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O imaginário da criança dentro de nós - Mônica Guttmann

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2
Índice
DEDICATÓRIA
APRESENTAÇÃO
1. TUDO É GRANDE, FORTE E VERDADEIRAMENTE REAL NO MUNDO DA
CRIANÇA
2. AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COMO BASE PARA UMA VIDA TODA
3. CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO
4. O PODER IMAGINATIVO DAS HISTÓRIAS
5. A ARTE E A CRIAÇÃO LITERÁRIA COMO RESGATE DA CRIANÇA
INTERNA
6. A IMAGINAÇÃO HUMANA COMO FONTE DE LUZ E DE SOMBRA
7. MEDO E CORAGEM, COMPANHEIROS DE UMA MESMA MENSAGEM
8. O CONTRÁRIO NECESSÁRIO
9. “CRIANÇA-PROBLEMA” OU CRIANÇA CRIATIVA?
10. A CRIANÇA QUE PERMANECE NOS ADULTOS
11. NOVOS PARADIGMAS PARA UM MUNDO MELHOR: CUIDAR DAS
CRIANÇAS É CUIDAR DO MUNDO
12. EScutarCRErVER
13. ATIVIDADES ARTETERAPÊUTICAS
3
DEDICATÓRIA
Aos meus pacientes e alunos...
A todas as crianças do mundo, de 0 a 120 anos,
que, a partir de suas feridas,
tiveram ou terão a bênção, a consciência e a coragem
de tornarem-se adultos comprometidos, criativos,
amorosos e solidários.
A todas as crianças do mundo, de 0 a 120 anos,
que não tiveram a mesma possibilidade.
4
O mundo seria muito mais iluminado e amoroso se conseguíssemos OLHAR nos
olhos de cada adulto e RECONHECÊSSEMOS E CUIDÁSSEMOS da criança ferida
que mora lá dentro.
O mundo seria muito mais alegre e justo se conseguíssemos OLHAR nos olhos de
cada criança e RECONHECÊSSEMOS E CUIDÁSSEMOS do adulto frustrado que
mora lá dentro.
O mundo seria muito mais confiável e colorido se conseguíssemos OLHAR nos
olhos de nós mesmos e RECONHECÊSSEMOS E CUIDÁSSEMOS de todas as
crianças que moram dentro de nós.
O mundo seria um verdadeiro útero de inspiração e amor se CUIDÁSSEMOS
MELHOR UNS DOS OUTROS!
Mônica Guttmann
5
APRESENTAÇÃO
Nosso imaginário é um céu aberto, aberto às luzes e às sombras da existência.
Sujeito às luzes e às sombras da natureza humana e da vida.
Nosso imaginário é uma grande fonte de sabedoria, e quanto mais próximo da
consciência, mais torna-se fonte de criatividade e realizações.
Em nosso imaginário moram nossas mais profundas crenças, ilusões, feridas,
fantasias, percepções, projeções, projetos e sonhos.
Em nossa infância, nutrimos e somos nutridos por nosso imaginário.
Emocionamo-nos a partir das imagens que captamos e sentimos.
Criamos a partir de nossas emoções.
A fonte de todas as emoções e criações humanas é a imaginação.
O mundo ao nosso redor, através de nossas famílias e culturas, torna-se cenário de
inspiração para nosso espaço de percepção e interiorização da existência.
Na busca por amor, e em sua profunda fidelidade ao amor, a criança aprende a
chamar a atenção dos adultos ao seu redor a partir da maneira como é vista,
reconhecida e cuidada.
A fidelidade da criança é tão profunda que ela é capaz de doar sua vida ou de
entregar sua alma àqueles que ama ou dos quais tanto espera receber amor.
A criança é fiel em suas esperanças e expectativas, pagando um preço muitas
vezes altíssimo (já vestida de adulta!) ao fazer escolhas afetivas e profissionais que
visam satisfazer aos desejos de seus pais em sacrifício de seus próprios desejos, dons
ou buscas.
A criança quer e necessita agradar. Quer e necessita atenção. E, quando não recebe
a atenção que tanto merece, passa a criar dinâmicas para conseguir o que deseja.
Imagina, forma e cria caminhos nem sempre saudáveis para conseguir o que tanto
deseja: atenção, reconhecimento, cuidado e amor.
Imita e desafia os adultos à sua volta, sempre da maneira mais intensa e muitas
vezes sutil, usando linguagens e expressões que têm como objetivo e intenção
unicamente a busca da aceitação e do amor.
Para ser amada, a criança é capaz das maiores invenções e expressões.
Cria histórias, interioriza crenças que não são dela, deixa-se sequestrar pelo
mundo dos adultos, sofre em silêncio ou fazendo barulho, mas não desiste de seus
propósitos (na maioria das vezes, inconscientes): ser respeitada em seus espaços e
amada pelo que é.
Quando me refiro à criança, falo de todos nós, adultos que um dia fomos criança e
que a trazemos dentro de nós (sempre e para sempre), mais escondida e calada ou
mais expressiva e viva.
Na criança, tanto na que existe fora como na que ainda existe dentro de nós, estão
guardadas nossas mais profundas e fortes crenças, forças, desejos e projetos de vida!
A criança está em toda parte e em todos nós.
6
Tudo o que percebemos e sentimos quando somos crianças tem uma força
determinante na vida de todos nós quando nos tornamos adultos.
Cuidar bem da criança é cuidar bem do mundo.
Olhar bem para nossa criança é olhar bem para nós mesmos.
Aprender e honrar a criança é transformar e salvar o mundo.
A criança é a semente mais importante do planeta, pois é nela que mora toda
possibilidade de criação tanto para a luz como para a sombra. Na criança moram
sementes de construção e de destruição.
Observar e conhecer o imaginário da criança e aprender com ele é aprender mais
sobre nossas feridas e nossas potencialidades, sobre nossa criatividade e nosso poder
de transformação.
E é por essa razão que, como psicóloga, psicoterapeuta, arteterapeuta e escritora,
volto-me principalmente para a criança: a interna (que mora nos adolescentes e
adultos) e a externa.
Acredito que nossas mais profundas feridas foram criadas em nossa infância, pois
é lá que sentimos e percebemos o mundo à nossa volta com maior sensibilidade e
profundidade.
Acredito que a arte e a literatura são poderosas ferramentas de encontro, aceitação
e transformação de nossas imagens internas.
Através da arte e da literatura, podemos dar novo significado a imagens e
histórias, ampliando nossa consciência sobre nós mesmos e o sentido de nossas vidas.
Como terapeuta de crianças e adultos, busco facilitar o encontro de cada pessoa
com a criança que é, foi e permanecerá sendo ou deseja transformar.
Neste livro, compartilho alguns sentimentos, algumas reflexões, experiências,
atividades e propostas que visam ampliar a compreensão desse poderoso e fértil
cenário que nos habita, que é a nossa imaginação, fruto da criança que fomos, somos,
cuidamos e esquecemos!
BEM-VINDOS AO MUNDO DA CRIANÇA!
BEM-VINDOS AO MUNDO IMAGINÁRIO DA CRIANÇA ATRAVÉS DA
ARTE E DA LITERATURA!
“Existe na alma da criança um segredo impenetrável que se revela gradualmente enquanto se desenvolve.
A consciência vem ao mundo como uma bola incandescente de imaginação.
A imaginação está intimamente ligada à criatividade, à ingenuidade, às reações aos desafios da vida. O
que imaginamos é o que criamos. Atualmente, o mundo está tomado pelo conflito, pela violência, pela
segregação, pelo patriarcado e pela ruína ecológica. Se conseguirmos imaginar que a não violência e a paz
são possíveis, que a diversidade é linda, que a igualdade é desejável, que pertencemos à Terra, que as
verdades religiosas absolutas não são a última palavra, então, de fato, um mundo diferente pode ser
possível. Mas, primeiro, ele precisa ser imaginado” (Maria Montessori).
7
1.
TUDO É GRANDE, FORTE E VERDADEIRAMENTE REAL NO
MUNDO DA CRIANÇA
Imaginem...
Em algum momento dentro da barriga de nossas mães (daí já temos algo absoluta
e inquestionavelmente em comum, que todos nascemos de uma mãe!), começamos a
sentir e a captar o mundo à nossa volta, seja através de nós mesmos, seja através das
sensações e dos sentimentos de nossas mães.
Nesse momento, já estamos vivos e somos alguém!
Muitas pesquisas foram e são feitas para descobrir como e até onde um bebê ainda
na barriga da mãe pode captar, sentir e já participar de alguma maneira das emoções e
das sensações da vida aqui de fora, e todas elas nos levam a crer que o feto ou o bebê
na barriga já sente muitas coisas a respeito do mundo de dentro e de fora.
Mesmo sem consciência, ou em um outro estado de consciência, o bebê na barriga
já está em contato e já recebe e envia sinais de percepção do que é a vida aqui fora.
Imaginem...
Que todos nós temos isso em comum. Passamos por uma barriga, seja ela uma
barriga receptiva ou não, seja ela saudável ou não, seja ela confortável ou não, todos
nós somos sobreviventes de uma etapa da vida fundamental para nossa existência: a
formação de nosso corpo.Quanto às questões da alma e do espírito, estas já são
relativas às crenças de cada cultura ou grupo, mas a formação de nosso corpo é
inquestionável!
Imaginem...
O que é estar em processo de formação dentro da barriga de alguém que vive no
mundo aqui de fora, com suas percepções, emoções, seus sentimentos, conflitos, suas
neuroses, alegrias, tristezas, realizações...
Como será que captamos todas essas emoções?
Será que temos algum filtro ou alguma individualidade naquilo que recebemos do
mundo aqui de fora?
Será que tudo que nossa mãe sente sentimos também?
Imaginem...
Que, em algum momento desse nosso desenvolvimento, somos empurrados para
fora daquele mundo aparentemente tão completo, que nos oferecia nutrição, calor e
conforto.
Imaginem...
Que somos lançados a esse mundo aqui de fora sem nenhum ensaio.
Novas luzes, cores, sensações acontecem repentinamente e algo completamente
novo se inicia: a vida fora da barriga.
Ou será que entramos em uma outra barriga chamada planeta Terra, que é um
tanto quanto maior e talvez um tanto quanto mais imprevisível e assustadora?
Será por isso que já chegamos chorando?
Será que já sentimos a saída da barriga de nossas mães como uma grande rejeição?
8
Será que todos nós, seres humanos, temos também isso em comum: o sentimento
de rejeição?
