Buscar

Nos passos de São Vicente de Paulo - Luiz Alexandre Solano Rossi

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 82 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 82 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 82 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

LUIZ ALEXANDRE SOLANO ROSSI
NOS PASSOS DE SÃO VICENTE DE
PAULO
2
ÍNDICE
Capa
Rosto
Dedicatória
Apresentação
1º dia
2º dia
3º dia
4º dia
5º dia
6º dia
7º dia
8º dia
9º dia
10º dia
11º dia
12º dia
13º dia
14º dia
15º dia
16º dia
17º dia
18º dia
19º dia
20º dia
21º dia
22º dia
23º dia
24º dia
25º dia
26º dia
27º dia
28º dia
29º dia
30º dia
Biografia
Sobre o autor
Coleção
Ficha Catalográfica
3
kindle:embed:0002?mime=image/jpg
DEDICATÓRIA
Aos padres vicentinos que me assistiram quando pesquisava e meditava sobre São
Vicente: Pe. Eliseu Wisniewski, cm; Pe. Lauro Palú, cm; Pe. Simão Valenga, cm.
4
APRESENTAÇÃO
São Vicente de Paulo viveu muito e incansavelmente. Não é muito dizer que ele se
consumia inteiramente pelos outros. Como poderíamos caracterizá-lo? Encontramos
nele uma pessoa de bondade ilimitada, uma pessoa humilde, delicada, serviçal, cheia
de gratuidade, amorosa, amiga. Seu coração era plenamente dominado por Jesus
Cristo. Ele não desejava mais nada na vida, desde que tivesse Jesus ocupando-a
completamente. Uma das palavras mais fortes de São Vicente revela seu
compromisso com a radicalidade do discipulado de Jesus: “Como ser um cristão e ver
seu irmão sofrendo sem chorar com ele? Sem ficar doente com ele? É não ter
caridade, é ser cristão de fachada; é não ser humano, é ser pior que os animais” (SV
XII, 271).
Em seu itinerário, podemos muito bem perceber o encontro e a harmonização da
contemplação com a ação. Ele conseguiu ser Marta e Maria ao mesmo tempo! São
Vicente nos chama e nos desafia a mudar nosso estilo de vida. Certa vez perguntaram
a ele o que mais lhe custaria abandonar. A resposta dele revela o que se passava em
seu coração e onde estava firmada a sua vocação: “seria não servir mais essa pobre
gente e ser obrigado a deixar de cuidar e de servi-los” (XI, 22).
Você é meu convidado para seguir as experiências de São Vicente de Paulo
durante 30 dias. Trinta dias em que os passos de São Vicente de Paulo se tornarão os
seus passos. Um período de meditação e reflexão que nos levará a olhar para ele sem
retirar os olhos de quem somos e de como exercitamos o discipulado. Nos passos de
São Vicente é um desafio que nos leva a repensar a vida a partir do cotidiano. E,
certamente, esta é uma das mais valiosas lições que aprendemos com ele: o encontro
com Jesus e as transformações dele decorrentes acontecem no dia a dia de cada um. A
história de São Vicente nos presenteia com a pessoa de Jesus, e por isso podemos ver
e celebrar, desde já, as transformações que ocorreram nele e que certamente ocorrerão
em nós quando começarmos a caminhar pelo mesmo caminho.
O livro foi pensado para ser utilizado todos os dias. Nele se encontram trinta
meditações para você acompanhar durante um mês. Você poderá utilizá-lo como um
livro devocional para ler, meditar e rezar, antes de iniciar seu dia repleto de atividades
ou ainda para finalizá-lo. Minha prece é para que o próprio São Vicente tome você
pelas mãos e o conduza por esses 30 dias. Que esses dias possam fazer diferença em
sua vida e que, ao final deles, você desfrute das bênçãos de viver o discipulado, a
solidariedade e as obras de misericórdia em profundidade, ao lado de um santo
profeta!
5
1º dia
INSPIRAÇÃO
“Agarremo-nos a esta firme confiança em Deus, que é a força dos fracos e a vista
dos cegos. E, embora as coisas não caminhem segundo os nossos gostos e
pensamentos, não duvidemos, absolutamente, de que a Providência nos conduzirá ao
lugar exato, para nosso maior bem”
(SV III, 149).
Meditação
Vicente de Paulo nasceu no dia 24 de abril de 1581, num pequeno lugarejo
chamado Pouy, no sul da França, numa região periférica e das mais pobres do reino.
Era o terceiro de seis filhos – quatro rapazes e duas moças – de um casal de
camponeses pobres: João e Bertranda Demoras. Sua vida de camponês marcará
profundamente seu modo de ser e de viver, mesmo que tenha vivido no campo
somente até os quinze anos. A vida era sofrida e de muito trabalho. Mas logo seus
pais perceberam que o pequeno Vicente tinha qualidades fora do comum, e que seria
possível encaminhá-lo para os estudos, assegurando, dessa forma, os interesses de
sobrevivência da família. A vida religiosa naquela época era o caminho por
excelência para assegurar certa tranquilidade à família. Ao menos, pensavam, os
padres estavam ao abrigo da fome e da pobreza.
Na periferia da sociedade e em meio à pobreza é que Deus foi buscar uma criança
para ser santa. Deus nos surpreende constantemente. Afinal, somos acostumados a
olhar com bons olhos somente para o que é central e bem localizado; pensamos que é
no centro que residem as boas pessoas, e, de forma contrária, que da periferia só
poderiam emergir as contradições, a violência e a pobreza. Pois foi justamente no fim
do mundo, desde o reverso da história, que Deus foi chamar aquele que deveria
impactar não somente a Igreja de sua época, mas também a sociedade.
Os pais de Vicente faziam planos para seu filho, desconhecendo os planos de
Deus. Pensemos, por um instante, que é Deus quem guia nossas vidas. Ele é o Alfa e
o Ômega; jamais os pais de Vicente poderiam imaginar que ali entre seus seis filhos
se encontrasse aquele que deveria ser, em poucos anos, uma figura determinante na
história da Igreja e da sociedade. É natural que pais façam planos para seus filhos.
Faz parte das tarefas e preocupações de cada pai e mãe o futuro de seus filhos. Tudo
muito natural, importante e necessário! Todavia, sempre é importante deixar a porta
aberta para as surpresas de Deus, com seus planos formidáveis.
6
Oração
“Quero caminhar, meu Jesus, segundo a tua santa vontade. Não quero que
prevaleçam meus sentimentos, desejos e vontades. Quero desejar tudo quanto tu
mesmo desejas.”
7
2º dia
INSPIRAÇÃO
“Por que temeis o futuro? O Senhor não cuida dos pássaros, que não semeiam nem
colhem? Quanto maior será a sua bondade em prover as necessidades de seus
servidores”
(SV VII, 157).
Meditação
Estamos no outono de 1608, ano da chegada de Vicente a Paris. A maneira como
os acontecimentos se precipitam na vida dele provocará uma reviravolta em suas
perspectivas. Inicia-se um processo de autodescoberta. Uma nova maneira de ver e
agir dará seus primeiros passos. No ano seguinte, em 1609, Vicente viverá uma
experiência decisiva. Ele e um amigo dividiam o aluguel de uma pequena casa na
periferia da cidade. Tudo ia bem, até o momento em que seu amigo o acusou
injustamente de ter roubado suas economias. Foi uma das humilhações mais amargas
de sua existência. Diante da situação embaraçosa e humilhante, Vicente viveu como
um pobre abandonado e incompreendido. Aquele não era mais o ambiente propício
para a arrogância e a vaidade, e por isso ele se revestiu de humildade e, calado,
procurou em Deus sua única segurança. Posteriormente tudo seria esclarecido, e o
amigo difamador receberia o perdão de Vicente.
Muitas vezes a vida nos apresenta algumas ciladas. Parece que tudo conspira
contra a gente e que nada, absolutamente nada dá certo. “Por que aconteceu isso
justamente comigo?” “Que fiz eu para merecer isso?” “Por que tanto sofrimento?”
“Por que Deus se esqueceu de mim e permitiu que esta situação me atingisse, quando
tudo ia bem?” Todas essas perguntas são completamente inadequadas, pois fazem de
Deus um senhor carrasco que deseja nos ver sofrer! Todavia, quando olhamos a vida
e o sofrimento de Jesus, eles nos dizem que Deus não está separado dos sofrimentos
da humanidade. Deus não age no vácuo. Ele não é mero espectador, mas participa
conosco, em nossa história. Quando dizemos “por quê?”, confessamos um Deus
apático que existe apenas para justificar a si mesmo diante do sofrimento humano;
porém quando perguntamos “onde está Deus?”, encontramos um Deus que partilha
nosso sofrimento e carrega nossos dramas.
As adversidades ocorrem. No entanto, isso não significa que Deus esteja nos
punindo por algo errado que fizemos. As desgraças não provêm de Deus. Deus não é
a causa da tragédia, como também não é nosso adversário. Ao contrário, apresenta-se
como nossoaliado e é a própria fonte em que podemos encontrar nosso poder de
8
suportar, nossa capacidade de superar e ainda nossa determinação de continuar em
direção aos nossos objetivos. Poderíamos dizer que a vida sem sofrimento existe
somente em sonhos, mas nunca na realidade. Não é possível exorcizar o sofrimento
da história humana, sob o risco de deixarmos de ser humanos. Deus está conosco em
meio às tragédias da vida que vivemos. Solidariamente ele se encontra ao nosso lado!
Oração
“Senhor, não tenho medo do futuro. Assusta-me o presente. Por isso peço-te que
venhas em meu socorro e me libertes das ciladas da vida.”
9
3º dia
INSPIRAÇÃO
“Virem a medalha e verão, à luz da fé, que o Filho de Deus, que quis ser pobre, nos é
representado por estes pobres”
(SV XI, 32).
Meditação
São Vicente viveu um processo intenso e permanente de amadurecimento e de
conversão. É preciso compreender a conversão como um processo. Jamais estamos
prontos para Deus e, principalmente, jamais estamos prontos da noite para o dia.
Novas experiências sempre se apresentam pelo caminho. A maturidade é algo que faz
parte do horizonte, isto é, sempre está à nossa frente. Foi em 1610, quando ele tinha
30 anos, que o mundo dos pobres se escancarou com toda a força diante dele.
