Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Regionalização do Brasil Região Concentrada do Brasil Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Flávio Bezerra da Silva Revisão Textual: Profa. Ms. Selma Aparecida Cesarin 5 • Região Concentrada • A ocupação da região • As Políticas Neoliberais Esta Unidade trata de temas sobre a Região Concentrada no Brasil e seu processo de ocupação, dando ênfase nos processos pós anos 1990. Para melhor compreensão do tema, é essencial entender a relação do atual período do meio técnico-científico-informacional e as novas formas de produção existentes. Para isso, leia atentamente o texto, assista aos vídeos e realize as atividades propostas. A temática desta Unidade é a Região Concentrada do Brasil, definição dada para a região brasileira de maior atividade econômica e de maior densidade técnica e informacional. Região Concentrada do Brasil • A Agroindústria e o uso do território 6 Unidade: Região Concentrada do Brasil Contextualização Podemos dizer que a tecnologia e o capital passam a subordinar, em parte, a própria natureza, reproduzindo artificialmente algumas das condições necessárias à produção agrícola, cada vez mais dependente dos insumos gerados pela indústria, cuja produção transformou o conjunto de instrumentos de trabalho agrícola. Inúmeras pesquisas tecnológicas voltadas para o setor desenvolveram uma gama incontável de novos produtos químicos, na tentativa de suprir as deficiências do solo, prevenir as doenças das plantas, combater as pragas das plantações, aumentar o rendimento por hectare, produzir no laboratório sementes mais produtivas; de construir maquinas para semear, cultivar, colher, irrigar o solo, e uma quantidade incomensurável de outras inovações, proporcionando maior rendimento por hectare. Com a difusão desse novo conjunto técnico na atividade agrícola, sua realização tornou-se crescentemente dependente do processo científico-técnico de base industrial, minimizando a anterior vantagem relativa representada pela produção localizada nos melhores solos, nas topografias mais adequadas, entre outras. Aumentou, assim, a possibilidade de aproveitamento dos solos menos férteis e de ocupação intensiva de territórios antes desprezados para tal atividade. Consoante às palavras de Graziano da Silva, a produção agropecuária deixou de ser uma esperança ao sabor das forças da natureza para se converter numa certeza sob o comando do capital, perdendo a autonomia que manteve em relação aos outros setores da economia durante séculos. Assim, se os solos não forem suficientemente férteis, aduba-se; se as chuvas forem insuficientes, irriga-se; se ocorrerem pragas e doenças utilizam-se defensivos químicos ou biológicos. Fonte: ELIAS, Denise. Globalização e agricultura: a Região de Ribeirão Preto. São Paulo: Edusp, 2003, p. 61-2. O texto da geógrafa Denise Elias demonstra como atualmente o processo técnico-científico está relacionado a esta fase do capitalismo global e à produção agropecuária. Vivemos o período da acumulação flexível e do meio técnico-científico-informacional, que tornam a relação com a produção agrícola cada vez mais artificial. A Região Concentrada do Brasil é onde estas condições se estabelecem com mais força, tanto nas atividades agropecuárias, quanto nas industriais e/ou nas atividades de serviços. Observe no texto teórico da disciplina de que forma isso vem ocorrendo. 7 Região Concentrada Nesta Unidade, trataremos sobre a Região Concentrada, definida por Milton Santos e Maria Laura Silveira (2001). Iniciaremos com algumas afirmações sobre a concepção de Região Concentrada e de meio técnico-científico-informacional e, posteriormente, trataremos do processo de ocupação da região, dando ênfase ao período mais recente desta ocupação e a algumas atividades econômicas desenvolvidas. Região Concentrada e o meio técnico-científico-informacional A Região Concentrada é formada pelos estados do Sul do Brasil (Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina), bem como do Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo) – ver figura 1 – que englobam a região de maior densidade técnica e informacional do Brasil. Figura 1: Regiões Propostas - 4 Brasis. Centro-oeste Concentrada Nordeste Amazônia Fonte: Wikimedia Commons Trata-se da região de comando do ponto de vista da produção econômica, da concentração industrial, do maior número de exportação/importação (em dólares), da centralidade de serviços especializados (terciário moderno), de consultorias especializadas, de produção científica, de concentração de universidades e instituições de pesquisas, entre outras atividades. Além disso, há grande concentração dos sistemas de engenharias, sistemas de infraestruturas, relacionados principalmente à fluidez do capital econômico. Trata-se de sistemas de portos marítimos e fluviais, portos secos, rodovias, ferrovias, aeroportos, sistemas de cabo de fibra ótica, entre outros sistemas de objetos que se concentram nesta região. 8 Unidade: Região Concentrada do Brasil Como diz Milton Santos (1997), estes sistemas técnicos revelam a história da região: Na realidade, toda técnica é história embutida. Através dos objetos, a técnica é história no momento da sua criação e no de sua instalação e revela o encontro, em cada lugar, das condições históricas (econômicas, socioculturais, políticas, geográficas), que permitiram a chegada desses objetos e presidiram à sua operação. A técnica é tempo congelado e revela uma história (SANTOS, 2006, p. 40). Neste sentido, todos estes sistemas de objetos têm um uso social principalmente corporativo, que atendem majoritariamente aos atores sociais hegemônicos (grandes empresas, multinacionais, agronegócio etc.), mais do que um uso social para toda a população. Assim, de alguma forma, tais sistemas técnicos são o reflexo da globalização da economia como diz Milton Santos: Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes mundiais. O meio técnico-científico-informacional é a cara geográfica da globalização (SANTOS, 2006, p. 197). Dessa maneira, como afirma o autor, a Região Concentrada atende aos interesses da acumulação capitalista, pois esta concentração de sistemas técnicos facilita as trocas, a circulação e o consumo numa só região. Mas mesmo dentro da Região Concentrada, há maior densidade técnica em alguns territórios ou em algumas regiões do que em outras. Além disso, há muita pobreza na Região Concentrada. Há inúmeras favelas, cortiços, expropriação do trabalho no campo, exploração do trabalhador, ou seja, o mesmo processo que acumula capital e concentra poder econômico também amplia as desigualdades. Neste sentido, o meio técnico-científico-informacional é produzido e imbuído de ciência. Tanto nas engenharias (civil, mecatrônica, elétrica etc.), que produz sistemas de engenharias e infraestruturas, como por exemplo a biotecnologia usada no agronegócio, caso da produção do álcool no estado de São Paulo. Numa destilaria de álcool, por exemplo, há muita técnica e informação para que haja produtividade. Há uma precisão e investimentos em sistemas técnicos para que seja produzido álcool no lugar de açúcar. Quando se usa a expressão informacional, estamos dizendo que os sistemas técnicos são informacionais. Tais objetos contêm informação (já elaborada e criada cientificamente) para funcionarem plenamente. Por isso, o período denomina-se meio técnico-científico-informacional. Assim, é o que Milton Santos (2006) chama de tecnociência a serviço geralmente do capitalismo. A seguir, vamos explicar sucintamente o processo de ocupação da região, dando ênfase ao período técnico que se inicia no final do século XIX – Segunda Guerra Mundial e no período do meio técnico-científico-informacional. 