Será que o mundo seria mais amoroso e acolhedor se já chegássemos a ele sem
esse sentimento?
Será isso real?
Será que a rejeição existe mesmo?
Ou será tudo isso uma grande viagem da imaginação?
Será a rejeição um sentimento ilusório? Uma projeção de nossos medos mais
profundos?
Afinal, também poderíamos sentir que aquele empurrão inicial, que nos põe para
fora da barriga, pudesse ser um convite ansioso da vida aqui de fora para que
chegássemos logo e iniciássemos nossas histórias.
Será isso?
Será que transformamos bons convites em sentimentos de rejeição?
Imaginem...
Que chegamos à vida aqui de fora assustados com o tamanho desta nova barriga e
que apenas aos poucos vamos abrindo os olhos e regulando o melhor ângulo e a
melhor luz para nossa adaptação. (Aliás, passamos a vida inteira tentando abrir os
olhos para os melhores ângulos, buscando ampliar a consciência e iluminar as partes
que ainda são sombrias e escuras.)
Imaginem...
Que, através da nossa boca, vamos sentindo, captando e nos relacionando
inicialmente com o mundo (aliás, nossa boca segue sendo nosso canal de
comunicação, expressão e conexão com o mundo) e que o gosto da vida começa a
entrar em nós, criando nossas primeiras impressões e sensações.
Imaginem...
Que, no início, o mundo gira em torno de nós.
Somos carregados para lá e para cá, e tudo de que necessitamos vem ao nosso
encontro. Ao menos o mínimo necessário, que é o leite ou o alimento que recebemos.
Nem sempre vêm o afeto e o contato físico necessários ou suficientes...
Nem sempre vêm a atenção e o olhar necessários ou suficientes...
E o que é o suficiente?
Será isso igual para todos? Será que cada um de nós tem sua medida para o que é
o suficiente?
Imaginem...
Que chegamos à vida levando um susto por sermos lançados a uma barriga tão
diferente e grande, onde somos todos de alguma maneira desajeitados e carentes.
Se somos carentes, qual será nossa medida do que é suficiente?
Será que isso depende do corpo? Da alma? Do espírito?
De alguma percepção ou sabedoria particular de cada um?
Por que será que percebemos crianças e adultos que são gratos pelo que vivem, e
outros que vivem a vida na falta, na dívida, na carência, no medo de não ter ou de não
receber? Será isso uma questão do corpo, da alma, das barrigas?
9
Imaginem...
Que nem todos nós trazemos o dom do sentimento de gratidão e que na maioria
das vezes sentimos que algo nos falta... que ainda precisamos buscar e encontrar algo.
Imaginem...
Que sentir falta também não é ruim, pois isso nos mobiliza a caminhar, a ir adiante
e a buscar em algum lugar ou alguém aquilo de que sentimos necessidade.
Assim, literalmente começamos a engatinhar e andar em relação a nossos desejos
e sonhos.
Aos poucos começamos também a correr.
Alguns descobrem mais cedo que correndo nos cansamos mais rapidamente e os
riscos de queda são maiores. Alguns passam a vida correndo sem descobrir isso.
Imaginem...
Que, em algum momento, nosso mundo se amplia ainda mais quando nos
aproximamos do mundo das palavras, da linguagem simbólica.
Uma nova barriga dentro da nova barriga se abre para nós!
O universo da linguagem, das palavras, da escrita e da leitura torna-se também
nossa nutrição, nossa relação com o mundo e com nós mesmos.
E, por ser simbólico, é extremamente individual e único.
E, por ser simbólico, é extremamente coletivo e comum.
Vejam só...
Imaginem...
Se ser criança é sentir tudo intensamente grande e forte, como será olhar, sentir e
registrar emocionalmente um mundo onde existem injustiças, violências, guerras,
abandonos, abusos e insensibilidade? Como será olhar um mundo onde a paz, a
consciência, a justiça, o amor, o respeito e a coexistência são mais fortes? Tanto um
olhar quanto o outro transcendem contos de fadas, histórias em quadrinhos e
desenhos animados.
A criança sente/capta o mundo ao seu redor, seja através das luzes ou sombras,
interiorizando nuances, criando modelos, padrões e aprendizados a partir daquilo que
sente, presencia e vê.
Quando a criança presencia tragédias ou sombras, não dá para virar a página e
dizer que o final será feliz e que os heróis vencerão; não dá para abrir os olhos e
descobrir que é tudo um grande pesadelo; não dá para sair correndo para a cama do
papai e da mamãe, pois eles também, nesse momento, podem estar querendo sair
correndo!
SOMOS TODOS AINDA CRIANÇAS BUSCANDO A SEGURANÇA, O
CALOR E A PROTEÇÃO DE NOSSOS PAIS, SEJAM ELES QUEM E O QUE
FOREM!
Lembremos...
De quando éramos crianças e um pequeno quintal parecia ser um enorme território
vazio e cheio de silêncios assustadores...
Um pequeno jardim da casa era uma grande e misteriosa floresta cheia de gnomos,
10
fadas, bichos e plantas esquisitas...
Dormir no escuro era a possibilidade de morrer para sempre ou de ser atacado por
monstros e bruxas cruéis...
Levar uma bronca dos pais era não ser mais amado, era ser abandonado, ser burro
e era cruel para sempre...
Ser criança não é fácil e crescer com todas as emoções e lembranças vivenciadas e
aprendidas nos exige atenção, aceitação e cuidados por uma vida inteira.
Assim como não podemos abandonar e deixar de acreditar nas sensações e
percepções vivenciadas pela criança que fomos, e ainda somos, não podemos deixar
de nos sensibilizar e cuidar de toda criança que vive em desespero.
Tudo é grande, forte e verdadeiramente real.
Pois a criança aprende muito mais com o que vê e sente do que apenas com o que
escuta! (Porque ela sabe que nem tudo que escuta é a verdade do que percebe.)
O que fazer com a criança que ainda somos e que necessita de explicações para as
tantas e tantas histórias inexplicáveis e gigantescas da vida?
O que fazer com as tantas e tantas crianças que desejam ser acolhidas em seus
medos e desamparos, fome e desejos, percepções e sensações?
O que fazer e dizer para “as nossas crianças” (interna e externa) quanto às grandes
tragédias e catástrofes que não saíram de um livro, de um conto de fadas ou de uma
tela de TV ou cinema e nas quais nem sempre podemos acreditar e esperar um final
feliz? Nem sempre temos a escolha de fechar o livro, desligar a TV ou sair do filme
antes de terminar de assisti-lo.
Como contar que vivemos num planeta vivo, em transformação, onde suas partes
se movimentam, saem do lugar, buscam novos espaços e que, nesse movimento de
reorganização, podem criar ondas gigantes... muito mais gigantes do que nossa
imaginação!
Para “nossas crianças”, tudo é grande, forte e verdadeiramente real...
Imaginem...
Que somos essas crianças.
Que nos assustamos e nos assombramos com a violência do mundo à nossa volta,
assim como nos encantamos com a beleza e o amor que existem à nossa volta.
Imaginem...
Que somos todos muito sensíveis e que temos uma única everdadeira busca em
comum: amarmos e sermos amados.
Não há outra.
É esse o maior e mais verdadeiro sentido da vida.
Não há outro.
Os papéis que vivemos são apenas pretextos para essa busca, essa descoberta ou
esse encontro.
Imaginem...
Se todas as crianças do mundo pudessem ter consciência disso.
Imaginem...
Se todas as crianças do mundo perdessem o medo de amar.
11
Imaginem...
Um mundo onde todas as crianças sentissem que o que elas vivem é suficiente...
Imaginem e nunca esqueçam...
Que essas crianças somos todos nós!
12
2.
AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS
COMO BASE PARA UMA VIDA TODA
A maneira pela qual somos recebidos na vida é determinante para nosso amor
próprio, nossa segurança e confiança em nossos caminhos.
Uma criança que é recebida com amor, aceitação, cuidados e educação tem mais
recursos internos para lidar com os desafios da vida de maneira mais inteira e segura.
Quando isso não acontece, e se a criança não encontra em seu caminho alguns
“substitutos” ou algumas “ajudas” que, de alguma maneira, podem cuidar e
reorganizar suas faltas e carências internas, o buraco torna-se grande demais e a
dificuldade em lidar com a vida torna-se crônica.
A primeira infância é fundamental para que a criança sinta o mundo como um
lugar seguro, amoroso, confiável!
Limites são fundamentais para que a imaginação da criança possa voar para bons
lugares! Raízes e asas são necessárias para o bom desenvolvimento da criança!
É na infância, e principalmente na primeira infância, que interiorizamos nossos
maiores aprendizados, apegos, crenças, modelos, padrões.
Crianças sequestradas por um mundo criado por adultos
A criança torna-se “adultizada” logo cedo.
A necessidade vital de querer agradar os pais acreditando que será mais amada,
validada e respeitada torna a criança muito atenta às necessidades dos adultos e aos
seus valores, migrando para um mundo onde perde precocemente a presença única e
íntegra da infância.
A criança em sua essência vive o aqui e agora com muito mais entrega e
intensidade.
Mas o mundo da tecnologia, tão incorporado pela criança, transformou a relação
natural com o tempo em um tempo engolido e engolidor, em um tempo quase mágico
e irreal, que quase compete com a rapidez de nossos pensamentos.
O tempo virtual, ativado pelos eletrônicos, trouxe outro ritmo à infância, um ritmo
que se opõe à natureza e briga com ela.
Não é à toa que hoje há, como nunca houve, tantas e tantas crianças com doenças
antes consideradas de adultos, como depressão, síndrome do pânico, bipolaridade,
colesterol alto, hiperatividade.
O mundo tecnológico é fascinante para o ser humano, para a “criança interna e
externa”. Não existe mais volta para essas descobertas.
O grande desafio é saber encontrar o equilíbrio entre os vários tempos que
alcançamos como seres humanos. O tempo interno e o externo, o tempo de nossa
natureza e o inventado pela criatividade e ambição humanas, o tempo dos
sentimentos e o dos desejos, o tempo íntimo e o coletivo.
A criança vive intensamente as quatro funções psicológicas definidas por Carl
13
Gustav Jung: pensamento, sentimento, intuição e sensação. Faz parte do ser criança
integrar e vivenciar plenamente essas funções.
A criança pensa, sente, intui e realiza. Mesmo sem a consciência dessas funções,
ela transforma e se transforma a partir delas.
O que devemos ensinar e o que devemos aprender com as crianças
“Os olhos têm que ser educados
para que nossa alegria aumente.”