Naquela ocasião, tornou-se capelão da rainha Margarida de Valois, e tinha como
primeira responsabilidade a distribuição de esmolas aos pobres que apareciam
diariamente à porta do palácio. Riqueza e miséria eram vizinhas! Mas enganam-se os
que imaginam que São Vicente se deixou seduzir pelo brilho das riquezas. Estava no
palácio, mas tinha plena consciência de que a ele não pertencia aquilo. Entre servir a
Deus e ao dinheiro, escolhera servir a Deus, servindo aos pobres. O canto de sereia do
capital não tinha nenhum poder e efeito sobre ele. Se o canto de sereia não o
alcançava, a voz de Deus se fazia presente diariamente. Como podemos escutar a voz
de Deus? Vicente fez uma descoberta espetacular: Deus nos interpela a partir da
própria realidade e, principalmente, da situação concreta dos pobres.
São Vicente via a si mesmo como um eterno aprendiz. Achava-se indigno demais
para sair dessa posição. Não queria dar passos maiores do que as pernas. Para ele,
Deus sempre deveria caminhar à sua frente. Dessa forma, não haveria problemas.
Pois, de fato, quando acontece o contrário, ou seja, quando caminhamos à frente de
Deus, os problemas surgem e se avolumam. O aprendiz está sempre disposto a
aprender; ele não foi picado pelo mosquito da arrogância e, assim, seu coração e sua
mente sempre estão abertos a novas experiências, novas possibilidades e novos
diálogos.
Quando nos achamos prontos e batemos no peito, dizendo que somos espirituais,
tornamo-nos imediatamente como o Mar Morto. Represamos a fonte de água viva e
nos tornamos reféns da gaiola da arrogância que não nos permite “voar” para outras
direções e caminhos que Deus está nos mostrando. São Vicente não era alguém que
vivia parado e cristalizado no tempo. Crescia em Deus e em conhecimento; crescia,
10
fazendo a vontade de Deus, e crescia em sua dedicação aos pobres. A imobilidade,
física, emocional, espiritual ou racional não o alcançava. Vicente era um santo em
constante mobilidade. Ele era um santo com asas nos pés!
Oração
“Perdoa-me, Jesus, por tantas vezes que desviei meus olhos dos pobres como se eles
não fossem os teus preferidos. Perdoa-me e preenche meu coração de solidariedade e
de amor.”
11
4º dia
INSPIRAÇÃO
“Façamos o que façamos, nunca acreditarão em nós, se não demonstrarmos amor e
compaixão para com aqueles que queremos que acreditem em nós”
(SV I, 295).
Meditação
Desertos espirituais são críticos e desestabilizadores. Mas, por outro lado, podem
fazer-nos olhar para a direção correta. São Vicente viveu a noite escura da alma
aproximadamente entre 1611 e 1616. Uma crise espiritual assumiu o controle de sua
vida e o atormentava dia e noite. Tudo começou quando, certa vez, um teólogo, que
também fazia parte do grupo de capelães da rainha e, por isso mesmo, era amigo de
Vicente, confiou-lhe que passava por grandes e terríveis angústias relativas à sua
própria fé. Amigo que era e temendo que o capelão somatizasse ainda mais a situação
e piorasse seu estado de saúde, Vicente passou a acompanhá-lo e a dedicar-lhe tempo.
Passado um tempo, as angústias foram se dissipando e o coração do capelão foi
tomado de serenidade. As verdades da fé se impuseram de forma cristalina, e, quando
posteriormente veio a falecer, já se encontrava devidamente em paz consigo mesmo e
com Deus.
Todavia, sementes de dúvidas, durante aquele tempo, foram sendo semeadas no
coração de São Vicente. E, quando ele percebeu, a crise já havia se instalado e o
conflito se tornava inevitável. A noite não seria apenas escura, mas extremamente
longa. Ao questionar a própria fé em meio a um turbilhão de ilusões e ansiedades,
Vicente lançou vigorosas âncoras em Deus a fim de transformar o deserto em um
florido jardim. Crises são aterradoras: elas podem nos paralisar e impedir o
crescimento ou podem nos desinstalar e nos colocar em movimento. Toda crise é
episódica; nenhuma crise traz em si a eternidade. E São Vicente, em meio à dúvida,
se desinstala e se desacomoda, para aprofundar ainda mais a sua fé. E, nesse sentido,
caminha resoluto não somente para uma vida intensa de oração, mas também para
dedicar-se a serviço dos enfermos, ao visitá-los e consolá-los no hospital. Após
alguns anos de deserto, São Vicente viu a crise se dissipar quando passou a se dedicar
aos pobres, ou seja, quanto mais ele se aproximava dos pobres menos o deserto se
fazia presente em sua vida.
A experiência de viver uma crise e sair dela levará São Vicente a compreender a
própria vida como se fosse uma oração feita a Deus. Assim ele ensinará às Filhas da
Caridade, que às vezes se inquietavam por perder os momentos de oração e de leitura
12
quando atendiam os pobres: “... não perdemos a oração quando a deixamos por um
motivo legítimo. E se há um motivo legítimo, é o serviço ao próximo. Não é deixar
Deus, se deixamos Deus para Deus (...) Deixai a oração ou a leitura para assistir um
pobre (...) sabei que fazer tudo isso é servi-lo. Que consolação tem uma boa Filha da
Caridade ao pensar: ‘vou assistir meus pobres doentes, mas Deus aceitará isso em
lugar da oração que deveria fazer neste momento’” (IX, 319).
Com São Vicente, aprendemos que a oração não é apenas pronunciar palavras; a
verdadeira oração acontece quando vivenciamos os dramas da vida junto aos
miseráveis.
Oração
“Descobri, Deus amoroso, que somente posso amar quando estou com o coração
tomado pelo teu amor. Da mesma forma como tu me amas, eu posso amar todos
aqueles que me rodeiam.”
13
5º dia
INSPIRAÇÃO
“A Companhia se propõe conformar-se a Cristo em seu comportamento, em suas
ações, em suas tarefas e em seus fins. Como pode uma pessoa representar outra, se
não tem as mesmas características, os mesmos traços, as mesmas proporções, modos
e formas de ver? É impossível. Portanto, se nos propusemos fazer-nos semelhantes a
este divino modelo e sentimos em nossos corações esse desejo e essa santa afeição, é
necessário procurar conformar nossos pensamentos, nossas obras e nossas intenções
às suas”
(SV XII, 75).
Meditação
1612, mais precisamente dia 2 de maio, foi um momento definitivamente
importante para São Vicente. Ele foi nomeado pároco de uma pequena aldeia
chamada Clichy. Geograficamente era uma região muito extensa, mas, por outro lado,
sua população era bem reduzida. Provavelmente a população não deveria passar dos
600 habitantes, e em sua maioria eram camponeses pobres. A dedicação pastoral de
Vicente foi grandiosa e incansável: restaurou a igreja, visitou os doentes, consolou e
animou os aflitos de coração e socorreu os pobres. A cada dia que passava, ele era
mais estimado pelos paroquianos. Vivia uma alegria intensa de ajudar a transformar
sua paróquia e, como recompensa, ser transformado por ela. Uma experiência tão
exuberante que ele disse ao arcebispo de Paris,o cardeal Henrique de Gondi: “tenho
um povo tão bom, tão obediente a tudo o que lhe digo, que penso comigo mesmo que
nem o Santo Padre, nem vós, Eminência, sois tão felizes quanto eu” (SV IX, 646).
Mas foi também naquele ano que Vicente ampliou seu horizonte. E sua intuição
das coisas divinas se fez presente mais uma vez: reuniu um grupo de
aproximadamente doze jovens que desejavam ser sacerdotes, a fim de orientá-los. Foi
justamente desse grupo que saiu um dos seus mais importantes colaboradores:
Antônio Portail. Mas Deus é surpreendente. É ele mesmo quem dá o crescimento e a
maturidade a Vicente. Logo no ano seguinte, em 1613, ele deixa a pequena aldeia e
segue rumo ao palácio de uma das mais ilustres famílias da França: os Gondi. A
extensão de terras daquela família era enorme e composta por muitas aldeias e
povoados. Estava no palácio, mas a vida do palácio não estava nele. Vicente era um
homem do campo, e seu coração já estava dedicado aos pobres. Era do campo, e ao
campo deveria retornar.
Uma das funções de Vicente era a de acompanhar a família em seus
deslocamentos. No campo, Vicente se encontrava consigo mesmo e realizava sua
14
missão: visitava os pobres e doentes, pregava e exortava para que os camponeses se
reconciliassem com Deus e também uns com os outros, dedicava-se a escutá-los
diligentemente, intervinha em conflitos e, acima de tudo, levava esperança àqueles
que não esperavam mais nada da vida. O tempo, a saúde, os talentos e dons de São
Vicente eram dedicados à sua comunidade. Ele já não pertencia a si mesmo. Era
como uma pequena hóstia que se entregava para o bem de seus paroquianos.
Considerava-se como se fosse pão repartido. Nasceu, naquela época, uma amizade
duradoura com Margarida de Silly, a senhora de Gondi. Ela o quis ter como seu
diretor espiritual, e ele sabiamente a orientou para as obras de caridade, assim como
para viver mais próxima a Deus.
Oração
“Quero ser, Jesus, semelhante a ti. Transforma as características que tenho que me
afastam do Senhor e constrói, no lugar delas, características que indiquem que vivo
para ti.”
15
6º dia
INSPIRAÇÃO
“Um grande motivo que temos para nos aplicar a isto é a grandiosidade da coisa:
fazer Deus conhecido aos pobres, anunciar-lhes Jesus Cristo, dizer-lhes que o Reino
dos céus está próximo e que ele é para os pobres. Oh! Como isso é grandioso” (SV
XII, 80).
Meditação
Os santos sabem ler os sinais dos tempos. Não são alienados que vivem olhando
para o céu e se esquecem do que acontece diante de seus próprios olhos. No início de
1617, jamais Vicente poderia imaginar a maneira pela qual Deus marcaria
profundamente sua vida. Em Folleville, deparou-se com uma realidade que pensava
que não existisse. O pobre povo camponês se encontrava faminto de Deus e
abandonado espiritualmente pela Igreja.
Certa vez, Vicente ouviu a confissão de um doente. O resultado da confissão não
fez bem somente ao enfermo, mas, principalmente, ao coração do santo. O velho
doente, por meio da confissão, experimentou tal consolação e alegria que não podia
se controlar, a ponto de influenciar aqueles que estavam em sua volta. Chegou
mesmo a declarar que estava, até então, experimentando uma enorme e desgastante
intranquilidade por causa de seu estado de condenação. A senhora Gondi, que estava
próxima e que fora afetada pela experiência, interpelou seu diretor espiritual de uma
forma que São Vicente jamais esqueceria: “O que podemos fazer?”
