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Espiritualidade do Padre Diocesano - Humberto Robson de Carvalho

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2
SUMÁRIO
Capa
Rosto
AGRADECIMENTOS
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
1. FONTES E CARACTERÍSTICAS DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ
1.1. Compreensão e identidade da espiritualidade cristã
1.2. Cristo como fundamento da espiritualidade cristã
1.3. A espiritualidade do mistério pascal na vida e na ação dos primeiros
cristãos
1.4. Os serviços e ministérios nas primeiras comunidades cristãs como
fonte de espiritualidade
1.5. A presença de Maria, a Mãe de Jesus, na espiritualidade dos primeiros
cristãos
1.6. Elementos da espiritualidade cristã ao longo da história da Igreja
2. O MINISTÉRIO E A ESPIRITUALIDADE PRESBITERAL
2.1. Compreensão do sacerdócio em alguns textos do Antigo (Primeiro) e
do Novo (Segundo) Testamento
2.2. O ministério presbiteral na Igreja
2.3. A espiritualidade no sacramento da Ordem e no ministério presbiteral
2.4. A pluralidade de expressões da vida espiritual no serviço presbiteral
2.5. A vida litúrgica do presbítero e suas implicações na espiritualidade:
presidência e participação litúrgica
3. A ESPIRITUALIDADE DO PADRE DIOCESANO
3.1. O padre diocesano, sinal e portador do amor de Deus Trinitário
3.2. O pároco, pastor próprio da comunidade paroquial
3.3. Jesus Cristo, Bom Pastor: modelo de espiritualidade e caridade pastoral
para o padre diocesano
3.4. Elementos constitutivos para a vivência da espiritualidade do padre
diocesano
3.5. Padre diocesano, homem de comunhão, participação e missão,
discípulo-missionário a serviço do Reino de Deus
3.6. Diocesaneidade
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA
Coleção
Ficha catalográfica
Notas
3
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AGRADECIMENTOS
Aos nossos pais e formadores
A todos os padres, diáconos e seminaristas diocesanos
D. Angélico Sândalo Bernardino
D. Antonio Carlos Altieri
D. Antônio Celso Queirós
D. Antonio Emídio Vilar
D. Antônio Gaspar
D. Benedito Beni dos Santos
D. Carlos Lema Garcia
D. Cláudio Hummes
D. Décio Pereira (in memoriam)
D. Devair Araújo de Fonseca
D. Eduardo Pinheiro da Silva
D. Eduardo Vieira dos Santos
D. Fernando Legal
D. Gil Antônio Moreira
D. Henrique Aparecido de Lima
D. Irineu Danelon
D. João Mamede Filho
D. Joaquim Justino Carreira (in memoriam)
D. Joel Ivo Catapan (in memoriam)
D. José Benedito Simão (in memoriam)
D. José Roberto Fortes Palau
D. Julio Endi Akamine
D. Luciano Pedro Mendes de Almeida (in memoriam)
D. Luiz Carlos Dias
D. Manuel Parrado Carral
D. Odilo Pedro Scherer
D. Paulo Evaristo Arns (in memoriam)
D. Pedro Luiz Stringhini
D. Redovino Rizzardo (in memoriam)
D. Sergio de Deus Borges
D. Tarcísio Scaramussa
D. Tomé Ferreira da Silva
D. Vitório Pavanello
E aos amigos colaboradores
Antônio Tozelli
Antonio Wardison C. da Silva
Diác. Francisco de Assis Gonçalves
Diác. Rafael Spagiari Giron
P. Abelardo de Freitas Barros Neto
P. Antonio Carlos Galhardo
P. Antonio Luiz Cursino dos Santos (in memoriam)
P. Cândido da Costa
P. Celso Pedro da Silva
P. Cézar Teixeira
P. Claudio Luiz de Carvalho
Pe. Dalcio Bonomini
P. Dalmir de Oliveira dos Anjos
P. Eduardo Rodrigues Coelho
Eliton Fernando Felczak
P. Emerson Henrique Citadin
P. Everaldo Sanches Ribeiro
P. Gaetano Tarquizio Bonomi (in memoriam)
P. Geraldo Alves Pereira
P. Jair Marques de Araújo
P. Jorge da Silva
4
P. José Antenor Velho
P. José Benedito Barbosa
P. José Benedito Brebal Hespaña
P. José Ricardo Pompeu Ferreira
P. José Roberto Abreu de Matos
P. Laerte Vieira da Cunha
P. Luiz Carlos de Souza
P. Luiz Cesar Bombonato
P. Luiz Eduardo Pinheiro Baronto
P. Márcio Felipe de Souza Alves
P. Marco Eduardo Jacob da Silva
P. Mário Bonatti
P. Nadir Sérgio Granzotto
P. Narciso Ferreira
P. Paulo César Gil
P. Plinio Possobom
P. Raimundo Edmilson Rodrigues
P. Raphael Emygdio Peretta
P. Reginaldo Martins da Silva
P. Reinaldo Emílio (in memoriam)
P. Roberto Fernando Lacerda
P. Rodolfo Inácio Pasini
P. Ronaldo Zacharias
P. Valdevir Cortezi
5
APRESENTAÇÃO
Jesus Cristo, Sacerdote, Altar e Cordeiro, é a fonte que mobiliza o ser e o
agir do ministro ordenado da Igreja. Cristo Sacerdote é aquele que conquista
com o dom de si mesmo na cruz; que não tem outra oferta ou sacrifício a
apresentar senão seu coração pleno de amor e de profunda confiança na
vontade do Pai. Cristo Altar não procura lugares suntuosos de culto, mas faz
de seu coração o lugar do livre e amoroso sacrifício em favor dos seus. Cristo
Cordeiro é aquele que livremente constitui-se vítima para a vida do mundo.
Seguindo essas referências, os autores propõem neste livro que a
identidade do padre diocesano, conforme o Magistério da Igreja, está
profundamente alicerçada no mistério de Cristo. Quem Ele é, seu ser de
Filho de Deus encarnado, seus gestos e palavras, seu descimento até nós, sua
vida junto ao povo da Galileia, sua atitude de serviço, o anúncio do Reino de
Deus e, por fim, sua Paixão, Morte e Ressurreição reverberam diretamente
nas profundezas do coração sacerdotal dos ministros ordenados e sopram
como uma brisa suave que revela a beleza da misericórdia de Deus, que
assumiu um rosto entre nós e chama cada um de seus novos discípulos-
missionários a unir-se e configurar-se a Ele, o Bom Pastor, aquele que
conhece suas ovelhas e entrega sua vida por elas.
Os autores, ao apontar essa fonte de vida que pulsa do Coração de Cristo
Bom Pastor, Cabeça da Igreja, único e eterno sacerdote, propõem uma
espiritualidade sacerdotal ativa, centrada na dedicação ao ministério, como
Jesus, que, antes de escancarar suas entranhas de amor e vida na Cruz,
multiplicou e serviu os pães para o povo faminto, chamando todos ao
banquete da vida; saiu pelas ruas, convidando coxos, cegos, doentes,
“leprosos” da sociedade para a grande festa do Reino, em um movimento
que proclama: “misericórdia é o que Eu quero”, cingiu-se de toalha e lavou
os pés daqueles que outrora estavam às margens do mar da vida.
Dessa forma pretendem despertar o grande tesouro que cada sacerdote
diocesano carrega no interior da argila de sua existência. Esse mesmo barro,
essa mesma fragilidade de terra, já não é obstáculo para o serviço, para
atender ao chamado, para colocar-se em missão. Ao contrário, a própria
experiência das contingências da vida molda o coração do sacerdote, à
semelhança de Cristo: como o Senhor assumiu nossa pobre condição
humana para compadecer-se de nós, aquele que é chamado e aceita a missão
de ser o “homem de Deus” entre seus irmãos faz de sua pobreza um caminho
6
de salvação que o leva a acolher o mistério do outro ferido que dele se
aproxima para, como seu próximo, viver a experiência do samaritano que se
põe em atitude de solidariedade diante do irmão.
Um homem conquistado por Cristo (cf. Fl 3,12) que aceita a aventura de
conquistar outros para Cristo. É dessa forma que os autores entendem a
proximidade, a intimidade entre Cristo e os seus presbíteros: participação em
seu mistério salvífico, identificação com sua pessoa e entrega total ao seu
povo para o anúncio e vivência do Reino de Deus que chegou entre nós.
O termo diocesaneidade aponta para a superação de uma visão solitária do
ser do sacerdócio ministerial e o insere no contexto da comunhão eclesial,
entendendo-o como inseparável da Igreja formada como povo sacerdotal,
nação santa, rica em carismas e ministérios para a edificação de todos. É por
isso que a compreensão do sacerdócio católico abre-se a horizontes amplos
que podem, na participação e comunhão de todo o presbitério, na sua união
com o bispo diocesano e na edificação da Igreja local, desvelar toda a sua
plenitude, dinamismo e fecundidade.
Sabedores da relevância do ministério sacerdotal ordenado para a vida e
edificação da Igreja, desejamos a todos uma ótima leitura, capaz de mobilizar
todos em direção a um renovado amor a Cristo e sua Igreja.