Ruben Alves
Quais são os nossos valores e qual é a nossa ética?
Como educar nossas crianças para a verdadeira felicidade?
Será que nós, adultos, sabemos o que é isso?
“Muitos dos problemas e dos conflitos do mundo surgem porque perdemos de vista a humanidade básica
que nos une a todos como uma família humana. Temos uma tendência a esquecer que, apesar da
diversidade de raça, religião, ideologia e assim por diante, as pessoas são iguais em seu desejo básico de
paz e felicidade. Assim, as crianças têm muito a ensinar aos adultos. Elas reconhecem naturalmente que as
outras crianças são como elas mesmas e facilmente se tornam amigas. Essa é uma fonte de esperança, mas
devemos garantir que esse instinto natural seja reforçado pela educação” (Dalai Lama).
Amar e brincar são atividades esquecidas pelos adultos
A criança ama plenamente e é verdadeiramente fiel a quem ama e à sua forma de amar. A criança ama tão
intensamente quanto brinca. Sofre de amor e também sofre ao brincar.
A criança não quer perder nem as brincadeiras nem seus brinquedos e muito menos os que a amam.
É possessiva na mesma medida em que gosta de sentir-se cuidada e observada.
Como estimular a criatividade da criança ao mesmo tempo que apresentamos a ela um mundo onde
existem limites, existe o outro, existe o possível?
Como ajudá-la a descobrir sem tanto sofrimento que a vida não é necessariamente do jeito que
imaginamos ou desejamos e que mesmo assim não podemos abrir mão de nossos sonhos?
Como cuidar para que nossa criança não se torne condicionada a hábitos agressivos e cruéis consigo
mesma e com os outros?
Como estimular a criança a refletir e a criar, em vez de apenas imitar ou repetir?
Como ajudar as crianças a não serem contaminadas pelo mundo viciado e superficial dos adultos, onde o
TER virou sinônimo de felicidade e o SER ficou em segundo ou terceiro plano?
Como poupar as crianças de nossa sociedade consumista, em que os verdadeiros e essenciais valores
humanos foram transfigurados ou perdidos?
Como ajudar nossas crianças a valorizarem desde cedo quem são, sem que se sintam menores, diminuídas,
desrespeitadas ou privadas de algo que lhes pareça essencial?
Embora precise ser garantida em suas necessidades biológicas, como comer,
beber, assear-se etc., a criança necessita de duas coisas importantíssimas para seu
desenvolvimento emocional saudável: bons vínculos afetivos e espaço interno e
externo para brincar.
“Quando o sagrado é reconhecido, em qualquer forma e com qualquer linguagem, ele é protegido. Se o
sagrado fosse reconhecido nas crianças, ele seria tratado com carinho” (Heather Eaton).
Escutar... Crer... Ver:
Entrando em contato com o que escutamos, cremos e vemos através da escrita
14
Escrever é uma ótima forma de organizar pensamentos e emoções!
Quando escrevemos, escutamos melhor nossos sentimentos e pensamentos, percebemos melhor nossas
crenças e vemos melhor a vida e o mundo em que vivemos.
Escrever pode ser muito organizador e libertador!
Se prestarmos atenção em nossos pensamentos, perceberemos que eles são soltos, com frases repetitivas e
compulsivas. Sem nos darmos conta, somos tomados e invadidos por frases que nosso inconsciente vai
enviando sem parar, que de alguma maneira expressam nossas crenças, nossos medos, desejos, nossas
necessidades, distrações.
Se nos dispomos a escrever o que pensamos, temos a oportunidade de conhecer nossos movimentos
internos, chegar mais perto de nossas crenças e desejos, conhecer os símbolos e as informações que nosso
inconsciente nos envia em forma de imagens que rapidamente transformamos em palavras.
Quando escrevemos, podemos sintetizar ou dar novo significado às nossas histórias.
Quando escrevemos, podemos criar novas histórias, tanto reais quanto imaginárias. Tanto poética quanto
em forma de prosa informal, a escrita organiza os pensamentos e possibilita um formato mais focado e
concreto a nossos desejos e possibilidades.
As escolas ainda estimulam muito o conteúdo racional, as matérias tradicionais.
Como as escolas poderiam incentivar e ajudar mais a criança a fortalecer sua
imaginação e intuição? Como a educação poderia prestar mais atenção nas emoções e
nos sentimentos que permeiam todos os aprendizados?
SINCRONICIDADE ENTRE AQUILO QUE SENTIMOS, ACREDITAMOS, PENSAMOS, FALAMOS
E AGIMOS.
Como ajudar a criança a ser mais coerente com aquilo que sente, acredita, pensa, fala e age? Como nós,
adultos, podemos aprender a ser mais coerentes? Não seria aprendendo com as próprias crianças?
“Nenhum problema pode ser resolvido com as mesmas variáveis que o produziram”,portanto, para
transformarmos um desafio em algum movimento mais favorável, necessitamos usar nossa imaginação e
criar novas possibilidades.
Há sete mil anos, os humanos eram parceiros da natureza. Hoje, seguimos usufruindo dela, mas
competindo e violentando suas dádivas.
Saber cuidar
O cuidado com os outros, com nós mesmos, com a vida e tudo o mais também aprendemos ou
desaprendemos na infância.
Saber cuidar vem do amor. Amor por si mesmo e por todas as histórias e relações que nos rodeiam.
Se pensarmos bem, saber cuidar é a base para uma vida mais plena, justa, equilibrada, amorosa.
Somos seres humanos, e isso implica cuidar uns dos outros.
Mas somos seres humanos e isso também implica gigantescos descuidos que fomos e somos levados
a viver.
Perdemos a noção do que é cuidar e ser cuidado.
Um animal de estimação ou uma planta em casa nos lembra e nos ensina sobre a delicadeza de nossa alma
e de nosso corpo e o quanto maltratamos nós mesmos e os outros.
Os animais de estimação e as plantas, de alguma maneira, são nossos mestres de cuidado.
Já nossos bebês, logo cedo, passam a ser fonte e foco de nossas projeções, excessos e abusos. Esquecemos
de enxergá-los desde cedo, pois, rapidamente, assim que nascem, os envolvemos em nossos próprios
sonhos, projeções, necessidades, frustrações, feridas.
Perdemos nossos bebês para nossas ilusões e desejos.
É então que começam a nascer nossas feridas de rejeição, abandono, não valorização.
TODOS NÓS SOMOS CRIANÇAS DE ALGUMA MANEIRA FERIDAS!
TODOS NÓS FOMOS FONTE DE PROJEÇÕES, DESEJOS E SONHOS DE NOSSOS PAIS!
Um animal de estimação ou uma planta, por serem de outra natureza, não sofrem tanto com nossas
projeções, mesmo que, ainda assim, sofram também consequências delas.
15
AFINAL, COMO OLHAR A VIDA E OS OUTROS A PARTIR DAQUILO QUE SÃO E NÃO A
PARTIR DE NOSSAS PROJEÇÕES?
COMO OLHAR OS OUTROS A PARTIR DE NOSSA ATENÇÃO PLENA E NÃO A PARTIR DE
NOSSOS PENSAMENTOS?
Nossos pensamentos são repetições. Projeções. Ilusões. Eles nos distanciam do
momento presente, de quem somos e de quem os outros são. Refletir sobre nós
mesmos e a vida é importante desde que, a partir daquilo que observamos,
percebamos com nosso próprio corpo, com nossa própria alma.
Nossos sentimentos são reveladores de quem somos e como estamos nos
relacionamentos. Nossos pensamentos muitas vezes nos distanciam de nossos
sentimentos. Colocamos muitos “tenho que” em nossos propósitos de vida:
Tenho que ter sucesso.
Tenho que ser bom pai ou boa mãe.
Tenho que ser bom filho ou boa filha.
Tenho que ganhar mais dinheiro.
Tenho que ser inteligente.
Tenho que... Tenho que...
Todos esses “tenho que” são baseados em crenças e pensamentos repetitivos, em
geral herdados dos padrões antigos de nossas famílias e culturas.
Manter e cultivar tradições é importante e saudável, desde que não nos desconecte
do momento presente, de quem somos e de quem são os outros.
Desde que não nos gere preconceitos, distanciamentos, julgamentos e ilusões.
Vida é movimento. Tempo é movimento. Aprendizado é movimento. Crescimento
é movimento. Natureza é movimento.
Sem movimento paralisamos nosso ser, nossa essência e nossos verdadeiros e
mais profundos propósitos.
Saber cuidar é respeitar os movimentos naturais de nós mesmos, dos outros e da
vida.
Saber cuidar é confiar. É abandonar o medo. É abrir-se para o amor.
É entregar-se verdadeiramente aos desafios da vida, confiando nos aprendizados e
nos caminhos escolhidos.
Saber cuidar é saber amar. Saber amar é saber viver.
Os dois grandes portais da vida: do amor e do medo
Existem apenas dois grandes portais na vida: do amor e do medo.
Vivemos muito habituados com o portal do medo e com algumas visitas ainda
irregulares do portal do amor.
À medida que crescemos e tomamos mais consciência de nós mesmos e de
algumas experiências e padrões, percebemos que vamos nos aproximando cada vez
mais do portal do amor.
O portal do medo nos apresenta todos os sentimentos e todas as emoções humanas
destrutivas; já o portal do amor nos abre as portas da esperança, da criatividade e da
alegria.
16
Permanecer no portal do amor é nosso grande e mais forte desafio!
Usar nossa imaginação a serviço do amor é nos transformarmos verdadeiramente e
transformar aqueles que desejam transformação.
Imaginar com amor é transformar com ética.
Entrega, ética e coerência fazem parte dos caminhos do amor.
É no silêncio, na quietude interna, que encontramos aquilo que essencialmente
buscamos e que está dentro da gente.
Não importa o que fazemos, quem são as pessoas com quem nos relacionamos,
quais são nossas escolhas. O que verdadeiramente importa é a relação que
estabelecemos com as pessoas e coisas à nossa volta.
Não adianta buscar o amor lá fora.
O amor, assim como todos os sentimentos humanos, está dentro de nós. Os outros
servem apenas de espelhos ou estímulos para que nossos sentimentos sejam ativados,
vivenciados.
Nem sempre precisamos mudar as pessoas ou situações que escolhemos, basta
mudarmos nosso olhar em relação a eles e transformar nossos sentimentos.