9 A ocupação da região No período colonial, a capital desta parte do que viria a ser o Brasil eraa cidade de Salvador (1549-1763) e depois foi transferida para o Rio de Janeiro (1763-1960). Nesta época, a produção econômica de onde atualmente consideramos Região Concentrada não era tão importante para Portugal. Tornou-se alvo de maior interesse português quando se descobriu ouro e diamantes nas Minas Gerais, nome dado devido ao descobrimento das minas. No Sul, principalmente no Rio Grande do Sul (Capitania de São Pedro), havia uma história mais relacionada aos países vizinhos (Argentina e Uruguai) do que propriamente ao Brasil. Houve várias disputas territoriais com os vizinhos, bem como as missões religiosas que se instalaram onde hoje é o oeste do Rio Grande do Sul. A ocupação no Rio Grande do Sul era feita com a criação de gado em grandes estâncias, nas planícies (pampas) gaúchas, cujo charque era levado pelos tropeiros até as regiões mais adensadas do Brasil, caso da Zona da Mata Nordestina. Só no século XIX, pós 1850, houve mudanças que causaram maior inserção da região de São Paulo na produção capitalista e alçou a então província de São Paulo a uma intensificação da urbanização. As modernizações do território em São Paulo, decorrentes da expansão cafeeira, com a introdução do sistema ferroviário, investimentos em infraestrutura para exportação e ampliação das atividades comerciais, aceleraram a valorização das terras e colocou São Paulo, a partir daí, como a principal centralidade econômica do Brasil. Com a crise econômica mundial de 1929, que redundou na quebra da exportação do café brasileiro, houve investimentos em indústrias, como forma de possibilitar novas formas de acumulação do capital. Ao longo do século XX, houve políticas industriais que privilegiaram o Sudeste brasileiro. Primeiramente, no governo Vargas (1930-1945), houve investimentos da industrialização de indústria pesada, caso da siderurgia. Citamos como exemplos a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1941, em Volta Redonda, no Rio de Janeiro e a Companhia do Vale do Rio Doce (atual Vale), em 1942, em Minas Gerais, para exploração de minerais. A concepção nacionalista do governo Vargas era criar empresas estatais para que o Brasil não ficasse dependente do exterior, num processo que ficou conhecido como substituição de importações, já que o Brasil poderia produzir, em nosso território, produtos antes importados, caso do aço, por exemplo. Nessa época, alguns fatores concorreram para incentivo e maior industrialização no Sudeste, principalmente no Estado de São Paulo, entre eles, destacamos: · Maior concentração já preexistente de sistemas técnicos na região, caso de redes elétricas, ferrovias (e posteriormente de rodovias); · Maior concentração populacional e de mercado consumidor; 10 Unidade: Região Concentrada do Brasil · Rede de sistema financeiro e bancário já preexistente, devido principalmente à economia cafeeira. Estas densidades técnicas já preexistentes foram importantes, bem como as políticas governamentais, que induziram a maior ocupação industrial na região. Já no governo JK (1956-1961), com ampliação da construção de rodovias e o incentivo à política industrial por meio do apoio à entrada do capital estrangeiro e das empresas multinacionais, criaram-se parques industriais e também de produtos de bens de consumo. A indústria automobilística foi uma das maiores beneficiadas pelo discurso desenvolvimentista pelo binômio rodovia-automóvel. O Brasil estava se urbanizando cada vez mais, a população morando nas grandes cidades ou nas metrópoles do Sudeste, caso do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. Então, a energia elétrica e o consumo de produtos industrializados, caso dos eletrodomésticos (geladeiras, televisão etc.) se intensificaram neste período, pós anos 1960-1970. Se no período inicial dos anos 1970 o Brasil vinha de um crescimento econômico, período conhecido como milagre econômico, pós-crises mundiais do petróleo (1973 e 1979), os problemas econômicos brasileiros se intensificaram com alta inflação, desemprego, menor investimento industrial etc. No II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), em 1975, houve uma política de incentivo à produção de álcool para buscar uma alternativa ao uso do petróleo como combustível, denominado Proálcool. Esta política levou ao