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(Capitulo 4) Manual de Técnica Psicanalítica - Zimermam

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MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 55
PARTE II
Os Fenômenos no Campo do Vínculo Analítico
4
O Primeiro Contato.
A Entrevista Inicial. Os Critérios
de Analisabilidade. O Contrato
Não existe experiência mais terrível para uma criança – futuro adulto – do que não se
sentir entendida, escutada e vista; em contrapartida, nada é mais importante na entre-
vista inicial que o paciente saia da sessão com a sensação, em relação ao analista, de
que foi compreendido, escutado e de que encontrou um amigo.
personalidade possivelmente frágil e temero-
sa de um rechaço) ou, em outro extremo, por
uma entonação vocal que desperta no terapeu-
ta uma sensação de arrogância, de mando-
nismo, com um certo desprezo (em um tom
categórico: “Eu só posso ir aí na quinta-feira,
bem no fim da tarde...”), pode estar comuni-
cando que se trata de alguém que esteja se
defendendo de suas angústias por intermédio
de uma configuração narcisista da personali-
dade.
Outras vezes, as evidências são de natu-
reza paranóide (fazem uma série de pergun-
tas, de modo um tanto desconfiado e defensi-
vo), depressiva (a tonalidade vocal, às vezes,
chega a ser inaudível), extremamente depen-
dente (induzem a que outras pessoas façam o
primeiro contacto), ou, mesmo à distância, já
despertam uma empatia no analista, e assim
por diante. Há inúmeras outras possibilidades
de uma significativa forma de comunicação,
embora algo virtual.
A ENTREVISTA INICIAL
Independentemente se o tratamento será
sob a forma de uma análise clássica, com os
seus conhecidos parâmetros mínimos, ou de
alguma modalidade de terapia de base psica-
nalítica, é necessário que o analista tenha uma
idéia razoavelmente clara das condições psí-
quicas e pragmáticas que tanto ele quanto o
O PRIMEIRO CONTATO
DO PACIENTE COM O ANALISTA
Comumente, o primeiro contato que um
pretendente a tratamento analítico estabelece
com o analista é por meio de uma chamada
telefônica, ora falando diretamente, ora dei-
xando um recado para que a ligação seja
retornada. O que cabe consignar é que já aí
começa a formação de algum tipo de vínculo,
o qual pode vingar ou não. De fato, a forma
como o possível paciente utiliza a sua condu-
ta, atitude e linguagem podem estar expres-
sando uma importante maneira de comunica-
ção, portanto, um jeito seu de “ser”, em um
nível que extrapola o da linguagem unicamen-
te verbal.
Assim, se ele vem protelando de longa
data esse primeiro contato com o terapeuta que
alguém lhe indicou (geralmente algum paci-
ente ou ex-paciente desse analista, algum ami-
go, médico, familiar, ou por conhecimento pré-
vio em determinadas circunstâncias, etc.), pode
ser um sinal indicador de que ele ou não está
suficientemente bem motivado para uma aná-
lise ou já esteja expressando temores próprios
de uma caracterologia fóbica ou de uma típica
indecisão obsessiva.
Da mesma forma, é possível observar
quando o provável paciente emprega uma lin-
guagem por demais tímida, entrecortada por
pedidos de desculpas “por estar atrapalhando”
e outras expressões similares (revelando uma
58 DAVID E. ZIMERMAN
pretendente à análise possuem antes de enfren-
tar uma empreitada dessa envergadura, tendo
em vista que provavelmente será longa a du-
ração da terapia, possivelmente bastante cus-
tosa para as possibilidades econômicas do pa-
ciente, sem garantia de sucesso, em uma tra-
jetória que, à parte das gratificações, inevita-
velmente também passará por períodos difí-
ceis, com muitos imprevistos, incertezas e sofri-
mentos.
Também é útil destacar que no primeiro
contato já se instala um estado de, digamos
assim, pré-transferência. Isso está de acordo
com a palavra “contato”, que em nosso idioma
forma-se de “com” (significa “junto com”) +
“tato” (trata-se de um ”pele a pele” emocional,
que tanto pode evoluir para um rechaço quan-
to para uma empatia), ou seja, alude a como,
mutuamente, cada um está “sentindo” o ou-
tro, não obstante a possibilidade de que o in-
tuitivo contato inicial, quer no extremo de
uma idealização ou de um certo denegrimento,
não se confirme no curso posterior da terapia
psicanalítica.
Conceituação de entrevista inicial
Esta expressão, embora apareça na for-
ma singular, não deve significar que se refira,
sempre, a uma única entrevista prévia à
efetivação do contrato analítico, ainda que,
muitas vezes, possa ser assim, porém, em mui-
tas outras situações, essa necessária avaliação
pode demandar um período mais longo, com
um número bem maior de entrevistas prelimi-
nares.