À medida que crescemos emocional e espiritualmente (impossível separar um do
outro), vamos descobrindo que tudo que olhamos como movimentos de crescimento
são aprendizados do amor. O amor, em sua expressão maior, envolve o perdão, a
humildade, a gratidão e o reconhecimento do outro e de si mesmo. O amor tem vários
níveis e dimensões, várias facetas, cores e vibrações. Mas, em sua expressão máxima,
ele é um lugar que todos nós buscamos, onde todos nós nos sentiremos livres e
curados de nossas feridas internas.
O caminho do amor é o caminho da vida.
O propósito da vida é aprender a amar.
O amor é a última palavra, o último gesto, a última página de nosso crescimento
espiritual.
No caminho da vida, existem lugares escuros e buracos profundos que geram
medo, violência, ressentimentos, abusos e muita escuridão.
No caminho do amor, existem luzes e sombras e, quando alcançamos o amor, não
existem mais medo, nem esperanças, nem conflitos. Alcançamos o que mais
necessitamos e buscamos durante toda uma vida.
No amor, alcançamos um lugar dentro e fora de nós que sempre existiu, que ficou
escondido pelas urgências e necessidades das feridas de nosso ego.
Crescer a cada dia representa amar a cada dia de maneira mais ampla, verdadeira e
consciente.
Amor e julgamento não combinam.
Amor e medo não combinam.
Amor combina apenas com amor.
Mas, para alcançá-lo, passamos necessariamente pelos desafios difíceis do portal
do medo.
O portal do amor é amplo e único, e o portal do medo é estreito e apertado, repleto
de pedras.
17
3.
CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO
A inspiração vem de um lugar onde aquilo que conceituamos como tempo-espaço
não existe. Ao menos não existe da maneira “cromos”, organizada e instituída por
nós, humanos.
Organizamos e instituímos um tempo comum a todos para darmos formato e ritmo
às coisas, para organizarmos melhor as histórias de vida, tanto pessoais quanto
coletivas.
Organizar nossas histórias enquanto passado, presente e futuro nos ajuda a rever
aquilo que vivemos e a criar novos projetos e caminhos.
Mas a inspiração transcende essa ordem.
Ela tem um movimento vertical e não horizontal.
Não obedece à lógica racional.
Não obedece às noções de passado, presente e futuro.
A inspiração atravessa o instante e surge como uma luz em meio ao aqui e agora.
A inspiração é tão imediata quanto a própria vida.
A inspiração independe da cultura, classe social e inteligência.
Nem todos os seres humanos estão abertos a momentos de inspiração, pois eles
dependem de uma abertura e entrega que transcende o ego. A inspiração pode ou não
gerar ação ou criação.
Conectamo-nos a momentos de inspiração quando não estamos tomados ou
sequestrados por nossos egos, quando não tentamos controlar resultados, quando nos
lançamos no desconhecido de nossa existência e de nossa inconsciência.
A inspiração independe dos valores éticos e morais da pessoa, mas a maneira pela qual ela vai lidar ou
criar através disso depende da força e do tamanhode seu ego.
A inspiração vem de lugares que podemos associar ao divino.
Imagem e ação unem-se trazendo inspiração às pessoas.
Podemos deixar a imaginação solta, sem formato, sem ego, como um vento que bate e que não deixa
marcas nem lastros.
Mas também podemos acessar nossa criatividade e fazer da imaginação algo mais concreto, projetado e
realizado no mundo aqui de fora.
Nosso ego nos ajuda em determinados momentos e nos atrapalha em outros. E em matéria de imaginação
e criatividade é importante nos darmos conta de quando ele nos ajuda a criar e realizar projetos e de
quando serve apenas para nos confundir, distrair e nos distanciar de nós mesmos e do mundo à nossa
volta.
Nosso ego também é criado por nossas emoções. E nossas emoções são a fonte de nossa imaginação.
Portanto, podemos acreditar que parte de nosso ego, de nossas personas, é criada a partir de nossa
imaginação.
Ao mesmo tempo em que limita e é apenas uma pequena parte da experiência e
consciência humana, nosso ego é fundamental para que possamos nos organizar e
criar projetos e realizações mais focados, com começo, meio e fim, com propósitos
mais curtos e igualmente necessários para a sobrevivência humana.
Ser ativo criativamente é a saída para nossos dramas, conflitos e padrões repetitivos.
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Quando estamos mergulhados ou obsessivamente presos a algum tipo de pensamento, situação ou
conflito, dar um “salto criativo” ajuda muito.
Olhar para nós mesmos e para nossas histórias como algo que também podemos modelar, recriar,
influenciar e orientar é maravilhoso.
Somos parceiros da vida.
Ao mesmo tempo que não controlamos seus movimentos, ao mesmo tempo que compreendemos e
conhecemos muito pouco seus propósitos maiores, ao mesmo tempo que vivemos nesta dança eterna entre
as necessidades individuais, coletivas e cósmicas, podemos, ainda assim, ter um certo poder de escolha,
ter uma certa autonomia sobre nossos caminhos e criações.
Não temos e não podemos ter o domínio de tudo (graças a Deus), e isso nos confere a humildade
necessária para aceitarmos determinadas coisas como são, sem nos questionarmos muito.
Mas existem movimentos em que a vida parece nos pedir parceria, escolhas, orientações. Existem
movimentos que dependem de nós, e isso faz parte do aprendizado das escolhas.
Escolhas implicam renúncias, e renúncias implicam novos caminhos.
Para renunciarmos a algo, necessitamos ter foco, criatividade.
Necessitamos dar um sentido mais claro ao nosso momento, às nossas histórias e necessidades.
É muito difícil renunciar a qualquer coisa que seja quando não temos claro o que desejamos criar, buscar,
alcançar.
Nossa criatividade transcende nosso ego, mas é a partir dele que ganha força e contorno para sua
expressão no mundo aqui de fora. Criatividade sem foco torna-se energia desperdiçada, energia parada,
que muitas vezes gera doenças.
A melhor escolha é sempre aquela que gera compreensão, compaixão, generosidade. Que não causa dor a
nós mesmos nem aos outros. Para modificar um padrão, precisamos “descontinuar” seu movimento
repetitivo com algum movimento novo, criativo. Como diz a física quântica: “Criar um colapso na
continuidade do movimento”.
Mas isso não é fácil.
Nossa consciência limitada e as necessidades impulsivas do ego criam fortes resistências às mudanças,
implicando vivências de dor e sofrimento.
A medida do sofrimento é a medida de nossas resistências às mudanças.
A criatividade é a capacidade de criar a partir de uma das tantas e tantas possibilidades da vida. Criar é
focar no vasto oceano de nossa imaginação. A imaginação sem criatividade se mantém vaga em um
oceano de possibilidades. A criatividade implica escolhas e, portanto, renúncias. Criar é abrir mão de todo
o resto que não será criado.
Imaginar é navegar livremente no oceano das possibilidades...
A imaginação confere significado às coisas, e isso pode ser maravilhoso ou terrível, dependendo do
significado.
A imaginação tem poder, muito poder.
Orientar nossa imaginação para a positividade e felicidade, e não mais para a negatividade e sofrimento, é
uma escolha da maturidade, da consciência de que também somos criadores de nossa existência, de que
não precisamos sofrer para aprender, de que os aprendizados são vivenciados através do amor, e não
necessariamente apenas através da dor.
Nossa sociedade vive um complexo de rejeição que nada mais é do que uma ilusão de que a rejeição seja
real. Dependendo da janela pela qual olhamos determinada situação, podemos vê-la como rejeição ou
apenas como uma diferente escolha do outro.
Rejeição não existe. Existem apenas escolhas. E não podemos escolher tudo, nem todos, nem a qualquer
momento. Sempre uma parte importante ficará de fora. E este é um dos maiores desafios humanos: saber
escolher sem nos sentirmos culpados, rejeitados, feridos, violentados.
Muitas vezes, a falta de sincronismo entre nossas experiências e nossas crenças nos aponta a distância que
estamos de nós mesmos. Aponta-nos a necessidade de resgatarmos o fio de nossa alma, de nossos
propósitos e de nossas mais profundas escolhas.
A educação humana, em nossa cultura ocidental, valorizou mais os pensamentos,
mais o mundo da razão. E nisso, como em tudo, existem perdas e ganhos. Não é à toa
que nós, ocidentais, buscamos tanta nutrição e complementação na cultura oriental.
Processar significados exige tempo. Um tempo que também nos foi roubado pela
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nossa própria ansiedade e voracidade. Nossa voracidade nos rouba saúde e energia.
Queremos tudo e, se possível, agora...
Muitas vezes, intoxicamo-nos com excessos de pérolas devoradas ao mesmo
tempo.
A criança e os poetas
Tanto a criança quanto os poetas e artistas em geral surpreendem-se com a vida
em suas nuances mais sutis.
Tanto os poetas quanto a criança apreciam a simplicidade da vida de maneira
inteira, intensa e profunda.
Na vida não existem detalhes. Tudo é único, e os instantes não voltam.
Enquanto a criança não é sequestrada pelo mundo dos adultos, ela vive cada
momento como se fosse único (e é!) e se entrega a todas as emoções, projeções e
fantasias que aquele momento expressa.
Um poeta, enquanto mergulhado em seu olhar poético, vive os instantes também
de maneira entregue e profunda, contemplando e dialogando com todas as nuances.
Para a criança e os poetas, tudo é surpreendente. Cada instante ou movimento da
vida é único e especial, encantado e poético. Para ambos, a vida é intensidade
absoluta, descoberta diária e crescimento constante!
Crianças e poetas choram e riem inteiros. Gritam suas dores e alegrias, dançam
suas euforias e sabem se fechar em quartos escuros da alma.
A criança e os poetas estão absolutamente presentes.
A atenção da criança e dos poetas é intensa, plena, profunda.
Os dois se entregam ao que sentem e fazem.
A atenção e autenticidade são sempre pano de fundo para suas experiências.
Tanto a criança quanto os poetas necessitam do entusiasmo, necessitam da entrega
inteira e vibrante à vida.
Surpreender-se, encontrar a novidade em cada movimento da vida é fundamental
para a alegria.
A criança e a natureza
A criança em sua essência está muito mais próxima da natureza do que nós
adultos. A natureza nos lembra da distância que estabelecemos com nós mesmos,
com os outros e com a totalidade da vida.
É fundamental nosso contato com a natureza para que possamos ativar essa
lembrança.
Existe uma dimensão muito mais profunda do que nossos pensamentos que a
criança alcança e a natureza expressa.