incentivo da produção agroindustrial da cana de açúcar no estado de São Paulo. A década de 1980 foi chamada por economistas de década perdida, devido aos problemas econômicos brasileiros que ampliaram a pobreza já existente nas décadas anteriores e aumentou o número de favelas nas grandes cidades. Então, se o Sudeste tinha a maior produção (PIB), a maior concentração populacional e mercado consumidor, tinha, também, a maioria dos pobres e desempregados ou subempregados do Brasil, em parte morando precariamente. As Políticas Neoliberais Nos anos 1990, com as políticas neoliberais, a lógica do desenvolvimento ocorre por meio de privatizações, investimentos público-privados, desregulamentações, leis trabalhistas mais flexíveis, desconcentração industrial etc. Situações que David Harvey denominou sistema de acumulação flexível, no qual as empresas diminuem o número de trabalhadores fixos, fazem mais subcontratos e terceirização da mão de obra. Trata-se de um modelo de transição capitalista, com expansão geográfica das empresas, tendência de oligopolização (poucas empresas detêm o controle de um determinado produto ou serviços), usando o trabalhador e a flexibilidade nas leis trabalhistas para acumular capital. 11 Desse modo, há uma concentração de capital nas mãos de poucas empresas e, ao mesmo tempo, uma desconcentração espacial destas, buscando novos territórios para a produção e também novos mercados consumidores. Além disso, há o aumento do trabalho no setor de serviços, apoiado pelos usos de novas tecnologias e de novos sistemas técnicos de produção ou de serviços, esta última condição típica situação das grandes cidades ou das metrópoles. Assim explica o geógrafo David Harvey sobre acumulação flexível: [...] flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo e (...) caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional (HARVEY, 1992, p.121). Esta desconcentração industrial, no caso da Região Concentrada, levou a novas áreas industriais, por exemplo, no interior paulista, com um polo na Região de Campinas, no qual se estabelece a relação da tecnociência, com apoio de pesquisas das instituições de Ensino Superior vinculadas aos interesses das empresas. Você Sabia ? A região de Campinas, distante aproximadamente 100 km do mais importante centro urbano do país, a cidade de São Paulo, acumula indicadores socioeconômicos que a tornaram conhecida dentro e fora do Brasil: · 2,5 milhões de pessoas, distribuídas na região metropolitana formada por 19 municípios; · PIB de US$ 26,7 bilhões, inferior apenas aos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais; · Contribui com 5,9% do PIB brasileiro; · Renda per capita de R$ 10.774,00 (a renda per capita nacional é de R$ 9.743,00); · 14.027 empresas de serviços; · 19.974 empresas comerciais; · 5.478 indústrias; · População economicamente ativa de 1.304.282 pessoas; · 50 filiais das 500 maiores empresas do mundo instalados na área; · 10% da produção industrial nacional, em setores diversificados, tais como: automotivo, têxtil, metalúrgico, alimentício, petroquímico, produtos farmacêuticos, telecomunicações, eletro-eletrônicos, informática, química fina, mobiliário e cerâmica, entre outros. · Quatro universidades: a Unicamp, a PUC Campinas, as Faculdades de Campinas e a Universidade Paulista, reunindo em torno de 70.000 estudantes; · Renomada produção agrícola de fruticultura especializada, inclusive para exportação;· De cada três toneladas de produtos de importação e exportação no país, uma tonelada passa por Campinas. Fonte:http://www.cendotec.org.br/pdf/dossiecampinaspr.pdfhttp://www.cendotec.org.br/pdf/dossiecampinaspr.pdf 12 Unidade: Região Concentrada do Brasil Neste período, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), houve a vinda de indústrias automobilísticas (veículos e motores), com destaque para a Renault (carros), Audi/Volkswagen (carros), Detroit Diesel, Volvo (caminhões pesados) e New Holland (tratores agrícolas). Por meio de apoio do Estado do Paraná e de incentivos fiscais, tais