Em certas circunstâncias, o terapeuta já
sabe antecipadamente que não terá condições
(por exemplo, por falta de horário disponível)
de assumir o compromisso de um tratamento
analítico, porém pode se mostrar disponível –
sempre que o paciente insista, mesmo tendo
ficado claro que ele não o atenderá de forma
sistemática – para fazer uma entrevista de ava-
liação, com o objetivo de traçar uma orienta-
ção ou de ter melhores condições para proce-
der a um encaminhamento. Neste último caso,
em minha experiência pessoal, quando avalio
uma pessoa, ao vivo, sinto uma espécie de
feeling de que para um tal paciente tal terapeuta
deva ser a pessoa mais indicada. Igualmente,
é útil estabelecer uma diferença conceitual en-
tre “entrevista inicial” e “primeira sessão”. A(s)
“entrevista(s) inicial(ais)” antecede(m) o con-
trato, enquanto a “primeira sessão” concerne
ao fato de que a análise já começou formal-
mente.
É claro que a duração da entrevista ini-
cial depende das circunstâncias que cercam o
encaminhamento do paciente, de modo que é
muito diferente se ele já tem uma idéia razoa-
velmente clara do que consiste uma análise,
com a probabilidade de que tenha sido avalia-
do por um colega reconhecidamente compe-
tente e que já tenha feito uma sondagem e tro-
ca de impressões com o analista para quem está
encaminhando; ou, então, trata-se de um pa-
ciente que não foi avaliado por ninguém, uni-
camente quer livrar-se dos sintomas que o ator-
mentam e não tem a menor idéia do que é en-
frentar uma análise standard. No entanto, em
qualquer dos casos, é imprescindível que essa
entrevista inicial seja levada a sério e com pro-
fundidade, até mesmo pela razão singela e ao
mesmo tempo profunda de que tanto o analis-
ta quanto o paciente têm o direito de decidir
se é com essa pessoa estranha que, reciproca-
mente, cada um deles têm à sua frente, dese-
jam partilhar um convívio longo, íntimo e
imprevisível.
Finalidades da entrevista inicial
Além dos objetivos mencionados, o pro-
pósito fundamental do contato preliminar é de
o psicanalista avaliar as condições mentais,
emocionais, materiais e circunstanciais da vida
do paciente que o buscou; ajuizar os prós e os
contras, as vantagens e as desvantagens, os
prováveis riscos e os benefícios; o grau e o tipo
de psicopatologia, de modo a permitir alguma
impressão diagnóstica e prognóstica e reconhe-
cer os efeitos contratransferenciais que lhe es-
tão sendo despertados. Assim, balanceando
todos esses fatores, poder discriminar qual a
modalidade de terapia psicológica será a mais
indicada para esse paciente e, mais ainda, no
caso de a indicação ser uma análise, se ele real-
mente sente-se em condições e se, de fato, quer
ser o terapeuta desse paciente.
Partindo do que foi dito, pode-se depreen-
der a importância de que o terapeuta na entre-
MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 59
vista inicial construa uma razoável impressão
diagnóstica do paciente, sempre levando em
conta que existem diferentes tipos, níveis e
perspectivas de diagnóstico clínico, conforme
for o “eixo” adotado, de acordo com as moder-
nas classificações do DSM-IV-TR (assim; o eixo
I refere-se aos aspectos sindrômicos; o eixo II,
aos de tipos e transtornos de personalidades; o
III, aos transtornos físicos; o eixo IV, aos estres-
sores; enquanto o eixo V alude ao nível de fun-
cionamento).
Uma outra abordagem para a elabora-
ção de uma impressãodiagnóstica consiste em
considerar, distintamente, entre outros enfo-
ques: 1. Nosológico (uma determinada cate-
goria clínica). 2. Dinâmico (a lógica do incons-
ciente), 3. Evolutiva (cada etapa, com prepon-
derância de vazios, carências orais, defesas
obsessivas anais, etc., implica alguma adequa-
ção técnica específica). 4. Funções do ego (por
exemplo, a “capacidade sintética do ego” já é
um nível elevado que permite simbolizar si-
multaneamente significações opostas e ou con-
traditórias). 5. Configurações vinculares (den-
tro da família ou fora dela, nos grupos em
gerais, etc.). 6. Comunicacional (na atualida-
de, esse aspecto adquire uma grande relevân-
cia). 7. Corporal (cuidados corporais, auto-ima-
gem, presença de hipocondria ou de somatiza-
ções...). 8. Manifestações transferenciais e con-
tratransferenciais, etc.
Um outro objetivo essencial da entrevis-
ta inicial é a possibilidade de o analista avaliar
a veracidade do paciente, além da qualidade
de sua motivação, tanto aquela que ele exter-
naliza conscientemente quanto a que está
oculta nas dobras de seu inconsciente. Em ou-
tras palavras, sem exigir um comprometimen-
to absoluto do paciente para a árdua tarefa
que o aguarda – até porque os seus, ainda des-
conhecidos, fatores inconscientes, alguns de
possível natureza fóbica ou sabotadora, tor-
nam impossível que ele assuma um compro-
misso definitivo –, impõe-se, no entanto, a ne-
cessidade mínima de o terapeuta conferir se
a sua teoria de tratamento e de cura coincide
com a do paciente.
