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PE. JERÔNIMO GASQUES SÃO JOSÉ: O LÍRIO DE DEUS Resgatando a devoção na piedade popular 2 ÍNDICE Capa Rosto Oração a São José Introdução Meditação sobre São José A imagem de São José: significado e simbolismo Outras considerações Sobre São José Os documentos pontifícios sobre São José As homilias do papa francisco sobre São José O que os santos disseram sobre São José O pequeno devocional Josefino O pequeno ofício de São José Hinos populares a São José Apêndice: decreto paternas vices Conclusão Sobre o autor Coleção Ficha catalográfica Notas 3 kindle:embed:0002?mime=image/jpg “...Aprendam com os lírios do campo, como crescem, eles que não trabalham nem fiam” (Mt 6,28). “Muitos vivem em grandes cidades e, por isso, jamais contemplam os lírios do campo; muitos habitam no campo e passam por eles todos os dias sem considerá-los sequer uma vez. Ah! quantos de fato contemplam os lírios do campo como Jesus contemplava?” (Søren Kierkegaard). Sobre esse precioso lírio humano – São José – é que vamos tecer algumas considerações... 4 A ORAÇÃO A SÃO JOSÉ vós, São José, recorremos em nossa tribulação e, tendo implorado o auxílio de vossa santíssima esposa, cheios de confiança, solicitamos também o vosso patrocínio. Por esse laço sagrado de caridade que vos uniu à Virgem Imaculada Mãe de Deus, e pelo amor paternal que tivestes ao Menino Jesus, ardentemente vos suplicamos que lanceis um olhar favorável sobre a herança que Jesus Cristo conquistou com o seu sangue, e nos socorrais em nossas necessidades com o vosso auxílio e poder. Protegei, ó guarda providente da divina Família, o povo eleito de Jesus Cristo. Afastai para longe de nós, ó pai amantíssimo, a peste do erro e do vício. Assisti-nos do alto do céu, ó nosso fortíssimo sustentáculo, na luta contra o poder das trevas, e assim como outrora salvastes da morte a vida ameaçada do Menino Jesus, assim também defendei agora a Santa Igreja de Deus das ciladas do Inimigo e de toda adversidade. Amparai cada um de nós com o vosso constante patrocínio, a fim de que, com vosso exemplo e sustentados com o vosso auxílio, possamos viver virtuosamente, morrer piedosamente e obter no céu a eterna bem-aventurança. Amém (Leão XIII. Quamquam Pluries, 15 de agosto de 1889). 5 N INTRODUÇÃO osso trabalho revela a necessidade que temos de considerar São José com mais cuidado espiritual e pastoral na vida cristã e resgatar a sua devoção na piedade popular. Ele foi o guardião da santa família de Nazaré. Com isso em vista, colocamos sob sua proteção a nossa família, para a distinção e compreensão da sua figura entre nós. Com ele, abençoamos nossos leitores. É muito mais do que certo que São José ensinou Jesus a ler e a escrever e lhe deu as primeiras lições de vida. Faremos, aqui, uma incursão em sua “vida” para conhecê-lo um pouco mais e dá- lo a todos os sedentos do seu Filho. Vamos tentar descobrir, com a nossa modesta inteligência, algumas pétalas desse lírio e apreciar o seu perfume. São José é um novo odor que começa a aparecer na Igreja nessas últimas décadas. Por ser o “homem do silêncio” não teríamos muito que dizer, mas ousar refletir sobre José é um passo de majestosa iniciativa. Iremos, com este texto, às fontes: os evangelhos, a Tradição cristã da Igreja, o que os santos nos legaram de sua espiritualidade, o devocionário popular e faremos uma incursão na intuição para descobrir nossa espiritualidade josefina. Sabemos, todavia, que não é fácil, pois é um caminho árduo. Poderíamos nos apropriar dos livros apócrifos para descobrir um José fora dos eixos da Revelação, mas não faremos esse percurso. Preferimos o mais demorado e descendente ao íntimo das pessoas que cultivaram essa devoção pelos séculos afora. Tentaremos desvendar esse sagrado silêncio. Buscaremos, na fonte primária de nossa intuição, o José que se aninha naquele ambiente ensolarado da Palestina, onde o brilho tende a se esmaecer; retiraremos um pouco da poeira acumulada pelos séculos, e traremos à tona o José escondido nas fímbrias da história e do tempo. Resgataremos a espiritualidade para o nosso momento. São José é sempre assim: paralelo aos olhos do perceptível, mas junto ao coração dos seus admiradores; um pouco distante pela humildade, mas presente nas diversas ocasiões da vida do povo. Daremos um olhar atento ao “ide a José” nos momentos de mais apertos como fizera Teresa. Como nos lembra a sagrada liturgia: “à solícita guarda de São José, na aurora dos novos tempos, os mistérios da salvação” (Missal Romano, coleta). Em 2014, comemoraram-se os 25 anos da publicação da Exortação Apostólica Redemptoris Custos (João Paulo II) e os 125 anos da Carta Encíclica Quamquam Pluries (Leão XIII) sobre São José.