aberta a não-seminaristas. Preocupado com o fato do 36 CAPÍTULO 2 • TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR grupo de estudantes católicos não ter formação teórica suficientemente forte para enfrentar a ideologia marxista, expressa ou não por elementos pertencentes ao Partido Comunista, realizou uma série de cursos e seminários, nas reuniões anuais da JUC, e assessorou a formação da AP. Discutia fundamentalmente a questão da ideologia, afirmando: “Estamos numa fase histórica da ideologia. Não há mais um pensamento único, como à época da cristandade católica, nem pode haver um pensamento único marxista. Há outras possibilidades; cada grupo pode ter seu projeto histórico. Um grupo católico pode ter um projeto distinto de outro grupo católico”. Em seguida, afirmava que essa “civilização de ideologias” se expressava na cultura das sociedades. A cultura era então posta como a pedra de toque para se entender a realidade e para pensar um projeto de transformação dessa realidade. Daí se deduzia que um projeto de transformação da realidade exigia um projeto educativo. No encontro do final de 1962, assumindo essa postura, o MEB redefine o conceito da educação de base. Não mais a entende como o mínimo que homens, mulheres, jovens e adolescentes não-escolarizados precisavam para participar de um processo de desenvolvimento, via industrialização e urbanização. Educação de base passou a ser entendida como o direito de todos – homens, mulheres, jovens, adolescentes e crianças – a ter uma vida digna. É outro modo de conceber a educação, diferente de como havia sido assumida pelas campanhas dos anos 1940-1950 e pelo próprio MEB, no seu início. Essa redefinição mudou radicalmente seu modo de trabalhar.(...) Nesse momento, o Nordeste era considerado pela política norte-americana como um “barril de pólvora” e a Aliança para o Progresso derramava voluntários e recursos, com vista a evitar que o Nordeste se transformasse em outra Cuba. Foram elaborados dois livros para uso nas escolas radiofônicas do MEB: Saber para viver e Viver é lutar, praticamente com o mesmo conteúdo e lições gramaticais distintas. Viver é lutar, único impresso, contém toda a opção do movimento. (Grifos nossos) Essa longa situação serve para se ter uma ideia do cenário vivido na época, e de “como” a proposta educacional do MEB procurava formar e preparar o pessoal adulto do campo para a vida. Mesmo o projeto da Igreja Católica tinha interesse além da formação religiosa, pois tinha o sentido inicial da luta contra os comunistas. Entretanto, dentro da própria Igreja Católica existiam correntes discordantes, com outro olhar. O MEB foi o único movimento após o Golpe Civil-Militar de 1964 que sobreviveu porque pertencia à Igreja Católica, mas sofreu alterações. Campanha de Educação Popular da Paraíba (Ceplar) Um grupo de jovens da Juventude Universitária Católica da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Paraíba criou a Campanha de Educação Popular da Paraíba (Ceplar) em 1962. O objetivo era desenvolver e implementar soluções concretas e reais para os problemas locais identificados em pesquisas da universidade paraibana. Assim, as ações iam desde a reestruturação de escola, ensino e alfabetização até a busca de soluções relacionadas a ajudar a população com a construção de fossas e saneamento básico, ou seja, a procura da solução apara a própria vida do público-alvo. 37 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR • CAPÍTULO 2 A caminhada da alfabetização levou o grupo de encontro ao grupo de Paulo Freire, quando do início da definição do Sistema de Alfabetização de Adultos. A Ceplar se torna um laboratório e, um ano após (1963), já dispunha de uma equipe capacitada para alfabetizar e um núcleo de cultura popular. Em resumo, a Ceplar alcançou toda a Paraíba e não apenas o meio rural, se incorporou ao Plano Nacional de Alfabetização com apoio financeiro do Ministério da Educação e Cultura (MEC). No campo político ligou-se às ligas camponesas. Com o Golpe Civil-Militar de 1964 a Ceplar foi extinta, seus dirigentes aprisionados e todo o seu material confiscado. Cenário da Situação nacional nos Anos 1964 e Seguintes Como visto, o golpe civil-militar de 1964 só deixou permanecer vivo oMovimento da Educação de Base (MEB), exterminando todos os demais movimentos de cultura e de educação de base que estavam se ampliando. A alfabetização pelo Sistema Paulo Freire foi mantida reservadamente só até 1968, quando da promulgação do Ato Institucional. A Cruzada de Ação Básica Cristã, mais conhecida como Cruzada ABC, foi criada em 1962 no Recife. Essa cruzada começa apoiada pelo governo de Pernambuco (gestão Cid Sampaio) com o objetivo de alfabetizar um milhão aumentado para dois milhões de adultos pobres em cinco anos, implantado de saída em vários bairros da cidade, financiado pela Aliança para o Progresso e pela iniciativa privada, bem como tinha a criação e apoio da fundação americana Agnes Erskine. Os professores eram voluntários e o material devidamente estruturado para atender aos interesses do governo federal e da própria fundação norte-americana. Essa cruzada era um projeto conservador e com características que levaram a ser implantado nos seguintes estados: Paraíba, Sergipe, Alagoas, Ceará, Rio de Janeiro e Guanabara. Além da alfabetização, a Cruzada oferecia cursos de 18 meses para o ensino primário de quatro anos; ensino profissional e educação sanitária. Esse projeto servia para a população carente entender que o Estado tinha o propósito de garantir a preparação dos mais carentes para a vida, para o trabalho e, ideologicamente, para se afastar do comunismo ou movimentos semelhantes. A Cruzada ABC tinha o interesse de orientar e ajudar a implementação de sistemas estaduais de educação de adultos. É importante destacar que a Cruzada atuou nas áreas em que Paulo Freire e os sindicatos agiam. É importante esclarecer que após o Golpe Civil-Militar de 1964 e do estabelecimento da ditadura militar, o Governo Federal levou dois anos sem nenhuma ação com relação à educação de jovens e adultos, mas apenas um apoio à Cruzada ABC e ao MEB. A educação de adolescentes e adultos não escolarizados não era priorizada pelos militares. Em 1967, o governo do estado de Maranhão criou o Projeto João de Barro com o objetivo de alfabetizar adultos não escolarizados e criar/implantar uma rede de escolas nas áreas rurais. O 38 CAPÍTULO 2 • TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EJA E DA EDuCAçãO POPuLAR governo aproveitou o pessoal remanescente do MEB e, em 1974, o projeto é encerrado tendo em vista o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral). Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) O ano de 1967 é um marco tendo em vista que o Governo Federal, em função das comemorações pela Unesco do Dia Internacional da Alfabetização (8/setembro), lançou a política pública de alfabetização de adolescentes e adultos. Foram tomadas várias políticas públicas por meio da Lei nº 5.379, de 15 de dezembro de 1967, e dos decretos governamentais que visavam à implantação do Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral): » nomeado um grupo interministerial para estudo e levantamento de recursos para a alfabetização. » criada uma Rede Nacional de Alfabetização e Educação Continuada para Adultos. » estabelecida a educação
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