A criança rola na grama, anda descalça, afaga os cães, chora com força, dá
gargalhadas orgânicas, sente intensamente e dá vida à sua imaginação.
Quando estamos com crianças ou em contato com a natureza, tornamo-nos mais
próximos de quem somos.
Nossa sociedade construiu suas bases no ego, na cultura e em seus valores e no
20
desenvolvimento tecnológico e científico, explorando a natureza na terra e nos seres
humanos.
Alienamo-nos de nós mesmos e dos outros, afastando-nos cada vez mais da
natureza. Intoxicamo-nos de informações e poluímos nossa capacidade de percepção
e sentimentos.A natureza, assim como a criança, convida-nos a ficarmos em silêncio para
conhecermos melhor nossas necessidades, nossos movimentos, nossas
transformações.
Aprendemos sobre nós mesmos observando “nossas crianças”.
Aprendemos sobre nós mesmos observando a natureza.
O espaço exterior e o espaço interior são um só. A “criança interna” e a “criança
externa” dos adultos necessitam da mesma atenção, de cuidado, afeto,
reconhecimento.
O silêncio da natureza espelha o silêncio necessário de nossa própria natureza.
É no silêncio que conseguimos escutar as vozes mais profundas de nossa alma.
Sem silêncio, nossas verdadeiras vozes ficam perdidas nas distrações de um
barulho improdutivo, ensurdecedor.
Quando silenciamos, podemos ser testemunhas de nós mesmos, assim como as
montanhas testemunham movimentos da história do homem.
Toda natureza é efêmera, mas, quando estamos escondidos nos barulhos mentais,
esquecemo-nos disso.
Tudo passa.
A criança e o tempo
Sabemos que o tempo da criança é diferente do tempo do adulto.
E sabemos também que a maneira pela qual sentimos o tempo é muito relativa.
A criança tem uma capacidade maior que os adultos de viver o momento presente
sem se deixar levar por pensamentos e ansiedades. Mesmo assim, existem crianças
que pensam demais e que são tomadas por medos e ansiedades que não são delas.
A criança não pensa o tempo, mas vive o tempo através de suas emoções.
Quando se perde, por exemplo, a criança é invadida por um medo tão grande
quanto o medo da morte, que é o medo do nunca mais. Uma criança que se perde em
uma praia ou num shopping center tem a sensação de que nunca mais verá seus pais.
O desamparo e o pânico se instalam.
Quando a criança tem medo de dormir à noite sozinha, o medo do escuro e da
solidão são tão intensos que, para ela, adormecer é quase morrer e ficar sozinha e
desamparada para sempre!
Quando a criança faz algo de errado, a culpa e o medo de ser descoberta são
tamanhos que o tempo torna-se uma ameaça, torna-se inimigo.
Quando a criança tem algum tipo de dor e esta não passa, o medo da morte torna-
se monstruoso.
Nenhuma criança (e, é claro, nenhum adulto) gosta de viver a dor. Na dor, o
tempo passa a ser muito mais lento. O tempo da dor parece sempre durar mais do que
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o tempo do prazer.
Quando a criança está fazendo algo de que gosta, como brincar, viajar, ver TV,
brincar no computador ou com os amigos, o tempo parece voar. Nem parece o mesmo
tempo quando ele é vivido na dor.
O tempo do prazer dura pouco.
O tempo da dor parece durar mais.
Será isso real? Ou será fruto da imaginação de cada um?
Será que adultos e crianças lidam da mesma maneira em relação ao tempo da dor e
ao tempo do prazer?
A criança e o espaço
Da mesma forma que a criança lida com o tempo de maneira subjetiva e pessoal,
assim também ela lida com o espaço. Sua escola pode virar um parque de diversões,
sua casa pode ser um esconderijo do mundo lá fora, seu quintal, um outro planeta, seu
armário pode ser um foguete supersônico, o carro dos pais, um avião, sua sala de aula
pode ser um jardim zoológico...
Mesmo o tamanho dos espaços torna-se relativo dependendo do estado de espírito
da criança. Se ela estiver se sentindo solitária, seu quarto fica imenso, quase gigante.
O pátio da escola torna-se imenso, grande demais! A criança sente-se pequena e
encolhida. Apertada e escondida. Desamparada e envergonhada.
O espaço pode ser acolhedor ou não, dependendo do estado de espírito e das
emoções da criança.
Às vezes, a solidão da criança é tanta que, em meio a uma multidão, ela não
enxerga ninguém. Sente-se só.
Quando a criança está emocionalmente bem, estando sozinha ou não, os espaços
que ela ocupa tornam-se acolhedores e ela se sente muito confortável esteja onde
estiver.
A criança e o brincar
Brincar para a criança é coisa tão séria quanto viver para o adulto!
A criança brinca a sério, entregando-se às suas emoções, paixões, a seus medos,
ressentimentos, às suas ilusões, transgressões, percepções, aceitações, a seus
aprendizados e apegos.
A criança brinca como o adulto vive!
O adulto vive a partir de muitas emoções aprendidas ou conduzidas pela criança
que um dia foi e que ainda permanece dentro dele.
A criança aprende brincando, e o adulto esquece que necessita continuar
aprendendo.
“Ao olharmos a trajetória diária do sol e da lua, temos a impressão de que tudo gira mesmo à nossa volta.
Não é surpreendente que nossos antepassados pensassem que a Terra era o centro do cosmo. Afinal, tanto
no passado quanto no presente, e esse ponto é extremamente importante, nossa visão de mundo é
determinada pelo que podemos ver e medir. Nossa imaginação, claro, vai além, expandindo as fronteiras
do real. Mas hipóteses continuam a ser hipóteses a não ser que sejam confirmadas por meio de
experimentos e observação. Jamais poderemos conhecer ou medir tudo o que existe. Sempre haverá
22
aspectos do mundo natural fora do alcance de nossos instrumentos. Portanto, nossa visão de realidade será
sempre incompleta” (Marcelo Gleiser).
Quando brincamos, deixamos nosso inconsciente fluir, deixamos nossas luzes e
sombras fluírem. Vivenciamos todas as emoções possíveis, desde raiva, inveja, medo,
ansiedade, até mesmo compaixão, cooperação, alegria!
Brincar é viver, viver é brincar... principalmente quando levamos as brincadeiras a
sério!
A criança e a morte
Quando crianças, temos medo de monstros, bruxos, perseguições e abandono por
parte daqueles que amamos.
Isso é mais desesperador do que a morte em si.
Isso se parece com a morte. Estar só ou ser abandonada no escuro e nos medos da
vida é uma sensação desestruturante e difícil vivida pela criança, assim como pela
criança existente nos adultos também.
O medo do desconhecido desampara. O medo desampara.
Paralisa.
Aprisiona instantes.
Para a criança, o medo, o desamparo, a solidão, a agressão e a rejeição são vividos
como pequenas mortes.
Nesses momentos, a vida parece mudar de cor, perder seu movimento e apagar sua
luz.
A ideia do “Era uma vez...” e do “nunca mais” parecem fazer parte de um mesmo
tempo mágico. O tempo do “Era uma vez ...”, com seus mistérios, suas magias, dores
e alegrias, e o tempo do “nunca mais”, com sua dor misteriosa e assustadora, parecem
integrar-se em uma mistura de emoções e percepções que clamam por explicações e
limites mais seguros.
E, então, à medida que crescemos, começamos a perceber que na vida não se tem
tudo. Não se pode ter todos nem tudo no exato momento em que desejamos ou
esperamos.
Começamos a vivenciar muitas despedidas e desencontros. Muitos rompimentos e
desagrados. Muitas ilusões, desilusões e confrontos.
Às vezes, sentimos determinadas despedidas como um pedaço de dentro da gente
que se rompesse e fosse embora, que nos tivesse sido roubado e que ficasse faltando
para sempre.
“Para sempre...” é uma expressão emocional muito difícil de ser vivida!
Viver o “desapego” é tão difícil neste mundo em que vivemos, onde aprendemos
desde cedo a lutar para “conquistar e tomar posse” de tantas e tantas coisas.
Aprendemos a lutar para ter dinheiro, mas não aprendemos que dinheiro é algo que
não possuímos, ele apenas passa por nossas mãos para que nos permita fertilizar
desejos e criações que possam ser revertidas e transformadas em algo melhor dentro e
fora da gente. Dinheiro aprisionado morre e mata... assim como amor aprisionado.
Quando amamos alguém, por mais que desejemos ter a pessoa apenas para nós e
23
ao nosso lado o tempo todo, não podemos aprisioná-la nem fechá-la. O amor também
precisa de movimento, caso contrário... morre.
O apego é filho do medo, e o medo é o escuro do quarto da criança que existe
dentro de nós... que ainda não consegue ver as ilusões de seu olhar fechado.
Acender a luz do olhar é aceitar o movimento da vida, é acreditar que existe algo
maior do que nós regendo nossos caminhos (mesmo que seja nosso self, nosso
inconsciente, Deus ou outros seres invisíveis que habitam nosso mundo), para que
possamos fluir e deixar fluir a vida de tudo o que somos, necessitamose podemos
realizar. E, para isso, precisamos acreditar na vida e reverenciar a morte! Quando
reverenciamos a morte, perdemos o medo dela e seguimos adiante. Quando
acreditamos na vida e reverenciamos a morte, sentimo-nos mais livres para criar
nossas próprias histórias e dar a liberdade para que aqueles que amamos possam criar
suas próprias histórias também.
E então deixamos de nos paralisar frente ao medo de perder e de sentir medo de
perder.
O medo do abandono cede espaço para a liberdade de sermos quem somos e, a
partir daí, não estamos mais sozinhos.
Quando estamos no quarto escuro acompanhados por nós mesmos, perdemos o
medo do abandono, dos monstros e da morte. O escuro é apenas a luz que se apaga
para que o sono possa vir mais rapidamente.
Enquanto vivemos e crescemos (esse movimento do crescimento é interminável à
medida que estamos vivos!), convivemos e aprendemos a lidar com as “mortes” em
suas várias formas: quando perdemos pessoas queridas por doenças ou acidentes,
quando somos surpreendidos por rompimentos e cortes bruscos... quando somos
desiludidos e acordados para uma realidade menos colorida e mais dura... quando
somos decepcionados, traídos, desrespeitados, abandonados.
“Aprender a viver é aprender a morrer”, já diziam e dizem grandes filósofos e
poetas.
Se o medo da morte toma conta, sentimos dificuldade em fazer escolhas e abrir
mão das pseudosseguranças que buscamos pela vida. Pois a vida não oferece
seguranças, aliás, a vida, por ser viva, não oferece segurança alguma!