[1] Os anos passam e a admiração por São José tem crescido bastante, graças a um trabalho constante de divulgação da piedade josefina. Esse trabalho é feito nas paróquias, em encontros de estudo e congressos espalhados pelo mundo todo. Certamente é uma tarefa muito demorada e tem levado séculos para se firmar na fé devocional do povo católico. Ainda estamos lentos, pelos anos de descuido e esquecimento em que a devoção ficou. Este livro é mais um incentivo religioso de roteiro espiritual na descoberta 6 pastoral, religiosa, devocional e mental sobre São José. Estamos propondo uma catequese e uma modesta evangelização sobre o glorioso São José. Não temos todos os elementos que desejaríamos, mas temos a determinação em propagar a sua devoção. Assim escreveu o santo papa João Paulo II: Chamado a proteger o Redentor, “José fez como lhe ordenara o anjo do Senhor e recebeu a sua esposa” (Mt 1,24). Inspirando-se no evangelho, os Padres da Igreja, desde os primeiros séculos, puseram em relevo que São José, assim como cuidou com amor de Maria e se dedicou com empenho jubiloso à educação de Jesus Cristo, assim também guarda e protege o seu Corpo místico, a Igreja, da qual a Virgem Santíssima é figura e modelo (João Paulo II, Redemptoris Custos, 1). Na sua linguagem poética, Francis Jammes[2] anota os dizeres de Santa Teresa ao fazer-nos esta promessa: “Meus filhos, juro: aquele que caminha com ar modesto, com a régua ao ombro e o sorriso na barba, nunca vos há de abandonar...” (apud Michel Gasnier). O silêncio de São José O que mais nos incomoda nele é o seu silêncio. Podemos tecer uma infinidade de questionamentos a esse respeito. Como foi possível guardar tantos segredos? Viver sem desejar ser notado? Onde encontrou tanta força para guardar esse mistério? Seria pura virtude? E os vizinhos, o que diziam? Seria um marido muito diferente ou tão comum que nem era notado como especial? O que José pensava sobre tudo isso? Como se relacionava com sua Maria? E com seu dileto Jesus? Como seria o seu dia a dia? Seria um homem excêntrico? Seus amigos, o que diziam? Os parentes sabiam desse mistério? Como seria tudo isso no silêncio de uma vida quase secreta? Como seria o seu comportamento na oficina e no atendimento aos fregueses? Quando precisou de alguém que o representasse sobre a terra, Deus não encontrou ninguém melhor do que ele para assumir essa imensa responsabilidade. Quem era, então, esse homem em quem Deus confiava tanto, de quem sabemos tão pouco? Por que ficou tão escondido? Quando se apresentava, como o fazia? Enfim, “que abismo interior” – reflete Gasnier – “não devia trazer no seu íntimo o homem que se via obedecido por Jesus e por Maria, o homem que convivia familiarmente com esses mistérios e a quem o silêncio revelava as profundidades do seu segredo! Quando serrava as suas madeiras e via o Menino trabalhar sob as suas ordens, os seus sentimentos, aprofundados por essa situação inaudita, mergulhavam no silêncio que os aprofundava ainda mais. E, da profundidade onde vivia com o seu trabalho, teve a fortaleza de não alardear perante os homens: ‘O Filho de Deus está aqui’”. Michel Gasnier escreveu com maestria seu livro José, o silencioso, editado na França, no final do século XIX, com o título em francês Trente Visites à Joseph Le silencieux. O autor procurareconstruir a vida e a trajetória espiritual e modesta do 7 nosso patriarca: O silêncio é o seu louvor, o seu modo de ser, a sua atmosfera. Onde está José, reina o silêncio. Dizem alguns viajantes que, quando a águia levanta voo, o peregrino sedento adivinha a existência de uma fonte no lugar do deserto onde se projeta a sombra dessa ave; escava então a terra nesse lugar, e eis que a água brota. A águia dissera-o, na sua linguagem, ou seja, voando, e dessa forma a beleza se converteu em utilidade: quem sente sede, compreendendo a linguagem da águia, busca a fonte no meio da areia e encontra água.[3] Não importa a verdade dessa lenda, mas o símbolo que ela representa a todos os devotos de São José. “Quando a sombra de São José se projeta em alguma parte, o silêncio não está longe dali. Cave-se a areia, símbolo da natureza humana, e brotará a água. E a água será aquele silêncio profundo no qual todas as palavras estão contidas; aquele silêncio vivificante, refrescante, apaziguador, saciante: o silêncio substancial. Onde se projeta a sombra de São José, a substância do silêncio, insondável e pura, brota do mais profundo da natureza humana”, afirma o autor. Elogiando e admirando a figura de José, dizia Pierre Blanchard: O silêncio é a pátria dos fortes e dos fracos, dos saudáveis e dos doentes, dos santos e dos criminosos. Há homens que se libertam pelo silêncio; há os que só a palavra libertaria. O silêncio é um dos aspectos do mistério do homem. E a Bíblia completa: “Yahvé é bom para o que nele espera, para a alma que o busca. É bom esperar em silêncio a salvação de Yahvé” (Lm 3,25s). “Um santo amadurece no silêncio...” (G. Bernanos). Às vezes, por não termos nenhuma palavra de José, nos evangelhos, o transformamos em um mudo. Entretanto, o silêncio que o acompanha revela, conforme Santa Teresa do Menino Jesus, o seu perfil interior. Nesse perfil interior, Jesus e Maria tiveram participação, e a casa de Nazaré tornou-se assim a escola do evangelho, um templo de graça. Ali Jesus submeteu-se a José e Maria, santificando assim, os deveres da família e do trabalho (cf. Curso de josefologia). O papa Bento XVI refletiu sobre esse mistério em uma de suas alocuções na Praça de São Pedro. Na ocasião meditou o seguinte: O silêncio de São José não manifesta um vazio interior, mas, ao contrário, a plenitude de fé que ele traz no coração, e que orienta todos os seus pensamentos e todas as suas ações. Um silêncio graças ao qual José, em uníssono com Maria, conserva a Palavra de Deus, conhecida através das Sagradas Escrituras, comparando-a continuamente com os acontecimentos da vida de Jesus; um silêncio