E Vicente fez! No dia 25 de janeiro, dia da conversão de São Paulo, ele fez uma
pregação memorável na igreja de Folleville. Naquele dia, escolheu como tema e
conteúdo de seu sermão a confissão. E Deus agiu de tal maneira no coração dos
camponeses daquela comunidade que muitos foram ao encontro do padre Vicente, a
fim de experimentarem o dom da misericórdia divina, através do sacramento da
reconciliação. O impacto daquela experiência foi tão grande que Vicente considerou
aquele “o primeiro sermão da Missão” (SV XII, 8).
São Vicente nos ensina a combater qualquer estado de alienação. Nossos olhos
não devem se dirigir aos céus nos levando a esquecer os dramas da vida. Hoje,
possivelmente, São Vicente diria que cada um de nós – discípulos e missionário de
Jesus Cristo – deveria ter numa das mãos a Bíblia e na outra o jornal do dia. O
testemunho do Evangelho deve ser público e levar as pessoas a viver a beleza da
reconciliação com Jesus. “Nenhuma vida sem reconciliação com Jesus” deveria ser o
nosso lema. Diante da realidade que se contrapõe ao projeto de Deus, não podemos
16
nos eximir da responsabilidade. A vida com Jesus, para São Vicente, aquece nossos
corações quando outros corações são também aquecidos.
Oração
“O que posso fazer? Que seja sempre essa a minha primeira pergunta diante do
Senhor.”
17
7º dia
INSPIRAÇÃO
“Eles se dedicarão inteira e exclusivamente à salvação do povo pobre, indo, a
expensas de sua bolsa comum, de aldeia em aldeia, para pregar, instruir, exortar e
catequizar a todos, levando-os a fazer uma boa confissão geral de toda a vida
passada”
(SV XIII, 197).
Meditação
Não é nada fácil ser fiel à própria consciência. Vicente começou a perceber que,
mesmo que seu coração estivesse voltado para os pobres, ele, geograficamente, vivia
num palácio. E, a partir do momento em que sua consciência falou mais alto, não
havia nada mais digno a fazer do que deixar o palácio e caminhar para o mundo dos
pobres. Ao deixar a casa dos Gondi, Vicente foi para a paróquia de Châtillon-les-
Dombes. Naquele lugar, algo lhe chamou a atenção: uma casa onde todos estavam
doentes e, consequentemente, não havia como um cuidar do outro. Aos olhos de
Vicente, aquela família retratava toda uma população faminta e que sobrevivia de
maneira indigna. A realidade se impunha mais uma vez. Era Deus falando e, por isso,
Vicente não poderia permanecer calado. E, num sermão, descreveu aquela situação.
Na verdade podemos dizer que os sermões de Vicente eram construídos a partir da
agenda da vida.
Como poderia ficar calado quando as pedras gemiam? Vicente não economizou
palavras: provocou a comunidade e a convocou para se colocar a serviço daquela
família. O sentimento de compaixão e de solidariedade encheu imediatamente a igreja
e principalmente o coração de cada um que lá se encontrava. Diante dos olhos
atônitos de Vicente, o milagre da multiplicação saiu das páginas do Evangelho e se
apresentou bem diante dele: a totalidade das pessoas se mobilizou e foi em socorro da
família, e a casa que estava vazia ficou repleta de alimentos, de solidariedade, de
afeto e de Deus. No entanto, São Vicente não se deixou levar pela emoção. Vendo a
capacidade de solidariedade presente nas pessoas, percebeu que era necessário e
urgente organizar a caridade a fim de que ela fosse eficaz e, ao mesmo tempo,
duradoura. Afinal, quem tem fome não pode esperar!
Grande estrategista e mobilizador de consciências adormecidas, Vicente reuniu
algumas mulheres do lugar e constituiu o que foi chamado de a primeira Caridade
(que teve seu regimento escrito por Vicente e aprovado no dia 8 de dezembro de
1617). A partir daquele dia, por onde Vicente passava pregando missões, as
18
Caridades seguiam seus passos, difundindo-se por todas as terras dos Gondi. A
descoberta de Vicente não podia ser mais evangélica: a evangelização dos pobres,
para ser efetiva, deveria passar necessariamente pela satisfação de suas necessidades
e pela superação de sua situação de abandono e miséria. Oito anos depois, em 1625,
nasceu oficialmente a Congregação da Missão.
Oração
“Pai, como é difícil exercitar a compaixão e a misericórdia. É mais fácil viver
centrado em si mesmo. Ajuda-me a romper essa dificuldade e a ver as outras pessoas
como alvo do amor solidário que tu semeias em meu coração.”
19
8º dia
INSPIRAÇÃO
“Que privilégio, minhas filhas, servir a esses pobres presos, abandonados nas mãos
de pessoas que não têm piedade deles! Vi essa pobre gente tratada como animais.
Isso foi o que fez com que Deus se enchesse de compaixão”
(SV X, 125).
Meditação
Nosdias de São Vicente existiam “infernos ambulantes”. Assim eram as
“galeras”. Tecnicamente, as galeras eram grandes embarcações que possibilitavam a
defesa do território francês e a exploração e o domínio de outros territórios. Talvez
pudesse ser considerado o local mais marcado pela dor e pelo sofrimento. Nelas não
havia qualquer luz de esperança. O medo e a morte eram constantes para aqueles que
lá chegassem; o sofrimento era inevitável, e a dor, insuportável. Vivia-se um período
em que havia somente duas formas de condenação: a pena de morte e o trabalho
forçado nas galeras. E São Vicente decidiu penetrar no inferno da vida! Era
necessário levar a esperança de Jesus para aqueles que viviam na proximidade da
morte. Dia após dia, São Vicente radicalizava sua opção por aqueles considerados
indesejáveis. Àqueles que eram desumanizados, ele levava o evangelho que restaura
o ser humano e sua dignidade.
Mas não pensemos que São Vicente apenas se solidarizava com os presos nas
galeras. Fora delas, buscava a transformação daquela situação. Não bastava rezar e
ser solidário. Fazia-se necessária uma ação política mais pontual e enérgica. E por
conta disso, ele não deixava de intervir junto ao general das galeras para aliviar a dor
dos prisioneiros. Ação e compaixão estavam presentes nele. Nem só uma ou apenas a
outra. Ação e compaixão misturavam-se na vida do santo e, dessa forma, ele via no
rosto concreto dos sofredores o próprio rosto do Cristo. Por causa disso, o primeiro
olhar de Vicente não era dirigido, de forma alguma, para o pecado de cada um
daqueles homens, mas era direcionado para o sofrimento deles. Em 1619, o general
das galeras – Felipe Emanuel de Gondi – resolveu institucionalizar, perpetuar e
ampliar a atuação de São Vicente e criou o cargo de capelão geral das galeras. Pode-
se até mesmo dizer que as ações desenvolvidas por São Vicente eram eminentemente
políticas, com opção política ditada e determinada pela caridade. O coração de São
Vicente falava mais alto quando entrava nas galeras: “quando aos pobres falei
secamente, tudo se perdeu. Ao contrário, quando me compadeci de seus sofrimentos,
quando beijei suas correntes, quando partilhei suas dores e testemunhei compaixão
por suas aflições, foi então que me escutaram e se puseram no caminho da salvação”
20
(SV IV, 53).
A ação de São Vicente se baseava radicalmente nos textos bíblicos, e por conta
disso ele não podia deixar de ser e de fazer o que Jesus havia dito e feito. É
importante trazer à memória o que São Tiago diz: “meus irmãos, se alguém diz que
tem fé, mas não tem obras, que adianta isso? Por acaso a fé poderá salvá-lo? Por
exemplo: um irmão ou irmã não tem o que vestir e lhes falta o pão de cada dia. Então
alguém de vocês diz para eles: vão em paz, se aqueçam e comam bastante; no
entanto, não lhes dá o necessário para o corpo. Que adianta isso? Assim também a fé:
sem as obras, está completamente morta” (Tg 2,14-17).
Oração
“Não basta amar se não houver atitudes concretas.
Não basta o discurso se a prática é contrária às palavras
Meu Pai, não permitas que eu seja um cristão vazio.”
21
9º dia
INSPIRAÇÃO
“Tenho uma particular devoção em seguir, passo a passo, a adorável Providência de
Deus” (SV II, 208).
Meditação
São Vicente continuava pregando incansavelmente por toda parte. Num dado
momento, uma experiência emblemática falou ao seu coração e o fez pensar numa
possível maneira de reformar a Igreja. Era o ano de 1620. Tudo começou quando um
herege fez a seguinte objeção: “de acordo com o que dizeis, a Igreja de Roma é
dirigida pelo Espírito Santo, mas não posso crer nisso, vendo que, por um lado,
muitos católicos dos campos estão abandonados nas mãos de pastores entregues aos
vícios e à ignorância, que não conhecem suas obrigações e não sabem sequer o que é
a religião cristã; por outro lado, as cidades estão cheias de padres e de frades que não
fazem absolutamente nada; é possível que, só em Paris, haja até dez mil, enquanto
este pobre povo do campo se encontra em uma ignorância espantosa, pela qual se
perde. E quereis convencer-me de que essa Igreja está sob a direção do Espírito
Santo? Não posso acreditar”.
Uma verdadeira ducha de água fria se derramava sobre a cabeça de São Vicente.
No entanto, a objeção provocou nele um zelo ainda maior pelo cuidado com os
pobres. Continuou fazendo missões e, no ano seguinte, reencontrou o mesmo herege
que vinha para escutá-lo. Ambos se reconheceram e o herege se desarmou diante
daquele padre que se apresentava de forma humilde e dedicada ao povo e que era
simples na pregação e na catequese. O impacto da presença e da espiritualidade de
São Vicente foi tão arrebatador que o herege reconheceu e assim se expressou: “agora
pude perceber que o Espírito Santo guia a Igreja romana, já que se preocupa com a
instrução e a salvação dos pobres camponeses. Estou disposto a entrar nela quando
me quiserdes receber”. Para São Vicente, o cuidado com os pobres era prova
substancial de que o Espírito Santo não somente se fazia presente como também
guiava a Igreja.
Quem de nós poderia associar o amor aos pobres com a presença do Espírito
Santo? Oh, quanta sabedoria e discernimento Deus deu a São Vicente! É certo que,
como padre e profeta, conhecesse de memória a belíssima expressão do profeta
Miqueias: “eu, porém, estou cheio da força do Espírito de Javé, do direito e da
fortaleza, para denunciar a Jacó o seu crime, e a Israel, o seu pecado” (3,8).
Em 1620, ecoou uma voz santa, cheia do Espírito, para anunciar aos pobres a boa-
22
nova, e aos cativos, a libertação. Em São Vicente, a plenitude do Espírito Santo
acontecia quando assumia plenamente a vida dos pobres.