Dom Sergio de Deus Borges
Bispo auxiliar de São Paulo Vigário Episcopal para a Região Santana
7
INTRODUÇÃO
O presbítero, particularmente aquele que integra o clero diocesano,
participante da ação de Cristo, é convidado a revestir-se dele e tornar-se sinal
visível do amor de Deus para com seu povo, na comunidadeparoquial em
que está inserido; portador do amor bondoso, caridoso e misericordioso para
com todos aqueles que dele se aproximarem:
O pastor é, na linguagem bíblica, figura carregada da mais extrema
ternura: possui as conotações mais delicadas de carinho, solicitude e
compaixão. O horizonte da “terna misericórdia do coração de nosso
Deus” (Lc 1,78) e do “amor materno” de Javé revela-se de modo pleno e
definitivo naquele que se autointitulou Bom Pastor e ilumina a prática de
quem é chamado a apascentar, em seu Nome, as multidões que vagueiam
errantes e famintas pelos vales e montanhas, periferias de cidades e
sertões de nossa terra.[1]
No sacramento da Ordem, Cristo confere a sua missão de Pastor aos
presbíteros, tornando-os capazes de agir em seu nome. Mediante a
ordenação presbiteral, por meio da imposição das mãos e de uma oração
específica por parte do bispo, estabelece-se no presbítero uma graça especial,
que une o sacerdote a Cristo, Sumo Sacerdote e Bom Pastor. Essa
identificação sacramental com Ele insere o presbítero no mistério trinitário
e, por meio do mistério de Cristo, na comunhão ministerial da Igreja, para
servir o povo de Deus.[2] O padre diocesano é o servidor por excelência da
comunidade paroquial para onde ele é enviado em nome da Igreja:
A raiz espiritual do ministério pastoral se manifesta no nexo íntimo que
existe entre “ministério” e “mistério” e “mística”. O “ministério” pastoral
nasce do “mistério” da vocação e do envio divinos e, por isso, solicita
“mística”. Portanto, todo ministério, por haurir do mistério, porta uma
mística. Assim, o ministro é consagrado do Espírito e é por isso místico ou
espiritual. Essa vocação mistérica ou espiritual do presbítero se manifesta
de modo particular na unção sacramental da ordenação. Aí ele é
plasmado pelo Espírito e transformado em “homem de Deus”. Torna-se
“consagrado” a partir do seu interior. Pois o Espírito, tudo o que toca,
transforma e vivifica.[3]
O ministro ordenado é o servo de Cristo para ser, a partir dele, por Ele e
8
com Ele, servo de todas as pessoas. Assimilado a Cristo, ele constitui o
modelo de serviço, a fim de que Cristo esteja presente na comunidade. Se é
verdade que todo cristão, pelo Batismo, está em comunhão com Deus Uno e
Trino, é também verdade que, em virtude da consagração recebida mediante
o sacramento da Ordem, o presbítero é colocado numa relação particular e
específica com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo. A vida e o
ministério do presbítero são uma continuação da vida e da ação do próprio
Cristo.[4]
O presbítero, como alter Christus (outro Cristo) e in persona Christi
Capitis (pessoa de Cristo Cabeça), é o ministro das ações salvíficas. Pelo seu
poder e dom de oferecer o sacrifício eucarístico do corpo e sangue do Senhor
e pelo seu poder de anunciar autorizadamente o Evangelho, de vencer o mal
do pecado mediante a absolvição sacramental, ele é fonte de vida e vitalidade
na Igreja e na sua paróquia.
O presbítero não é fonte dessa vida espiritual, mas aquele que a distribui a
todo o povo de Deus. É o servo que, na unção do Espírito, tem acesso aos
sacramentos dos quais brotam a salvação. O presbítero é escolhido,
consagrado e enviado para atualizar eficazmente a missão eterna de Cristo e
do Espírito Santo, de quem se torna autêntico representante. Na ordenação
presbiteral, recebe o selo do Espírito Santo, que faz dele um homem
assinalado com o caráter sacramental, para ser eternamente ministro de
Cristo e da Igreja a serviço da vida e da esperança do povo de Deus, no qual
ele foi constituído o pastor que cuida, protege, santifica e edifica os irmãos
na fé, particularmente na realidade da comunidade paroquial.[5]
O presbítero, porém, para exercer as funções de liturgo, mestre e pastor,
deve antes de tudo ser discípulo no meio de seus irmãos. A espiritualidade
cristã é, eminentemente, espiritualidade do seguimento.[6]
Nesse sentido de construção da espiritualidade do seguimento de Cristo,
este livro tem o objetivo de colaborar com os irmãos presbíteros diocesanos e
com aqueles que estão a caminho do ministério presbiteral, seja diácono
transitório ou seminarista, por meio do aprofundamento sobre a
espiritualidade do padre diocesano:
Para responder à sua identidade mais profunda, que é teo-ontológica, o
presbítero é chamado a ser antes de tudo o que é: “homem de Deus”
(1Tm 6,11). Um homem que vive profundamente imerso no mistério
trinitário: abandonado e inteiramente disponível à vontade do Pai;
9
empenhado no seguimento de Jesus e no prosseguimento do seu
Evangelho, através da prática da caridade pastoral; conduzido pela
liberdade do Espírito numa vida de comunhão e esperança. Isso não é
idealismo, mas a verdade do “tesouro” de que o presbítero é portador,
embora sendo “vaso de barro” (2Cor 4,7).[7]
Este livro está organizado em três capítulos. O primeiro aborda as fontes e
características da espiritualidade cristã. Consiste em apresentar a
compreensão e a identidade da espiritualidade cristã, apontando Cristo como
fundamento dessa espiritualidade, a espiritualidade do mistério pascal vivido
pelos primeiros cristãos, os serviços e os ministérios na Igreja nascente,
relatando a presença de Maria, a Mãe de Jesus, na espiritualidade vivida no
início do cristianismo e, por fim, discorre sobre alguns elementos da
espiritualidade cristã ao longo da história da Igreja.
O segundo capítulo apresenta o ministério e a espiritualidade presbiteral
no contexto bíblico de alguns textos do Antigo (Primeiro) e do Novo
(Segundo) Testamento, a espiritualidade do sacramento da Ordem, a
dimensão espiritual do ministério presbiteral, a pluralidade de expressões da
vida espiritual no serviço presbiteral e a vida litúrgica do presbítero e suas
implicações na espiritualidade: presidência e participação litúrgica.
O terceiro capítulo reflete sobre a espiritualidade do padre diocesano.
Apresenta-o como sinal e portador do amor de Deus, o pároco como pastor
da comunidade paroquial; identifica Jesus Cristo, o Bom Pastor, como
modelo da caridade pastoral para o padre diocesano; indica algumas fontes
de alimento espiritual da vida presbiteral diocesana; perscruta sobre a
espiritualidade de pertença e, por fim, defende a expressão diocesaneidade
como riqueza e propriedade fundamental da espiritualidade do padre
diocesano.
Desejamos que este livro possa contribuir com o presbítero diocesano,
diácono transitório e seminarista no aprofundamento da própria vocação e
identidade presbiteral e colaborar no que se refere à sua espiritualidade
tipicamente diocesana.
10
1
FONTES E CARACTERÍSTICAS DA ESPIRITUALIDADE
CRISTÃ
O capítulo quinto da Constituição Dogmática Lumen Gentium, sobre a
vocação universal à santidade na Igreja, convoca todos os cristãos à
santidade e, por isso, nos inspira e nos insere no contexto da espiritualidade.
Somos chamados, a exemplo de Jesus Cristo, Mestre e Senhor, a viver a
santidade traduzida nas mais diversas realidades e situações da vida. A ordem
de Jesus é simples e clara: ser perfeito como o Pai é perfeito. Os presbíteros, a
exemplo de Cristo, devem, em primeiro lugar, ser testemunhas da santidade
e possuir uma autêntica e robusta espiritualidade:
O Senhor Jesus, mestre e modelo divino de toda a perfeição, pregou a
todos e a cada um dos seus discípulos, de qualquer condição que fossem, a
santidade de vida [...]. Cada um, segundo os dons e as funções que lhe
foram confiados, deve enveredar sem hesitação pelo caminho da fé viva,
que excita a esperança e opera pela caridade [...]. Os presbíteros, à
semelhança da ordem dos bispos, de quem são a coroa espiritual,
participando da graça ministerial dos mesmos através de Cristo, eterno e
único mediador, cresçam no amor de Deus e do próximo, pelo exercício
cotidiano do seu dever, conservem o vínculo da comunhão sacerdotal,
prodigalizem em todo o bem espiritual e sejam para todos um testemunho
vivo de Deus, procurando imitar aqueles sacerdotes que, no decorrer dos
séculos, deixaram, num ministério muitas vezes humilde e escondido,o
maior exemplo de santidade [...]. [1]
De acordo com o espírito do Concílio Vaticano II, no que ainda se refere
ao capítulo quinto, ele sugere que os frutos da santidade e da autêntica
espiritualidade colaborem para o bem-estar da sociedade humana. A Igreja,
ao longo dos séculos, formou uma imensidão de homens e mulheres que,
pela santidade, transformaram a vida de muitas pessoas, indistintamente.[2]
Na diversidade dos dons e das pessoas que fazem parte da Igreja, são
muitos os que, pela busca e vivência autênticas da intimidade com Deus,
vivem a santidade. Os bispos, os padres, os diáconos, os consagrados, por
meio da total entrega e serviço generoso aos fiéis, devem ser exemplos e
modelos de santidade para o povo. Os pastores são responsáveis pela
11
caminhada espiritual de seu rebanho. Também os casados, as pessoas viúvas
e os celibatários são chamados à santidade de vida. [3]
A espiritualidade cristã tem suas características peculiares. É uma
espiritualidade marcada pela busca de Deus, por meio de Jesus Cristo morto
e ressuscitado, no Espírito que anima e santifica todas as realidades e
circunstâncias da história pessoal e comunitária dos fiéis cristãos
comprometidos com a causa de Deus e dos irmãos. É uma espiritualidade
trinitária:
A espiritualidade cristã, na sua essência, é sempre trinitária: refere-se ao
Pai, fonte e destino de todo o bem; ao Filho, o Deus encarnado, que na
sua pessoa histórica nos revela os desígnios de salvação do Pai; ao Espírito
Santo, a terceira Pessoa divina, que faz com que a obra redentora de Cristo
se torne uma realidade viva e atual na nossa existência.[4]
Outra dimensão característica da espiritualidade cristã é a relação íntima
com Deus, por meio da pessoa de Jesus Cristo e do seu Evangelho. A vivência
no Pai pelo Filho determina o modelo autêntico e concreto de uma
espiritualidade encarnada e comprometida com a causa daqueles que mais
necessitam do apoio, serviço e afeto pastoral:
A espiritualidade do “avental e da toalha” não pode ser só da quinta-feira
santa, mas sim de todos os dias. Somos chamados para servir [...]. Jesus
não diz nada. É em silêncio que age, tocando mais em profundidade o
coração dos apóstolos. As palavras devem ser sempre comprovadas e
consagradas com o nosso agir, somente assim se tornam sacramento de
vida e de amor. A espiritualidade do avental vai desde o interior de nossa
família, em nosso trabalho, na Igreja, em qualquer lugar, seja qual for o
cargo que ocupamos, se nós não o exercemos em espírito de serviço, nos
distanciaremos cada vez mais dos outros e corremos o risco de ficar
sozinhos e isolados. Os outros, mais do que amor por nós, terão medo de
nós.[5]
Todos os cristãos, de modo especial os presbíteros, precisam de uma
profunda vivência espiritual. É necessário que sejam homens qualificados e
identificados com a vida espiritual; capazes de perceber a presença de Deus
nas atividades humanas e nos acontecimentos da história atual, e de
enxergar todas as pessoas, particularmente os mais necessitados, com os
olhos ternos, compassivos e misericordiosos de Deus:
12
A espiritualidade é de suprema importância para todo discípulo de Jesus e
de modo particular para o presbítero. Trata-se aí, com efeito, de questão
dos fundamentos de seu ministério [...]. A espiritualidade, portanto, será
a prioridade número um do presbítero (cf. PDV 45). E isso por uma razão
de princípio, pois o presbítero é o oikonómos do Reino, ou seja, o
“intendente de Deus” (Tt 1,7). E também por uma razão conjuntural: por
causa da aguda demanda de Deus que as pessoas hoje dirigem aos
ministros religiosos, ainda que de um modo confuso e ambíguo.[6]
A espiritualidade cristã é uma realidade a ser conquistada e vivida dia após
dia, com entusiasmo, alegria, perseverança e certeza de que Deus, autor e
mantenedor da santidade, está ao nosso lado, sendo companheiro e guia
nessa empreitada em busca de “um novo céu e de uma nova terra” (Ap
21,1), “onde seremos tudo em todos” (1Cor 15,28). Nesse sentido, o padre
diocesano conseguirá integrar sua vida ao ministério confiado a ele, de tal
maneira que conseguirá vivê-lo como servidor de Deus e do seu povo:
O ponto de partida da espiritualidade cristã e presbiteral é o encontro com
o Senhor e o seu Espírito, que nos dão olhos e paixão para discernir os
“sinais dos tempos” como linguagem de Deus.[7]
13
1.1. Compreensão e identidade da espiritualidade cristã
Apesar de a espiritualidade cristã ser um tema atraente e envolvente, que
desperta muito interesse em todos, pode-se afirmar que é também um
conceito que exige profunda reflexão e muita pesquisa para dar pistas
convincentes e acertadas a respeito de sua definição. Não devemos nos
contentar com definições superficiais e banais. Vários autores, nessa área,
demonstram que realmente não é fácil descrever e dissertar sobre essa
matéria. É o que escreve frei Betto, um dos grandes expoentes da
espiritualidade cristã:
O que é espiritualidade? Eis uma pergunta que me fiz a vida toda e ainda
paira inquietação em meu coração. É como o nome de Deus, tão
vulgarmente pronunciado por nós e, no entanto, impenetrável. Como é
mesmo que ele se chama? Javé, Eloim, Adonai, Alá, Senhor? Ao conhecer
uma pessoa, nossa primeira curiosidade é perguntar seu nome. Segunda,
quem é, o que faz.[8]
A espiritualidade cristã consiste, entre outras dimensões, na vivência da
fé, por meio de atitudes concretas e reais da caridade cristã, traduzidas em
gestos de solidariedade, ternura, acolhida, respeito, inclusão, compaixão e
misericórdia do cristão no seu dia a dia. É, antes de tudo, a compreensão e a
aplicação do Evangelho em todas as situações e circunstâncias da vida. Para
os presbíteros diocesanos, significa a autêntica sintonia com a Palavra de
Deus transformada nas atitudes concretas, acima mencionadas, para com a
comunidade a eles confiada e para todos aqueles que deles se aproximarem.