De um instante ao outro, algo que parecia tão sólido e certo perde seu sentido,
valor, sua intensidade, seu brilho. De um instante ao outro, aquilo que parecia tão
seguro... parece diluir-se no ar.
Aprender a viver exige reconhecer a morte como certa, mas nada previsível.
Sabemos de sua existência, reconhecemos sua constante permanência, sentimos e
vibramos sua presença a cada instante... mas é uma condição da vida: tornarmos a
morte um estímulo vivo para novas conquistas, descobertas e possibilidades.
A eminência incerta e desconhecida da morte deve nos nutrir de energia para
vivermos o que de melhor existe em nós mesmos, nos outros e na vida.
Morremos um pouco quando empobrecemos nossas vidas com mesquinharias,
com pensamentos reducionistas, com medos paralisantes, com agressões perversas,
sádicas e masoquistas...
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Morremos quando nos entregamos aos lados menores e obscuros de nós mesmos e
dos outros...
Morremos quando nutrimos mais a dor e os sentimentos escuros, como a raiva, a
inveja, o medo e a baixa estima por si mesmo e pelos outros, em lugar de nutrirmos a
luz e o movimento natural de crescimento e libertação da vida.
Morremos ao não querermos crescer.
Morremos ao não desejarmos olhar para nossas realidades como elas são.
Morremos ao negarmos nossas sombras e todas as mortes que elas testemunham
ou provocam.
Morremos ao calarmos nossas vozes para o que temos de melhor e mais
importante a dizer. E morremos quando dizemos aquilo que deveria ter sido calado e
cuidado no interior do silêncio sagrado de nossa alma.
A morte está aí em suas diversas formas, cores, cheiros e jeitos.
Não podemos nem devemos negá-la.
Ela é a voz eterna que ressoa seus ecos pela vida, inspirando criações e
destruições, luzes e sombras.
Desde crianças, aprendemos instintivamente a fechar os olhos para tudo aquilo
que tememos ou ainda não podemos olhar. E poder olhar é fundamental...
Olhar para a vida com todas as suas nuances e sutilezas, generosidades e
dificuldades, gratificações e restrições é aprender a olhar para a morte em sua
absoluta firmeza e presença.
Desde crianças, nunca sabemos quando o medo vem.
Quando adultos, nunca sabemos quando a morte vem... em seus mínimos gestos e
avisos.
Desde crianças, vamos aprendendo a reconhecer e a escolher melhor quem somos.
Quando adultos, seguimos aprendendo a reconhecer e a escolher melhor quem é e
o que desejamos.
E a morte, parceira eterna da vida, tenta nos ensinar, com maestria, a não termos
medo de olhar para o tempo (essa dimensão mágica e eterna, em que morte e vida se
integram!) como uma fonte inesgotável e delicada de descobertas e transformações!
Que a vida que mora em nós possa estar cada vez mais presente e brilhante!
Que a “criança que mora em nós” possa estar cada vez mais presente e brilhante!
25
4.
O PODER IMAGINATIVO DAS HISTÓRIAS
Somos histórias.
Vivemos histórias.
Criamos histórias.
Transmitimos e carregamos histórias.
A memória de onde vivemos e o propósito de para onde vamos é fundamental para
que nossas histórias tenham vida e movimento.
Conhecemos pequenos recortes inspirados em memórias, informações, deduções e
intuições. Nossa memória é seletiva e criativa.
Mas, a partir desse pequeno recorte, criamos as bases para nossas dimensões e
nossos recursos internos.
Necessitamos de referências, e o passado, mesmo que tingido por nossas
memórias seletivas e criativas, serve-nos como chão.
Necessitamos de raízes para conseguirmos voar com nossas asas.
Sem raízes, voamos sem rumo!
Se não sabemos ou sentimos de onde viemos, é muito difícil ir para frente com um
propósito claro.
Imaginação sem consciência é como uma ave que voa sem rumo. A consciência
nutre a imaginação de criatividade e traz para o mundo uma semente fértil de
mudança.
A consciência sem intenção é como uma joia maravilhosa e brilhante boiando no
mar. Está solta, à mercê do movimento do vento e das ondas do mar.
A literatura infantil, a criação poética e os contos de fadas no desenvolvimento
emocional e intelectual da criança
A segunda grande transformação no desenvolvimento da criança é a entrada no
mundo das palavras, abrindo na criança um novo paradigma. As palavras podem se
tornar seus grandes amigos e aliados, companheiros de descobertas, introversões,
divagações, sonhos.
Dificuldades emocionais podem ser expressas, elaboradas e transformadas por
meio da criação de histórias. Nesse processo, a criança entra em contato com algo
extremamente precioso e necessário ao desenvolvimento humano, o poder de sua
imaginação criativa. O adulto que perde o contato com o poder de sua imaginação
perde contato com suas possibilidades autênticas de ação neste mundo. Para os
poetas, as palavras são sopros de possibilidades, são momentos de intenso e exclusivo
encontro, necessidade e salvação.
Desapegar-se do mundo das certezas, mergulhar em um mundo abstrato onde
tantas e tantas vozes são ouvidas é muito difícil. O mundo das palavras abre a
perspectiva de que muitas são as ideias e os pensamentos que habitam este mundo e
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que as escolhas começam a se tornar parte fundamental da vida do ser humano. A
criança motivada pode ficar horas com um livro no colo, desligada do mundo lá fora
e mergulhada em fantasias, sensações, descobertas, limitações e aprendizados. Os
livros de histórias infantis, com suas mensagens e ilustrações mágicas, fascinam e
prendem a atenção da criança. Texto e ilustrações interagem em sua imaginação
adquirindo dentro dela nova vida, novas cores, possibilidades e caminhos.
A criança, assim como os adultos, começa a ler e a descobrir o sentido da leitura a
partir do seu próprio olhar e do sentido que dá às coisas.
E a descoberta do poder das histórias apresenta à criança o desejo de criar suas
próprias histórias, inventando seus próprios personagens e suas aventuras. Ela inventa
histórias a partir de suas próprias emoções e dos símbolos e imagens que capta do
mundo e que façam para ela algum sentido. A criança necessita inventar e criar, assim
como qualquer adulto saudável. Dificuldades emocionais podem ser expressas,
elaboradas e transformadas por meio da criação de histórias. Nesse processo, a
criança entra em contato com algo extremamente precioso e necessário ao
desenvolvimento humano: o poder de sua imaginação criativa. Ela começa a
descobrir que imaginar é criar e criar é se aproximar de desejos, necessidades e
fantasias que precisam de espaço para se movimentar e se transformar.
O adulto que perde o contato com o poder de sua imaginaçãoperde contato com
suas possibilidades autênticas de ação neste mundo, pois qualquer caminho, criação,
descoberta ou conquista humana tem como origem, antes de mais nada, a semente da
imaginação.
As palavras e os textos nem sempre são usados para descrever ou traduzir a
realidade que se vê no espaço e no tempo comum aos seres humanos. Os sentimentos,
as sensações e as percepções humanas, ao mesmo tempo que são extremamente
pessoais e únicos, tornam-se amplamente coletivos e universais. A arte de um artista,
a história de um escritor, a poesia de um poeta, ainda que falem de questões, valores e
experiências profundamente pessoais, têm afinidade com questões de outras pessoas,
e é por essa razão que nos envolvemos e nos identificamos com tantas histórias.
As emoções humanas são as mesmas desde que o ser humano foi criado. Os
artistas que tentam expressar as paixões e as frustrações de sua alma através da
palavra escrita são considerados poetas. Poesias e poemas nascem da necessidade de
acreditar no poder de expressão das palavras. As palavras revelam verdades em suas
entrelinhas, em seus pontos, vírgulas, exclamações, interrogações. As palavras
revelam surpreendentes verdades vestidas de emoções e encantos, através de sua
flexibilidade, sutileza e absoluta fluidez.
Para os poetas, as palavras são sopros de possibilidades, são momentos de intenso
e exclusivo encontro, necessidade e salvação. Mas são momentos, apenas momentos
que já trazem em sua essência o convite para novas linhas.
Os contos de fadas, assim como os mitos das culturas e religiões, trazem
arquétipos presentes na vida e nas histórias dos seres humanos e, por essa razão,
sobrevivem por gerações.
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O livro, a criatividade e a leitura no contexto educacional
O segundo maior desafio no nosso desenvolvimento é quando entramos no mundo
da palavra, quando aprendemos a ler – um novo mundo se abre. Depois de aprender a
ler, aprendemos a escrever.
E esse ciclo se repete muitas vezes durante a vida, pois estamos constantemente
aprendendo a ler, reler e escrever nossas histórias.
Por meio do contato com a literatura, aprendemos a ler nossas vidas e a escrever
nossas próprias histórias de vida... (o que não é fácil).
A vida é o maior laboratório onde vivemos, conhecemos e recebemos nossas mais
preciosas histórias. A vida é a grande fonte de inspiração para os seres humanos.
Inspira-nos percepções, sensações e sentimentos que revelamos e expressamos
através dos símbolos e das linguagens que criamos. A arte, incluindo nela a literatura,
é nossa linguagem universal. A arte integra todas as outras linguagens, unindo povos,
somando ideias e ajudando a transformar espaços.
A arte expressa o caminho da história humana ao mesmo tempo que transcende o
tempo dela. A arte transcende o tempo.
E a literatura, a arte das palavras, acompanha os caminhos humanos, enriquecendo, transformando e
garantindo a memória de nossas histórias.
E o formato mais criativo e adequado que o ser humano encontrou para guardar e facilitar esse encontro
com a arte das palavras foi o livro. Esse objeto manual durinho, cheio de folhas repletas de letras e
palavras, é nossa mais preciosa fonte de conhecimento e transformação.
É tão criativa essa invenção do homem! É uma fonte poderosa de conhecimento que pode ser pego,
manuseado e folheado! Uma fonte inesgotável de conhecimento que pode ser levada de lá para cá, de cá
para lá. Um companheiro no tempo e no espaço. Não é incrível?!
Quantas criações, invenções e ideias estão contidas nas páginas de um único livro! E quantas histórias,
quantas metáforas que transformam nossas almas, nossos corações e nossas atitudes!
Quem não tem a lembrança de ao menos um livro que tenha sido significativo ou transformador em suas
vidas?