Oração
“Pai, às vezes me canso, e a desmotivação me alcança totalmente. Preciso de tua
presença arrebatadora em minha vida. Vem sem demora, Senhor!”
23
10º dia
INSPIRAÇÃO
“Senhor, enviai bons operários à vossa Igreja, mas que sejam bons; enviai bons
missionários, tais como devem ser, para que trabalhem de modo eficaz em vossa
vinha; pessoas, ó meu Deus, desapegadas de si mesmas, de suas comodidades e dos
bens terrenos. Não importa se em pequeno número, contanto que sejam bons de
verdade. Concedei, Senhor, essa graça a vossa Igreja”
(SV XI, 357).
Meditação
Ao lado do povo deveria haver bons pastores: essa era a lógica que guiava São
Vicente. Bons padres dariam sequência ao trabalho iniciado pelos missionários. Nada
tirava de sua cabeça que nenhuma evangelização seria possível e eficaz, para produzir
vida e santidade nos pobres, se os padres não fossem bem acompanhados em sua
formação. Nesse sentido, Deus deu a Vicente uma oportunidade espetacular: em
1628, o bispo de Beauvais chamou a atenção dele para a necessidade de preparar
melhor os candidatos ao sacerdócio. A princípio, foi realizado um retiro bem-
sucedido com os futuros padres, que se repetiu em outras dioceses da França. Mas em
1631, surgiu uma grande novidade e um enorme desafio. O arcebispo de Paris
confiou a ele a responsabilidade de preparar os candidatos às ordens na arquidiocese.
Idealizaram-se, naquela ocasião, os Exercícios para os Ordinandos, a primeira grande
iniciativa de São Vicente com o objetivo de reformar o clero.
Mas as ações de Vicente não pararam por aí. Ele também criou o que foi
denominado Conferências das Terças-feiras (1633), cujo objetivo era aprofundar a
formação recebida, refletir sobre a natureza do ministério e suas implicações para a
vida. Juntos, os padres rezavam, partilhavam suas convicções e ouviam as orientações
de São Vicente. Era a oportunidade de cada participante contribuir com o processo de
formação. Não se tratava de ostentar erudição e de distribuir discursos vazios. O novo
instrumento de renovação sacerdotal pensado por São Vicente foi o diálogo, e não
mais o medo.
A visão de São Vicente era muito abrangente. Via a vida sempre a partir de um
grande cenário. Pensava grande, diríamos hoje. Dessa forma, trazia em seu coração
não só preocupações relativas aos pobres, à evangelização, à política e à paz; seus
horizontesse abriam, e também manifestava profundo amor e compromisso pela
Igreja. Não vivia a Igreja de longe. Amava a Igreja em que Deus o havia colocado.
Tinha plena consciência de que também na Igreja é possível encontrar contradições.
24
Mas nada disso o impedia de amar a Igreja e se comprometer com ela. Sabia como
ninguém viver sua Igreja e ser sensível às necessidades dela. E, percebendo a
necessidade, se colocava como instrumento de Deus para ser um agente de mudança.
A preocupação de São Vicente com a boa formação dos sacerdotes é espetacular. Na
verdade, hoje, como ontem, não podemos abrir mão de sacerdotes bem formados. E,
para além disso, nem sequer podemos pensar em “povo de Deus” sem formação
adequada, para que todos estejam prontos a dar “as razões de sua fé”.
Oração
“Deus querido, a seara é grande e os ceifeiros são poucos. Desperta e envia homens e
mulheres para trabalhar pelo Reino.”
25
11º dia
INSPIRAÇÃO
“No caminho de Deus, não avançar é retroceder, já que o homem não pode
permanecer sempre no mesmo estado”
(SV II, 129).
Meditação
Humano, Vicente humaniza-se com o passar do tempo. Olha para os pobres para
poder se reconhecer como humano. Não conseguia desviar seus olhos daquilo que
estava em seu coração: os desvalidos. Descobriu uma verdade fundamental, de que
muitas vezes nos esquecemos hoje: Cristo nos pobres e os pobres em Cristo. Somos
como Cristo quando nos aproximamos dos pobres e nos fazemos um com eles. São
Vicente dizia com todas as letras que Cristo “considera como feito a si o que se faz
pelos pobres, já que eles são seus membros” (SV IX, 324). As palavras do Evangelho
de Mateus não paravam de ressoar em sua cabeça: “porque eu estava com fome e
vocês não me deram de comer; eu estava com sede e não me deram de beber; eu era
estrangeiro e vocês não me receberam em casa; eu estava sem roupa e não me
vestiram; eu estava doente na prisão e vocês não foram me visitar. Senhor, quando foi
que te vimos com fome, ou com sede, como estrangeiro, ou sem roupa, doente ou
preso, e não te servimos? Então o rei responderá a esses: eu garanto a vocês: todas as
vezes que vocês não fizeram isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o
fizeram” (Mt 25,42-45).
São Vicente sabia que os pobres “são nossos irmãos, a quem Deus manda assistir”
(SV VII, 98) e, além disso, que “o serviço aos pobres deve ser preferido a todos os
outros” (SV IX, 208). É tremenda a sensibilidade humana e teológica de São Vicente
ao nos ensinar: “vamos, pois, meus irmãos, e trabalhemos com um amor novo a
serviço dos pobres. Busquemos mesmo os mais abandonados, reconhecendo diante de
Deus que eles são nossos amos e senhores e que somos indignos de lhes prestar
nossos humildes serviços” (SV XI, 273). Uma das preocupações fundamentais dele
era com a proximidade que se deveria ter com os pobres. Certamente que em sua
época havia inúmeras Ordens religiosas que assistiam aos doentes e que haviam
fundado hospitais. Mas para São Vicente não havia ainda quem cuidasse desses
doentes em suas próprias casas. Era necessário ir ao encontro deles. Levar dignidade,
cuidado, amor, solidariedade, saúde e alimentação no espaço da família, onde se
encontravam.
Há uma situação vivida ao redor de São Vicente que comove e chega a tirar
26
lágrimas dos olhos diante de tamanha dedicação aos pobres. Certa vez, em 1630,
quando estava em Paris, São Vicente conheceu uma moça chamada Margarida
Naseau, uma camponesa pobre que havia aprendido a ler sozinha e procurava ensinar
outras moças a ler. Algo muito interessante, porque mostra não só a paixão daquela
moça por se preparar melhor, mas também a precária situação da sociedade da época,
pois, por exemplo, por volta de 1685, 71% dos homens e 86% das mulheres eram
incapazes de assinar um documento. O encontro dela com Vicente alterou
drasticamente o rumo de sua vida. Embora Margarida se sentisse atraída pelo ensino,
a assistência aos pobres era a sua grande paixão. Dedicou-se sem reservas, a ponto de
morrer num hospital, por ocasião de uma epidemia. Caiu doente porque não aceitou a
lógica da exclusão e da marginalização a que a doença condenava, ou seja, quis
continuar a viver em igualdade com os doentes, a ponto de querer dormir entre eles,
pelo que contraiu a doença. Uma mártir pobre entre os pobres!
Oração
“Olhemos para o Filho de Deus; oh! Que coração de caridade! Que chama de amor!”
(XII, 264).
27
12º dia
INSPIRAÇÃO
“Sim, meu Deus, eu me proponho a entrar na prática do bem que nos ensinastes. Sei
que sou fraco, mas, com vossa graça, tudo posso e tenho confiança de que vós me
ajudareis. Pelo amor que vos leva a ensinar-nos vossa santa vontade, eu vos imploro
que nos concedais a força e a coragem de realizá-la”
(SV IX, 10).
Meditação
Foi em 1633 que São Vicente e Santa Luísa reuniram um grupo de moças e deram
início à Companhia das Filhas da Caridade. As dores sociais que afetavam as pessoas
falavam alto aos corações das Irmãs e as impulsionavam a caminhar em direção aos
sofredores. Nenhum drama deixava de ecoar no coração daquelas moças. Num
contexto em que as mulheres sofriam uma verdadeira privação, Vicente orientava de
maneira nova e inusitada: “Julgais por acaso, minhas filhas, que Deus espera de vós
que leveis a vossos doentes somente um pouco de pão, de carne, de sopa e de
remédios? De modo algum. Não foi essa sua intenção, minhas filhas, ao vos escolher
para lhe prestar o serviço que lhe prestais na pessoa dos pobres. Deveis, pois, levar
aos pobres dois alimentos: o corporal e o espiritual, isto é, para sua instrução, dizer-
lhes alguma boa palavra que tiverdes tirado de vossa oração. Deus vos reservou para
isso” (SV IX, 591). A ação das filhas da Caridade não estava voltada para a
filantropia. Ao contrário, tratava-se de uma ação que tem seu início no coração do
Cristo: “Sois destinadas a representar a bondade de Deus para com esses pobres
doentes” (SV X, 332).
Elas eram consideradas por São Vicente como se fossem extensões de Deus: “uma
irmã irá dez vezes por dia ver os doentes e dez vezes por dia ela encontrará Deus
neles” (SV IX, 252). Cada uma das moças representava uma semente divina lançada
sobre o solo e dava frutos de forma abundante. E é incrível saber que o nome “Filhas
da Caridade” foi dado pelo próprio povo, que via as moças se espalhando pelas ruas
de Paris com o objetivo de ajudar e de agir misericordiosamente. Que belíssimo
testemunho: o batismo das filhas da Caridade aconteceu a partir da rua; o evangelho
era pregado com a própria vida e o Reino de Deus se construía a partir do corpo
restaurado de uma multidão de pobres.
A percepção de São Vicente era espetacular. Ele via algo que não era comum, ou
seja, que a fé deve ser pública. Não podemos fazer com que a fé seja refém das
paredes da Igreja. A fé é uma expressão pública e deve, portanto, nos levar ao
28
encontro dos outros, principalmente dos mais pobres. Para São Vicente, a forma
privilegiada de encontrar a Deus é quando nos encontramos com os pobres. Deus se
encontra na realidade, e é a partir da realidade que marcamos um encontro com Deus.
Oração
“Sou fraco, Senhor. Dependo da tua força e também da coragem que o Senhor me
infunde. Dá-me coragem e força para os dias maus.”
29
13º dia
INSPIRAÇÃO
“No mundo, os ricos desfrutam de todas as vantagens e ocupam os principais postos;
no Reino de Jesus Cristo, a primazia pertence aos pobres, que são os primogênitos
de sua Igreja e seus verdadeiros filhos. No mundo, os pobres dependem dos ricos e
parecem ter nascido só para servi-los. Na santa Igreja, pelo contrário, os ricos só
são admitidos sob a condição de servir aos pobres”
(Bossuet).