empresas buscaram se instalar em municípios da região, caso de Santo Antônio dos Pinhais (ver Tabela 1). Tabela 1. Número de Empresas do Setor Automotivo da RMC. Município Empresas Empregos Curitiba 81 14.731 São José dos Pinhais 42 6261 Araucária 14 921 Campo Largo 12 438 Pinhais 10 416 Colombo 3 297 Demais municípios 22 2015 Total 190 25.079 Fonte: Dados elaborados pelo ODI/PR, com base em Dinâmica e tendências do setor automotivo: Região Metropolitana de Curitiba, 2009. Estas empresas formam um circuito espacial de automotivos, com as empresas montadoras, mas também empresas de autopeças, de pneus, de pintura, escapamentos etc. Conforme aponta Sesso Filho (2004), houve apoio do Estado para a instalação das empresas, mas a quantidade de empregos gerados ficou aquém do esperado, considerando-se o investimento feito pelo governo: A indústria automobilística no Paraná recebeu incentivos fiscais, financeiros e de infraestrutura do governo do Estado para a instalação de empresas na região de Curitiba, com previsão de surgimento de novos empregos e aumento da produção (...) apresenta como principal entrave à falta de tradição de fornecimento, pequeno mercado consumidor e forte concorrência no setor. Além disso, os efeitos esperados sobre a economia estadual, no que se refere à geração de empregos, não se confirmaram, gerando dúvidas sobre os benefícios advindos da política implementada (SESSO FILHO et alii, 2004, p. 91). Há também, neste caso, a junção de apoio do governo mediante incentivos fiscais e dotação de infraestrutura, com mão de obra qualificada da região, já que a RMC tem formação superior pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), pelo Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (Cefet-PR), bem como há a Incubadora Tecnológica de Curitiba (Intec) e o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar). Há, ainda, como afirmam os pesquisadores: O Centro Automotivo, parceria entre a Federação das Indústrias do Paraná (FIEPR), SENAI, Cefet-PR, Isad-PUC e as montadoras, contribui de forma importante para o desenvolvimento da indústria automobilística. Este órgão treina pessoas para trabalhar no setor por meio da oferta de cursos em operações de lataria, montagem de carros, logística e solda (SESSO FILHO et alii, 2004). 13 Este é um exemplo do meio técnico-científico-informacional do qual Milton Santos trata, bem como o do polo tecnológico e de conhecimento da Região Metropolitana de Campinas, no qual se juntam os interesses das empresas, com apoio do governo, e da ciência. Como dizem Milton Santos e Maria Laura Silveira: Na medida em que essas grandes empresas arrastam, na sua lógica, outras empresas, industriais, agrícolas, e de serviços, e também influenciam fortemente o comportamento do poder público, na União, nos Estados e nos municípios, indicando-lhes formas de ação subordinadas, não será exagero dizer que estamos diante de um verdadeiro comando da vida econômica e social e da dinâmica territorial por um número limitado de empresas. Assim, o território pode ser qualificado como corporativo [...] (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 291). Tornam-se práticas corporativas, ou seja, das corporações, das empresas, em detrimento de um uso social para todos. Embora possa se considerar a produção industrial importante, bem como a geração de empregos, há de se ter políticas de habitação social, de transporte para mobilidade urbana, entre outras ações que também sejam importantes para os mais pobres. A Agroindústria e o uso do território Com a intensificação do processo de globalização econômica, a forma de produzir no campo mudou radicalmente nas últimas décadas e são imperativas novas técnicas, tecnociência, novos equipamentos e mudanças nas relações de propriedade e trabalho. Se antes o agricultor era um agregado numa grande propriedade rural ou tinha sua própria propriedade e era um agricultor familiar, hoje, as formas capitalistas transformam estas condições. As propriedades ditas modernas utilizam biotecnologia, equipamentos