impregnado de oração constante, de oração de bênção do Senhor, de adoração da sua santa vontade e de confiança sem reservas na sua providência. Não se exagera, se se pensa que, precisamente do “pai” José, Jesus adquiriu no 8 plano humano aquela vigorosa interioridade, que é o pressuposto da justiça autêntica, da “justiça superior”, que um dia ele ensinará aos seus discípulos (cf. Mt 5,20). Deixemo-nos “contagiar” pelo silêncio de São José! Temos tanta necessidade disso, num mundo muitas vezes demasiado ruidoso, que não favorece o recolhimento, nem a escuta da voz de Deus (Bento XVI, Angelus, 18/12/2005). Por que escrevemos este livro Desejamos descobrir a devoção a São José, ou, melhor dizendo, redescobrir essa espiritualidade devocional. Por anos e séculos São José ficou “escondido” entre os altares como uma figura singular na Igreja. Não houve destaque; era apreciado de forma acanhada e distante de sua realidade como homem de Nazaré. Adequava-se à sua maneira de ser apresentada nos evangelhos: humilde e, aparentemente, de pouca ação. Sempre esteve ali e nunca exigiu ser notado. Muitos entendem que foi mais uma figura de “decoração” que de plausível admiração. Desde pequeno, quando ia à minha Igreja paroquial – dedicada a São José –, me sentia atraído por aquela figura de destaque entre as tantas estatuetas nos altares laterais da Matriz. Não imaginava que um dia estudaria teologia, participaria de momentos de devoção josefina e, também, tentaria escrever um livro sobre ele. Aquele silêncio sairia do seu escondimento para as mãos e olhares atônitos dos leitores que usufruiriam dos mesmos privilégios que eu. Sinto-me agradecido por estas modestas linhas. No que tange à sua devoção, havia as orações, as pequenas devoções. No dia 19 de março, todos os seus devotos lhe prestavam homenagens, faziam a procissão com o seu andor bastante enfeitado, apresentavam-lhe lírios, mas não passava desse humilde reconhecimento. Acho que São José não se importava muito. Era bem o seu estilo humilde, simples, modesto, mas enérgico, candente e temerário. São José, contudo, era uma presença inquestionável aos paroquianos. Vindo ser pároco de uma paróquia dedicada a São José, não foi nada diferente. O mesmo percurso com poucas paradas para se observar José de forma reverente, mas distante e sem novidades. Em geral, sempre imaginamos José sem grande alvoroço, observado mais como um senhor idoso e, de certa forma, inerte, que ouviu e aceitou a proposta do anjo. Parece que José não cabe no diário adulto e ativo de um cristão, tão humilde que parece apagado entre os demais. O mistério ronda sua figura. O que mais se admira na devoção josefina é que as pessoas não lhe são devotas todos os dias. De tempo em tempo elas aparecem para lhe trazer um lírio em sua homenagem ou nos dias dezenove de cada mês, mas de forma mais ativa no dia 19 de março. A região Nordeste do Brasil manteve mais sua devoção. Ali ele é mais “admirado”. Talvez a influência missionária, a influência do querido padre Cícero e do frei Damião, que trouxeram à lembrança sua guarda, e a situação da seca fizeram São José ser presença de destaque nos conflitos humanos e o “santo da chuva”. São José é o operário sofrido, o retirante nordestino identificado na fuga para o Egito. É o agricultor que amanhece o dia de cara pra cima, à procura de um sinal de chuva, e aposta todas as suas esperanças de inverno no dia de São José. É o homem 9 sedento de justiça, o pai de família que tenta educar os filhos numa sociedade consumista, ameaçada por todo tipo de violência. É a história do sem-teto que procura uma gruta de Belém para abrigar a família. São José é o padroeiro do Ceará. “Sua trajetória de vida”, afirma o repórter Antonio Vicelmo, “é a saga da maioria daqueles que aparentemente não têm história. Deixar o Egito significava abandonar um país idólatra e estranho e tornar a conviver com a gente simples e humilde de Nazaré. Significava voltar a morar na pequena e pobre casa construída de pedras calcárias, com o teto coberto apenas com uma estrutura de barro amassado” (Diário do Nordeste, 19/3/2009). José não é, certamente, um homem de destaque. E não deveria ser nunca. José é um modesto lírio que se realça entre as demais flores do jardim divino: a criação. Ele é porque é. Não necessita de evidência, de alarido, de clarim; ele é um brilho especial de Deus. Ele é um lírio dentre muitos outros no desfiladeiro desse jardim. Ele não é uma figura de relevo nas Escrituras, apenas o homem do silêncio e do sim, obediente ao plano de Deus. Alguém que soube ouvir a voz do seu tempo e, na sabedoria do seu escondimento, se destacou aos olhos de Deus como qualquer outro servo obediente. O silêncio e o sim de São José não é um pouco insignificante como às vezes pensamos. É o máximo de expressão, de verbo e ação de um homem voltado para o divino. Assim foi com Abraão, foi com Maria, com os profetas... Dessas duas palavras nasceram coisas novas e vidas transformadas. O sim transforma qualquer decisão, e o silêncio sela a promessa. São José não disputa um lugar à parte com outros do seu tempo. Vivemos um momento de profundo personalismo; cada um querendo o seu lugar de proeminência no “arraial” evangélico. Outros querem santos que se destaquem pela sua exuberância, pelos milagres, pelos sinais extraordinários. Nele quase nada disso