A espiritualidade está presente no jeito de ser, de agir, de falar, de rezar, de
atender:
“A espiritualidade é o conjunto de práticas e atitudes que manifestam a
experiência de Deus (do Espírito Santo) numa pessoa, numa cultura, ou
numa comunidade”. É toda a existência humana que se põe em marcha,
existência pessoal e comunitária. Trata-se de um estilo de vida que dá
unidade profunda ao nosso orar, nosso pensar e nosso agir.[9]
Etimologicamente, de acordo com alguns especialistas, espiritualidade
advém do termo grego pneumatiké e do latim spiritualitas, que sugerem vida
no Espírito, de acordo com Ele, sustentado por Ele, tendo como primazia a
busca da perfeição segundo o próprio Deus. Para o judaísmo, a expressão
ruah significa vento, respiração e espírito, indicando força interior movida
14
pela ação de Deus.[10]
Considerando esses pressupostos, podemos afirmar que espiritualidade
cristã é uma realidade interior que impulsiona a fazer o bem e a transformar
o que necessita ser transformado. É a força que Deus dá ao homem para agir,
segundo o seu Espírito, para a vivência, a autonomia e o despojamento de si
em vista do bem comum e da dignidade humana. Fundamentalmente:
Espiritualidade designa, de modo geral, o conjunto das perspectivas e das
atividades humanas voltadas para tudo o que o ser humano busca como
verdade, bem, beleza, justiça: realidades ou valores que estão no horizonte
da vida humana, sustentam-na e se manifestam no dia a dia. Na Tradição
judaico-cristã, essas realidades ou valores vêm de Deus e nos orientam
para Deus, que é Espírito. Essas formas de agir são denominadas
espirituais, em contraste com os modos materiais de agir, comandados
exclusiva ou principalmente pela busca do poder, da riqueza ou do prazer,
mais ou menos à revelia da consideração de Deus, cujo desejo está inscrito
no coração de todo ser humano, e que nos une a todos como irmãos em
comunhão, como filhos de um mesmo Pai. [11]
Nesse horizonte, a espiritualidade cristã é um estilo de vida marcado pela
busca de Deus, por meio de Jesus Cristo, no Espírito, e que cotidianamente –
com perseverança, fidelidade,alegria, esperança e dedicação – vai-se
desenvolvendo em toda a vida presbiteral diocesana.
À luz da fé cristã (há fé religiosa quíchua, fé religiosa islâmica, fé religiosa
hindu), nós descobrimos a presença de Deus no cosmo, na vida humana e
na história como amor gratuito e salvação precisamente porque Jesus,
Filho de Deus e Filho de Maria de Nazaré, com sua palavra, atividade,
morte e ressurreição, nos faz entrar vitalmente nessa descoberta. A partir
desse encontro de fé, nossa espiritualidade só pode ser “religiosa” (como
voltada para o Deus vivo, revelado por Jesus) e “cristã” mesmo (como
seguimento do próprio Jesus). O Deus de Jesus é o nosso Deus. Ele é a
profundidade máxima de nossa vida. A causa de Jesus é a nossa causa.
Nosso viver é o Cristo (Fl 1,21). Ele é a nossa paixão e seu Espírito é
nossa espiritualidade.[12]
REFLEXÃO
1. O que é a espiritualidade cristã?
2. Como a espiritualidade pode responder aos anseios imanentes às
15
fragilidades no contexto do ministério presbiteral diocesano?
16
1.2. Cristo como fundamento da espiritualidade cristã
Jesus Cristo é o fundamento de toda espiritualidade cristã. Ele é o centro,
o cume e o ápice da espiritualidade vivida pelo presbítero diocesano. Ele é a
cabeça de todo o corpo eclesial. É impossível falar de espiritualidade cristã
sem se referir à pessoa e obra de Jesus, Mestre e Senhor. É nele, com Ele e por
Ele que toda espiritualidade sobrevive.
A vida, alicerçada e sedimentada no Cristo Senhor da História, faz com
que o presbítero diocesano viva e transmita o compromisso assumido no dia
do seu batismo e da ordenação presbiteral de ser anunciador da Boa-Nova,
benfeitor da humanidade, profeta comprometido, discípulo-missionário
autenticamente capacitado para a missão a ele confiada:
Essa centralidade de Jesus se projeta em todas as formas da espiritualidade
cristã, desde as origens, como o atesta o Novo Testamento e toda a
Tradição cristã através dos tempos. Na Antiguidade, Jesus foi sempre
considerado como o Ungido de Deus, Cristo, que na cruz, ato supremo de
amor, atrai todas as coisas a si e, triunfante da morte, é Senhor todo-
poderoso, o Pantocrator, cuja misericórdia preside e regula a vida do
universo inteiro, muito além da comunidade cristã e de cada um de nós.
[13]
Sendo o Cristo fundamento e centro de toda espiritualidade cristã, o
presbítero diocesano busca-o como ponto da partida e de chegada em todas
as circunstâncias e realidades da sua existência e do seu ministério, pois sabe
que tão somente Ele é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6). Nele, por Ele
e com Ele, o presbítero diocesano busca assemelhar e configurar a sua vida
ao Cristo, sumo e eterno sacerdote:
A espiritualidade cristã é, por definição, a espiritualidade de Jesus,
segundo o seu Espírito. Sua opção deverá ser nossa opção; suas atitudes,
nossas atitudes; suas práxis, nossas práxis. Para nós, como para Paulo,
viver é o Cristo, e morrer com ele e por ele é o verdadeiro lucro (cf. Fl
1,21).[14]
Jesus viveu coerentemente em sintonia e em obediência para com o Pai e
ao mesmo tempo dedicado e solícito ao próximo: Ele foi extremamente de
Deus e do seu povo. A radicalidade e a autenticidade no seguimento a Jesus
Cristo moldam o presbítero diocesano a ponto de torná-lo parecido com Ele,
fazendo com que sua vida e seu ministério presbiteral sejam configurados ao
17
mais profundo e existencial exercício do serviço dedicado a Deus, à Igreja e à
comunidade paroquial.
O seguimento de Jesus, na perspectiva do Reino de Deus, vive-se no
intenso e, às vezes, difícil caminhar do dia a dia com as mais complexas e
diversas situações que o presbítero diocesano enfrenta em sua jornada diária,
pois ele tem a consciência de que todo sofrimento humano, toda luta em
busca de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária se transformarão em
conquistas e vitórias para o crescimento pessoal, presbiteral e comunitário:
O seguimento de Jesus e a pertença à sua comunidade implicam uma
extrema atenção e uma disponibilidade incondicional para servir às
necessidades básicas, materiais e corpóreas dos seres humanos: dar pão
aos que têm fome, água aos que têm sede, vestir os nus, evangelizar os
pobres e libertar os cativos. Trata-se de um projeto para transformar a
realidade no sentido do senhorio de Deus, a construção de uma nova
humanidade.[15]
O projeto de vida de Jesus, confiado pelo Pai, cumprido exemplarmente,
não se limita a uma realidade espiritual individualista e egoísta. Ao
contrário, a sua proposta é transformadora, isto é, leva em consideração o
pessoal na perspectiva do encontro com o outro, na realização e
transformação da humanidade. Trata-se de um projeto de vida que se inicia
pessoalmente, mas que leva imediatamente ao compromisso comunitário.
Por isso, o modo de ser e de agir de Jesus tornou-se uma grande novidade
para a humanidade: sua postura se traduz num novo modo de ser e de viver
no mundo. O padre diocesano procura, em sua identidade presbiteral, ser
sinal visível e concreto desse jeito encantador e transformador de Jesus
Cristo, Mestre e Senhor:
Ele comia e bebia com os pecadores (Mt 11,19), entretinha-se com as
crianças de seu povo (Mc 10,13-16). Deteve-se em conversar com a
samaritana (Jo 4), com Nicodemos (Jo 3). Permitiu que seus pés fossem
lavados por uma prostituta (Lc 7,36-50) e se deteve em tocar os enfermos
com sua saliva (Mc 7,33). Quando falava com alguém, não demonstrava
aborrecimento, mas fixava nele o olhar, com profunda atenção amorosa:
“Fitando-o, Jesus o amou” (Mc 10,21). Era atento aos menores gestos de
bondade de seu povo e maravilhava-se perante os pobres: “Viu também
uma viúva indigente, que lançava duas moedinhas” (Lc 21,2). Assim
ensinou a sublime arte espiritual e pastoral de “deter-se”, embora isso
nem sempre lhe fosse agradável, já que a cidade amada lhe arrancou
18
lágrimas (Lc 19,41). Essa compenetração em sua terra e em seu povo
certamente caracterizava seu modo de amar e era, portanto, parte de sua
“espiritualidade”.[16]
No plano salvífico de Deus, a missão primordial de Jesus era anunciar o
Reino de Deus (Mc 1,14-15). O Reino que Jesus pregava e propunha aos
seus tinha como ponto de partida o direito, a justiça, a verdade, o
comprometimento com os necessitados (Lc 6,20; Mc 10,14; Mt 5,19) e a
transformação de cada pessoa e da sociedade.