De fato, não é nada incomum a possibili-
dade de que o analista tenha em mente um
projeto terapêutico verdadeiramente psicana-
lítico, isto é, que ele esteja voltado para a ob-
tenção de verdadeiras mudanças estruturais,
de caracterologia, de conduta e do desabro-
char de capacidades, enquanto a expectativa
do paciente não vá além de uma busca de alí-
vio de sintomas, ou de uma “cura mágica”, ou
ainda a de contrair um vínculo com o analista
pelo qual este, como um mero substituto da
mãe simbiótica ou faltante, resolverá todos os
seus problemas, sem que ele tenha de fazer o
mínimo esforço, e assim por diante.
Não obstante a possibilidade de que a
impressão transmitida pelo paciente em rela-
ção à sua motivação para um tratamento ana-
lítico possa parecer espúria, o analista nunca
deve perder de vista a probabilidade de que
possa se tratar da única maneira que aquele
encontrou para, cautelosamente, abrir as por-
tas para uma análise, tal como costuma apare-
cer em pacientes que estruturaram defesas
narcisistas. Em contrapartida, outros pacien-
tes, em especial os fortemente histéricos, po-
dem dar uma impressão inicial de que estão
muito motivados para se analisar, mostram-se
colaboradores e encantam o analista com seu
verbo fluente e florido. No entanto, diante das
primeiras desilusões e decepções, podem de-
sistir, muitas vezes de maneira abrupta.
Igualmente, o terapeuta deve ter uma cla-
ra noção de seus próprios alcances e limitações.
Para tanto, deve possuir a condição de reco-
nhecer os sentimentos transferenciais e contra-
transferenciais que surgiram no curso da en-
trevista; a natureza de sua provável angústia;
o grau de sua empatia ou rejeição pelo pacien-
te; uma sensibilidade para perceber se é com
ele que esse paciente está desejando se anali-
sar; se ele vai trabalhar de forma confortável
diante das combinações feitas, como, por exem-
plo, os valores que o paciente pode pagar, os
horários esdrúxulos das sessões, que venham
a perturbar o seu estilo de viver, etc. Caso con-
trário, se o analista não medir adequadamen-
te as suas condições de trabalhar com o prová-
vel paciente, existirá a possibilidade de que o
analista comporte-se na entrevista inicial por
uma destas duas formas inadequadas: um ex-
cesso de informalismo, que, muitas vezes, está
correspondendo a uma necessidade de sedu-
zir o paciente ou um excesso de rigidez e her-
metismo, que pode estar refletindo um distan-
ciamento de natureza fóbica.
Também há o risco de que o analista defi-
na a sua avaliação por uma única impressão
60 DAVID E. ZIMERMAN
dominante: assim, por vezes, o paciente apre-
senta-se de uma forma inicial bastante diferen-
te do que realmente ele é. Isso pode se dever
tanto ao fato de que o paciente quer impressio-
nar bem o terapeuta, para ser por ele aceito (bas-
tante comum em casos de falso self e de histeri-
as), como também para impressionar mal o psi-
canalista (por parte daqueles que são portado-
res de uma baixa auto-estima, com um forte
temor de rejeição, razão pela qual precisam tes-
tar se serão aceitos, mesmo portando aquilo
que eles julgam ter de feio e de mau).
Uma outra finalidade da entrevista inicial
consiste na possibilidade de o terapeuta poder
observar, e pôr à prova, a forma de como o pa-
ciente reage e contata com os assinalamentos
ou as eventuais interpretações que lhe sejam
feitas; como ele pensa e correlaciona os fatos
psíquicos, se demonstra uma capacidade para
simbolizar, abstrair, dar acesso ao seu inconsci-
ente, e se revela condições para fazer insights.
Da mesma forma, igualmente é útil ob-
servar a aparência exterior do paciente, incluí-
da a forma de como ele está vestido, como saú-
da, se ele manifesta algum sinal ou sintoma
visível, como é a sua postura corporal, gesticu-
lação, movimentação, linguagem empregada
e tom de voz ao discursar. Para dar um único e
trivial exemplo em relação à linguagem conti-
da na vestimenta: em uma entrevista inicial, o
paciente, homem por volta dos 30 anos, apa-
receu com uma camisa na qual estava estam-
pada com letras garrafais a inscrição “Comigo
ninguém pode”, que fielmente transmitia sua
mensagem não-verbal – que veio a se confir-
mar na evolução da análise – de que, ao longo
da sua vida, ele erigiu uma couraça caracteroló-
gica narcisista, de sorte a defender-se de qual-
quer apego afetivo.