Meditação
São Vicente era missionário por excelência. Na verdade, é melhor descrevê-lo
como um discípulo missionário de Jesus Cristo. A partir de 1645 ele passa a enviar
missionários para todos os cantos: norte da África, Madagascar, Irlanda, Escócia,
Polônia, Barbaria. Fronteiras e barreiras não eram consideradas por ele como
obstáculos. Vicente, quando olhava para além das fronteiras, percebia seucoração
santo arder de paixão. Por isso, podemos dizer que a vocação dele era “ir não só a
uma paróquia, nem só a uma diocese, mas por toda a terra” (SV XII, 262), seguindo
fielmente as palavras de Jesus: “então Jesus se aproximou e falou: toda autoridade me
foi dada no céu e sobre a terra. Portanto, vão e façam com que todos os povos se
tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo” (Mt 28,18-19).
Mesmo que missões além-mar fossem tremendamente arriscadas, ele tinha plena
convicção de que as nações deveriam ser salvas: “a salvação duma alma é de tal
importância que se deve expor a vida temporal” (VII, 117). E para o trabalho
missionário ele escolhia aqueles que eram mais virtuosos, inteligentes e despojados.
Para ele, todos deveriam viver e se pensar em estado permanente de missão.
Escrevendo certa vez a um padre da Missão que estava em Madagascar, Vicente abriu
seu coração e demonstrou a importância que dava aos seus missionários: “... e a
Companhia olhou para vós, como a melhor hóstia que tenha, para com ela
homenagear nosso soberano Criador, para lhe prestar esse serviço, com outro bom
padre da companhia”.
Do que valeria a missão se não fosse recheada de compaixão e de cuidado? Por
isso ele dizia, a respeito da presença do Reino na história: “Se houver alguém entre
nós que pense estar na missão para evangelizar os pobres e não para socorrê-los, para
remediar suas necessidades espirituais e não as temporais, respondo que devemos
assisti-los e fazê-los assistir de todas as maneiras, por nós e por outrem, se quisermos
30
ouvir estas consoladoras palavras do soberano juiz dos vivos e dos mortos: ‘vinde
benditos do meu Pai; possuí o reino que vos foi preparado, porque tive fome e me
destes de comer; estava nu e me vestistes; doente, e me socorrestes’” (SV XI, 393).
Assim como Jesus se encarnou na realidade mais pobre da Palestina, São Vicente
também percebia a necessidade vital de fazer missões inserindo-se na realidade social
marcada pelo drama do ser humano.
Oração
“Pai, quero ser um discípulo missionário de teu Reino. Ensina-me a viver e a agir
como missionário para que o teu nome seja engrandecido em toda a terra.”
31
14º dia
INSPIRAÇÃO
“Ó Salvador, sabeis o que meu coração quer dizer; ele se dirige a vós, fonte de
misericórdia; vede seus desejos que não tendem senão a vós, não aspiram a outra
coisa senão a vós, não querem senão a vós. Digamos muitas vezes: ‘ensinai-nos a
orar’. Concedei-nos, Senhor, este dom da oração; ensinai-nos vós mesmo como
devemos rezar.
É o que pedimos, hoje e todos os dias, com confiança, com muita confiança em vossa
bondade”
(SV XI, 222).
Meditação
Santos não nascem prontos. Eles são feitos no calor da hora. Cada um deles tem
seu tempo e seu local. Vivem em meio às contradições do cotidiano e, por que não
dizer, envolvidos em suas próprias contradições. Uma das tarefas mais difíceis que
temos como seres humanos é a de nos construirmos. Somos complexos demais e,
certamente, precisamos de tempo para aprender a viver da melhor forma possível.
São Vicente de Paulo iniciou sua história de vida peregrinando ao redor de si mesmo.
Tinha em seu coração o desejo de se encontrar e de construir um futuro que fosse
promissor tanto para si quanto para sua família. Tinha em seu coração ilusões juvenis
bastante honestas, ao assumir o desejo do pai de seguir a vida religiosa. Um misto de
ambições e de interesses familiares povoavam sua mente e coração. Nessa jornada
terá inúmeros encontros com fracassos e desilusões.
Mas quem disse que a experiência do fracasso e de desilusões indica que somos
fracassados? Contra toda esperança, São Vicente continuou a caminhar em busca de
um sentido mais profundo para a sua vida. Em sua época, sentiu o Espírito Santo
chamando-o a viver como Jesus viveu e, a partir desse momento, sua sensibilidade e
solidariedade com os dramas e esperanças dos mais pobres se tornaram evidentes. Foi
na experiência de fraqueza que São Vicente encontrou suas forças. Paradoxalmente,
foi quando se encontrava fraco, e crescia a consciência da inutilidade de todos os seus
esforços, que ele finalmente percebeu a luz da saída. No desejo de conquistar um
lugar ao sol, ele fizera escolhas às vezes equivocadas. Ocupou seu coração com o que
não devia: a ambição desmedida. E sabemos que, quando a ambição se torna a única
mola da existência, o espaço para acolher a vontade de Deus vai diminuindo.
A equação é muito simples: quando São Vicente centralizava seu futuro em si
mesmo, tudo ia mal, mas, quando sua vida gravitava ao redor de Deus e de sua
vontade, novas perspectivas e novos horizontes se abriam completamente.
32
São muitos os cristãos que invertem as coisas, ou seja, esvaziam-se de Deus e
enchem seu coração com tudo aquilo que não é Deus. Não dão espaço para Jesus
reinar em suas próprias vidas, fazendo, assim, com que o leme da vida esteja em suas
próprias mãos e não nas mãos daquele que deveria ser o único a nos guiar.
Oração
“Meu Deus e meu tudo, aspiro somente a ti.
Permite-me que meu coração bata segundo o teu próprio coração e que se encha de
alegria a cada batida.”
33
15º dia
INSPIRAÇÃO
“Começai sempre todas as vossas orações pela presença de Deus. Considerai que,
embora não vejamos a Deus, a fé nos ensina a reconhecer sua santa presença em
toda parte, penetrando intimamente todas as coisas e até mesmo os nossos corações”
(SV IX,4).
Meditação
O encontro com os pobres será, certamente, a experiência de Deus mais marcante
da vida de São Vicente de Paulo. Ele descobriu algo que andava meio escondido em
sua época: que só é possível caminhar para Deus a partir do momento em que
peregrinamos entre os pobres. Aquela era uma época em que cada vez menos se via a
imagem de Cristo nos pobres. Na verdade, eram considerados preguiçosos, ladrões,
vagabundos. A sociedade daquele tempo não se interrogava sobre as causas que
provocavam o surgimento dos pobres. Na verdade, os pobres haviam se tornado
órfãos tanto da sociedade quanto da Igreja.
São Vicente redescobrira Cristo nos pobres e os pobres em Cristo, e assim
resgatou o Evangelho de Jesus Cristo para o seu dia a dia, ao interpretar as palavras
de Jesus em seu cotidiano. De que adiantariam as palavras de Jesus se elas não
ressoassem na história que vivemos? Ele era um hermeneuta da realidade, isto é,
interpretava a realidade a partir da Palavra de Deus, e a Palavra de Deus a partir de
sua realidade. As palavras de Jesus não saíam de sua mente: “deram-lhe o livro do
profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus encontrou a passagem onde está escrito: o
Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para
anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos,
e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um
ano de graça do Senhor. Em seguida Jesus fechou o livro, o entregou na mão do
ajudante e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele.
Então Jesus começou a dizer-lhes: hoje se cumpriu essa passagem da Escritura, que
vocês acabam de ouvir” (Lc 4,17-21).
Queria São Vicente que houvesse muitos “Jesus” caminhando pelas ruas das
cidades e nos campos, anunciando a chegada da plena liberdade para todos. A
revolução na vida e para a vida começaria quando assumíssemos a vida de Jesus, ou
seja, quando as palavras do apóstolo Paulo fizessem eco em nossas vidas: “já não sou
eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. Seguindo os passos de São Vicente,
aprendemos que as palavras de Jesus estão umbilicalmente ligadas à vida. As
34
palavras de Jesus alimentam a realidade, que é transformada por elas.
Oração
“Senhor, não posso enxergar-te com os olhos naturais. Porém, ensina-me a enxergar-
te com os olhos da fé, para ver tudo quanto tu és e fazes por mim.”
35
16º dia
INSPIRAÇÃO
“Não é suficiente sentir bons afetos. É necessário dar um passo a mais e chegar à
resolução de trabalhar, com todo interesse, para adquirir esta virtude, propondo-se a
praticá-la e arealizar seus atos. Esse é o ponto mais importante e o fruto que se deve
tirar da oração”
(SV XI, 406).
Meditação
Consciências adormecidas precisam ser despertadas. Há uma “sonolência
espiritual” que atinge muitos cristãos que, por isso, não conseguem ver-se como
agentes e protagonistas de Deus na defesa da vida. E São Vicente sabia, como
ninguém, motivar, desafiar e desinstalar as pessoas de suas zonas de conforto. Certa
vez precisou questionar as Senhoras da Caridade, para ver se continuariam a cuidar
da obra das crianças rejeitadas. Seu discurso foi enérgico e provocador de uma
atitude: “pois bem, minhas senhoras, a compaixão e a caridade vos fizeram adotar
estas pequenas criaturas como vossos filhos; fostes suas mães segundo a graça,
porque suas mães segundo a natureza as abandonaram; vede agora se também quereis
abandoná-las. Deixai de ser suas mães para vos tornardes agora seus juízes; sua vida
e sua morte está em vossas mãos; vou pedir vossa palavra e anotar os vossos votos; é
hora de pronunciar a sentença delas e de saber se não quereis mais ter misericórdia
delas. Viverão se continuardes a cuidar delas caridosamente; e, pelo contrário,
morrerão e perecerão infalivelmente se as abandonardes; a experiência não vos
permite duvidar disso” (XIII, 801). Palavras fortes e necessárias para despertar da
inatividade sonolenta para ações de misericórdia. É claro que todos os votos foram
favoráveis!
A exortação de São Vicente reflete a tragédia de uma sociedade incapaz de colocar
no topo dos valores a defesa da vida. Por isso, a necessidade de se fazer e se
apresentar de forma enérgica. O amor de Cristo o consumia por dentro, e ele sabia
muito bem que não socorrer as crianças naquele momento significaria a morte de
cada uma delas. Cada uma daquelas crianças rejeitadas era como se fosse parte dele
mesmo, uma parte preciosa de sua vida. Perder as crianças seria como perder a si
mesmo! A única resposta que ele via para superar a letargia era encher o coração com
doses extras de misericórdia. E, para ele, somos misericordiosos porque a ação de
Deus em nós nos encheu de misericórdia divina. Devemos pedir a Deus
constantemente que nos dê esse espírito de compaixão e de misericórdia de modo que
quem nos vir passar possa dizer: “eis uma pessoa cheia de misericórdia” (XI, 342).