Naturalmente não se restringia às questões sociais, psicológicas e
existenciais. Considerava tudo isso, porém contemplava algo além dessas
questões, isto é, a dimensão espiritual, o desejo e a realidade das coisas do
alto, da vida eterna, que, por sua vez, começa aqui e agora. Pode-se afirmar
que o presbítero diocesano, discípulo-missionário do Mestre e Senhor, tem a
missão de continuar o projeto de Jesus, no que se refere à vivência do Reino
de Deus no espaço da comunidade paroquial e da sociedade em que está
inserido:
O Reino de Deus não é um conceito espacial nem estático, e sim um
conceito dinâmico. Designa a soberania real de Deus, exercendo-se de
fato em atos e em verdade [...]. O projeto do Reino é de Deus, portanto
não se esgota nos limites do tempo e do espaço. Tem um conteúdo
transcendente, como transcendente é o Deus de Israel, o Abbá de Jesus.
Porém, essa transcendência, que faz o Reino não se esgotar nos limites da
história, se revela no seio da história [...]. O Reino de Deus é dom e graça
e deve ser acolhido e recebido na pessoa de Jesus. Mas também é missão e
tarefa. Jesus empenhou todas as suas forças nesse projeto e ensinou
aqueles que o seguiam a fazer o mesmo. [17]
Jesus, no exercício do seu ministério profético e sacerdotal, quis escolher
um grupo de doze homens na qualidade de apóstolos e a eles deu o
ministério da evangelização, da caridade e da condução da missão iniciada
por Ele. Tamanhos foram o encanto e a sedução pelo Mestre que se tornaram
capazes de deixar para trás todas as outras coisas e empenhos, para se dedicar
única e exclusivamente à causa do Reino de Deus. O padre diocesano
também opta por deixar a casa dos pais, o trabalho e o sucessoprofissional
para dedicar-se exclusivamente a Deus, à sua Igreja e ao seu povo querido:
A Igreja se constituiu sobre a base dos apóstolos, como comunidade de fé,
de esperança e de caridade. Por meio dos apóstolos, chegamos ao próprio
19
Jesus. A Igreja começou a se constituir quando alguns pescadores da
Galileia conheceram Jesus, deixaram-se conquistar pelo seu olhar, pela
sua voz, por seu chamado cálido e forte: “Sigam-me, eu farei vocês se
tornarem pescadores de homens!” (Mc 1,17).[18]
O Filho de Deus, consciente de sua missão, o que incluía o sofrimento, a
paixão e a morte, enfrentou-a com maturidade e serenidade, como Servo
Sofredor. Sua vocação é ser o Servo de Deus. O Servo homem das dores e
familiarizado com o sofrimento foi condenado injustamente. Foi obediente
até a morte de cruz. Tendo consciência de que ela fazia parte de sua árdua
diaconia, entregou-se à infinita bondade e misericórdia do Pai; sabia que,
entregando tudo nas mãos do Pai, sairia vitorioso. E assim o fez.[19] O padre
diocesano, também consciente de sua missão como pastor de uma
comunidade paroquial, sabe que, em certas circunstâncias, terá de superar as
dificuldades, os problemas e as fragilidades com esperança, otimismo e
perseverança.
O Servo Sofredor, o Cordeiro de Deus, torna-se, pelo poder infinito de
Deus, o Ressuscitado, o Cristo, o Senhor vitorioso da morte e da vida. O
Cristo vivido na espiritualidade cristã é também, sobretudo, o Cristo
ressuscitado. Por isso, o padre diocesano em sua mística deverá ser, viver e
testemunhar a alegria, a esperança e o otimismo que nascem de uma vida
profundamente mergulhada no Senhor vitorioso e misericordioso.
REFLEXÃO
1. Como o encantamento por Cristo e o deixar-se seduzir por Ele podem
acontecer e ajudar a mobilizar e integrar toda a vida e pessoa do padre
diocesano, desde a sua interioridade, para o exercício existencial do
ministério?
2. Qual a importância do apaixonamento por Cristo para que o ministério
possa ser fonte de realização e não mero serviço externo?
20
1.3. A espiritualidade do mistério pascal na vida e na ação dos primeiros
cristãos
O Concílio Vaticano II, em sua Constituição Sacrosanctum Concilium,
sobre a Sagrada Liturgia, se serviu das Sagradas Escrituras para reafirmar que
a Igreja nasceu do “lado aberto de Cristo na cruz” e teve, no dia de
Pentecostes, a sua manifestação missionária.[20]
Para os discípulos de Jesus, a experiência da ressurreição foi como um
acordar para a vida e para uma nova proposta de transformação do mundo e
da sociedade. Depois da morte de Jesus, os discípulos ficaram desanimados,
desarticulados e sem destino (Lc 24,13). Cegos, não perceberam a presença
de Jesus no meio deles (Lc 24,20). Quando abriram os olhos e acordaram
para ouvir a Palavra do Mestre e Senhor, puderam fazer a experiência da vida
nova em Deus:[21]
A credibilidade da ressurreição de Jesus baseia-se no testemunho dos
apóstolos e da Igreja nascente. Tudo leva a crer que os apóstolos não
tinham disposições psicológicas para “inventar” a notícia da ressurreição
de Jesus ou para “sonhar alucinadamente” com tal evento. Ainda
impregnados das concepções de um messianismo nacionalista e político,
capitularam quando viram o Mestre preso e aparentemente fracassado.
Fugiram para não ser presos eles mesmos (cf. Mt 26,31s). Pedro chegou a
renegar o Senhor (cf. 26,33-35). O caso de Tomé é o mais significativo:
resistiu ao testemunho dos demais apóstolos e pediu provas palpáveis da
ressurreição (cf. Jo 20,24.29). Somente após a revelação do Ressuscitado,
rendeu-se à verdade.[22]
A partir do momento em que reconheceram que o Mestre estava vivo e
ressuscitado, tudo se transformou. Eles vencem o medo, recuperam a fé,
reencontram força e coragem para continuar o projeto que por pouco não
tinham deixado de lado (At 4,19; 5,29). No pensamento deles, não só o
Cristo havia ressuscitado, mas eles também. Começam a ver as pessoas e o
mundo com os “olhos” do Ressuscitado. Percebem o que podem e devem
fazer para levar avante a transformação do mundo na perspectiva da
caridade, da justiça e da misericórdia. À luz da ressurreição, conseguem
compreender a Antiga Escritura e perceber que o próprio Jesus estava no
centro dela. Moisés e os profetas já falavam dele (cf. Jo 1,45; 5,46). A partir
da experiência do mistério pascal, começam a compreender a vida de Jesus
como realização das antigas promessas (Jo 19,28). Creem
21
incondicionalmente na Escritura e na Palavra de Jesus (Jo 2,22).[23]
A espiritualidade nascida do mistério pascal faz com que a primeira
comunidade compreenda o sentido mais profundo das palavras e dos gestos
de Jesus. Agora tudo tem novo sentido, tudo está esclarecido. A comunidade
onde a Palavra se fez eco torna-se, para os cristãos e para os presbíteros
diocesanos, fonte de anúncio e vivência da mais profunda experiência do
encontro pessoal e comunitário com o Mestre e Senhor:
A Nova Aliança tem seu princípio e seu complemento no mistério pascal,
na cruz e na ressurreição gloriosa de Jesus Cristo, que assim cumpre a
vontade do Pai, em seu desígnio de salvação do homem. E o mistério
pascal que é redenção e vida está no centro de toda a vida cristã: “a vida
de Jesus se manifesta também em nossa carne mortal” (2Cor 4,11).[24]
A vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes faz com que os membros
da primeira comunidade se transformem e adquiram força, coragem,
esperança, alegria e otimismo, para continuar a missão de Jesus. Os cristãos
não estão mais órfãos e abandonados. A partir de agora, é o próprio Espírito
de Deus que vai encorajar, animar e motivar os seus discípulos-missionários
a continuarem a obra de Jesus Cristo:
O Espírito não é o Pai. É dado por ele. O Espírito não é o Filho, mas é
dado e recebido pelo Filho ressuscitado. É alguém jamais separado do Pai e
do Filho, distinto e autônomo em sua ação (cf. Mt 28,19; 2Cor 13,13). É
aquele que, após a ressurreição de Jesus, não deixa a humanidade órfã,
mas habita em cada ser humano, dando-lhes a possibilidade de crerem,
amarem e seguirem Jesus Cristo.[25]
A efusão do Espírito Santo marca profundamente o início da ação
missionária dos discípulos de Jesus e faz deles verdadeiros evangelizadores. A
partir da vinda do Espírito sobre eles, novos missionários também partiram
em missão e fundaram comunidades a serviço da vida e da esperança do
povo de Deus.
Os primeiros cristãos, à luz da ressurreição e da presença do Espírito
Santo, transformaram suas vidas e as vidas de tantas outras pessoas.
Conseguiram seguir Jesus radicalmente na comunidade e viver
autenticamente o processo de discípulo-missionário batizando (Mt 28,19),
ensinando (Mt 28,10), perdoando (Jo 20,23), celebrando a memória do
Ressuscitado (1Cor 11,14), servindo (Jo 13,14) e testemunhando (At 1,8).
[26]
22
O presbítero diocesano, à luz da experiência da primeira comunidade
cristã, tendo prometido publicamente no dia da ordenação assumir todos os
compromissos com Deus, com a Igreja e com o povo, é convidado a viver
radicalmente a espiritualidade do mistério pascal, conformando a vida
presbiteral com a vida da comunidade paroquial, e é o pastor segundo o
único e exclusivo Pastor, Jesus Cristo, Mestre e Senhor.
REFLEXÃO
1. Como o presbítero diocesano pode fazer, por meio de sua
espiritualidade, experiência da ressurreição de Jesus?
2. Como a ressurreição do Senhor pode renovar e dar vitalidade à pessoa
do presbítero e, com isso, restaurar sua história, sua vida, da mesma
forma como renovou a vida dos apóstolos e dos primeiros discípulos?
3. Como a experiência de Pentecostes, que deu ânimo, coragem e
dinamismo aos antes medrosos, pode ajudar o presbítero diocesano a
enfrentar, entre outros, o complexo de Jonas, isto é, a fuga dos grandes
desafios da missão e os medos interiores?