Igualmente, é necessário avaliarmos a re-
alidade exterior do paciente, isto é, as suas con-
dições socioeconômicas, o seu entorno famili-
ar, a sua posição profissional, o seu projeto de
vida próximo e futuro, a existência de fatos
particularmente traumáticos, etc. Considero
sobremaneira importante que, diante da afir-
mativa do paciente de que ele já teve anterio-
res experiências de tratamento analítico frus-
tras, o analista pesquise as razões da interrup-
ção, tendo em vista que ele nos fornecerá sig-
nificativas informações daquilo que espera que
não sejamos...
Enfim, sou dos que acreditam que a en-
trevista inicial funciona como uma espécie
de trailler de um filme, que posteriormente
será exibido na íntegra; isto é, ela permite
observar, de forma extremamente condensa-
da, o essencial da biografia emocional do
paciente e daquilo que vai se desenrolar no
campo analítico.
Para sintetizar, guardo uma absoluta con-
vicção de que o objetivo mais importante da
entrevista inicial é o de estabelecer um rapport
com o paciente, isto é, o início de uma relação
pautada pela construção de um vínculo
empático, de uma atmosfera de veracidade e
confiabilidade. Dizendo com outras palavras:
o ideal a ser atingido é que o paciente saísse
da entrevista inicial com a sensação de que “fui
entendido, o doutor me ´sacou´ e gostou de
mim, está sinceramente interessado e acredita
em mim, tal qual eu realmente sou”.
CRITÉRIOS DE ANALISABILIDADE
E DE ACESSIBILIDADE
Conceituação
Na entrevista inicial, para avaliar as indi-
cações e contra-indicações de uma análise para
o paciente que buscou auxílio, é útil diferen-
ciar os significados conceituais de analisa-
bilidade e de acessibilidade. O primeiro é o cri-
tério clássico empregado para a referida indi-
cação de análise, o qual se baseia fundamen-
talmente nos aspectos do diagnóstico clínico
(pacientes psicóticos ou aqueles portadores de
uma estrutura altamente regressiva, como
borderlines, psicopatas, perversos, etc., eram
quase semprerecusados, salvo nos casos de
psicanalistas investigadores, como Rosenfeld,
Segal, Meltzer e Bion, pioneiros na análise de
psicóticos), e prognóstico, como uma antecipa-
ção de possíveis riscos e frustrações.
Acessibilidade, por sua vez, não valoriza
unicamente o grau de patologia manifesta pelo
paciente; antes, o interesse maior do analista
também não é sobremaneira dirigido para a
doença, mas muito mais para a sua “personali-
dade total”, notadamente para a reserva de
suas capacidades positivas que ainda estão la-
tentes, ocultas ou bloqueadas. Em relação ao
“diagnóstico” do paciente, a impressão do ana-
MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 61
lista deve ser mais um “diagnóstico psicanalí-
tico” do que um diagnóstico puramente clíni-
co, rigorosamente enquadrado nos códigos de
classificação das doenças mentais, não obstante
tal tipo de diagnóstico também deva ser leva-
do em consideração. Relativamente a uma pre-
visão do “prognóstico”, como fator decisivo na
indicação da análise como tratamento de es-
colha; na atualidade, a tendência predominan-
te é deixar que o prognóstico seja avaliado
durante o próprio curso da análise, o que, às
vezes, revela grandes surpresas para o analis-
ta, tanto de forma positiva quanto negativa.
Em resumo, o critério de “acessibilidade” atenta
principalmente para a motivação, a disponibi-
lidade, a coragem e a capacidade de o pacien-
te permitir um acesso ao seu inconsciente, para
o analista e para ele mesmo.
Este aspecto relativo ao critério de “aces-
sibilidade” adquiriu tal relevância na psicaná-
lise atual que os analistas estão atentos a um
grande contingente de pacientes, uns muito
regressivos, outros aparentemente bem-estru-
turados psiquicamente, que vêm sendo deno-
minados pacientes de difícil acesso, os quais re-
querem algumas particularidades técnicas e
táticas especiais.
Indicações e contra-indicações
para análise
Assim, à medida que a ciência psicanalí-
tica evolui e expande os conhecimentos teóri-
cos e técnicos, resta inquestionável o fato de
que, cada vez mais, os critérios de contra-indi-
cações estejam diminuindo, conforme já foi re-
ferido, principalmente em relação à abertura
das portas da terapia analítica para pacientes
muito regredidos. No entanto, também mui-
tos critérios formais sofreram transformações,
progressivamente ampliando a abertura para
as indicações. Um bom exemplo, é o critério
de idade, o qual deixou de ser excludente e é
encarado com bastante relativismo, tanto que,
desde M. Klein, a psicanálise ficou extensiva
às crianças e, além disso, de uns tempos para
cá, ela também é praticada com pessoas de ida-
de bastante avançada, aliás, com bons resulta-
dos. Um outro exemplo pode ser a dúvida que
existia quanto à adequação de iniciar uma aná-
lise em pleno período crítico de um quadro clí-
nico com sintomas emocionais agudos,
situacionais, neuróticos ou psicóticos. Hoje, os
psicanalistas não receiam enfrentar tais situa-
ções com todo o processamento psicanalítico
habitual, até porque a maioria dos analistas
está se inclinando, na atualidade, a não excluir
a possibilidade do eventual emprego de alguns
“parâmetros” (conceito de Eissler, 1934), como
pode ser o de um possível uso simultâneo de
modernos psicofármacos.