36
São Vicente era extremamente empático e simpático. Por isso, a antipatia passava
longe dele. Diferenciava-se nas ruas simplesmente porque amava, perdoava e se
dedicava aos pobres. Numa sociedade que vivia sob o descontrole do medo, da
violência e do ódio, São Vicente surgia como um farol que iluminava bem no meio da
noite escura. Ele transpirava misericórdia!
Oração
“Desperta minha consciência, Jesus, e permite que meus passos sigam os teus passos.
Faz-me um discípulo que imite plenamente teu modo de ser e de viver.”
37
17º dia
INSPIRAÇÃO
“O grande segredo da vida espiritual consiste em entregar a Deus tudo o que
amamos, abandonando-nos a nós mesmos ao que ele quer, numa perfeita confiança
de que tudo caminhará melhor”
(SV VIII, 255).
Meditação
Virtudes devem ser exercitadas. Deveríamos vivê-las de uma maneira tão intensa e
especial que nossas ações deveriam transpirá-las. Pode-se dizer que elas ditavam o
ritmo do coração de São Vicente e eram consideradas por ele como as cinco pedras
capazes de derrubar o gigante Golias. São Vicente repetia, sem cansar, que são cinco
as virtudes do missionário, e que tudo o que Deus pede de nós se encontra nelas:
Simplicidade: é quando não temos outra pretensão senão a de Deus, quando
recusamos qualquer motivo que não seja Deus e rejeitamos o que aparece. Na bela
linguagem do Salmo 131,2: “moderei e fiz calar meus desejos. Como criança
desmamada no colo de sua mãe, como criança desmamada, assim está a minha alma”.
Humildade: seria a reação contra a autoexaltação do ser humano. São Vicente
descobriu a necessidade de se fazer pequeno, de se esvaziar, de não buscar a própria
glória. Quanto mais ele se esvaziava mais Deus o preenchia!
Mansidão: é a arte de permanecer firme mesmo em meio às tempestades e crises
da vida; é a virtude que permite aquietar o próprio coração e o coração dos demais.
Abnegação: é o desprendimento dos interesses pessoais e individuais, tendo em
vista o bem comunitário; uma virtude que nos leva a viver o amor de forma
incondicional. Existimos para o serviço, e não para acumular privilégios pessoais.
Zelo: é a responsabilidade e o cuidado por aquilo que amamos, e,
consequentemente, a prática dessa virtude leva cada vez mais à dedicação.
É importante saber que as virtudes não são naturais. Não nascemos com elas e,
exatamente por isso, é inadequado pensar que não podemos desenvolvê-las. Virtudes
são aprendidas, exercitadas e elaboradas. Aprendemos as virtudes em nosso dia a dia.
Também é necessário salientar que a primeira marca das virtudes reside justamente
em sua prática. É insuficiente apenas saber que elas existem; de nada vale decorar
seus nomes ou escrevê-las em grandes cartazes e espalhá-las pela casa ou até mesmo
ensiná-las. Faz-se necessário praticá-las a cada dia, a fim de que se tornem para nós
como se fossem uma segunda pele.
No entanto, São Vicente sabia que a fonte das virtudes é o próprio Cristo, e por
38
isso, quanto mais perto estivermos de Cristo, mais beberemos abundantemente dessa
boa água.
Oração
“Pai querido, a melhor maneira de exercitar a fé consiste em nos lançar total e
completamente nos teus braços. Ensina-me a ter fé e a me perder em ti para que possa
me achar.”
39
18º dia
INSPIRAÇÃO
“Da experiência que tenho, resta-me o julgamento que sempre fiz: a verdadeira
religião está no meio dos pobres!
Deus os enriqueceu com uma fé viva. Eles creem, tocam, saboreiam as palavras de
vida”
(SV XII, 170-171).
Meditação
Somos acostumados aos primeiros lugares. Numa competição ninguém deseja
chegar em segundo lugar. Numa sociedade em que somos levados à competição,
competimos por todas as coisas, e por qualquer delas, mesmo as menores; queremos
sempre o primeiro lugar. Aqueles que chegam em segundo lugar jamais são
lembrados. Vivemos numa sociedade de vitoriosos, que não oferece lugar para todos.
A lucidez de São Vicente a respeito disso transparece numa carta enviada ao Pe.
Jacques: “guardai-vos bem, meu padre, de atribuir-vos qualquer bom resultado;
cometeríeis um roubo e faríeis injúrias a Deus, que é o único autor de todo bem.
Vossa tendência seja sempre para baixo, para o amor de vossa abjeção e o desejo do
desprezo e da confusão, contra a inclinação natural, que leva ao gosto de aparecer e
de ter êxito” (VII, 298).
São Vicente, diferentemente de muitos anos antes, já não corria mais para ocupar
os primeiros lugares. Seus passos, todos eles, levavam-no necessariamente para mais
perto daqueles que eram considerados os últimos da sociedade. Inseria-se entre os
pobres, assumindo a posição que era deles. Lembra-nos a experiência de São Paulo.
No início, sempre fazia questão de se apresentar como apóstolo. O título lhe era caro.
Tornava-o importante diante dos demais. Não podia ser comparado a qualquer um. O
título fazia dele alguém diferente e, mais do que isso, fazia-o superior. Todavia,
conforme Paulo foi amadurecendo, suas atitudes mudaram porque entrou em
processo de conversão. Abdicou do título de apóstolo e assumiu o de servo. Já não se
via como superior, mas como aquele que era servidor. E mais para o fim de sua vida a
conversão se fez completa. Não se apresentava mais como servo, mas se reconhecia
como o mais terrível dos pecadores. Quanto mais ele se aproximava de Deus, mais
reconhecia quem de fato era e como dependia absolutamente de Deus para viver e
sobreviver.
A humildade transpirava em São Vicente: “ponho minha confiança em Deus, e
não, de modo algum, em minha preparação, nem em todas as minhas habilidades” (II,
40
289-290). “Melhor é servir do que ser servido” era mais do que um lema, era um
estilo de vida para São Vicente. É muito comum encontrar São Vicente assinando as
milhares de cartas que escreveue colocando após seu nome: “indigno superior da
Congregação da Missão”. Um dia, quando lhe propuseram uma homenagem, logo
disse: “as cartas dedicatórias se fazem para louvar aqueles a quem se dirigem, mas
sou totalmente indigno de louvor. Para bem me descrever, precisariam dizer que sou
filho de um agricultor, que guardei porcos e vacas, e acrescentar que isso não é nada
em comparação com minha ignorância e malícia. Por isso, julgai, senhor, se uma
pessoa tão miserável como sou deva ser nomeada em público na maneira que estais
me propondo” (IV, 215-216).
Oração
“Livra-me, meu Deus, de querer os melhores lugares. Ensina-me a viver para o
serviço. Que eu me aproxime das pessoas como servo e não como senhor sobre elas.”
41
19º dia
INSPIRAÇÃO
“Quando aos pobres falei secamente, tudo se perdeu.
Ao contrário, quando me compadeci de seus sofrimentos, quando beijei suas
correntes, quando partilhei suas dores e testemunhei compaixão por suas aflições, foi
então que me escutaram e se puseram no caminho da salvação”
(SV IV, 53).
Meditação
Foi em Folleville e Châtillon que São Vicente descobriu a força do protagonismo
dos leigos. Deu especial atenção às mulheres que desenvolveram o trabalho de
evangelização e promoção humana. A percepção de São Vicente foi agudíssima.
Sabia que o povo de Deus não se reduzia àqueles que eram consagrados ou
ordenados. Seu olhar ia mais além e percebia que o povo de Deus também era
capacitado para toda boa obra. Assim, foi até os leigos e os mobilizou. Estimulou,
motivou e exortou para que assumissem o protagonismo de suas vidas, mas também o
protagonismo que lhes cabia na Igreja. Longe de abandonar o povo de Deus à própria
sorte, abriu-lhe as portas da Igreja. Aqui, poderia muito bem dizer, a Igreja também é
a casa de vocês; uma casa que vocês precisam ajudar a construir.
Vale também lembrar que São Vicente não foi uma pessoa isolada e solitária. Ele
se construiu cercado de amigos. Pode-se dizer ainda mais: ele não iria muito longe se
não fosse a presença constante, importante e inevitável dos amigos, que foram, a um
só tempo, conselheiros, ombros que apoiavam e lábios que ensinavam. Quatro deles
se destacaram:
Antônio Portail foi o primeiro dos frutos de São Vicente para a vida religiosa e
permaneceu ao lado dele até morrer, pouco tempo antes do Santo;
São Francisco de Sales, em relação a quem nutria uma profunda admiração, a
ponto de dizer: “como é grande a bondade divina, meu Deus, como vós sois bom,
visto que Francisco de Sales, vossa criatura, é tão cheio de bondade” (XIII, 78);
Pedro de Bérulle, que exerceu forte influência espiritual sobre ele;
Santa Luísa de Marilac, que se aproximou dele no final de 1624, quando São
Vicente ajudou-a a criar as condições necessárias para se libertar de sua introversão e
dedicar-se ao serviço dos pobres.
Oração
“Quanta sensibilidade falta em mim, ó Deus! Preciso escutar mais as dores e aflições
42
daqueles que vivem dramas existenciais terríveis. Dá-me sensibilidade para socorrer
aqueles que necessitam de uma presença amiga e acolhedora.”
43
20º dia
INSPIRAÇÃO
“Que felicidade poder demonstrar que o Espírito Santo guia a sua Igreja, através do
nosso trabalho para a instrução e santificação dos pobres” (SV XI, 37).
Meditação
Ninguém nasce super-homem, nem mesmo os santos. O próprio caminho de São
Vicente foi marcado por limites dos quais ele tinha muita consciência. Sabia que era
humano e cheio de fraquezas; não era uma pessoa isenta de ambiguidades, mas nem
por isso o vemos acomodado às suas imperfeições e a seus limites, como se dissesse:
“pau que nasce torto morre torto”. Ele não se acomodava ao que era; cada dia queria
se construir melhor. E ele descobriu que a construção de nós mesmos se dá a partir do
momento em que olhamos para Jesus. Jesus é a medida de nossa construção, uma
construção mediada pelo Espírito Santo. Assim nos ensina São Vicente: “quando se
diz que o Espírito Santo opera em alguém, isso significa que esse Espírito, residindo
nessa pessoa, lhe dá as mesmas inclinações e disposições que Jesus Cristo tinha na
terra, e elas o fazem agir do mesmo modo, não digo com igual perfeição, mas
segundo a medida dos dons desse divino Espírito” (XII, 107).