aparece. Nesse sentido ele é exótico.Ele é belo e frondoso, como os lírios dos campos, despercebidos, mas influentes. Sem ser notados, enfeitam os palcos, as encostas, os vales, os jardins, as casas etc. São José soube viver como um lírio, sem ser notado e sem destaque. Aquietou-se no seu silêncio. Ele é como o lírio do campo, sem jardineiro humano, apenas devotado no silêncio divino; cresceu e viveu à mercê da natureza e da providência divina. Deus é o seu jardineiro; não necessitou de outro cuidado. José está aí, belo, frondoso e sempre jovem. Cresceu e viveu escondido como modesto artesão. Foi um artista que descobriu o divino no humano caminhar. São José é assim: simples como a brancura de um lírio. São José é o homem do caminho. “Quando José despertou do sono, fez como o anjo do Senhor lhe havia ordenado e acolheu sua esposa” (Mt 1,24). José não perdeu tempo, confiou na palavra do anjo e o seu temor se transformou em um sereno colocar-se à disposição de Deus. O santo papa João Paulo II diz que o seu silêncio tem uma especial eloquência: “graças a tal atitude, pode captar perfeitamente a verdade contida no juízo que dele nos dá o evangelho: o justo” (RC, 17a). O papa continua refletindo sobre o sentido de ser “justo” e acrescenta: “é necessário saber ler bem esta verdade, porque nela está contido um dos mais 10 importantes testemunhos acerca do homem e da sua vocação. No decurso das gerações a Igreja lê, de maneira cada vez mais atenta e mais cônscia, este testemunho, como que tirando do tesouro desta insigne figura “coisas novas e coisas velhas” (cf. Mt 13,52) (RC, 17b). Nos dias de hoje, à semelhança de Leão XIII, [“Ainda que por diversas vezes já tenhamos suplicado que se fizesse em todo o mundo orações especiais e se recomendassem vivamente a Deus os interesses da Igreja, todavia, ninguém fique admirado se de novo sentimos a necessidade de inculcar o mesmo dever”] podemos invocá-lo contra as forças do mal que ameaçam a fé cristã e, no pensamento de São João Paulo II, a distinção: Afastai de nós, ó pai amantíssimo, esta peste de erros e de vícios. Assisti-nos propício, do céu, nesta luta contra o poder das trevas... E assim como outrora livrastes da morte a vida ameaçada do Menino Jesus, assim hoje defendei a santa Igreja de Deus das ciladas do inimigo e de todas as adversidades. Hoje ainda temos motivos que perduram para recomendar todos e cada um dos homens a São José (RC, 31c). José é o homem maravilhado. Por duas vezes, ele e Maria se maravilham das coisas que diziam sobre seu Filho Jesus. As tantas coisas ouvidas e vistas – a visita dos reis magos, o canto dos anjos, a presença dos pastores e mesmo a fuga para o Egito – foram razões suficientes para o casal se maravilhar pelo acontecimento. Quando chega o momento de apresentar o Menino no Templo, José, que leva a modesta oferenda de um par de rolas, vê como Simeão e Ana proclamam que Jesus é o Messias. “Seu pai e sua mãe ouviram com admiração”, diz São Lucas (2,33). Mais tarde, quando o Menino fica no templo sem o conhecimento de Maria e José, ao encontrá-lo, depois de o procurarem três dias, o mesmo evangelista narra que “se maravilharam” (2,48). Nosso livro tratará de levantar a bandeira josefina para que tenhamos a coragem de mostrar essa figura tão querida pela Igreja. “Todos os cristãos, por isso, de quaisquer condições e estado, têm bons motivos para se confiarem e se abandonarem à amorosa proteção de São José” (Leão XIII). Levantar José é trazê-lo para a comunidade de fé. Levei décadas amontoando coragem para escrever sobre São José. Esse é o meu intento, essa é a razão deste livro! 11 N 1 MEDITAÇÃO SOBRE SÃO JOSÉ osso livro traz o título: São José – o lírio de Deus. Sobre esse lírio é que vamos discorrer neste livro modesto. Vamos refletir sobre o lírio e o seu símbolo, as razões e as motivações que levaram a Tradição a colocar um lírio nos braços de São José. Descobrir esse sentido é encontrar um pouco de José na caminhada do povo. Vamos conferir a história, a botânica e a Bíblia e quais os legados que elas nos deixaram nesses quesitos. Nesse conjunto de eventos, descobrimos o José que se esconde entre os jardins de várias tonalidades de lírios, os santos homens preferidos de Deus. Um José assim, somente o de Nazaré. Um pouco de sua origem O lírio é o nome comum dado a uma flor de nome Lilium que pertence à família Liliaceae e tem sua origem registrada em algumas regiões do Hemisfério Norte. Há centenas de espécies de lírio no mundo, todavia, apesar da imensa variedade, não deixa de ser uma flor requisitadíssima nas floriculturas, pelo seu encanto, mistério, magia e sedução. É uma flor antiquíssima e sua história mistura-se a crendices, lendas, misticismo, simpatias e religião. Seu caule é alongado, o que presta uma imagem de elegância à flor que sempre fez parte de decorações de palácios, festivais, e sua imagem até hoje é o símbolo preferido de muitos brasões das tradicionais famílias reais europeias. É uma flor exótica muito mencionada em livros sagrados como a Bíblia. É usado em sentido figurado (Ct 2,1; 5,13; Os 14,6). “Eu sou o narciso de Saron; o lírio dos vales” (Ct 2,1). “Suas faces são iguais a um canteiro de bálsamo, como torres de ervas perfumadas. Seus lábios são como lírios a gotejar mirra líquida” (Ct 5,13). “Serei como o orvalho para Israel. Ele florescerá como lírio e estenderá raízes como o cedro do Líbano” (Os 14,6).