23
1.4. Os serviços e ministérios nas primeiras comunidades cristãs como
fonte de espiritualidade
Os primeiros cristãos deixaram um legado espiritual muito importante e
atual para os dias de hoje. Havia naquela comunidade iniciante o exercício
de váriosserviços e ministérios (At 6,1-6). Em Antioquia, cidade que
pertencia à Síria, vislumbraram-se alguns deles: o apóstolo, correspondente
ao missionário hoje, o doutor, o catequista e o profeta, ministro da Palavra
(At 13,1).[27]
O serviço missionário era uma característica da primeira comunidade: os
cristãos eram animados, organizados e motivados pelos missionários, que se
dedicavam exclusivamente ao serviço da Palavra. Os missionários viviam de
maneira sóbria, eram despojados, confiavam na generosidade do povo (Mt
10,5-10; Lc 10,2-9).[28] Nesse horizonte, com base na vivência da
espiritualidade dos primeiros cristãos, o padre diocesano é convidado a
retomar a centralidade do serviço do anúncio da Palavra, sendo autêntico
discípulo-missionário a serviço exclusivamente da missão a ele confiada.
Outros ministérios surgem durante o processo de formação das
comunidades primitivas: bispos (At 20,28; 1Tm 3,2), padres (At 11,30; Tg
5,14), diáconos (2Cor 6,4; Ef 6,21), colaboradores (Rm 16,3.21; Fl 2,15) e
ainda líderes (Rm 12,8; 1Ts 5,12).[29] Todos esses ministérios e serviços
tinham por objetivo apresentar a pessoa de Jesus e, com Ele, por Ele e nele,
serem transformados e perpetuar a missão do Cristo, Mestre e Senhor:
Paulatinamente os ministros itinerantes desapareceram e os apóstolos se
sedentarizaram. Um presidente, que conservou o nome de bispo,
distinguiu-se do colégio dos presbíteros e dos bispos, originando o
episcopado monárquico, cuja forma se consolidou em meados do século
II, e a distinção dos graus do ministério hierárquico: bispo, padre e
diácono. Inácio de Antioquia foi a primeira testemunha de tal mudança.
[30]
A coerência entre fé e vida, manifestada por meio dos serviços prestados,
revela-se como uma fonte espiritual deixada pelas primeiras comunidades
cristãs. Os primeiros cristãos entenderam, desde o início, que a vida
construída a partir do Ressuscitado e ao redor dos apóstolos implicaria o
serviço dedicado aos irmãos, na vivência do projeto do Reino de Deus,
baseados na justiça, na verdade e na defesa e promoção dos direitos
fundamentais de todas as pessoas.
24
A espiritualidade vivida a partir da Palavra de Deus, da Eucaristia, da
oração e da comunhão fraterna fez com que os primeiros cristãos
mantivessem uma postura radical diante das falsas promessas, da idolatria,
da superficialidade, da injustiça, da corrupção, das falcatruas e de tantos
outros males que atraem em qualquer tempo os seres humanos, inclusive os
cristãos (At 2,42-47), e, dessa forma, pudessem viver os ministérios e
serviços assumidos em favor do bem comum e da santificação de todos.[31]
A Palavra de Deus foi para os primeiros cristãos o alimento que sustentava
a vida espiritual. Os primeiros cristãos leram a Palavra de Deus na
perspectiva do Cristo ressuscitado e, por isso, em vez de seguir a doutrina dos
doutores, seguiram a doutrina dos doze escolhidos por Jesus (At 4,13). É a
Palavra de Jesus e os seus ensinamentos que vão orientar o modo de a
comunidade se comportar diante dos irmãos e da sociedade em que está
inserida.[32]
A vivência da Palavra por parte dos discípulos provoca na primeira
comunidade a necessidade de traduzir, por meio da convivência, um
relacionamento verdadeiramente fraterno e solidário. Justamente essa
relação baseia-se na fé em torno do projeto de Jesus, em que todos são
estimulados a partilhar os bens materiais e espirituais em favor dos demais
(At 4,32-37).[33] O padre diocesano, fiel discípulo-missionário a serviço de
sua comunidade paroquial, é também testemunha da Palavra vivenciada na
autêntica partilha e no comprometimento com a causa dos outros.
A espiritualidade da comunhão vivida pelos primeiros cristãos é
marcadamente vivida no amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo (1Jo 1,3;
1Cor 1,9; 2Cor 13,13). Essa comunhão é sagrada. Não pode e não deve ser
vivida de forma irresponsável e inadequada. Quem assim o fizer “morrerá”
para a comunidade, ou seja, se sentirá excluído (At 5,1-14).[34] A
espiritualidade vivida trinitariamente eliminará qualquer possibilidade de
uma vivência mesquinha ou individualista por parte dos ministros
consagrados. O presbítero diocesano é chamado a doar-se inteiramente à sua
comunidade paroquial.
Os ministérios e serviços vividos pelos primeiros cristãos testemunham a
autêntica espiritualidade, fruto de uma experiência de Deus, vivida a partir
do encontro pessoal com o Ressuscitado, da assídua leitura, escuta e
meditação da Palavra, da fraterna comunhão entre os membros da
comunidade, da oração e da ação que a vida orante proporcionava a cada um
deles. Deus, que se fez homem e se fez companheiro e amigo dos homens,
presente em todas as circunstâncias e situações, permitiu que se reunissem
25
em comunidade e depois se organizassem numa Igreja e pudessem fazer
memória dele em todo tempo e lugar.
O bispo, simbolizando a unidade, era mestre e pastor: presidia a
eucaristia, batizava, reconciliava os penitentes, pregava, garantia a pureza
da doutrina e velava pela disciplina. O diácono era o auxiliar do bispo:
assistia os pobres, administrava os bens e ajudava nas funções litúrgicas:
segundo a Didascália, obra do século III, o diácono é ouvido e boca,
coração e alma do bispo. Os presbíteros apenas assistiam os bispos, mas
nas grandes cidades, como Roma e Alexandria, começaram a assumir o
encargo de algumas comunidades; com a criação de paróquias, adquiriram
maior importância. A partir do século IV, os primeiros dentre os
presbíteros e diáconos passaram a receber o nome de arcipreste e
arcediago, respectivamente. O arcipreste era o substituto do bispo nas
funções sacerdotais; o arcediago assistia o bispo na administração e nos
atos jurídicos (em Roma, era chamado para suceder ao bispo).[35]
O padre diocesano, fiel à vivência da espiritualidade dos primeiros
cristãos, é chamado a construir comunidades capazes de transformar o
mundo, a sociedade e a Igreja, assumindo a prática do serviço ao próximo,
testemunhando e anunciando a Palavra, com renovado ardor missionário, o
Evangelho da vida, da esperança e da salvação, a ponto de ser
verdadeiramente sinal e portador do amor de Deus ao próximo.
REFLEXÃO
1. Como o presbítero diocesano à luz das primeiras comunidades pode
enriquecer a espiritualidade do seu ministério, tornando-se autêntico
discípulo-missionário, e não mero funcionário da Igreja?
2. Na construção da espiritualidade, tendo como base a experiência dos
primeiros cristãos, como preparar o presbítero para a administração dos
seus bens pessoais e dos bens e patrimônio da Igreja, especialmente da
paróquia?
26
1.5. A presença de Maria, a Mãe de Jesus, na espiritualidade dos
primeiros cristãos
Maria de Nazaré gera em seu ventre o Filho de Deus, o Salvador e
libertador de seu povo, anunciado desde o Antigo Testamento, como
descendente de Jessé, pai de Davi (cf. Is 11,1-16). Maria, a Mãe de Jesus, é a
filha predileta de Sião. Ela, como modelo de fé autêntica, a exemplo de
Abraão, acredita na promessa de Deus e aceita a missão a ela confiada:[36]
Ao longo do Antigo Testamento, espalham-se as raízes da espiritualidade
mariana. Há muitas mulheres que prefiguram Maria: Miriam, Débora,
Ana, Rute, Judite, Ester [...]. Maria é a filha de Sião, no sentido que
encarna o povo de Deus, confiante nas promessas de Javé. Ela vive a
grandeza comunitária desta expressão rezada nos Salmos e em outros
livros. [37]
A Mãe de Jesus, dos apóstolos e da nova comunidade do povo cristão é a
síntese de todo cristão, de toda mulher comprometida com a causa do
próximo, sobretudo dos mais necessitados: “Maria representa os pobres,
preferidos de Deus, o resto que vai constituir o novo Israel, a Sião fiel, a
portadora do novo povo de Deus”.[38]
Maria foi a privilegiada de Deus, porém seus privilégios não fizeram com
que sua vida fosse facilitada com regalias e prestígios. Ao contrário, viveu
como todas as mulheres de sua época:[39] ela é a representante mais ilustre
do novo povo de Deus.