A propósito, também o diagnóstico clíni-
co comporta um acentuado relativismo, tanto
que, por exemplo, o diagnóstico de uma “rea-
ção esquizofrênica aguda” pode assustar em
decorrência do nome alusivo à esquizofrenia
e, no entanto, pode ser de excelente prognós-
tico psicanalítico, se for bem manejado (como,
aliás, acontece com todos os quadros “agu-
dos”), enquanto uma “simples” neurose, fóbica,
por exemplo, se for de organização crônica,
pode resultar em um prognóstico desalentador.
Persistem como contra-indicações indis-
cutíveis para a análise como escolha prioritária
os casos de alguma modalidade de degeneres-
cência mental ou aqueles pacientes que não
demonstram a condição mínima de abstração
e simbolização, bem como também para os que
apresentam motivação esdrúxula, além de ou-
tras situações afins.
Não raramente, os psicanalistas confron-
tam-se com situações nas quais a pesagem dos
fatores favoráveis e desfavoráveis revelados
pela entrevista inicial não foi suficiente para
que se definissem convictamente se convém ou
não assumir formalmente o compromisso da
análise. Nesses casos, apesar de alguns previ-
síveis inconvenientes, muitos psicanalistas de-
fendem a combinação de uma espécie de “aná-
lise de prova”, que consiste em prolongar a en-
trevista inicial por um período relativamente
mais longo para que só então ambos do par
analítico assumam uma posição definitiva
quanto à efetivação formal da análise. Um
exemplo que me ocorre foi colhido em uma
supervisão: a candidata trouxe uma entrevista
inicial de um jovem paciente masculino para
juntos avaliarmos a adequação da indicação
para uma análise formal. Aparentemente, o
paciente em avaliação preenchia todos os re-
quisitos necessários, porém ele despertava na
terapeuta um certo desconforto contratrans-
ferencial, que ela não conseguia definir com
62 DAVID E. ZIMERMAN
clareza, mas parecia que provinha de uma
“maneira algo estranha de ele me olhar, acom-
panhada de um sutil sorriso, também estra-
nho”, dizia a candidata. Sugeri que ela prolon-
gasse a entrevista inicial com mais sessões de
avaliação, até que tivéssemos uma idéia mais
clara do que estava sucedendo, e que, se o des-
conforto continuasse, seria útil que ela apon-
tasse diretamente se era uma falsa impressão
dela ou se ele escondia algo atrás de um sorri-
so, algo debochado. Quando a supervisionada
fez esse assinalamento, o possível paciente sol-
tou uma sonora risada e confessou que estava
concomitantemente fazendo terapia com ou-
tro analista, que ele dizia as mesmas coisas para
ambos, e estava se divertindo em fazer compa-
rações entre os dois, para ver qual deles “era o
menos louco”. Todos os leitores hão de con-
cordar que seria muito frustrante para a ana-
lista, em início de formação, contratar formal-
mente uma análise nessas condições.
Cabe interpretar na entrevista inicial?
Este é um aspecto que costuma ser bas-
tante controvertido entre os psicanalistas. É
consensual que as clássicas interpretações alu-
sivas à neurose de transferência devam ser evi-
tadas ao máximo; no entanto, penso que aque-
las que particularmente denomino “interpre-
tações compreensivas” (dizer o suficiente para
que o paciente sinta que foi compreendido) não
só são permissíveis, mas também necessárias
para o estabelecimento de um necessário
rapport, de uma necessária “aliança terapêu-
tica”. Assim, por exemplo, se o paciente em
uma entrevista inicial está relatando queixas
generalizadas de que ele está “cansado de ser
explorado em sua boa-fé e no seu dinheiro
por pessoas que aparentavam ser suas ami-
gas e depois o traíram e decepcionaram”, é
certo que todos entenderíamos que ele está
expressando, embora de forma não-conscien-
te, um temor de que, mais cedo ou mais tar-
de, a mesma decepção venha a ocorrer com a
pessoa do analista, que também está aparen-
tando ser uma pessoa amiga, porém... No caso,
se o terapeuta fizer uma “interpretação com-
preensiva” desse temor inconsciente, mesmo
que o paciente possa discordar dela, sentir-
se-á muito aliviado e disposto a fazer novas
aproximações. É claro que se trata de uma ilus-
tração por demais simples; no entanto, inú-
meras situações similares poderiam servir de
exemplos.