[1] Narra-nos o evangelho que Jesus, convidando seus discípulos a confiarem na providência, deixou-nos estas palavras: “... Aprendam com os lírios do campo, como crescem, eles que não trabalham nem fiam” (Mt 6,28). Representando a pureza, a castidade e a inocência, no cristianismo e em outras religiões também, o lírio é presença garantida em 90% (noventa por cento) dos buquês de flores de noivas no mundo todo. O lírio tem uma substância inserida no seu perfume que lhe é bem peculiar – as rosas também a possuem, mas em menor quantidade –, é a feniletilamina, que auxilia o organismo a produzir endorfinas, causando uma maravilhosa sensação de tranquilidade e bem-estar. Seu odor se espalha causando uma sensação muito agradável no ambiente. Aqui, em nossa igreja, as pessoas apreciam muito os inúmeros vasos de lírios espalhados pela igreja. A sensação de espiritualidade é muito grande. O odor é uma expressão de adoração. Um dos significados atribuídos à palavra lírio é “amor eterno”; quem o batizou 12 assim foram os povos chineses, que o cultivam há mais de três mil anos. Na China, o lírio significa fartura e calor, é a flor associada à chegada do verão chinês. Possuidor de um aroma peculiarmente doce e envolvente, o lírio, quando colocado em arranjos e buquês de flores, se torna o centro das atenções, pois é uma flor de beleza ímpar e uma das mais chamativas, alegrando qualquer ambiente. É considerado por muitos como o “rei das flores”. Assim como existe uma variedade absurda de espécies, há também uma enorme quantidade de cores em suas pétalas, cada uma trazendo um significado ou simbologia diferenciada. Vejamos alguns deles: O lírio é uma flor citada com frequência na Bíblia, e os judeus decoravam seus primeiros templos com lírios, que simbolizavam simplicidade e pureza. Uma flor que vicejava nos largos vales da Palestina (cf. Ct 2,1). Crescia entre os espinhos (cf. Ct 2,2) e nos pastos (cf. Ct 2,16; 4,5 e 6,3). Foi cultivada nos jardins (cf. Ct 6,2). Tem perfume semelhante à Mirra (cf. Ct 5,13). A sua formosura é indicada quando o Senhor promete a Israel penitente que florescerá como o lírio (cf. Os 14,5). Assim como Deus cuida dos lírios que crescem com formosura, ele cuida de nossos filhos (cf. Mt 6,28). Os lírios foram usados para enfeitar o templo do Deus Altíssimo, assim como as crianças enfeitam a igreja e nosso lar (cf. 1Rs 7,19.22-26). No cristianismo, o lírio representa também, além da pureza, castidade e sofrimento. Acredita-se que Eva chorou quando deixou o Jardim do Éden, e suas lágrimas, ao tocarem o chão, se transformavam em lírios. Nos países católicos, essa flor é símbolo da VirgemMaria, e, na Páscoa, um símbolo de ressurreição. Alguns santos católicos são retratados segurando lírios, como, por exemplo, São José, Santo Antônio, Santa Rita de Cássia, dentre outros. Não é por acaso que essa plêiade de santos segure lírios em suas mãos. No evangelho, temos a famosa observação de Jesus àqueles que viviam à mercê de preocupações diárias: “...Aprendam com os lírios do campo, como crescem, eles que não trabalham nem fiam” (Mt 6,28). Ainda sob a tradição bíblica, o lírio é sinônimo de uma escolha feita, de um eleito. Eles estão nas mãos de Deus. Eles simbolizariam o abandono místico à graça de Deus. São José representa essa figura de forma sublime. Na tradição oriental e mística Muitos veem o lírio como o equivalente ocidental para a flor de lótus, sagrada no Oriente. No Japão e na China, o lírio é considerado uma flor que tem o poder de diminuir a dor da perda, e as mulheres em luto a costuravam em seus cintos. Os antigos gregos o dedicavam a Hera, esposa de Zeus. De acordo com a mitologia grega, o leite de Hera caiu na Terra enquanto ela amamentava Hércules, criando os primeiros lírios. A mitologia conta que Zeus, em um de seus envolvimentos com mortais, gerou Hércules. Tendo se afeiçoado a ele, Zeus quis que ele fosse imortal. Para que isso acontecesse, esperou que sua esposa Hera adormecesse e o levou para ser amamentado por ela sem que fosse percebido. Mas Hércules sugou o leite com 13 tamanho ímpeto que este continuou jorrando mesmo depois de ter saciado a criança. Do leite que foi derramado no céu, surgiu a Via Láctea e, do que caíra sobre a terra, surgiu o lírio. Também segundo a mitologia, foi colhendo um lírio que Perséfone foi raptada por Hades. Ela é a deusa das ervas, flores, frutos e perfumes. É filha de Zeus e Deméter. Os romanos associaram o grande pistilo da flor à sexualidade. O lírio é mencionado muitas vezes na Bíblia, representando a pureza. Algumas espécies especialmente simbólicas incluem o copo-de-leite, o lírio-branco ou japonês, o lírio- do-campo e a flor-de-lis. A flor-de-lis é uma representação estilizada de um lírio de três pétalas com sépalas caídas. Tem sido usada para simbolizar a realeza francesa desde o século XII. Monarcas ingleses, mais tarde, a utilizaram em brasões como o símbolo da conquista inglesa sobre o trono francês. No simbolismo cristão, representa pureza e a Virgem Maria. As três pétalas também vieram a representar a Santíssima Trindade. Para o movimento de escoteiros, ela é parte de seu emblema mundial, e representa os três pontos da promessa escoteira (Deus, pátria e próximo). Além disso, a flor-de-lis é o símbolo oficial da