Maria é verdadeiramente Mãe da Igreja. Marca o povo de Deus. PauloVI
faz sua uma fórmula concisa da tradição: “Não se pode falar da Igreja sem
que esteja presente Maria” (MC 28). Trata-se de uma presença feminina,
que cria o ambiente de família, o desejo de acolhimento, o amor e o
respeito à vida. É presença sacramental dos traços maternais de Deus. É
uma realidade tão profundamente humana e santa que desperta nos
crentes as preces de ternura, da dor e da esperança.[40]
Maria, modelo e paradigma da humanidade, foi para a primeira
comunidade, e continua a ser para o presbítero diocesano, sinal de unidade,
compromisso, fidelidade e desapego. É a grande missionária, continuadora
da missão do seu Filho e formadora de novos missionários:[41]
O Novo Testamento nos mostra claramente Maria, a mãe de Jesus e a
27
mãe da Igreja, como modelo e protótipo do discipulado [...]. Com seu
Fiat, ela, no lugar de toda humanidade, deu espaço a Deus e a seu plano
de salvação. Ela acolheu o Verbo eterno em seu coração e em sua carne,
para oferecê-lo à humanidade (Lc 1,26-38).[42]
Maria, Mãe de Deus, da Igreja e de todos, advogada, inspiradora e
incentivadora da missão profética de todas as comunidades, é referência de
uma espiritualidade autêntica e comprometida, a ser assumida pelo
presbítero diocesano. Por isso, ele é chamado a viver o ministério presbiteral
com generosidade, humildade, autenticidade e solícita disponibilidade:
Com os olhos postos em seus filhos e em suas necessidades, como em
Caná da Galileia, Maria ajuda a manter vivas as atitudes de atenção, de
serviço, de entrega e de gratuidade que devem distinguir os discípulos de
seu Filho [...]. Cria comunhão e educa para um estilo de vida
compartilhada e solidária, em fraternidade, na atenção e acolhida do
outro, especialmente se é pobre ou necessitado.[43]
A presença feminina e encantadora de Maria, a Mãe de Deus e da
primeira comunidade cristã, continua a inspirar os cristãos, particularmente
o padre diocesano, no exercício da cidadania e da tarefa de ser sinal visível da
Santíssima Trindade para todas as pessoas, sobretudo para os mais
necessitados:
Esta mulher de carne e osso foi o lugar da vida de Deus na carne do
mundo, sem perder nada de sua feminilidade [...]. Maria é a mulher ícone
do Mistério: plano divino de salvação, oculto durante algum tempo, mas
agora revelado em Jesus Cristo, glória escondida sob os sinais da história
[...]. Envolta pelo desígnio do Pai, Maria será coberta pela sombra do
Espírito que a fará a Mãe do Filho eterno feito homem. Entre Maria e a
Trindade, fica assim estabelecida uma relação de profundidade única. Ela
é “o santuário e o repouso da Santíssima Trindade”, a imagem e ícone do
Deus Trino.[44]
O Concílio Vaticano II afirma que a Virgem Maria, Mãe de Deus e da
Igreja, está no centro do projeto salvífico do Pai para a humanidade, de tal
modo que podemos compreender cristológica e eclesialmente o seu lugar na
História da salvação. Como Mãe do Verbo Encarnado, unida a Ele pelo
mistério salvífico, ela se revela como sinal visível de amor, bondade e
esperança para toda a humanidade, necessitada de carinho, ternura e
28
aconchego:[45]
Modelo e Mãe, Maria ajuda em cada discípulo a realização do projeto do
Eterno, manifestado nela, não na solidão de um espírito fechado em si
mesmo, mas na comunhão das relações fecundas que ela viveu e vive com
cada uma das divinas Pessoas, na Trindade e na Igreja. Sua beleza chama e
ajuda a nossa. Em ambas ocorre uma participação na infinita beleza de
Deus.[46]
Do Fiat ao Magnificat, a Virgem de Nazaré foi modelo de cristã que deixou
o conforto e o bem-estar pessoal e foi ao encontro dos outros para servir. Ela
compreendeu, desde o início, que era necessário sair de si mesma, percorrer
um itinerário existencial e profético, no que diz respeito ao serviço e à
doação para a vivência do mistério salvífico do Pai. Com o seu peregrinar
pelas estradas da vida e da fé, Maria executa o projeto de Deus e realiza o que
o outro necessita: sendo solidária e pronta ao sofrimento alheio, uma
verdadeira mística da Igreja em saída:
Enquanto Maria percorre apressadamente as vias tortuosas da montanha,
dentro dela desencadeia-se um itinerário interior de fé que vai da adesão
dócil do Fiat à explosão alegre do Magnificat, do ser visitada por Deus ao
ser visita de Deus para os outros [...]. Com o seu caminhar pelas vias
incômodas para ir ter com o outro a sua casa, Maria inaugura o estilo de
Deus, o estilo de “sair”, o estilo de serviço, de rebaixamento, de
solidariedade para com quem tem necessidade. Nela o Deus encarnado
faz-se o Deus que entra na trama humana e se torna presente também na
esfera do cotidiano. A salvação adquire tonalidade doméstica.[47]
Em toda a sua trajetória, a filha predileta de Sião dedicou-se inteiramente
aos seus, deixando transparecer que a doação e o serviço eram realizados de
maneira alegre, feliz, esperançosa e prazerosa. A sintonia entre o jeito de ser
de Maria e o jeito de ser do padre diocesano tem de estar em perfeita
harmonia, pois ela, sendo filha fiel e serva, é a mãe e mestra de todo aquele
que resolveu assumir o compromisso como ministro ordenado para ser pai,
irmão e servo de toda comunidade paroquial.
REFLEXÃO
1. O jeito de ser de Maria e o jeito de ser do padre diocesano devem estar
em plena sintonia. De que maneira o agir do padre diocesano tem
testemunhado na comunidade paroquial o zelo, a disponibilidade, o
29
companheirismo, o compromisso, a fidelidade e a real preocupação com
a pessoa do outro?
2. Do Fiat ao Magnificat, Maria foi modelo de cristã autenticamente
comprometida com as necessidades dos outros. Como o padre
diocesano, a exemplo de Maria, poderá testemunhar o seu compromisso
com a comunidade paroquial?
30
1.6. Elementos da espiritualidade cristã ao longo da história da Igreja[48]
A revelação de Deus se deu ao longo da história, porém completou-se com
a pessoa de Jesus de Nazaré, morto, ressuscitado e glorificado. A preocupação
com uma vivência alicerçada em uma vida espiritual sempre esteve presente
na caminhada do Povo de Deus.
A espiritualidade cristã foi se modificando e tomando diferentes
conotações ao longo da caminhada da história da Igreja. A Igreja nascente
inicia-se, segundo os santos padres, particularmente Agostinho, do coração
aberto de Cristo na cruz (cf. Jo 19,34, Sacrosanctum Concilium, n. 5) e
inaugura-se pública e oficialmente no dia de Pentecostes (At 2,1-13). O
novo povo de Deus, em continuidade com a primeira aliança, vai
determinando a sua espiritualidade a partir da experiência que tiveram com
o Ressuscitado (At 2,22-23.32):
Por esse mistério, Cristo, “morrendo, destruiu a nossa morte e,
ressuscitando, recuperou a nossa vida”. Pois, do lado de Cristo dormindo
na cruz, nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja.[49]
Desde o início do cristianismo, há uma clara opção por uma
espiritualidade comunitária, sem perder de vista a pessoa de cada membro da
nova comunidade. A Palavra de Deus, a oração, a ativa participação na
Eucaristia, a vivência fraterna, a prática da caridade, o senso de justiça e
verdade, a vida litúrgica, o serviço, a missionariedade foram elementos que
determinaram a espiritualidade dos irmãos e irmãs das primeiras
comunidades cristãs.
A espiritualidade dos primeiros cristãos era tipicamente cristocêntrica. As
palavras, os gestos, os sentimentos de Cristo estavam ainda impregnados na
mente, no coração e na vida de todos eles. Era uma espiritualidade
vivenciada, particularmente, na liturgia.
Deve-se considerar que, nos três primeiros séculos, após a ressurreição, os
cristãos estão construindo e desenvolvendo a estrutura e a doutrina da vida
cristã propriamente dita. Eles têm a consciência de que o mundo deve ser
conquistado e transformado por meio do testemunho de cada um deles e,
para que isso aconteça, eles têm de viver radicalmente os ensinamentos do
Mestre e Senhor:
As comunidades cristãs herdaram da sinagoga uma espiritualidade
baseada na escuta da Palavra de Deus. Se “a fé vem pelo ouvido”, a
31
espiritualidade também [...]. Outroelemento importante dessa
espiritualidade cristã antiga é o fato de que os irmãos são responsáveis uns
pelos outros e cada cristão precisa do outro para avançar no caminho de
Deus. Deus fala a uma pessoa através da outra [...]. O acompanhamento
espiritual faz parte essencial do método, para se avançar mais na
obediência ao que Deus pede de cada pessoa. [50]
Nesse período, podem-se destacar três tipos de espiritualidade: a do
martírio, a da virgindade e a da escola de Alexandria. O martírio consistia na
entrega total e absoluta a Cristo, oferecendo a própria vida como
testemunho ante os poderes imperiais; a virgindade, como opção livre para
consagrar-se inteiramente a Cristo; a escola de Alexandria, como
despojamento do judaísmo, para assumir o que de melhor o humanismo e a
filosofia grega poderiam oferecer para atingir a meta da santidade.
A Idade Média (476-1492) é um período em que a espiritualidade toma
novas formas e contornos, de acordo com as mais diversas realidades
adjacentes a essa situação histórica, no que se refere à cultura, à economia, à
religião. A Igreja consegue se impor diante dos povos como centro
aglutinador de cultura e religiosidade, dando orientações sobre como viver o
cristianismo nesta terra, rumo à morada celeste.
No contexto desse longo período, em se tratando da espiritualidade cristã,
vários personagens e elementos espirituais característicos vão aparecendo e
desaparecendo, como é típico nas mudanças de época. Serão apresentados,
suscintamente, alguns dados mais elementares e importantes para a
compreensão da espiritualidade cristã nesse período do cristianismo.
No período que compreende os séculos IV ao VI, surgem novas formas de
vida espiritual, com importantes fundadores, cuja espiritualidade permanece
até os dias de hoje. Entre outras importantes espiritualidades destacam-se: a
espiritualidade basiliana, a agostiniana e a beneditina.
Basílio (330-390), bispo de Cesareia da Capadócia, na atual Turquia,
organizou a vida monástica comunitária. Para ele, a vida solitária era muito
perigosa e não facilitava a vivência do amor fraterno. Cuidou com muito zelo
da caridade, pois a sociedade vivia naquele momento uma situação muito
complicada. Foi defensor da justiça e pregava veementemente contra o
acúmulo de riquezas. Criou um abrigo para pessoas idosas, um albergue para
estrangeiros e um hospital. Dedicou-se à meditação das Sagradas Escrituras.
Foi um dos primeiros a organizar a oração dos Salmos.
Agostinho (354-430) foi bispo de Hipona, hoje Anata, na costa da
32
Argélia. Em 397, sistematizou a vida de seus monges: oração, trabalho
intelectual, atividade pastoral ou manual, união de coração e de alma
(partilha) e práticas religiosas. O amor é a regra fundamental do mosteiro e
este deve testemunhá-lo. Para ele, o mosteiro deveria ser o lugar da vivência
do amor fraterno. O seu estilo de vida monástica influenciou todas as
demais ordens que surgiram depois dele. Ele é, sem dúvida, um dos maiores
expoentes da espiritualidade na cristandade medieval e moderna. Foi ele
quem abriu os horizontes para a compreensão da espiritualidade como é
compreendida hoje.
Bento (480-547), italiano de Núrsia, na Úmbria, centro da Itália, foi o
grande fundador do monaquismo ocidental. Organizou, reestruturou e
aperfeiçoou as regras de Pacômio e Basílio. Fundamentalmente, a união
entre trabalho e oração constitui a essência da regra beneditina. A leitura e a
meditação da Palavra de Deus, associadas ao louvor litúrgico alternado com
os ritmos do trabalho, mesclado com a caridade fraterna, determinam o
espírito da vida e da regra beneditina. Os mosteiros beneditinos tornaram-se,
ao longo da Idade Média, centros de civilização intelectual, missionária e
agrícola.