O CONTRATO
A palavra contrato pode ser decomposta
em “con” + “trato”, isto é, ela significa que,
além do indispensável acordo manifesto de al-
gumas combinações práticas básicas que irão
servir de referência à longa jornada da análi-
se, há também um acordo latente que alude a
como o analista e o paciente tratar-se-ão reci-
procamente. Por essa razão, cabe reiterar, a en-
trevista inicial que precede a formalização docompromisso contratual tem a finalidade não
unicamente de avaliação, mas também a de
uma mútua “apresentação” das características
pessoais de cada um e a instalação de uma at-
mosfera empática de trabalho.
O contrato, portanto, exige uma defini-
ção de papéis e funções, centrada na natureza
de trabalho consciente (direitos e deveres de
cada um, combinação de valores e forma de
pagamento, horários, plano de férias, etc.),
respectivamente por parte do psicanalista, do
analisando e da vincularidade entre ambos,
sendo útil considerá-los separadamente, sem-
pre levando em conta que, subjacente às com-
binações conscientes, existem poderosos e ati-
vos fatores inconscientes.
Assim, o que se espera por parte do anali-
sando? Em primeiro lugar, voltando a enfatizar
o que já foi dito, que ele esteja suficientemen-
te bem motivado para um trabalho árduo e
corajoso; no entanto, o analista deve estar aten-
to à possibilidade de que um aparente descaso
do paciente pode estar significando uma ma-
neira que ele tem de se defender na vida dian-
te de difíceis situações novas, e que essa atitu-
de, manifesta como se fosse uma escassa moti-
vação, pode estar representando a sua forma
de “abrir uma porta de entrada” para uma aná-
lise de verdade. A recíproca disso também é
verdadeira, ou seja, uma motivação aparente-
mente plena pode estar encobrindo um ante-
cipado rechaço para enfrentar momentos difí-
ceis, de sorte que posteriores motivos fúteis
poderão servir como racionalizações para aban-
donar a análise prematuramente.
MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 63
Em segundo lugar, espera-se que o ana-
lisando reflita com seriedade sobre todos os
itens das combinações que estão sendo pro-
postas para o contrato analítico e que, desse
contrato, ele participe ativamente e não de
uma forma passiva e de mera submissão ao
analista. Não obstante o fato de que o pacien-
te tem o direito de se apresentar com todo o
seu lado psicótico, narcisista, agressivo (ja-
mais a agressão física, é óbvio), mentiroso,
atuador, etc. – afinal, é por isso que ele está
se submetendo a uma análise –, faz parte do
seu papel mostrar, pelo menos, um mínimo
de comprometimento em “ser verdadeiro” e
que dedique a indispensável parcela de serie-
dade a um trabalho tão sério como é o de uma
terapia analítica.
O que se espera do psicanalista? Espera-se
que ele tenha bem claro para si os seguintes
aspectos:
1. Qual é a natureza de sua motivação
predominante para aceitar tratar analiticamen-
te uma certa pessoa: se é por um natural pra-
zer profissional, ou prevalece uma oportuni-
dade para uma determinada pesquisa; uma
necessidade única de prover os ganhos pecu-
niários; uma obrigatoriedade devido a uma
certa pressão de pessoas amigas ou, no caso
de candidatos, unicamente pelo compromisso
da obrigação curricular do instituto, ou é um
pouco de cada um desses fatores, etc.
2. Ele deve ter definido para si qual é o
seu projeto terapêutico, se o mesmo está mais
voltado para a obtenção de “benefícios tera-
pêuticos” ou de “resultados analíticos”.
3. Diante de um paciente bastante regres-
sivo, o analista deve ponderar se ele reúne as
condições de conhecimento teórico-técnico,
notadamente das primitivas fases do desenvol-
vimento emocional primitivo e se está prepa-
rado para enfrentar possíveis passagens por
situações transferenciais de natureza psicótica.
4. Da mesma forma, ele deve avaliar se
preenche aqueles atributos que Bion (1992)
denomina “condições necessárias mínimas” e
que aludem à empatia, continente, amor às
verdades, etc.
5. Partindo da assertiva de que não deve
haver uma maneira única, estereotipada e uni-
versal de psicanálise, e que uma mesma técni-
ca pode – e deve – comportar muitas e diferen-
tes táticas de abordagem e estilos pessoais de
interpretação, faz parte do papel do analista
reconhecer se ele domina o eventual uso de
“parâmetros” (diz respeito a possíveis interven-
ções do analista que, embora transgridam al-
gumas regras analíticas, não alteram a essên-
cia do processo analítico).
6. O terapeuta deve estar em condições
de reconhecer a natureza de suas contra-resis-
tências, contratransferências e possíveis con-
tra-actings.
7. Ele deve ter condições de envolver-se
afetivamente com seu paciente, sem ficar en-
volvido; ser firme sem ser rígido, além de, ao
mesmo tempo, ser flexível, sem ser fraco e
manipulável.