província do Quebec, no Canadá. A simbologia dos lírios está também numa das cartas do baralho cigano, a de número 30. Num jogo ela representa além da pureza, verdade e franqueza, virtudes e bons dotes morais. Ela nos ensina que, em meio às grandes adversidades da vida, ainda é possível encontrar a paz interior e buscar o que há de melhor em nós. Apenas uma observação: no brasão do papa Francisco existe uma representação simbólica de São José. Ali, não é representado com o lírio, mas com a flor de nardo simbolizando São José, patrono da Igreja universal, que, na tradição da iconografia hispânica, é representado com um ramo de nardo nas mãos. Enfim, em síntese, São José é o esposo da Virgem Maria e padrasto de Jesus [com um pouco de receio de se dizer pai]. Ele figura na infância de Jesus conforme a narrativa de Mateus (1-2) e Lucas (1-2) e é descrito como um homem justo. Mateus descreve os pontos de vista de José, e Lucas descreve a infância de Jesus com José. Lendas contadas sobre São José Lendas são histórias que se contam sobre pessoas e mistérios, entre vivos e mortos. “De caráter fantástico e/ou fictício, as lendas combinam fatos reais e históricos com fatos irreais que são meramente produto da imaginação aventuresca humana. Uma lenda pode ser também verdadeira, o que é muito importante” (cf. Wikipédia). Lendas são narrativas transmitidas oralmente, visando explicar acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais, misturando fatos reais com imaginários ou fantasiosos, e que vão se modificando através do imaginário popular. À medida que se tornam conhecidas, vão sendo registradas na linguagem escrita. No Brasil há inúmeras lendas (mula sem cabeça, bruxa, saci-pererê, boto etc.) influenciadas diretamente pela miscigenação do povo brasileiro. Devemos levar em conta que uma lenda não significa uma mentira, tampouco uma verdade absoluta. Mas devemos considerar que uma história, para ser criada, defendida e, o mais 14 importante, ter sobrevivido na memória das pessoas, deve ter no mínimo uma parcela de fatos verídicos. Todos os povos têm suas lendas, suas narrativas e seus motivos de ufanismo, glória e desatinos. Sobre São José, existem algumas histórias conhecidas pelo povo, que a tradição nos legou. Vamos registrar apenas algumas como modelo e para reflexão, tendo como base a devoção de São José, pois sabemos que existem centenas delas. São José de Ribamar. Era o ano de 1627, no Estado do Maranhão, na sesmaria de Francisco Coelho de Carvalho. Conta a lenda que um navio que vinha de Lisboa para São Luís desviou-se de sua rota e, em plena Baía de São José, esteve ameaçado de naufrágio por uma grande tempestade. O capitão invocou a proteção de São José, prometendo erguer uma capela no povoado que avistava ao longe. Tal foi a força das súplicas, que imediatamente o mar se acalmou e todos chegaram à terra sãos e salvos. Para cumprir a promessa, o capitão trouxe de Lisboa uma imagem de São José e colocou na modesta igrejinha do povoado, erguida de frente para o mar. Este povoado se tornaria São José de Ribamar. A lenda ainda conta que, muito próximo dali, havia uma antiga aldeia indígena chamada Anindiba, atualmente município de Paço do Lumiar. Os moradores daquele lugar acharam que a imagem deveria ser removida da igrejinha e levada para Anindiba, e, ao cair da noite, sem que ninguém percebesse, eles transportaram a imagem de lá. Ao amanhecer, a imagem não se encontrava mais em Anindiba, pois, misteriosamente, ela voltou à igrejinha de origem. Os moradores tornaram a repetir a transferência e colocaram pessoas a vigiar o santo. São José, entretanto, transformando seu cajado em luzeiro, desceu da Igreja de Anindiba e, protegido por anjos e santos, voltou a Ribamar. E o caminho por onde ele ia passando encheu-se de suaves rastros de luz. Só assim os moradores de Anindiba compreenderam que o santo queria permanecer em sua igrejinha, de frente para o mar. Tempos depois, quando da construção de uma nova igreja, resolveram fazê-la de frente para a entrada da cidade, mas as paredes da igreja várias vezes ruíram, até que os fiéis compreenderam que a igreja de São José de Ribamar deveria permanecer de frente para o mar, como se encontra até hoje. A Lenda do Pássaro Azul. Para conhecer a história de São José do Rio Preto (SP), é preciso passar pela Lenda do Pássaro azul. A lenda diz que, depois de montar o acampamento nas margens do Rio Preto, os pioneiros Antônio de Carvalho e Silva, Luiz Antônio da Silveira e Vicente Ferreira Neto entraram na mata para fazer o reconhecimento da região e demarcar as terras férteis. Atravessaram os córregos do Borá e Piedade, avançando pela floresta, fazendo picadas a golpes de foice e facão. A mata era muito fechada e de acesso difícil. No terceiro dia de caminhada, eles perceberam que estavam perdidos e não conseguiam encontrar o caminho de volta. Cansados e sem comida, decidiram fazer uma promessa. Cada um deles prometeu um pedaço de terra para os seus santos de fé. Antônio fez promessa a São José, Luiz, a Nossa Senhora do Carmo, e Vicente, a São 15 Vicente Ferrer. Dormiram e foram acordados de manhã pelo canto bonito e exótico de um pássaro desconhecido, de lindas penas azuis. Além do canto, o pássaro parecia querer lhes mostrar alguma coisa, cantando e saltitando de galho em galho. Intrigados, acompanharam