Por volta do século VII, a espiritualidade vai perdendo aquela mística das
origens, isto é, a centralidade do mistério pascal. O próprio culto litúrgico
oficial vai se distanciando do povo e esse, por sua vez, vai encontrando novas
fórmulas e maneiras de expressar a sua espiritualidade. Uma vez que o povo
não pode mais viver e experimentar a fé como nas origens, criam-se novas
maneiras de estabelecer a dimensão religiosa: práticas penitenciais, romarias,
devoções particulares aos santos, sincretismo religioso e supersticioso, entre
outras. A espiritualidade comunitária começa a dar lugar a uma
espiritualidade individualista, moralista e fundamentalista.
Pode-se dizer que a espiritualidade presente no século IX apresenta certo
florescimento; porém, no século X, com o Império Carolíngio em ascensão, a
espiritualidade cristã novamente mergulha no caos. Nesse século, com o
intuito de reerguer a vida espiritual em decadência, um grupo de monges em
Cluny, na França, propõe uma profunda reforma. O mosteiro de Cluny
torna-se ponto de referência, sendo que, dentre seus integrantes, emergem
bispos e o papa Gregório (1073-1085), que realizou a reforma gregoriana.
Cluny teve como ponto de partida a volta às origens, sobretudo à vivência
integral do Evangelho.
A espiritualidade dos séculos XI-XII reveste-se do caráter científico. Nesse
período, desenvolve-se também a espiritualidade da amizade como caminho
33
de comunhão com Deus. A partir do século XI, as obras de caridade passam a
ser prioridade, tanto para leigos como para religiosos. Dessa preocupação
nascem as hospedarias. É nesse período que surge a literatura espiritual como
tal. Tais literaturas ressaltam os exercícios espirituais em detrimento das
virtudes.
O período dos séculos XII-XIII é marcado por inúmeras mudanças de
ordem social e econômica na Europa. Após as Cruzadas, o comércio começa
a desenvolver-se. Inicia-se um processo de não aceitação do sistema de
semiescravidão em que as pessoas viviam. Aparecem novos centros urbanos,
nos quais surgem grupos de cristãos que querem imitar Jesus e os apóstolos
vivendo as propostas do Evangelho radicalmente.
Muitos preferem deixar os mosteiros e investir na evangelização, optando
por viver a pobreza radical. Com o propósito do evangelismo e do
pauperismo, dois grandes movimentos destacam-se: os dominicanos e os
franciscanos, denominados ordens mendicantes. O culto eucarístico é
também dessa época. Em 1264, foi instituída a Festa litúrgica de Corpus
Christi. Nesse período, o povo sequer comungava mais. Contentava-se em
ver Jesus na hóstia consagrada.
No que diz respeito aos séculos XIV-XV, ressaltamos o movimento
espiritual denominado devotio moderna, que teve suas origens nos Países
Baixos, com G. Groote (+1384), e se expandiu por toda a Europa. O
movimento tinha por finalidade enfatizar a vida interior focada numa
devoção centralizada na meditação e no seguimento de Cristo, como
também apresentava um rompimento com qualquer forma de culto externo.
Esse movimento valoriza a oração interior do coração, em detrimento da
oração vocal e da ação litúrgica. O referencial mais conhecido desse tipo de
espiritualidade intimista foi Tomás de Kempis (1379-1471), com seu livro
intitulado Imitação de Cristo. Depois da Bíblia, hoje é o livro espiritual mais
vendido.
Quanto aos séculos XVI-XVII, tem-se um período de profundas mudanças
culturais. Da visão teocêntrica, transcendente e teológica, passa-se para uma
visão humanista, antropocêntrica e imanentista. Se até então a mais
representativa expressão arquitetônica se manifestava por meio das catedrais,
agora dirige-se para os palácios renascentistas.
A espiritualidade cristã desse período é caracterizada por grandes
transformações, inclusive a reforma protestante, que se torna um novo
modelo de espiritualidade. Outro aspecto relevante é o deslocamento da
espiritualidade oriunda da Itália, que agora se encontra também na Espanha
34
e na França. Surgem também os novos métodos de oração e os exercícios
espirituais. O barroco e a devoção ao Sagrado Coração de Jesus são
expressões marcantes dessa época.
Grandes expoentes espirituais surgem nesse período. Aponta-se entre
outros: Teresa d’Ávila (1545-1582), João da Cruz (1542-1591), Inácio de
Loyola (1491-1556), Martinho Lutero (1483-1546),Francisco de Sales
(1567-1622), Vicente de Paulo (1581-1660), Afonso de Ligório (1696-
1787).
Em relação aos séculos XVIII-XIX, destaca-se a Revolução Francesa
(1789), que foi um marco extraordinário, no que se refere à transformação
do pensamento, das estruturas e dos valores sociais e políticos, e que, por sua
vez, causou na Igreja e na sua espiritualidade um novo modo de ser e de
viver. O Iuminismo quis substituir os valores religiosos, criando uma nova
mentalidade, e com isso exaltou a secularização, a laicização e a
descristianização.
Pode-se afirmar que, nesse período, as virtudes cristãs da fé, humildade e
caridade, vividas tão intensamente por grande parte da sociedade, agora são
substituídas pela razão, autonomia pessoal e filantropia. Esse período
contribuiu eficazmente para uma desconstrução da espiritualidade e de tudo
o que é sagrado.
Nessa época surgem também grandes mestres espirituais, tais como: João
Maria Vianney, o Cura d’Ars (1786-1856), Antonio Frederico Ozanam
(1813-1853), João Bosco (1815-1888), Teresa de Lisieux (1873-1897),
Charles de Foucauld (1858-1916), Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955),
entre outros.
O século XX é marcado por grandes guerras, descobertas científicas,
descolonização, independência de muitos países, globalização,
neoliberalismo, tecnologia avançada. No que se refere às questões eclesiais,
não se pode deixar de mencionar o maior evento religioso do século: o
Concílio Vaticano II.
É bem verdade que a ele precedem vários movimentos em busca de
mudanças, tais como os movimentos litúrgico, bíblico e catequético. O
Concílio Vaticano II abriu as portas da Igreja ao mundo, revitalizando a sua
vocação de ser sinal e portadora do amor de Deus para toda a humanidade.
Em se tratando de espiritualidade, o Concílio Vaticano II resgatou as origens
do cristianismo, sobretudo a centralidade do mistério pascal.
A espiritualidade adjacente a esse período caracteriza-se por compaixão,
misericórdia, solidariedade, acolhida, respeito ao diferente, libertação
35
integral do ser humano, não violência, diálogo inter-religioso, ecumenismo,
ecologia, holismo.
As manifestações da espiritualidade pós-conciliar são demasiadamente
variadas, devido aos fenômenos político, econômico e religioso que
abrangem a humanidade. A globalização econômica e o progresso
tecnológico difundem e determinam situações degradantes aos seres
humanos de todo o planeta, conforme salientou o papa Paulo VI na encíclica
Populorum Progressio (n. 10). A crise existencial, o individualismo, a
concentração de renda, a exclusão social, entre outras realidades, oriundas
da globalização e dos seus efeitos, determinam uma crise ética e espiritual
que atingem profundamente a espiritualidade hodierna.
Na América Latina, fruto do Concílio Vaticano II, as Conferências
Episcopais puderam conhecer e experimentar uma espiritualidade
autenticamente encarnada e comprometida com o povo sofredor. O Filho de
Deus foi compreendido e apresentado como Aquele que veio fazer a sua
morada e encarnar-se no meio das pessoas pobres e desprovidas de toda
dignidade. O tema da libertação adquiriu na América Latina um sentido
profundamente encarnado, fazendo com que os discípulos-missionários, à
luz do Espírito de Deus e no seguimento do seu Filho, vivessem uma
espiritualidade libertadora:
Iluminados pelo Cristo, o sofrimento, a injustiça e a cruz nos desafiam a
viver como Igreja samaritana (cf. Lc 10,25-37), recordando que “a
evangelização vai unida sempre à promoção humana e à autêntica
libertação cristã”. Damos graças a Deus e nos alegramos pela fé,
solidariedade e alegria características de nossos povos, transmitidas ao
longo do tempo pelas avós e avôs, as mães e pais, os catequistas, os
rezadores e tantas pessoas anônimas, cuja caridade mantém viva a
esperança em meio às injustiças e adversidades.[51]
Outro fenômeno, que não podemos deixar de mencionar, é a busca de
uma espiritualidade baseada no pentecostalismo carismático. Os que optam
por essa vertente priorizam uma vivência espiritual a partir dos sacramentos,
das bênçãos e curas ao estilo pentecostal.
É nesse contexto de novas tendências de espiritualidade que o padre
diocesano tem de ser o servidor da Igreja e do seu povo, exigindo de si uma
paciência histórica, a fim de que possa evangelizar com bondade, ternura,
mansidão e misericórdia. O padre diocesano, fiel discípulo-missionário de
Jesus, o Bom Pastor, deve ser o homem capaz de possuir o jeito compassivo e
36
esperançoso do Cristo, para ajudar o povo a ele confiado a superar toda e
qualquer dificuldade e esperar com toda esperança o Reino de Deus que é
justiça, verdade, solidariedade e caridade. Ele precisa ter paciência, respeito,
confiança e cuidado para com todo o seu povo, e viver “samaritanamente”
entre os seus.
REFLEXÃO
1. Analisando a espiritualidade ao longo da história, com suas diversas
realidades, levando em consideração a ética do cuidado que, entre outras
coisas, diz respeito a todo ser humano nas suas diversas realidades e
circunstâncias hoje, como o padre diocesano pode colaborar para que a
diocese conquiste uma espiritualidade voltada para o bem-estar de cada
um enquanto filho de Deus e ser humano carente e desejoso de cuidados
especiais?
2. De que maneira o padre diocesano deve viver “samaritanamente” na
comunidade paroquial em que está inserido?
37
2
O MINISTÉRIO E A ESPIRITUALIDADE PRESBITERAL
A vida presbiteral traz consigo as marcas do mistério pascal de Cristo. O
vínculo ontológico entre o padre e Cristo se exprime nas palavras da
narrativa da instituição na celebração eucarística: “Isto é o meu corpo que
será entregue por vós...” (cf. Mt 26,26). A missão do presbítero deriva da
entrega que Jesus faz de si mesmo. É o próprio Cristo que, por meio do padre
diocesano, santifica o seu corpo místico. De fato, essa ação celebrativa se
prolonga no cotidiano do padre diocesano, quando vive em profunda
comunhão com o bispo e o presbitério, assiste aos órfãos, preside a caridade,
unge os enfermos, perdoa os pecados, mediante a administração do
sacramento da misericórdia, e levanta os caídos.