Quem nunca dormiu ao lado de um livro? Ou foi acompanhado por ele em alguma viagem ou sala de
espera? Quem nunca sentiu o livro como uma grande e afetiva companhia? Quem nunca pensou que, em
algum momento de sua vida, sua história pessoal, um dia, poderia virar um livro?
O livro e a criança
Se lemos “a vida”, ou um livro para uma criança, a partir de quem somos e do
nosso próprio jeito de olhar a vida, então, não podemos obrigar essa criança a gostar
de ler. Podemos, sim, ajudá-la a aprender a descobrir sua própria escuta. Seu próprio
jeito de escutar as mensagens e linguagens da vida. Podemos e temos a obrigação de
apresentar as linguagens do mundo para a criança, mas sem deixar de prestar atenção
nos sinais que ela mesma vai nos trazendo sobre a maneira pela qual ela pode e deseja
escutar essas linguagens.
É maravilhoso quando uma criança aprende a gostar de um livro a partir de seu próprio desejo de
conhecer e saber mais sobre si mesma e o mundo.
A melhor maneira de estimularmos o gosto da criança pela leitura é ajudando-a a aprender a reconhecer,
valorizar e amar quem ela é, do jeito que é. Sem autoestima não descobrimos nossa própria voz. Não
compreendemos nossa própria voz. Não temos interesse na voz do outro. Não vemos sentido na
comunicação com o outro e na nossa própria transformação.
28
A literatura infantil
Os livros escritos para crianças são metáforas que podem servir e tocar os adultos
também, pois trazem símbolos arquetípicos que revelam aspectos muito profundos de
nossas vidas. Todos nós adultos trazemos dentro de nós uma criança que viveu e
ainda vive suas emoções, frustrações, indagações e seus desejos. Crianças que fomos
e ainda somos, em busca de respostas, afeto, compreensão. É por essa razão que a
literatura infantil é dirigida a todas as crianças, àquelas que moram no adulto e
àquelas que ainda estão na infância.
Como psicóloga e arteterapeuta de adultos, crianças e famílias, utilizo a literatura
infantil para trabalhar os conteúdos internos de meus pacientes, a qual é uma
ferramenta muito poderosa, criativa e transformadora. Integro a literatura com outros
recursos artísticos, como o desenho, a pintura, a escultura, o teatro, a música etc.,
visando estimular a expressão simbólica em meus pacientes de seus conteúdos
emocionais. Além de ser extremamente catártica, a imagem, quando colocada e vista
de fora através de uma expressão artística, facilita muito a visão, a compreensão e a
elaboração do próprio paciente sobre seus conflitos e conteúdos emocionais.
Muitas pessoas adoecem ou criam sérios problemas mentais e sociais por não
saberem lidar com esse equilíbrio, que é dinâmico e vivo.
Como escritora de livros infantis, acabo utilizando livros de minha própria autoria,
assim como de outros autores, para trabalhar determinados temas e questões que vão
aparecendo durante a terapia.
“Se o coração pensasse, pararia” (Fernando Pessoa).
A influência dos contos no desenvolvimento infantil
Histórias infantis e contos de fadas são expressões arquetípicas do homem.
Necessitamos delas como referência para nossos comportamentos e simbolização da
vida.
Os contos expressam nossos valores, nossas dinâmicas de relacionamentos e
nossos propósitos.
Eles sintetizam nossa essência (a essência dos seres humanos é a mesma) e
oferecem possibilidades de caminhos e escolhas.
“Quais são as histórias que criamos para encontrar nossa própria identidade?” (Eckhart Tolle).
Tempo e espaço no imaginário da criança
Certa vez, uma criança que atendo (com 6 anos na época), no meio da sessão,
olhou bem fundo nos meus olhos e com muita profundidade e seriedade falou:
– Mônica, tempo não deveria ser uma coisa de criança! Tempo é coisa de adultos!
Ela falou isso com tanta angústia e ressentimento que nunca mais me esqueci.
Não é nada fácil lidarmos com aquilo que definimos como tempo. Não é fácil nem
para crianças nem para adultos.
A infância de hoje está precocemente “adultizada”, e, logo cedo, a criança (das
classes média e alta) tem seu tempo tão ocupado com diversas atividades e estudos
29
que sobra muito pouco tempo ou quase nada para simplesmente ser criança, brincar e
deixar o tempo fluir sem pressa!
A criança necessita de tempo para ir devagarzinho se apropriando dela mesma e
dos delicadose fundamentais aprendizados da infância.
A criança capta o mundo ao seu redor com tamanha voracidade e intensidade que
acaba sendo uma enorme violência tirarmos dela seu tempo para brincar, sentir,
perceber e digerir suas primeiras experiências na vida.
Quando me refiro à criança, estou me referindo a todos nós, que um dia fomos
criança e que de alguma maneira permanecemos com ela, desperta ou adormecida.
Quanto mais contato os adultos têm com sua criança interna e com as memórias da
infância, com suas feridas e alegrias, mais fácil e saudável fica o contato com as
crianças externas. As projeções diminuem e o crescimento e a troca mútua são muito
maiores.
Pais e educadores que conseguem enxergar nas “crianças de fora” algo de sua
criança interna tornam essa relação uma grande oportunidade de aprendizado.
As crianças externas são espelhos das crianças internas.
Os adultos que têm a oportunidade de conviver com alguma criança, quer seja
como pais, quer seja como educadores, quer seja como profissionais de saúde, têm o
enorme privilégio de aprender mais sobre si mesmos e sobre sua maneira de se
relacionar com a vida.
Existem vários tempos dentro de um ser humano.
Quer seja definido cronologicamente pelo homem, quer seja interno, quer seja de
outras vidas, quer seja dimensões e níveis de consciência e inconsciência.
Os seres vivos trazem vários tempos dentro de si.
Os seres humanos vivem com vários tempos e dimensões, e, quanto mais
integrados e conscientes, mais amplas e assertivas tornam-se as possibilidades e as
escolhas.
Quando a criança é “sequestrada” para o mundo dos adultos, não sabe mais lidar
com sua própria natureza infantil – tempo–espaço se desorganizam – e torna-se
tirana.
Quando a criança é “sequestrada” antes da hora para o mundo dos adultos, seja
por causa do trabalho infantil, seja devido ao excesso de atividades, seja em razão da
vivência de experiências traumáticas ou violentas, seja porque participa de assuntos
relacionados ao mundo adulto, seja por tantos outros motivos, torna-se um adulto
frustrado, pois algo fundamental para sua vida lhe foi roubado: sua infância.
Existem crianças que se sentem na obrigação de cuidar de seus pais,
principalmente quando se separam, como se elas fossem as responsáveis por eles.
Tentam ocupar o papel de homenzinho ou mulherzinha da casa.
E isso é muito ruim, nada saudável.
O tempo torna-se confuso e desorganizado.
O tempo torna-se tirano, pois as coisas estão cada vez mais fora de lugar!
O que é o tempo?
Quando chegamos ao mundo, o tempo já existia. O tempo Cronos, criado pelo
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homem, pelo desenvolvimento tecnológico, pelo ritmo das máquinas.
Todavia, trazemos conosco um tempo Kairós, que é interno, individual,
independente do desenvolvimento e dos ritmos externos. Ele é o tempo da memória,
dos sentimentos, das emoções, da poesia, da arte, do símbolo. Um tempo que permite
os verdadeiros encontros, as descobertas, as transformações.
Quando deixamos este mundo, levamos conosco o tempo Kairós e fechamos nossa
estadia no tempo Cronos. O que é interno e individual permanece e embarca conosco
em nossa última passagem, na etapa final deste encantado e inesperado ciclo
chamado vida.
Algumas questões lançadas “no ar” para pensarmos e sentirmos juntos:
Que tempos habitam uma criança... e em quais tempos ela habita?
Como respeitar os tempos de uma criança sem deixarmos de ajudá-la e estimulá-la
no crescimento e nos aprendizados necessários?
Como dialogar com os diferentes tempos de uma criança e de um adulto?
Como é o crescimento humano medido pela referência do tempo Cronos e como é
o crescimento tendo como referência o tempo Kairós?
Tempo e mistério, serão eles a mesma coisa?
Será que o que chamamos de tempo é o movimento espiritual da humanidade
desenhando seus caminhos, desafios e suas descobertas?
Será que o tempo é como as ondas do mar? Oferecem movimento às emoções da
vida?
“Dizem que há duas maneiras de ser infeliz: não alcançando o que se quer e alcançando o que se quer [...]
Suas conquistas não lhes proporcionam aquilo que elas realmente estão buscando para si mesmas: a
sensação de estarem enraizadas na vida. A plenitude da vida” (Eckhart Tolle).
Será que o tempo que se expressa na matéria é o mesmo que se expressa no
espírito?
“Será que estamos em busca de nós mesmos quando tentamos acrescentar mais a quem somos? Este é o
dilema da existência humana: a busca compulsiva por mais!” (Eckhart Tolle).
Será que os pensamentos são distrações superficiais do tempo?
“Nós nos identificamos com o movimento dos pensamentos. Essa é a essência do viver inconsciente. E é
por isso que as pessoas estão sempre pensando no futuro. Em seus pensamentos sobre o futuro elas
esperam preencher a percepção incompleta que têm do seu eu. Acham que vão encontrar o final feliz de
sua história de vida, uma construção mental que confundem com a própria identidade” (Eckhart Tolle).
Será que o mundo tecnológico inventou seu próprio tempo?
Será o tempo da natureza o único que verdadeiramente podemos chamar de tempo
real?
Será que o tempo também descansa no silêncio?
“Quando você percebe o silêncio, instala-se imediatamente uma calma alerta no seu interior. Você está
presente. Nesses momentos você se liberta de milhares de anos de condicionamento humano coletivo”
(Eckhart Tolle).
O SOL NUNCA SE PÕE. ISSO É APENAS UMA IMPRESSÃO CRIADA PELA
PERSPECTIVA LIMITADA DO OBSERVADOR.
31
“A natureza nos ensina a entrar no estado de unificação com a vida. A ficar em silêncio” (Eckhart Tolle).
Somos todos uma consciência única, que se manifesta inteira em seus fragmentos
no momento presente. Nossa consciência não tem como registrar o todo, mas em
algum nível superior sabemos que somos partes fundamentais e vitais de uma
totalidade chamada vida.
Somos vivos... fragmentados e inteiros!
A criança em nós reconhece o tempo interno. O tempo que não é medido através
de formas ou números. Ela reconhece um tempo que integra passado, presente e
futuro.
