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Tutoria 17 Raiza Fraga Miastenia Gravis Objetivos: Compreender a fisiopatologia e manifestações clínicas da Miastenia Gravis Discutir o diagnóstico e prognóstico da Miastenia Gravis e os aspectos emocionais Entender como é feito o diagnóstico diferencial das doenças da junção neuromuscular MIAST ENIA GRAVIS A miastenia gravis (MG) é uma doença imunológica mediada por anticorpos direcionados contra antígenos da porção pós-sináptica do receptor nicotínico de acetilcolina (AChR) na junção neuromuscular, com consequente redução numérica e funcional destes. Isso implica em fraqueza e fatigabilidade flutuantes da musculatura esquelética estriada. A palavra miastenia é de origem grega, com um prefixo myo significando músculo e astenia, fraqueza. O termo gravis advém do latim, referindo- se à gravidade da sintomatologia. A miastenia grave resulta de alteração na transmissão neuromuscular devido à alteração dos receptores de acetilcolinas situadas na placa motora. Os pacientes exibem uma fraqueza de intensidade flutuante dos músculos voluntários, particularmente dos oculares, mastigadores e daqueles envolvidos na deglutição, principalmente quando realizam esforços físicos, com restabelecimento após o repouso. JUNÇÃO NEUROMUSCULAR Uma junção neuromuscular é a junção entre a parte terminal de um axônio motor com uma placa motora, que é a região da membrana plasmática de uma fibra muscular (o sarcolema) onde se dá o encontro entre o nervo e o músculo permitindo desencadear a contração muscular. Na junção neuromuscular o neurotransmissor utilizado é a acetilcolina. A fibra nervosa ramifica-se no final, para formar a placa terminal, que se invagina para dentro da fibra muscular, mas repousa inteiramente na parte externa da membrana. As fibras musculares esqueléticas são inervadas por grandes fibras nervosas mielinizadas que se originam nos grandes neurônios motores nos cornos anteriores da medula espinhal. Cada terminação nervosa faz uma junção com a fibra muscular mais próxima de sua porção média, assim formando a junção neuromuscular (JNM). A acetilcolina, por sua vez, excita a membrana da fibra muscular. A acetilcolina é sintetizada no citoplasma do terminal, mas é absorvida rapidamente por muitas pequenas vesículas sinápticas, as quais se encontram nos terminais de uma única placa motora. No espaço sináptico há grandes quantidades da enzima acetilcolinesterase, que destrói a acetilcolina alguns milissegundos depois que ela foi liberada que foi liberada das vesículas sinápticas. Quando o um impulso nervoso atinge a JNM, cerca de 125 vesículas de acetilcolina são liberadas dos terminais no espaço sináptico. Quando o potencial de ação se propaga para o terminal, que esses canais se abrem e permitem que íons de cálcio se difundam do espaço sináptico para o interior do terminal nervoso. Tutoria 17 Raiza Fraga Na membrana pós-sináptica (membrana da fibra muscular), existem muitos receptores de acetilcolina (AChR) – receptores nicotínicos. Essas estruturas são canais iônicos controlados pela acetilcolina, que se localizam quase inteiramente próximos às aberturas das fendas subneurais. Quando a acetilcolina se liga ao seu receptor pós- sináptico, ocorre a abertura dos canais de Na+ e Ca+, esses íons entram nos canais, promovendo a despolarização celular para ocorre a contração muscular. A propagação do potencial de ação pela fibra muscular ocorre via túbulos T (ou túbulo transverso), com liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático. O cálcio une-se à troponina, levando a mudanças conformacionais nas proteínas miofibrilares (tropomiosina, actina e miosina), com consequente contração muscular. A acetilcolina, uma vez liberada no espaço sináptico, continua a ativar os receptores de acetilcolina enquanto esta persistir nesse espaço. Entretanto ela é removida rapidamente por dois modos. A maior parte da acetilcolina é destruída pela enzima acetilcolinesterase e outra pequena quantidade de acetilcolina se difunde para fora do espaço sináptico, e assim deixa de estar disponível para agir sobre a membrana da fibra muscular. A rápida remoção da acetilcolina evita a reexcitação continuada do músculo, depois que a fibra muscular se recuperou de seu potencial de ação inicial. Junção neuromuscular: compreende a porção terminal do axônio motor e o sarcolema (membrana da célula muscular) Placa motora: é a região da membrana plasmática da fibra muscular, onde ocorre o encontro entre o nervo e o músculo. FISIOPATOLOGIA Na miastenia gravis (MG), o defeito fundamental é uma redução no número de receptor de acetilcolina (AChR) – receptores nicotínicos disponível na membrana muscular pós- sináptica. Além disso, as pregas pós-sinápticas (fendas subneurais) mostram-se achatadas ou simplificadas. Tais alterações reduzem a eficiência da transmissão neuromuscular. Por isso, embora a acetilcolina seja liberada normalmente, produz potenciais pequenos na placa motora que podem ser incapazes de desencadear potenciais de ação musculares A incapacidade de transmissão em muitas junções neuromusculares acarreta fraqueza de contração muscular. Na miastenia grave, os potenciais de placa motora reduzidos resultam da perda de receptores de acetilcolina funcionais e danos morfológicos na membrana pós-sináptica. Este dano leva à perda de AChR e à simplificação das dobras pós-sinápticas, onde estão presentes canais de sódio. O resultado é uma elevação do limiar para geração do potencial de ação, comprometendo ainda mais a transmissão neuromuscular. Na maioria dos pacientes, estas alterações são causadas por anticorpos contra os AChRs. Em 90% dos pacientes com miastenia gravedetectam-se anticorpos contra os receptores daacetilcolina da placa motora. Imunogênese: Miastenia grave é uma doença autoimune mediada por anticorpos associada a outras doenças autoimunes mais frequentemente; doença tireoidiana e em pacientes mais jovens, com um aumento da incidência do antígeno leucocitário humano haplótipo (HLA)-B8 e-DR3, que também está associado a várias outras doenças autoimunes. Tutoria 17 Raiza Fraga Os anticorpos anti-AChR atuam por três mecanismos principais: Alguns anticorpos inibem diretamente a ligação da acetilcolina ao AChR e causam um bloqueio semelhante ao farmacológico. Em razão da sua bivalência, os anticorpos podem se ligar simultaneamente a dois AChRs adjacentes, pelas subunidades α que estão presentes em cada receptor, formando um complexoAChR-anticorpo que é internalizado e degradado na fibra muscular, levando à perda de AChRs. A maioria dos anticorpos é de imunoglobulinas da subclasse G1 (IgG1), que se liga e ativa o complemento. Como resultado, o complexo de ataque à membrana é ativado, levando à inflamação da membrana pós-sináptica, e provavelmente causando o dano morfológico que é observado com frequência. Todos esses efeitos são estritamente limitados à junção neuromuscular; o restante da fibra muscular é essencialmente normal. Os anti-AChR são anticorpos IgG, têm alta afinidade e altamente específicos para AChR humano natural. Embora os anticorpos sejam o mecanismo efetor para a perda de AChRs, as suas características indicam que a produçãode anticorpo específico exige células-T auxiliares capazes de reconhecer epítopos do AChR. O modo como a resposta autoimune se inicia e se mantém ainda não está muito esclarecido, porém o timo parece exercer algum papel nesse processo. O timo é anormal em cerca de 75% dos pacientes com miastenia gravis. Em 65% dos casos, o timo é hiperplásico e 10% dos pacientes apresentam tumores do timo, os timomas. Uma proteína envolvida no agrupamento dos AChR nas junções neuromusculares denominada MuSK (quinase específica do músculo) também pode ser alvo da resposta imune e resultar em miastenia gravis, geralmente soronegativa, pois não são encontrados anticorpos anti-AChR no soro do paciente. Fatores genéticos também estão envolvidos na patogênese da miastenia gravis. Certos subtipos de HLA (antígeno leucocitário humano) têm sido associados, incluindo os subtipos HLA-B8, HLA- DRw3, DQw2. As formas de miastenia gravis MuSK positivas estão associadas com haplotipos DR14 e DQ5. Além disso, pacientes com miastenia gravis frequentemente têm outras doenças imunomediadas, como lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, doença de Gravis e tireoidite, bem como histórico familiar de doença autoimune. EPIDEMIOLOGIA: A incidência da Miastenia gravis é de aproximadamente de 1 em cada 20.000 indivíduos e caracteriza-se por grau variável de fraqueza muscular que piora ao final do dia, e cansaço rápido quando em movimentos repetidos. A miastenia gravis não é uma doença rara, apresentando uma prevalência de pelo menos 2 a 7 em 100.000. Ainda que a doença possa ter início em qualquer idade, apresenta pico bimodal, acometendo principalmente mulheres entre 20 e 40 anos e homens entre 40 e 60 anos de idade. As mulheres são mais frequentemente acometidas, na razão de 3:2, e a incidência aumenta com a idade. A ocorrência familiar da miastenia gravis autoimune é rara, mas, em geral, há alta incidência de outras doenças imunológicas associadas. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Miastenia grave apresenta-se clinicamente com fraqueza muscular indolor, que aumenta com a atividade muscular e melhora após repouso. Em muitos pacientes, a fraqueza começa nos músculos oculares, resultando em visão dupla ou ptose (pálpebras caídas). Em outros, pode comprometer de início a musculatura bulbar ou apendicular. Virtualmente, qualquer músculo esquelético pode ser comprometido à medida que a doença progride. De forma típica, a fraqueza varia em distribuição e gravidade de dia para dia e de semana para semana, e muitas vezes é pior à noite. Ela pode Tutoria 17 Raiza Fraga aparecer pela primeira vez após uma infecção. A fraqueza estabelecida pode aumentar com ansiedade, infecção ou com a menstruação, e tende a melhorar com repouso. A característica cardinal da miastenia gravis é, frequentemente, a fraqueza flutuante da musculatura esquelética, além da fatigabilidade muscular. Nesses pacientes, a fadiga é manifestada pela piora da força ao longo da contração muscular persistente. Ainda que a sensação de fadiga verdadeira possa ocorrer e que muitos pacientes descrevem cansaço físico, a apresentação mais comum é a associação de fadiga com déficit de força em grupamentos musculares específicos. A maioria dos pacientes apresenta flutuação dos sintomas, estando oligo ou assintomáticos ao acordar, com piora durante o transcorrer do dia, principalmente nas fases iniciais da doença. Durante a evolução, muitos pacientes deixam de apresentar períodos assintomáticos, porém persistem com flutuação dos sintomas durante o dia. As variações mais prolongadas são designadas remissões ou exacerbações. Uma exacerbação que envolva os músculos respiratórios e acarrete a necessidade de intubação para ventilação mecânica assistida é denominada crise miastênica. Manifestações mais comuns: Ptose palpebral Diplopia Oftalmoparesia Fraqueza muscular sem perda da sensibilidade Fraqueza bulbar e da musculatura proximal dos membros O paciente pode relatar visão dupla, visão borrada ou simplesmente informar dificuldade visual. Em outras localizações no segmento craniano os sintomas são de dificuldade de mastigar, chegando a auxiliar o fechamento da mandíbula com as mãos, engasgos frequentes, retificação do sorriso e dificuldade de fala. Raramente a queixa inicial é a queda da cabeça como sintoma isolado. Crise miastênica Aproximadamente 15-20% das pessoas com miastenia grave têm um episódio severo (chamado crise de miastenia), pelo menos, uma vez na vida. Às vezes, é disparada por uma infecção. Os braços e as pernas ficam extremamente fracos, mas, mesmo assim, não perdem a sensibilidade. Em algumas pessoas, os músculos necessários para a respiração enfraquecem. Este quadro clínico é um risco à vida. DIAGNÓSTICO E PROGNÓSTICO A suspeita de miastenia gravis pode ser feita com base nos sintomas e no exame neurológico, mas um exame de sangue para pesquisa dos anticorpos é a única maneira de confirmar o diagnóstico. Outros testes de função dos nervos e dos músculos podem ajudar a confirmar o diagnóstico. Teste do Gelo O teste do gelo consiste na aplicação de um bloco de gelo na pálpebra acometida por um período de 2 minutos, observando-se, em seguida, melhora da ptose por período de 15 minutos. Apresenta sensibilidade de 89% e especificidade de 100% para o uso no diagnóstico à beira do leito. Entretanto, esse teste só se mostra útil na avaliação da ptose miastênica e não na avaliação da fraqueza extraocular. Testes Farmacológicos Administração de agentes farmacológicos anticolinesterásicos (inibidores da enzima acetilcolinesterase), como edrofrônio, neostigmina e piridostigmina, com melhora da força muscular, serve como base para inúmeros testes diagnósticos. Inibindo a ação normal da acetilcolinesterase esses Tutoria 17 Raiza Fraga fármacos impedem a destruição de moléculas de acetilcolina, isso permite que esse neurotransmissor tenha maior interação com os AChR, mesmo reduzidos numericamente. Assim, é gerado um maior potencial de ação da placa terminal. Teste do Edrofônio O edrofônio é o mais utilizado no teste diagnóstico devido seu rápido início de ação (30 segundos) e curta duração (cerca de 5 minutos). Consiste em administrar cloreto de edrofônio por via intravenosa (IV), em doses de 2 mg, a cada 3 a 5 minutos até a dose total de 10 mg. O paciente deve ser observado quanto à melhora na força de um único músculo extraocular, por 90 segundos entre as doses e por 5 minutos depois que a dose total de 10 mg foi aplicada. A consideração mais importante no desempenho do teste do edrofônio é a melhora inequívoca na força de um músculo avaliado. Eletroneuromiografia: A eletroneuromiografia é utilizada em pacientes com suspeita de desordem da junção