os movimentos do pássaro, até então jamais visto poreles, e descobriram a saída, regressando sãos e salvos ao acampamento. Classificaram a presença do pássaro como um milagre e decidiram cumprir a promessa. Tomaram posse de grandes extensões de terra, se estabeleceram, abriram suas fazendas e fizeram as doações das terras prometidas. As doações teriam sido feitas em 1847 e oficializadas em 19 de março de 1852, data que marca a fundação de São José do Rio Preto, numa festa religiosa promovida por outro pioneiro, João Bernardino de Seixas Ribeiro. Lenda do bastão de São José. De acordo com uma antiga lenda, Maria e as outras virgens do Templo receberam ordens para retornar a sua casa e se casarem. Quando a Virgem Maria recusou-se, os anciões oraram por instruções, e uma voz no Santuário lhes instruiu a chamarem todos os homens da Casa de Davi que podiam se casar e que eles deixassem seus cajados no altar do Templo durante a noite. Nada aconteceu. Os anciões então chamaram também os viúvos, entre eles estava José. Quando o cajado de José foi encontrado na manhã seguinte coberto de flores (as flores no bastão de Jessé), a ele foi dito para tomar a Virgem Maria como esposa e que a guardasse para o Senhor. Muitas vezes, na iconografia, o cajado florido nas mãos de São José é mostrado como um bastão de lírios. Daqui nasceu a tradição do lírio em seus braços e a lembrança de que ele, certamente, era um viúvo ou uma pessoa muito mais idosa que se casou com Maria. A escada de São José. Há na cidade de Santa Fé, no Estado do Novo México (EUA), uma capela conhecida como “Loretto Chapel”. Nela destaca-se uma bela e despretensiosa escada. A piedade tradicional atribui a construção a São José. Em 1898, a capela passou por uma reforma. Um novo piso superior foi feito, porém faltava a escada para subir. As irmãs consultaram os carpinteiros da região e todos acharam difícil fazer uma escada numa capela tão pequena. As religiosas, então, rezaram uma novena a São José para pedir uma solução. No último dia da novena, apareceu um homem com um jumento e uma caixa de ferramentas. Ele aceitou fazer a escada, porém exigiu que fosse com as portas fechadas. Meses depois a escada estava construída como queriam as irmãs. No momento de pagar o serviço, o homem desapareceu sem deixar vestígios. As religiosas puseram anúncios no jornal local e procuraram por toda a região sem encontrar qualquer notícia ou informações sobre o desconhecido carpinteiro. Nesse momento as irmãs perceberam que o homem poderia ser São José, enviado por Jesus. Há vários elementos que reforçam a aura de piedoso mistério que envolve a construção da escada: 16 – A madeira utilizada não é da região, e ninguém sabe como foi parar lá. Também não foi utilizado prego na escada, apenas pinos de madeira. – Além do mais, é misterioso que ela se mantenha em pé, pois é do tipo caracol e não tem apoio central. Na verdade apenas um apoio lateral metálico foi acrescentado posteriormente, que não resolve a essência da incógnita. Diz-se que engenheiros e arquitetos não conseguiram desvendar a física por trás da obra. – Por fim, a escada tem 33 degraus, a idade de Jesus Cristo, o que reforça ainda mais a suposição de um fenômeno de origem sobrenatural. A capela recebe em média 200 casamentos por ano e centenas de turistas. Ela ficou conhecida como a “Escada Milagrosa”. Grande número de artigos e programas de TV foram dedicados a ela e seus “mistérios” (cf. <http://www.lorettochapel.com/staircase.html>). Enfim, quem era São José? Apenas complementando – pois, no corpo do texto, descreveremos sua silhueta –, a profissão de José é mencionada pelo evangelista Mateus quando afirma, no capítulo 13 e versículo 55 de seu evangelho, que Jesus era filho de um tekton (τέκτων): termo grego que costuma receber várias interpretações. Ainda que a tradição lhe atribua estritamente a profissão de carpinteiro, o fato é que o título grego é genérico, sendo usado para designar os trabalhadores envolvidos em atividades econômicas ligadas à construção civil. Outras vertentes costumam considerar José como sendo um canteiro, ou seja, um operário que talhava artisticamente blocos de rocha bruta (cf. Wikipédia). Os evangelhos afirmam que Jesus, antes de iniciar sua vida pública, desempenhou a profissão do pai. O primeiro evangelista que atribui a Jesus o título de carpinteiro é São Marcos (no capítulo 6, versículo 3), ao relatar a visita a Nazaré, onde seus compatriotas chamavam-no ironicamente pela profissão para desqualificá-lo como pregador. Mateus, por sua vez, retoma o mesmo episódio na sua versão do evangelho, mas com uma variante: “Não é o filho do carpinteiro? Não se chama a mãe dele Maria e os seus irmãos Tiago, José, Judas e Simão?” (Mt 13,55). 