modernos e possuem crédito no mercado, cujos proprietários menores ou familiares geralmente não alcançam. Ter um latifúndio, mesmo que improdutivo, serve na hora de pedir empréstimo, pois há bens para serem considerados na solicitação do empréstimo. A geógrafa Denise Elias explica como é esta agricultura globalizada: Com a biotecnologia, muito do que era apenas ficção antes da revolução tecnológica pode se transformar em realidade. A engenharia genética propiciou o melhoramento genético das plantas e animais; criou novas espécies de plantas mais resistentes às intempéries, às pragas e doenças; diminuiu o ciclo produtivo de algumas culturas, viabilizando maior número de safras; adequou algumas plantas a solos adversos etc., além de ser vetor para a eficiência dos demais insumos modernos (fertilizantes inseticidas etc.). Dessa forma, as transformações do setor agropecuário, que já se processavam de modo notável com o uso das inovações mecânicas e físico-químicas, com a difusão da biotecnologia procederam-se de maneira muito mais acelerada, causando metamorfoses radicais nessa atividade, que passou a se realizar cada vez mais calcada na lógica da produção industrial (ELIAS, 2003, p. 88). 14 Unidade: Região Concentrada do Brasil Um exemplo dessa situação apontada pela autora ocorre no Oeste de Santa Catarina que, segundo definição do Instituto Brasileiro de Estatística e Pesquisa (IBGE), forma a mesorregião Oeste de Santa Catarina e conta com 118 municípios, formada principalmente por pequenos municípios, em termos de população. Na Mesorregião Oeste Catarinense há cinco microrregiões, que são: São Miguel do Oeste, Chapecó, Xanxerê, Joaçaba e Concórdia. A região tornou-se destaque na produção agroindustrial de aves e carnes suínas, num complexo de agroindústria e agropecuaristas familiares. Neste contexto de capitalismo no campo e de produção globalizada, a região foi transformada e submetida a uma reestruturação na produção para atender as empresas exportadoras instaladas na região, caso da Sadia, Perdigão e Aurora, entre outras, tornando o circuito espacial de produção um sistema agroindustrial . Neste sistema, cabe aos agropecuaristas familiares cumprirem rigorosamente os prazos, as determinações técnicas da produção e os preços definidos pelas agroindústrias para a criação de aves e/ou suínos, principalmente. Já as empresas agroindustriais fornecem matrizes das espécies, rações, apoio técnico e transporte. Na seleção de matrizes, há conhecimento da tecnociência para definir a espécie que tem maior produtividade, com melhoramento genético, e uma cooptação dos agricultores para se submeterem às empresas, pois são elas que fazem a comercialização e definem preços. Conforme afirma a pesquisadora Ana Sílvia Piva (2010), num primeiro momento, houve uma expansão horizontal, ou seja, na medida em que a demanda aumentava, fosse para produzir aves, fosse para produzir suínos para os frigoríficos, as empresas aumentavam os números de agropecuaristas familiares, por unidade de produção, para produzirem para as empresas. Assim, faziam novos contratos e aumentavam a expansão territorial da produção. Mas, mais recentemente, este processo foi se tornando mais vertical, ou seja, com definições vindas das empresas cujos agricultores deveriamcumprir as determinações, como explica a pesquisadora: Os anos posteriores, contudo, trazem a mudança da escala produtiva e a imposição, mesmo que de forma gradual, de padrões de ritmo, intensidade e de tecnologia aos agricultores, ao mesmo tempo em que são exigidos custos reduzidos. Uma vez que uma maior quantidade de integrados exige maior número de técnicos para fiscalizar as unidades produtivas, assim como um maior número de meios de transporte para distribuir e coletar a produção, a seleção de agricultores acontece. Esse processo acaba por tipificar os agricultores conforme seu rendimento de produção, deixando de lado aqueles considerados não produtivos ou então menos modernizados (PIVA, 2010, p.52). Isso demonstra como o processo