neuromuscular para confirmar um defeito na transmissão neuromuscular e excluir outras doenças da unidade motora. Dois testes eletrofisiológicos são usados: o estudo da estimulação elétrica repetitiva e a eletromiografia de fibra única. Nos pacientes miastênicos há uma rápida e progressiva redução na amplitude dos potenciais de ação musculares evocadas pela estimulação nervosa repetida. Testes laboratoriais: Os testes imunológicos utilizados são a determinação de anticorpos, principalmente contra o AChR. O valor normal é menor que 0,5 M no soro. Os anticorpos ocorrem em 80% dos pacientes miastênicos. Em geral, aidentificação do anticorpo não modifica a evolução do caso ou a conduta terapêutica. Os anticorpos do anti-AChR estão presentes em cerca de 85% dos pacientes comsintomas generalizados, mas apenas em 50% dos pacientes com comprometimento puramente ocular. Na ausência de anticorpos anti-AChR, especialmente em pacientes com sintomas generalizados, é recomendado o teste para anticorpos Musk. Tanto o anticorpo anti-AChR quanto os anti-MuSK são muito específicos, e sua detecção em pacientes sintomáticos confirma o diagnóstico. Estudo de imagem Feito o diagnóstico de miastenia gravis, o estudo com tomografia computadorizada (TC) de mediastino poderá revelar imagens como displasia ou hiperplasia do timo, timo normal, atrófico ou tumores benignos e malignos. A imagem por ressonância magnética (RM) também poderá ser realizada com o mesmo objetivo. PROGNÓSTICO: O uso cada vez maior de terapias imunológicas, conjugado com avanços na terapia intensiva, tem melhorado o prognóstico na miastenia grave não timomatosa. Muitos pacientes podem esperar melhora substancial ou remissão com uma expectativa normal de vida. O prognóstico é pior, no entanto, naqueles com timoma invasivo. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: inclui todas as doenças que se acompanham de fraqueza dos músculos orofaríngeos ou dos membros, como: distrofias musculares, esclerose lateral amiotrófica (ELA), paralisia bulbar progressiva, oftalmoplegia por outras causas e astenia da psiconeurose ou do hipertireoidismo. Geralmente, não se tem dificuldade em diferenciar essas condições da miastenia gravis pelos achados do exame físico e pelo fato de os sintomas nessas condições não melhorarem após injeção parenteral de anticolinesterásicos (edrofônio, por exemplo). As únicas outras condições em que foram documentadas melhora clínica após uso de edrofônio são outros transtornos da junção neuromuscular, como intoxicação botulínica (botulismo), picada de cobras, intoxicações por compostos organofosforados ou transtornos fora do comum, que incluem características tanto da miastenia gravis como da síndrome de Eaton Lambert. Tutoria 17 Raiza Fraga DIAGN ST ICO DIFERENCIAL DAS DOEN AS DAÓ Ç JUN O NEUROMUSCULAR ÇÃ As doenças neuromusculares compreendem um grupo de mais de 100 condições que afetam direta ou indiretamente a função muscular. Podendo ser adquiridas ou herdadas, essas patologias interferem no controle da função muscular através do comprometimento direto do músculo, ou de algum outro componente da unidade motora (neurônio motor, junção neuromuscular, raiz nervosa e nervo periférico. Esse grupo de doenças é responsável por um grande conjunto de sintomas, mas entre os principais estão fraqueza muscular, atrofia muscular (perda de massa muscular), mialgias (dores musculares difusas), fasciculações musculares e perda de sensibilidade. Em algumas condições podem acontecer também o acometimento facial, dismorfismo, acometimento da motricidade ocular, e até mesmo o acometimento sistêmico. Devido ao volume e à similaridade de alguns desses sintomas, o diagnóstico diferencial é importante e baseado principalmente no histórico, exames clínicos e exames laboratoriais. Deve-se realizar o diagnóstico diferencial da miastenia grave com as seguintes doenças: Queixa de cansaço fácil: histeria, depressão, neurose, síndrome da fadiga crônica. Queixa ocular: miopatia mitocondrial, distrofia oculofaríngea, esclerose múltipla, paralisias isoladas de nervos cranianos. Polimiosite, esclerose lateral amiotrófica, botulismo, tumores de tronco cerebral, síndrome de Guillain-Barré, PIDC, intoxicação por organofosforados, distrofia muscular, doenças da tireoide. O diagnóstico diferencial das doenças musculares inclui ainda a avaliação cardiológica, visto que, além da DMP ligada ao sexo, de Duchenne e Becker, algumas das mitocondriopatias, glicogenoses, miopatias congênitas com anormalidades estruturais e distrofia miotônica podem manifestar miocardiopatia.
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