O sacerdócio ministerial está conectado à sacramentalidade do corpo
místico de Cristo. Ao considerarmos o papel da ritualidade dentro do âmbito
sacramental, a presença mística de Cristo se realiza no candidato ao
presbiterado a partir do momento em que ocorre a conexão entre o propósito
do eleito, a voz da Igreja e o sopro do Espírito.[1]
Toda a vida de Cristo, também em sua dimensão profana, especialmente
sua morte sacrificial na cruz, foi considerada pela carta aos Hebreus como
exercício sacerdotal. Assim é a vida do presbítero (e de todo cristão em
geral): em toda a sua extensão, ela é abraçada pelo Mistério salvífico e
imantada por ele. O ministério presbiteral por inteiro, também em suas
expressões aparentemente mais seculares, é em si mesmo “ministério do
Espírito” (2Cor 3,8). É-o à medida que move os corações, produz a vida
da graça e revela o rosto glorioso de Deus (cf. 2Cor 3,6-11).
De acordo com o Concílio Vaticano II (Lumen Gentium, n. 28), por
autorização do próprio Cristo e ação do Espírito, é conferido a alguns
homens o sacramento da Ordem. Desde a Antiguidade, tal ministério é
exercido em favor do povo. Tais ministérios são: episcopado, presbiterado e
diaconado.[2] Devem ser compreendidos enquanto graus de participação no
sacerdócio de Cristo, e não enquanto degraus. O ministério presbiteral e a
espiritualidade inerente a esse múnus só podem ser entendidos no contexto
da vida cristã e do seguimento de Jesus Cristo, uma vez que todo sacramento
é fruto do mistério pascal do próprio Senhor e Mestre.[3]
38
O sacerdócio ministerial a partir das suas raízes bíblicas possui a sua
origem e participação no único sacerdócio de Cristo (cf. Hb 4,14). Só é
possível identificar e descrever a realidade da espiritualidade do padre
diocesano à luz da vida de Jesus Cristo, o Bom Pastor. Dessa imagem
intuímos que os Evangelhos são, por excelência, documentos pastorais que
esclarecem operfil autêntico do sacerdócio ministerial a partir de suas raízes
cristológica, eclesiológica e pneumatológica:[4]
O presbítero não “administra” simplesmente os sacramentos: ele os vive.
Não faz pastoral, mas é pastor. O presbítero não está presbítero; ele é
presbítero. A unção sacramental o atinge em seu ser, e não apenas em seu
fazer. Por isso, tudo nele é “sacerdotal”. A pastoral por inteiro adquire
dimensão como que litúrgica: é oferenda a Deus. Assim via Paulo sua
missão. Em seu próprio apostolado, entendia-se como “oficiante de Cristo
Jesus, junto aos pagãos, sacerdote do Evangelho de Deus, a fim de que os
pagãos se tornem oferenda agradável, santificada no Espírito” (Rm
15,16).[5]
A identidade e a espiritualidade do padre diocesano pressupõem o
conhecimento das raízes bíblicas, históricas, teológicas, espirituais e também
antropológicas. Entretanto, apresentaremos neste capítulo apenas alguns
elementos da Sagrada Escritura e da Ação Litúrgica que configuram a vida
presbiteral e, por isso, são fundamentais no exercício do ministério do
pastoreio de Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote.
39
2.1. Compreensão do sacerdócio em alguns textos do Antigo (Primeiro) e
do Novo (Segundo) Testamento
A origem da palavra sacerdote vem de sacer, isto é, sagrado, e dare, dotare,
aquele que pode dar o sagrado, do grego hiereus, santo. Compreende-se o
sacerdote, em quase todas as religiões, como alguém que é constituído para
fazer a mediação entre Deus e o povo. Em Israel, todos eram considerados e
constituídos como povo sacerdotal (Ex 19,6), porém entre eles, Deus
escolheu uma das doze tribos, a de Levi, para exercer o ministério litúrgico.
[6]
No Antigo e no Novo Testamento, é possível identificar três tipos de
sacerdotes, os quais possuem funções diferentes. O grau mais elevado do
sacerdócio é o ofício de sumo sacerdote, no qual se centraliza o culto. Essa
função é dada de acordo com o AT a Aarão. Por isso os sacerdotes judeus são
denominados sacerdotes aaronitas (cf. Ex 29,29-30).
O segundo tipo é o sacerdócio ministerial, concedido aos filhos de Aarão,
e, em grau inferior, aos levitas, subordinados ao sacerdócio, não oferecem
sacrifício (cf. Cr 34). Estes últimos tinham 24 divisões de serviços, sendo que
poderiam exercer outras funções no tempo vago. Geralmente faziam as
leituras e explicações da Torá nas sinagogas e eram encarregados das questões
de pureza ritual (cf. Lv 11–15).
O terceiro tipo é considerado o grau mais comum, denominado
sacerdócio universal, comum a todos os fiéis. O povo judeu foi constituído
povo de sacerdotes. Essa constituição do povo de Israel como “reino de
sacerdotes e nação santa” (Ex 19,5-6) deve ser interpretada em termos
pastorais: “Como pastor que apascenta o rebanho, seu braço reúne, toma
nos braços os cordeiros” (Is 40,11). Deus pastoreia o seu povo, o seu
rebanho, por meio de pastores escolhidos por Ele, para que realizem a tarefa
(cf. Nm 27,17; 2Sm 5,2).[7]
No AT encontramos ainda a figura de Melquisedeque, o rei justo de
Salém. É um personagem muito interessante: sem pai, sem mãe, sem
nenhuma explicação oferecida de sua origem; no entanto, é sacerdote do
Deus Altíssimo, e Abraão paga o dízimo a ele, é superior a Abraão (cf. Gn
14,18-20; Sl 110,4; Hb 7,1-10). Ele é considerado pela Tradição cristã como
uma prefiguração do sacerdócio de Cristo.[8]
Os sacerdotes no AT exercem diversas funções: responsabilidade pelo
santuário; guarda da arca; presidência das liturgias; execução dos sacrifícios e
ritos de consagração e purificação, apresentação a Deus das oferendas,
40
perdão dos pecados do povo (cf. Ex 24,11; Ex 32,25-29; Dt 33,8-11; 1Sm
13,9; 2Sm 6,18; Lv 12,6ss; Lv 14; Lv 16; Lv 23,11.20; 1Rs 1,39).[9]
Existem aspectos comuns entre o AT e o NT, no que se refere à noção de
sacerdócio. Entre elas, destacamos as três formas básicas: Sumo Sacerdote
(cf. Hb 3,1), sacerdote ministerial (cf. Rm 15–16; Tt 1,5; Tg 5,14) e o
sacerdócio comum dos fiéis (cf. 1Pd 2,5ss). Vale ressaltar que o prefácio da
Missa do Crisma afirma que
pela unção do Espírito Santo, constituístes vosso Filho Pontífice da nova e
eterna aliança. E estabelecestes que seu único sacerdócio se perpetuasse na
Igreja [...]. Jesus Cristo realizou com a sua paixão-morte-ressurreição uma
mediação ontológica. Por isso Ele é o consumador e realizador da nova
aliança. O seu único sacerdócio indivisível gerou um povo sacerdotal que
se perpetua na história humana.[10]
O sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum dos fiéis participam, cada
um a seu modo, do único sacerdócio de Cristo. A natureza do sacerdócio é
intrinsecamente relacionada ao Bom Pastor que oferece amavelmente a vida
por suas ovelhas. O pastoreio de Deus por meio dos seus escolhidos é
anúncio da salvação futura que se realizará em Cristo (cf. Ez 34,23-31).
Nesse sentido, a ação salvadora de Deus para o povo de Israel realiza-se em
termos pastorais.[11]
A ação dos doze apóstolos não pode ser compreendida separada da ação de
Jesus Cristo. Muito pelo contrário, eles participam da sua intimidade e
compartilham o significado da sua vida. O “Faça-se” de Deus pronunciado
no início da criação ressoa na práxis eclesial. Desse modo, a “Palavra”
precede a ação e esta se torna manifestação da Palavra. Eis a finalidade de
toda a pastoral e da vida do pastor presbítero diocesano: ser epifania do
Logos.[12]
No Novo Testamento, Jesus Cristo, mediador da Nova Aliança (Hb 9,15;
12,24), reúne em si os três ofícios exercidos por Moisés e outros agentes
religiosos, isto é, os ofícios de profeta, de sacerdote e de rei: o tríplice ofício
do Bom Pastor. Nesse contexto, o próprio termo pastoral nos remete à
imagem bíblica do Cristo, o Bom Pastor (Jo 10,11-15), e é aplicado à ação da
Igreja enquanto participação no único pastoreio de Cristo, que, após a sua
ressurreição, confiou a missão de pastor a Pedro (Jo 21,15-18). Por isso, os
bispos, os padres e diáconos participam dessa missão.[13]
O antigo povo de Israel, para designar o discurso sobre Javé no que se
41
refere ao governo, identifica algumas metáforas como juiz, mãe, artista,
médico, jardineiro, rei, guerreiro, pai, destacando particularmente a imagem
do pastor. O papel fundamental dessa figura é reunir as ovelhas em
segurança. O uso mais importante da imagem de Javé como pastor surge no
exílio, época em que o rebanho estava disperso, por causa da
irresponsabilidade dos pastores-reis (cf. Ez 34,3-6; Jr 23,1; 50,6) que
apascentavam a si mesmos, em lugar de apascentarem as ovelhas. A própria
constituição do povo de Israel como reino de sacerdotes e nação santa,
configurado pelos escribas sacerdotais (cf. Ex 19,5-6), vislumbra a figura do
autêntico pastor, que procura, apascenta e salva as ovelhas presas. Grande
parte dos estudiosos afirma que a exposição mais completa sobre a figura do
pastor se encontra em Ezequiel 34.[14]
A vida de Jesus é apresentada no Novo Testamento como o cumprimento
daquilo que outrora os profetas haviam anunciado (At 3,18-34; Lc 24,27).
Parte dos primeiros seguidores de Jesus viu nesse homem o messias profeta
(Jo 6,14; 7,40), mostrando que reconheceram a Palavra de Deus em Jesus,
pois suas palavras e ações são confirmadas (cf. Dt 18,21-22). Ele se
apresenta como o verdadeiro profeta quando revela os sinais dos tempos (Mt
16,3). Jesus Cristo anuncia a mensagem de que Ele é o conteúdo de todas as
promessas e de toda a Palavra de Deus (Jo 1,14).
As expressões Filho de Deus e Filho do Homem (Mc 10,45; 14,21; Jo
3,14), atribuídas a Jesus, são termos sacerdotais. Entretanto, Cristo não se
intitula sacerdote, para não confundir o seu sacerdócio com o sacerdócio
levítico. A sua morte é a realização plena daquele sacrifício expiatório (Mc
10,45) anunciado no Antigo Testamento. O sangue do cordeiro é
prefiguração do seu sangue derramado na cruz. A partir da tipologia, isto é,
do método da correspondência entre o Antigo e o Novo Testamento, Jean
Daniélou, citando Justino de Roma, evidencia que, assim como aqueles que
foram salvos no Egito pelo sangue com o qual se ungiram as portas,

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