capitalista induz às formas de produção, define preços e estipula as formas de produção; neste sentido, é uma lógica vertical que define a vida e trabalho do produtor. Já no Estado de São Paulo, pós anos 1990, houve a expansão da produção de cana de açúcar (ver Figura 2), que já era tradicional na Região de Ribeirão Preto, por exemplo, e foi se deslocando também para novas regiões do Estado. Em virtude do Programa do Etanol do governo federal, que induziu a produção de combustível para o Brasil por meio da produção do álcool, bem como a partir da produção de carros flex (que possibilita o uso de gasolina ou álcool), aumentou a demanda por álcool. 15 Figura 2. Produção de Cana de açúcar no Estado de São Paulo. Fonte: canalciencia.ibict.br A produção do setor sucroalcooleiro ocorre de diferentes modos: por meio de contratos por fornecedores integrados de cana; por fornecedores independentes; por produção na própria terra do usineiro; e, por fim, em terras arrendadas pela usina. Cabe ao Estado (níveis federal e estadual, principalmente) benefícios fiscais e crédito, e são as empresas que farão a comercialização (CASTILLO, 2014). É na Usina que ocorre a produção de açúcar ou álcool. Até os anos 2000, ainda havia muitos casos de queimadas na produção da cana de açúcar e de trabalho em condições precárias. Devido a alguns termos de ajustes ambientais, caso do Protocolo Agroambiental, tal prática de queimada vem sendo reduzida em São Paulo, o que denota melhorias no nível estadual em relação a esta prática. As usinas que participarem e cumprirem as metas do Protocolo Agroambiental paulista ganham um selo de “Etanol Verde”, que facilita a venda do álcool, inclusive para a exportação. Como há reconhecimento global do uso do álcool como combustível alternativo e com menor emissão de CO² (gás carbônico) do que os combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás), isso traz ganhos a estas medidas que mitiguem os impactos ambientais de poluição do ar. Como explica o pesquisador Luís Marcelo Moreno: O setor sucroenergético acompanha esses movimentos e tira proveito destas informações para aumentar seus ganhos. Em alguns casos, os empresários traçam estratégias que não visam ao lucro imediato, mas são medidas que trarão ganhos futuros e vão ao encontro da necessidade da sociedade por energias renováveis. Estas medidas são usadas em ações política e estratégicas, de forma a influenciar governantes nacionais e internacionais a usarem combustíveis limpos e sustentáveis (MORENO, 2011, p. 38). 16 Unidade: Região Concentrada do Brasil Do ponto de vista do trabalhador, o Ministério do Trabalho tem buscado coibir formas análogas à escravidão. O trabalho do cortador de cana de açúcar ainda ocorre por produtividade e por muito tempo era comum trabalharem exaustivamente e ocorrerem casos de morte devido a tais condições de trabalho. Contudo, ainda há casos de trabalhadores temporários, muitas vezes migrantes de outras regiões do Brasil, que vêm para o corte de cana e são submetidos a trabalho exaustivo, às vezes, mais de 16 horas de trabalho diário, com alimentação e/ou formas de alojamento inadequadas. Essa quantidade de tempo no trabalho ocorre porque o trabalhador ganha por produtividade de área de número de cana colhida e cortada; então, ele trabalha mais, para ganhar mais. Atualmente, os proprietários das áreas de plantação estão investindo em colheitadeiras como forma de ampliar a mecanização da atividade agrícola na cana de açúcar, o que, de um lado, pode ampliar a produtividade e, de outro, desempregar os cortadores de cana. Assim, nestes dois exemplos da agricultura no campo, evidenciam-se os processos capitalistas transformando as relações de trabalho no campo. Como afirmam Milton Santos e Maria Laura Silveira: Consolidam-se, outrossim, belts modernos destinados à produção de laranja e cana-de-açúcar no Estado de São Paulo, vinculados sobretudo ao fornecimento para a produção de suco para o estrangeiro e à fabricação de álcool. Mas também se reafirmam como modernos