A criança em nós permanece viva e atenta a partir do momento em que nascemos
até o momento em que nos despedimos desta vida.
A criança em nós é como um girassol que naturalmente busca a luz para se nutrir e
crescer. Nem sempre a criança é apresentada ao sol, nem sempre a criança é criança e
nem sempre o sol parece estar disponível para ela.
Muitas e muitas vezes somos privados desde criança de nossa própria natureza!
Somos sequestrados rapidamente da infância e “adultizados” em um mundo bem
distante de nossa natureza!
Na maioria das vezes, criamos famílias! Famílias mais ou menos unidas, mais ou
menos sorridentes, mais ou menos coloridas, mais ou menos felizes!
E em nome dessa união ou, muitas vezes, em nome da ilusão de uma união,
pagamos um preço alto em sacrifício de nossa individualidade e de nossos
verdadeiros propósitos!
Apaixonamo-nos, casamos, criamos propósitos comuns... projetamos sombras e
luzes em nossas relações de afetos. Podemos crescer compartilhando descobertas e
desafios, ou responsabilizar os outros por nossas dificuldades e frustrações.
Podemos nos dar as mãos com humildade, sabendo que não existe ninguém
melhor do que ninguém. Existem diferenças necessárias, que se complementam da
totalidade que não vemos, apenas intuímos ou sentimos.
“Gestamos” crianças, ideias, projetos, criações e colocamos aí todos os nossos
propósitos, conscientes e inconscientes!
O tempo coletivo nem sempre é o mesmo que o tempo individual, e muitas vezes
nos perdemos de nós mesmos quando queremos cumprir um tempo que não é nosso!
A criança vem para aprender e principalmente para ensinar! Vem nos ensinar a
não nos esquecermos de nossa natureza sábia, alegre, criativa e intuitiva!
Nascemos para brilhar!
Para amar e sermos amados!
Para compartilhar e abraçar a vida sem medo!
Somos aquilo que pensamos e sentimos!
Ninguém é melhor ou maior do que ninguém!
Temos o tamanho em que cabemos e que cabe em nós!
Nossa essência é o amor;
o que nos impulsiona é o amor;
mesmo que voltas e voltas sejam dadas,
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o que noscentra e nos une... é sempre o amor!
Mesmo que por tempos e espaços muitas vezes difíceis,
somos unidos por um centro comum,
por tempos e espaços frutos dos mesmos arquétipos,
dos mesmos símbolos,
do mesmo círculo.
Pertencemos ao mesmo círculo...
A consciência é tudo.
A coexistência e o amor, nossos maiores propósitos.
A criatividade, nossa maior linguagem.
O tempo, nosso mestre.
O passado, o presente e o futuro... são apenas facilitadores didáticos para a
existência humana.
A alegria, nosso remédio,
e o amor, nossa cura.
Quando chegamos à vida,
esperamos escutar a mais linda melodia jamais ouvida
e vamos aprendendo aos poucos que
nossa orquestra somos nós mesmos!
Que nossas histórias pessoais e coletivas sigam ampliando e aperfeiçoando nossas
mais elevadas melodias!
33
5.
A ARTE E A CRIAÇÃO LITERÁRIA COMO RESGATE DA CRIANÇA
INTERNA
Somos todos crianças em busca de sermos vistos, aceitos, reconhecidos, validados
e amados. E, nessa busca tão vital ao nosso crescimento de alma, desde cedo nos
deixamos sequestrar justamente por aqueles que tanto amamos. Essa nossa
necessidade nos torna vulneráveis aos desejos, às projeções e às necessidades dos
outros.
Tudo está dentro da gente.
As luzes e as sombras.
Os caminhos e as possibilidades.
Os vazios e as limitações.
Os dragões e as fadas.
Saímos da barriga da mãe sentindo falta do que deixamos para trás. O útero
protetor, nutridor, pleno, inteiro, presente (independentemente das turbulências
emocionais vividas pela mulher e sentidas pelo bebê), já não é mais nosso lar. A
fome, o frio, o medo e o desamparo começam a tomar conta de nossas sensações.
Percebemos que algo saiu do lugar, mesmo sem consciência de que lugar é esse.
Sentimos a falta, e ela enganosamente parece estar lá fora. Assim começa nossa
jornada em busca das ausências ilusoriamente escondidas no mundo de fora e nosso
real abandono no mundo interno.
Em busca da nossa criança
Ao sairmos em busca de nós mesmos, nos perdemos de quem somos. Por
querermos recuperar o que perdemos e que identificamos como amor, na maioria das
vezes abandonamo-nos em troca de migalhas de reconhecimento, afeto, segurança,
poder e sucesso. E vamos aprendendo a olhar para fora, a medir nosso valor tendo
como referência o olhar do outro, a nos diminuir aumentando o valor daquilo e
daqueles que não somos e provavelmente nunca seremos. Em troca do
reconhecimento de nossos pais, professores, amigos, chefes e da sociedade,
distanciamo-nos de nossa alma, de nossa essência, da nossa criança. Dessa forma,
acabamos abandonando nossa realização plena e alegria verdadeiras tão sabiamente
vividas quando éramos crianças.
Ao recordar o passado, somos capazes de nos lembrar dos primeiros momentos
em que começamos a nos sentir frágeis e vulneráveis ao sequestro e abandono da
criança que fomos, quando então sentíamos o que chamamos solidão ou medo da
solidão. Toda criança vive isso em algum momento. Medo do abandono, do castigo,
do preconceito, do estigma, da rejeição, da violência, da agressividade, da
desconsideração, do desrespeito do adulto ou de não ser compreendida. Esse é o
momento mais propício ao sequestro ou abandono de si mesma.
Para não ser abandonada, rejeitada, abusada ou violentada, a criança submete-se a
34
crenças que foram coladas em sua mente. E cria projetos e sonhos de vida
ilusoriamente formados a partir daquilo que a fez acreditar que faria com que fosse
mais amada, respeitada, valorizada e nunca abandonada. E distancia-se cada vez mais
dela mesma, inspirada pelo medo do abandono e da rejeição e tendo como foco a
realização daquilo que acredita ser mais aceito e reconhecido.
A maioria dessas crianças chega à vida adulta com um sentimento enorme de
vazio e insatisfação, pois, consciente ou inconscientemente, se dão conta de que algo
fundamental de sua existência se perdeu. Algumas buscam retomar suas crianças
onde as deixaram. As outras acabam buscando compensações em distrações e vícios,
mantendo suas crianças internas eternamente famintas, compulsivas e carentes do
essencial: serem vistas e amadas.
Quem não foi visto e amado quando criança acaba abandonando a si mesmo e
passa a vida em distrações e ilusórias compensações para essa falta de amor próprio.
Para quem foi amado, a vida torna-se um lugar muito mais fácil e receptivo para
habitar, construir, criar e amar.
Atendo em meu consultório “crianças” de cinco a 80 anos, de sexo, culturas,
profissões e faixas etárias diferentes. Todas em busca de algo essencial perdido pelo
caminho.
Algumas se tornaram importantes profissionais, provedoras de famílias, pessoas
reconhecidas em suas comunidades, mas trazem a saudade de um pedaço de si
mesmas que ficou na infância. Quando ele é resgatado, a alegria se instala novamente
e gera mudanças criativas e saudáveis em suas vidas. As que não descobrem seu valor
e caminho de realização pessoal e profissional permanecem distanciadas de sua
essência criativa, mantendo escondida e desnutrida a criança dentro delas.
A criança de fora e a de dentro
As crianças pedintes, carentes e viciadas, que moram nas ruas de nossas cidades,
são as mesmas que habitam nossos corpos e almas e que um dia abandonamos em
troca de um mundo artificial e abusivo. Assim tratamos nossas crianças, tanto as de
fora quanto as de dentro, negando que expressem desejos, percepções e necessidades
com nossa arrogância de adultos.
Crianças intoxicadas por inúmeras atividades e deveres, tecnologias, regras e
solicitações perdem seu mundo interno. Acabam distanciadas de sua criatividade e
alegria essenciais num movimento simbiótico com um mundo que não lhes pertence,
mas lhes seduz.
A arte e a criação literária como caminho de encontro, transformação e
libertação
A arte, como expressão do que o ser humano tem de mais profundo, é talvez uma
das mais poderosas e sagradas linguagens. Ecumênica e integradora, transcende
povos, culturas, religiões, idade, sexo e tempo.
É também poderosa linguagem para o encontro e a expressão de nossa criança
interna, assim como de tantas outras personagens que vivem dentro de nós e que não
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encontrariam outra maneira saudável e criativa de expressar sua voz no mundo aqui
fora.
Sim, são muitas as personagens que vivem dentro de nós, embora nem todas
possam se expressar em uma única vida. Mas algumas são vitais e, quando não
vivenciadas, nos fazem adoecer, outras precisam apenas de um espaço para serem
ouvidas e vistas. E a arte funciona como um poderoso portal de passagem para essas
personas.
Pintar, desenhar, modelar, dramatizar, escrever, dançar e colar ajudam a resgatar a
essência criativa, amorosa e livre.
Lembro-me de um paciente adulto, empresário realizado profissionalmente e feliz
com a vida familiar, que reclamava de não conseguir relaxar e usufruir com
tranquilidade seus relacionamentos e conquistas. Aos pouquinhos, no processo
terapêutico, ele foi entrando em contato com o menino alegre e livre que foi e que
permaneceu esquecido no passado. Construiu um pequeno boneco que o
acompanhava e com quem conversava todos os dias em seu carro, e assim conseguiu
expressar sua criança interna. Ele me dizia:
– Hoje em dia, tanta gente fala sozinha dentro do carro, ainda que no celular, que
duvido que alguém vá desconfiar que minha conversa é com “minha criança interna”
sentadinha ao meu lado.
Essa e outras tantas pessoas tiveram a oportunidade de reconhecer sua criança
interna pelas várias linguagens da arte, que é reveladora e transformadora tanto para
quem cria quanto para quem aprecia e projeta seus próprios símbolos e imagens.
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6.
A IMAGINAÇÃO HUMANA COMO FONTE DE LUZ E DE SOMBRA
Olhamos, sentimos, percebemos e refletimos a vida conforme aquilo que podemos
e alcançamos em determinado momento. À medida que amadurecemos e vamos nos
transformando e crescendo como seres humanos, nosso olhar sobre a vida também
vai se modificando.
Contudo, todos nós temos uma capacidade humana chamada imaginação, que é
mais desenvolvida e livre em uns e menos em outros, que tem o poder de ampliar,
distorcer,

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