Limites são naturais. Todavia, não podemos virar reféns deles. Não podemos nos
ver como se estivéssemos condenados a ser sempre do mesmo jeito. Saber-nos
limitados e que estamos em processo de autoconstrução não é demérito. Ao contrário,
é a constatação – sábia constatação – de que ainda falta muito caminho por fazer. A
incompletude apenas nos revela que Deus ainda tem muito conteúdo para derramar
sobre nós. É necessário que o próprio Jesus imprima em seu discípulo sua marca e
seu caráter. Nesse sentido, São Vicente estabelece a marca do verdadeiro discípulo,
ou seja, o verdadeiro discípulo é aquele que se esvazia de si mesmo para se revestir
de Jesus Cristo.
Um dos maiores problemas que agridem o ser humano é o da baixa autoestima.
Muitos se acham repletos de deficiências e muito frágeis para vencer os obstáculos da
vida. Na verdade, veem a si mesmos como o maior dos obstáculos. “Nasci assim e
morrerei assim”, torna-se o mantra principal que repetem dia após dia. São Vicente
nos ensina a olhar para os obstáculos a fim de superá-los. Nenhum obstáculo é maior
do que a força que reside em nós, a força do Espírito Santo.
Oração
“Ó Salvador, ensina-nos a colocar nossos prazeres em ti, a amar o que amaste e a nos
44
comprazer no que te apraz” (XII, 110).
45
21º dia
INSPIRAÇÃO
“Assim, pois, para tender à perfeição, temos de nos revestir do Espírito de Jesus
Cristo. Quão importante negócio é esse de nos revestir do Espírito de Jesus Cristo!
Isso quer dizer que, para aperfeiçoar-nos e para atender utilmente o povo, temos de
nos esforçar por imitar a perfeição de Jesus Cristo e procurar chegar a ela. Isso
significa também que não podemos nada por nós mesmos.
Temos de nos encher deste Espírito de Jesus Cristo e deixar-nos animar por ele”
(SV XII, 107-108).
Meditação
Numa sociedade marcada pela miséria e pela contínua desumanização das
pessoas, São Vicente proclamava a dignidade intransferível e inalienável de cada
homem e cada mulher. Aqueles que eram mais fracos precisavam receber atenção
especial, e os doentes precisavam ser servidos em suas próprias casas, da mesma
maneira como os ricos eram atendidos. Por quê? São Vicente responderia
serenamente e com firmeza: porque os pobres são “os bem-amados de Deus” (SV
XII, 393). Seu coração estava plenamente voltado para os pobres: “Virai a medalha e
vereis, pelas luzes da fé, que o Filho de Deus, que quis ser pobre, nos é representado
por esses pobres (...) Ó Deus! Como é bonito ver os pobres, se os consideramos em
Deus e na estima que Jesus Cristo tinha por eles” (SV XI, 32). Ou ainda “não há
caridade que não seja acompanhada de justiça” (SV II, 54). A beleza de Cristo era
refletida na beleza dos pobres, e por isso São Vicente contemplava diariamente a
beleza de Cristo na face dos pobres.
Uma das preocupações de São Vicente era a de que cada um estivesse preparado
para dar o melhor de Jesus para os outros. E, por conta disso, exortava sempre as
pessoas em relação ao que levavam no coração para distribuir: “Como podemos dar
caridade aos outros, se não a temos entre nós? Vejamos bem se está entre nós, não em
geral, mas cada um veja se a tem no coração e se está em nós no grau em que deve
estar; pois, se não está acesa, se não nos amamos mutuamente como Jesus Cristo nos
amou, e se não produzimos atos dessa caridade, semelhantes aos de Jesus, como
podemos pensar em levar esse amor pela terra inteira? Não se pode dar o que não se
tem” (XII, 264).
“Não se pode dar o que não se tem” é uma das mais belas exortações de São
Vicente. Somente corações amorosos poderão amar; somente corações “perdoadores”
poderão perdoar; somente corações misericordiosos poderão praticar a misericórdia;
somente corações justos poderão praticar a justiça. A questão principal, portanto, e
46
que deve ser respondida individualmenteé esta: o que plantamos em nossos
corações? Talvez o problema seja mais profundo e se possa formular assim: não
espalhamos amor, misericórdia, solidariedade, gentileza, perdão, porque existe em
nosso interior um grande vazio que também precisa ser preenchido.
Oração
“Reveste-me do Espírito Santo, glorioso Deus, para que a alegria inunde
completamente minha vida.”
47
22º dia
INSPIRAÇÃO
“O fim principal para o qual Deus chamou e reuniu as Filhas da Caridade é honrar
e venerar Nosso Senhor Jesus Cristo como manancial e modelo de toda caridade,
servindo-o corporal e espiritualmente na pessoa dos pobres” (RC I,1).
Meditação
São Vicente era um vanguardista. Estava à frente de seu tempo. Ao verificar os
limites e a caducidade do modelo de vida consagrada que imperava naquela época e
que não mais respondia às necessidades da Igreja e da sociedade, seus olhares se
voltaram mais para a frente. Nada de formalismos, de vida consagrada cheirando a
naftalina, de engessamento que impedisse o caminhar missionário. A compreensão
dele era tomada de tamanha lucidez que somente pode ter sido revelado por Deus.
Vejamos: “vosso mosteiro é a casa dos enfermos, e aquela em que reside a superiora.
Vossa cela é um quarto de aluguel. Nisso, sois mais semelhantes a Nosso Senhor.
Tendes como capela a igreja paroquial, na qual deveis assistir o santo sacrifício e dar
bom exemplo, sendo sempre a edificação do povo, ainda que sem deixar, por isso, o
serviço aos doentes. Vosso claustro são as ruas da cidade, pelas quais tendes de ir
para atender os doentes, já que a obediência tem de ser vossa clausura. Por grade,
tereis o temor de Deus. E por véu levareis a santa modéstia” (SV X, 662).
A preocupação de Vicente eram os pobres que ele considerava como seus
“senhores e patrões”. Deus ama os pobres e ama também os que amam os pobres;
quando se ama alguém, tem-se afeição aos seus amigos e servidores. Por isso, os
pobres não podiam ser abandonados de forma alguma. Contrariamente à opinião da
Igreja, que dava mais importância aos perigos que a pessoa consagrada poderia
encontrar no mundo, São Vicente percebia no mundo a sua grande seara. Não olhava,
portanto, para os perigos que a pessoa consagrada poderia experimentar, mas via os
perigos pelos quais os pobres passavam sem que ninguém se interessasse por eles.
Por isso, escreveu: “o espírito da Companhia consiste em dar-se a Deus para amar
nosso Senhor e servi-lo na pessoa dos pobres, corporal e espiritualmente, nas suas
casas e noutros lugares, para instruir as moças pobres, as crianças e, de modo geral,
todos os que a divina Providência lhes enviar” (XI, 592). Não se tratava de uma
espiritualidade unilateral, mas, sim, de uma espiritualidade que se desenvolvia em
meio ao conflito e aos dramas da vida e, no conflito, se posicionava ao lado dos
pobres a partir de uma missão integral.
A percepção de São Vicente surpreende até hoje. Vivem-se os dons e ministérios
48
para os outros. Somos chamados por Deus e agraciados com dons do Espírito não
para nos trancafiarmos nas igrejas e em nossas casas. Dons e ministérios existem
somente para o benefício de outras pessoas. E onde essas “outras pessoas” estão? São
Vicente certamente responderia assim: “na rua, na rua”. Queremos amar a Deus?
Vamos para as ruas das cidades e transformemos o corpo dos pobres em nosso altar.
Oração
“Confesso, Senhor, que muitas vezes vivo uma espiritualidade alienada. Uma
espiritualidade que me afasta das pessoas e da própria realidade. Desperta-me para
compreender que a melhor espiritualidade é aquela que nos faz encontrar-nos uns aos
outros para celebrar o santo nome do Senhor.”
49
23º dia
INSPIRAÇÃO
“A vontade de Deus não pode ser bem conhecida senão através dos acontecimentos
que chegam até nós, sem que os tenhamos pedido”
(SV V, 453).
Meditação
Em 1638, por incrível que possa parecer, a mortalidade infantil ultrapassava o
índice dos 50%. Trata-se de um dado dramático. Mas o que fazemos quando lemos
notícias como essa em nossos jornais? Qual nossa atitude quando ficamos sabendo
que 40% das crianças do nosso país são pobres? Fiquemos atentos “apenas” aos
dados do quadro alarmante de crianças trabalhadoras: 4,6 milhões de crianças e
adolescentes estudam e trabalham; 2,7 milhões de crianças trabalham e não estudam;
3,5 milhões de crianças trabalham mais de 40 horas semanais (dados da Fundação
IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] e UNICEF [Fundo das Nações
Unidas de Amparo à Infância], abrangendo o período de 1991 a 1996). Durante as
épocas de colheita, o número de crianças trabalhadoras duplica e chega a atingir
quase 100%, dependendo da região. O estado com maior índice de casos de trabalho
infantil, conforme dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), é o Mato Grosso do
Sul. Foram encontradas 3.256 crianças em trabalho escravo nas carvoarias. Em
segundo lugar, vem o estado do Rio de Janeiro, com 1.013 crianças que trabalham no
corte de cana. Seguem os estados de Alagoas e Pernambuco, com suas plantações de
cana-de-açúcar, e o Estado da Bahia, com a plantação de sisal. Além das atividades já
citadas, empregam grande número de crianças o plantio de feijão, algodão e
braquiária, a colheita da erva-mate e do café, a extração do sal, as pedreiras, as usinas
e outros.
A atitude mais frequente é virarmos logo a página do jornal pensando que aquela
situação, ainda que seja marcadamente grotesca, não tem relação alguma com a gente.
Seriam apenas números que não nos incomodam no conforto burguês e religioso que
criamos. Pensamos, na verdade, que a distância que mantemos deles acaba por nos
proteger de nossa letargia. Mas com São Vicente não era assim. Ele considerava sua a
dor dos outros! Como poderia estar feliz se outros viviam de forma infeliz? Como
viveria saciado se outros viviam famintos? Como viveria sob o abrigo de um teto se
tantos outros não tinham onde morar?