os cinturões de soja, trigo, algodão, milho, arroz, fumo e uva nos Estados sulinos. Numerosas empresas de aviação agrícola perfazem essa agricultura moderna, permitindo o controle e a aplicação de fertilizantes e pesticidas por vias áreas (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 270). Logo, as formas de produção na Região Concentrada vão se modernizando, mas, ao mesmo tempo, excluindo vários agricultores do processo. Os produtos dessa agricultura globalizada são armazenados; em alguns casos, passam pela produção industrial nas agroindústrias e, em geral, vão para as rodovias e depois para os portos para serem exportados. Além disso, a Região Concentrada possui inúmeras Regiões Metropolitanas. Nestas regiões, a gestão de serviços é sua principal atividade econômica. Serviços de saúde, de consultorias em meio ambiente, auditorias, serviços de tecnologia de ponta, marketing e publicidade e produção de conhecimento e difusão de informações, principalmente no Sudeste brasileiro. Concentram-se as mídias televisivas, os jornais online e impressos, as Instituições de Ensino Superior, as grandes empresas comerciais varejistas, os grandes empreendimentos caso de shoppings centers, que coexistem com o comércio popular ou da classe média, com camelôs e outras formas do circuito inferior da economia. Desse modo, a Região Concentrada concentra poder, terras, produção, serviços especializados, tecnociência, mas também há muitos pobres, favelas e outras formas de existência na região. 17 Material Complementar Para aprofundar seus conhecimentos, leia o material e assista aos vídeos indicados a seguir. Explore ELIAS, Denise. Globalização e agricultura: a Região de Ribeirão Preto. São Paulo: Edusp, 2003. Explore Matérias Jornalísticas Rede Globo (2min58). Produtores de cana de açúcar investem em mecanização da colheita em São Paulo. Disponível em: » http://globotv.globo.com/rede-globo/globo-rural/v/produtores-de-cana-de-acucar- investem-em-mecanizacao-da-colheita-em-sao-paulo/2066242/ TV Tem – Rede Globo (3min02). Nova tecnologia permite usina aproveitar bagaço da cana e aumentar a produção de álcool em 50%. Disponível em: » http://www.youtube.com/watch?v=KFhmpahNZsI http://globotv.globo.com/rede-globo/globo-rural/v/produtores-de-cana-de-acucar-investem-em-mecanizacao-da-colheita-em-sao-paulo/2066242/ http://globotv.globo.com/rede-globo/globo-rural/v/produtores-de-cana-de-acucar-investem-em-mecanizacao-da-colheita-em-sao-paulo/2066242/ http://www.youtube.com/watch%3Fv%3DKFhmpahNZsI 18 Unidade: Região Concentrada do Brasil Referências CASTILLO, Ricardo. Região competitiva e circuito espacial produtivo: a expansão do setor sucroalcooleiro (complexo cana-de-açúcar) no território brasileiro. Disponível em: http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal12/Geografiasocioeconomica/ Geografiaespacial/60.pdf. Acesso em: 20 jul. 2014. ELIAS, Denise. Globalização e agricultura: a Região de Ribeirão Preto. São Paulo: Edusp, 2003. HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: Técnica e tempo.Razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006. SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. São Paulo: Record, 2001. PIVA, Ana Silvia. Formação do sistema agroindustrial e os fluxos migratórios na Mesorregião Oeste Catarinense. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC – Centro Sócio Econômico Departamento de Ciências Econômicas, 2010. SESSO FILHO, Umberto Antonio et alii. Indústria automobilística no Paraná: impactos na produção local e no restante do Brasil. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n.106, p.89-112, jan./jun. 2004, p. 89-111. SILVESTRO, Milton Luiz. Transformações da agricultura familiar e estratégias de produção: o caso do Oeste Catarinense. Dissertação (Mestrado em Economia), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1995. 19 Anotações www.cruzeirodosulvirtual.com.br Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, 868 CEP 01506-000 São Paulo SP Brasil Tel: (55 11) 3385-3000
Compartilhar