8. Também entrou em voga, desde Bion
(1970), a questão referente a se a análise deve
se desvincular de toda pretensão terapêutica,
tal como essa é concebida e praticada no cam-
po da medicina.
9. Assim, creio que existe um risco de o
analista levar exageradamente ao pé da letra a
recomendação de Bion de que a mente do ana-
lista não fique saturada de desejos de cura (gri-
fei a palavra “saturada” porque muitos inter-
pretam mal essa recomendação e pensam que
ele fez uma apologia da abolição de qualquer
tipo e grau de desejo). Nesse caso, o analista
corre o risco de suprir um natural desejo de
que seu paciente melhore, e, no lugar disso,
ele pode adotar uma atitude de distanciamento
afetivo.
10. Penso ser muito importante que o
analista, por maior que seja a sua demanda de
pacientes, trabalhe em condições de conforto
físico, emocional e espiritual. Para tanto, é
imprescindível ele conhecer os limites de sua
resistência física (o número de horas que tra-
balha; se os seus horários não interferem com
sua vida privada; se não é excessivo o número
de pacientes regressivos que lhe provocam um
grande desgaste e preocupações...), assim como
deve reservar uma parte do seu tempo para
prazeres e lazeres.
11. É útil que o terapeuta observe atenta-
mente “que perguntas o paciente se faz e que
respostas ele se dá” e, da mesma forma, se o ana-
lista tiver um claro conhecimento de “com quem”
e “como” o seu paciente se relaciona, fica aberto
o caminho para ele reconhecer a estrutura bási-
ca da personalidade do paciente em avaliação.
64 DAVID E. ZIMERMAN
Em relação ao campo analítico vincular, a
primeira observação que cabe é a de que a con-
temporânea psicanálise vincular implica no fato
de que já vai longe a idéia de que cabia ao pa-
ciente unicamente a obrigação, de certa forma
passiva, de trazer “material”, enquanto ao ana-
lista caberia a função única de interpretar ade-
quadamente aquele material clínico, a fim de
tornar consciente aquilo que estava reprimido
no inconsciente. Pelo contrário, hoje tende a
ser consensual que ambos, de forma igualmen-
te ativa, interajam e se interinfluenciam per-
manentemente. Assim, o que se deve esperar é
que, no contrato analítico, haja uma suficiente
clareza nas combinações feitas, para evitar fu-
turos mal-entendidos, por vezes de sérias con-
seqüências. Da mesma maneira, ambos devem
zelar pela preservação das regras do contrato
(embora faça parte do papel do paciente o di-
reito de, eventualmente, tentar modificá-las),
com as quais eles estão construindo um im-
portantíssimo espaço novo, no qual antigas e
novas experiências emocionais importantes se-
rão reeditadas.
Um tópico que persiste polêmico e con-
trovertido entre os psicanalistas é quanto ao
conteúdo das combinações a serem feitas no
contrato, notadamente no que diz respeito às
regras técnicas legadas por Freud, as quais con-
tinuam ainda plenamente vigentes em sua es-
sência, embora bastante transformadas em
muitos detalhes, tal como está descrito no pró-
ximo capítulo.
Na atualidade, alguns psicanalistas ain-
da adotam o critério original que regia as com-
binações do contrato e, assim, eles impõem,
de modo esmiuçado, uma série de recomen-
dações; enquanto a tendência da grande mai-
oria é simplificar a formulação das combina-
ções para um “mínimo indispensável”, ficando
no aguardo que as demais situações surjam ao
natural no curso do tratamento, sendo que a
análise de cada uma delas é que vai definindo
as necessárias regras e diretrizes.
O critériode “mínimo indispensável”, an-
tes mencionado, alude às combinações que
devem ser feitas relativamente ao número de
sessões semanais, horários, honorários (incluir
a possibilidade de reajustes periódicos, além
de dar a entender que o paciente está conquis-
tando um espaço exclusivamente seu e que,
por isso, será o responsável por ele), bem como
o plano de férias. Essa orientação contrasta a
daqueles outros psicanalistas que argumentam
que, quanto mais especificarem as diversas si-
tuações de surgimento bastante provável no
curso da análise, mais condições terão de con-
frontar o futuro analisando com as transgres-
sões daquilo que foi combinado.
Assim, os analistas que adotam essa últi-
ma posição devem combinar detalhes, como,
por exemplo, o direito que eles se reservarão
de responder ou não às perguntas do pacien-
te; atender ou não o pedido de mudança de
dias ou horários das sessões; como fica o pa-
gamento em caso de doenças ou necessárias
viagens do paciente; qual será o dia para pa-
gar, e se o fará no começo ou no fim da sessão;
se o pagamento pode ser com cheque ou uni-
camente com dinheiro-moeda; incluir, ou não,
uma cláusula de advertência quanto ao com-
promisso de sigilo, ou a obrigação de analisar
algum ato importante antes de o paciente
efetivá-lo, como uma forma de prevenir o ris-
co de actings, e assim por diante, em uma lon-
ga série de detalhes impostos à medida que
aparecerem (permissão ou proibição de fumar
durante a sessão; aceitação de presentes; en-
contros sociais; forma de cumprimentar (por
exemplo, trocando beijos ou não); silêncios,
faltas ou atrasos excessivos...).