São Vicente saía constantemente de sua zona de conforto. O Evangelho que vivia
o levava a romper as fronteiras e a invadir os espaços da periferia. Por causa do
50
incômodo dos números da pobreza, São Vicente se desinstalava e fazia de seu
incômodo uma missão para aqueles que o cercavam. Era desse tipo a orientação que
dava às Filhas da Caridade a fim de que assumissem a obra das crianças
abandonadas. Não podemos ser como aqueles que, na descrição de São Vicente,
“contentam-se com os doces colóquios que têm com Deus na oração; falam mesmo
dele como anjos; mas, ao sair dali, se é preciso trabalhar por Deus, sofrer, mortificar-
se, instruir os pobres, ir procurar a ovelha perdida, achar bom que lhes falte alguma
coisa, aceitar doenças ou alguma outra desgraça, infelizmente desaparecem, e a
coragem lhes falta” (XI, 40-41). O Evangelho deve ser compreendido como prática.
Sem a prática não se chega ao amor efetivo e eficaz. Jesus já havia dito: “pelo fruto
os conhecereis”. Não é o muito falar e o muito rezar. Não adianta somente ter grande
sentimento em relação a Deus e o coração arder de paixão por Jesus.
Oração
“Ó, meu Deus, como estou em falta neste aspecto! Perdoa-me as faltas passadas e dá-
me a graça de que teu santo amor se imprima profundamente em meu coração, seja a
vida de minha vida e a alma de minhas ações, para que, manifestando-se para fora,
entre e opere também nas almas com quem trabalharei”
(XII, 261).
51
24º dia
INSPIRAÇÃO
“Pois bem, trabalhar pela salvação do pobre povo do campo: esse é o fim principal
de nossa vocação, e o resto não é mais do que acessório, pois jamais teríamos
trabalhado com os ordinandos, nos seminários dos eclesiásticos, se não tivéssemos
julgado que era necessário para sustentar o povo e conservar o fruto que dão as
missões quando há bons eclesiásticos”
(SV XI, 133).
Meditação
Uma das coisas que mais faz falta para a Igreja no mundo contemporâneo são os
profetas. Ah! Como faz falta voltarmos às origens! Em São Vicente encontramos uma
voz que não quis se calar. Ele denunciava veementemente a injustiça e a exploração
que grande número de pessoas sofria. Jamais pensouque mendicância e ignorância
deviam ser consideradas como vontade divina. A opressão que se abatia sobre o povo
era de responsabilidade estrutural, que era geradora de pobreza. E, diferentemente do
que muitos poderiam imaginar, Deus, para São Vicente, não estava contra os pobres e
não os via como amaldiçoados. Contrariamente a essa concepção, ele anunciava a
mais radical solidariedade de Deus com o drama humano. Ele não se permitia o
conformismo. A espiritualidade que ele nutria em seu coração o levava ao encontro
dos outros. Mas não era um encontro somente para rezar com o povo pobre. Junto à
oração, promovia ações transformadoras para que, enfim, as estruturas causadoras de
pobreza também pudessem ser modificadas.
A profecia não se separa da pessoa do profeta: ele profetiza com toda a sua vida;
profecia não é discurso, mas ação pública de grande visibilidade. O profeta não fala
apenas com palavras, mas com toda a sua vida. Havia, em São Vicente, coerência
entre o discurso e a sua vida. Não havia espaço para dualismos. Para ele, Deus jamais
poderia ser considerado como o causador da pobreza, e por isso jamais deveríamos
nos alinhar a construções teológicas que sustentem que Deus é quem determina que
uns sejam ricos e outros vivam na necessidade. A pobreza é um mal que estende suas
raízes no estabelecimento de relações de dependência e opressão. Pobreza e miséria
não são de Deus nem do diabo, mas anormalidades produzidas pelos sujeitos
responsáveis pela construção da sociedade. Há miséria e sofrimento no mundo não
porque seja a vontade de Deus, mas porque as pessoas são vítimas indefesas da
injustiça de outros homens. Tais agentes da violência, da opressão e da injustiça
possuem um poder que se opõe e contrapõe ao poder de Deus e que deteriora as
relações humanas, subjugando os diferentes e hierarquizando as relações.
52
Na verdade, a existência da pobreza reflete uma ruptura de solidariedade entre os
homens e de comunhão com Deus. A pobreza é um mal, e por isso também deveria
ser considerada incompatível com o projeto do Reino de Deus. A pobreza e seus
agentes de violência não concebem vida plena e integral para todas as pessoas e, por
causa disso, fragmentam a proposta do Reino de Deus, transformando-o num
antirreino. A maldade da violência que causa a pobreza fragmenta a história assim
como reduz o ser humano àquilo que ele não é. Para São Vicente, a Igreja autêntica é
aquela que lava os pés dos pobres e que somente é Igreja quando está a serviço. Todo
o resto é acessório. Assim ele afirma: “parece-me que ofenderia a Deus se não fizesse
tudo o que posso pela pobre gente do campo” (IV, 586).
Oração
“Temos profetas de menos em nossas Igrejas, Senhor. E por isso esquecemo-nos de
tua radical solidariedade com o drama dos pobres. Queremos apenas a ti e recusamos
aqueles que tu amas preferencialmente. Tem piedade de nós.”
53
25º dia
INSPIRAÇÃO
“Eu mesmo, velho e doente como estou, não devo deixar de ter essa disposição em
mim mesmo para ir inclusive às Índias, com o intuito de ganhar ali almas para Deus,
ainda que tivesse que morrer no caminho ou no barco”
(SV III, 285).
Meditação
Conquistam-se as outras pessoas pelo exemplo. Não adianta ter discursos
belíssimos e uma prática que nega as palavras. Para São Vicente, a virtude é tão bela
e tão amável que as pessoas serão quase forçadas a amá-la em nós, se a praticarmos
bem. Dizia ele: “os discursos que não têm a verdade por fundamento se desvanecem
como fumaça” (VIII, 206).
A força do exemplo, da vitalidade e do amor de São Vicente por continuar a obra
de Jesus Cristo se impunha quando, aos sessenta e dois anos, numa idade em que
muitos já estão pensando em descansar, ele afirmava: “apesar da minha idade, diante
de Deus não me sinto escusado da obrigação que tenho de trabalhar pela salvação
dessa pobre gente; pois quem poderia me impedir de o fazer? Se não pudesse pregar
todos os dias, então, o faria duas vezes por semana; se não pudesse subir aos grandes
púlpitos, procuraria ir aos pequenos; se ainda não me ouvissem nos pequenos
púlpitos, quem me impediria de falar simples e familiarmente a essa boa gente, como
estou falando agora convosco, fazendo-vos aproximar em círculo como estais?” (XI,
135). São Vicente sabia harmonizar bem uma situação em que temos muitos
problemas. Ele dizia não poucas vezes: “apesar de...”. Todavia, não parava por aí!
Logo ele dizia: “diante de Deus”. Muitos vivem se lamentando e lamuriando a vida
inteira: “apesar da minha idade... da minha saúde... dos meus recursos...”, enquanto
São Vicente reconhecia a soberania de Deus sobre todas as suas dificuldades.
O pior cristianismo é aquele baseado somente em palavras. Palavras sem conteúdo
não se sustentam e muito menos dão frutos. As pessoas ouvem nossas palavras e as
esquecem. Todavia, o exemplo fala mais alto. Afinal, o exemplo tem o poder de
mudar tanto a pessoa que age quanto aquela que observa e recebe o impacto da ação.
O maior discurso que podemos fazer é aquele expresso no dia a dia. Falamos mais
e com mais sentido quando agimos de forma correta. Em geral, as pessoas evitam
aqueles que dizem uma coisa e fazem outra. Não precisamos de discursos bonitos.
Precisamos de modelos que nos indiquem a direção. Palavras bonitas podem até
mesmo ser cantadas, porém não conseguem orientar nossos passos. Palavras bonitas
54
em placas erradas são perda de tempo! São Vicente olhava para Jesus e o imitava.
Não queria ser reconhecido por aquilo que falava. Queria, sim, que as pessoas
soubessem e dissessem: “realmente, eis um homem que andou com Jesus”.
Oração
“Ajudo ou atrapalho as pessoas com o meu exemplo? Ajuda-me, Senhor, a ser e a
viver de acordo com tua vontade, e a ser uma extensão de tua bênção às pessoas.”
55
26º dia
INSPIRAÇÃO
“Não podemos assegurar melhor nossa felicidade eterna do que vivendo e morrendo
a serviço dos pobres, nos braços da Providência e numa total renúncia de nós
mesmos para seguir Jesus Cristo” (SV III, 392).
Meditação
São Vicente foi um vaso de barro nas mãos de Deus. É claro que conhecia as
belíssimas palavras encontradas no livro do profeta Jeremias: “palavra que Javé
dirigiu a Jeremias: levante-se e desça até a casa do oleiro; aí eu comunicarei minha
palavra a você. Desci até a casa do oleiro e o encontrei fazendo um objeto no torno. O
objeto que ele estava fazendo se deformou, mas ele aproveitou o barro e fez outro
objeto, conforme lhe pareceu melhor” (18,3-4). Ao longo dos anos, São Vicente se
deixou modelar segundo a vontade de Deus. Já não era para ele suficiente ser
simplesmente imagem de Deus. Ardia em seu coração ser como Jesus a fim de
continuar as obras por ele iniciadas.
Deixar-se modelar não é algo fácil. Assumimos que estamos prontos e que não há
absolutamente nada em nós que precise de qualquer mudança. São Vicente se via
sempre em processo de construção. Deus sempre era visto por ele como o oleiro, e ele
se via como o barro. O que importa não é o simples fato de ser barro, mas sim o fato
de estar nas mãos de Deus. Ser “barro” não tira a dignidade do ser humano, mas estar
nas mãos do Deus oleiro faz toda a diferença.
Nesse sentido, São Vicente se lançava em direção à vontade de Deus. Um vaso
não tem vontade própria e por isso não pode decidir nada a respeito de si mesmo. Não
é o barro que orienta o oleiro sobre como deve trabalhar e sobre o que se espera como
resultado final. O barro apenas se coloca nas mãos do oleiro, à espera de que a
vontade do artífice se realize completamente.
Fazer a vontade de Deus é o objetivo máximo de São Vicente. Não concebe sua
vida sem estar totalmente focada no cumprimento da vontade divina. Por isso, ele
deseja estar absolutamente no centro do supremo propósito de Deus para a sua vida.
E qual seria o supremo propósito de Deus para a minha vida?
Oração
“Quero ser, Senhor, um vaso de barro em tuas mãos. Faz de mim um vaso de honra
para o teu santo nome.”
56
27º dia
INSPIRAÇÃO
“Se quisermos, poderemos sempre fazer a vontade do Pai. Oh! Que felicidade fazer
sempre e em todas

Continue navegando