Reitero que, particularmente, entendo
que existem algumas, poucas, combinações ex-
plícitas que são indispensáveis, e as demais são
implícitas ao processo analítico, devendo ser
analisadas à medida que surgirem; elas variam
de caso para caso, e devem ser encaradas pelo
analista da forma menos rígida e mais flexível
possível.
Um importante ponto do contrato que não
encontra uniformidade entre os psicanalistas,
inclusive dos que pertencem a uma mesma
corrente psicanalítica, é o que diz respeito às
combinações de que “a análise deverá ser feita
no divã”. Muitos preferem incluir essa condi-
ção desde a formalização do contrato, enquan-
to muitos outros psicanalistas (entre os quais,
me incluo) optam por não aludir de forma di-
reta ao uso compulsório do divã, aguardando
a oportunidade que, certamente, surgirá no
transcurso das sessões, assim possibilitando
uma análise mais aprofundada das possíveis
dificuldades em deitar ou permanecer senta-
do, assim como também para diminuir o risco
MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 65
de o paciente, desde o início, conduzir-se pas-
sivamente, cumprindo mandamentos e expec-
tativas dos outros, no caso o seu psicanalista.
Entendo que o mesmo critério de evitar
uma imposição do analista também deve, tan-
to quanto possível, prevalecer no ato de com-
binar o número de sessões semanais. O ideal
seria que analista e paciente, juntos, escutas-
sem as mútuas necessidades e possibilidades e
chegassem a um consenso, mesmo que tempo-
rário, a fim de evitar futuros dissabores.
A propósito da forma de o psicanalista
propor ou deixar a critério do analisando o uso
do divã, é oportuno frisar que a contemporâ-
nea psicanálise vincular evita ao máximo as
imposições, salvo aquelas absolutamente neces-
sárias, antes referidas, preferindo as proposi-
ções, ou seja, que o analisando participe ativa-
mente das combinações.
As contingências socioeconômicas da atu-
alidade têm trazido um fator complicador na
efetivação do contrato na cláusula que se refe-
re à possibilidade de o terapeuta ter um valor
de preço único, independentemente se ele for-
nece ou não um recibo (este é um outro pro-
blema à parte, que merece uma aprofundada
reflexão), que o paciente utilizará na sua de-
claração do Imposto de Renda, ou ter dois va-
lores diferentes, sendo que, não é nada inco-
mum, existe a possibilidade de que o analista
defina claramente que não costuma emitir re-
cibos. Igualmente, varia de um analista para
outro a conduta quanto a manutenção de um
mesmo valor para todos os seus analisandos,
ou se ele se dá o direito de estabelecer valores
diferentes de acordo com as circunstâncias pes-
soais de cada paciente em particular.
O importante, cabe enfatizar, não é tanto
o cumprimento fiel de cada uma das cláusulas
combinadas, mas, sim, o estado de espírito de
como elas foram aceitas por ambos, sem alte-
rar um necessário clima de respeito mútuo, e
assim começar a pavimentar o caminho para a
estruturação de uma indispensável confiança
básica. Sem ser necessário esclarecer explici-
tamente, deve ficar bastante claro para o psi-
canalista e para o analisando – neste último,
às custas de muita frustração e sofrimento – o
fato de que, embora o vínculo analítico seja
uma relação nivelada pelos aspectos humanos
de respeito, consideração e partilha de um ob-
jetivo comum, na verdade a inter-relação do
par analítico obedece a três princípios básicos:
1. Ela não é simétrica (ou seja, os luga-
res ocupados e os papéis a serem de-
sempenhados são desiguais, assimé-
tricos, e obedecem a uma natural hi-
erarquia, com direitos, deveres e pri-
vilégios distintos).
2. Não é de similaridade (isto é, os dois
do par analítico não são iguais, dife-
rentemente do que imaginam mui-
tos pacientes regressivos, notada-
mente os de uma forte organização
narcisista, que têm dificuldade em
admitir que o terapeuta é uma pes-
soa autônoma, tem a sua própria
técnica e o seu próprio estilo de tra-
balhar, pensar e viver).
3. A relação que o paciente reproduz
com o analista é isomórfica (ou seja,
na essência, eles se comportam de
uma “mesma forma”, como seres
humanos que são). No entanto, o
conceito de isomorfia não deve ser
confundido com a idéia de que o
analista será um substituto para uma
mãe ou pai, ou ambos, que foram
ausentes ou falhos, mas, sim, que ele
desempenhará – transitoriamente –
as funções de maternagem (ou outras
equivalentes) que o paciente carece.

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