17 http://www.lorettochapel.com/staircase.html T 2 A IMAGEM DE SÃO JOSÉ: SIGNIFICADO E SIMBOLISMO odos nós, católicos, conhecemos uma imagem! Vemos aquela escultura e dizemos que é este ou aquele santo; identificamos pelo hábito de observar. O costume de sempre observar a mesma imagem nos afeiçoa à pessoa que ela identifica. No caso de São José, como ter a certeza de que essa figura é igual à sua pessoa? Na realidade, isso não tem muita importância, pois ele é anterior ao mundo da fotografia; nós não cultuamos a pessoa (a imagem), mas a ideia, a sua originalidade. Talvez alguns pintores se aprimoraram em pensar a figura de São José. O mais provável é que ela tenha sido desenvolvida com o passar das décadas. O artista junta e recolhe a “pintura” falada com a ideia subjacente à pessoa retratada na Bíblia ou na história (como veremos mais abaixo). O artista descreve, pinta ou esculpe uma inspiração. Certamente, esse é o trabalho mais difícil na arte de representar uma personalidade distante dos tempos atuais. Apenas os santos da modernidade tiveram suas faces registradas em fotografias originais (Santa Teresinha, São João Bosco, São João Paulo II etc.). Os demais ficaram à mercê da genialidade dos artistas (pintores, escultores). Os possíveis acréscimos não desmerecem a figura representativa do santo ou da santa. Os católicos não cultuam uma imagem, mas aquilo que ela representa em seu imaginário devocional. O que a Bíblia diz sobre as imagens Com o surgimento do protestantismo (século XVI) e os novos movimentos pentecostais (década de setenta), a ideia de “imagem” ficou limitada ao mundo católico com muitos questionamentos. De certa forma, muitos católicos têm restrições em aceitar imagens tanto quanto movimentos evangélicos com vertente protestante. A convivência protestante nos fez reticentes quanto à veneração das imagens. É bem conhecido o fato de que, no Antigo Testamento, se proíba que os israelitas façam imagens e que lhes prestem cultos (cf. Ex 20,4-5; Dt 5,8-9). Os profetas, em particular Isaías e Jeremias, ridicularizam o culto às imagens idolátricas (cf. Is 44,9- 20; Jr 10,1-16). O episódio do bezerro de ouro (Ex 32), como os de Jeroboão (1Rs 12,26-33) ilustram as consequências da transgressão. Veja que Salomão, o homem mais sábio que já existiu e existirá segundo o próprio Deus, também fez imagens de madeira: Para o santuário, Salomão fez dois querubins de oliveira silvestre, cada um com cinco metros de altura. Cada asa do querubim media dois metros e meio, de modo que a distância era de cinco metros de uma ponta à outra das asas. O segundo querubim também media cinco metros. Os dois tinham o mesmo tamanho e o mesmo formato. Os dois querubins mediam cinco metros de altura cada um. Os querubins foram colocados no meio da sala, no interior do Templo. Eles tinham as 18 asas estendidas, de modo que a asa de um tocava uma parede, e a asa do outro tocava a outra parede, e as asas de ambos tocavam uma na outra, no meio da sala. Os querubins foram revestidos de ouro. Salomão mandou esculpir figuras de querubins, palmeiras e flores ao redor de todas as paredes do Templo tanto por fora como por dentro e mandou cobrir de ouro o piso interno e externo do Templo (1Rs 6,23-30). Não precisamos ter “medo” das imagens que cultuamos em nossas casas e igreja. No Templo,os querubins representavam a presença de Deus ou a sua entronização simbólica no Santo dos Santos. Nem Salomão nem nós adoramos imagens ou suas representações! A veneração aos santos Continua valendo a proposta da Bíblia, apenas entendendo que o “culto às imagens”, descrito na Bíblia, se refere à exclusividade ao culto a Javé e não aos santos, como nós católicos cremos. Aliás, nem existia a ideia de santo como nós entendemos; somente Javé é santo. Lembramos deles como uma fotografia que prezamos e admiramos pelas virtudes e méritos; aqueles que viveram profundamente a proposta do evangelho de forma exemplar. Certamente nenhum católico confunde a imagem de São José com a imagem do deus da mitologia grega Apolo, por exemplo! A veneração do fiel católico às imagens tem sua base na tradição antiga da Igreja e algumas coisas que a Igreja ensina sobre imagens (teologia). Vejamos alguns pensamentos de teólogos antigos: – “A imagem sacra representa principalmente Cristo. Ela não pode representar o Deus invisível e incompreensível; é a encarnação do Filho de Deus que inaugurou uma nova economia das imagens: antigamente, Deus, que não tem corpo nem aparência, não podia em absoluto ser representado por uma imagem. Mas agora que se mostrou na carne e viveu com os homens, posso fazer uma imagem daquilo que vi de Deus (…). Com o rosto descoberto, contemplando a glória do Senhor” (São João Damasceno). – “O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento que proíbe ídolos. De fato a honra prestada a uma imagem é prestada na verdade à pessoa nela representada” (São Basílio). – “O culto da religião não se dirige às imagens em si mesmas como realidades, mas as considera em seu aspecto próprio de imagens que nos conduzem ao Deus encarnado. Ora, o movimento que se dirige à imagem, enquanto tal não termina nela, mas tende para a realidade da qual é a imagem” (São Tomás de Aquino). O Catecismo lembra, em dois parágrafos pontuais, o dever da adoração a Deus: – 2096. A adoração é o primeiro ato da virtude da religião. Adorar a Deus é reconhecê-lo como tal, Criador e Salvador, Senhor e dono de tudo quanto existe, Amor infinito e misericordioso. “Ao Senhor teu Deus adorarás, só a ele prestarás culto” (Lc 4,8) – diz Jesus, citando o Deuteronômio (Dt 6,13). – 2097. Adorar a Deus é reconhecer, com respeito e submissão absoluta, o “nada 19 da criatura”, que só por Deus existe. Adorar a Deus é, como Maria no Magnificat, louvá-lo, exaltá-lo e humilhar-se, confessando com gratidão que ele fez grandes coisas e que o seu nome é santo. A adoração do Deus único liberta o homem de se fechar sobre si próprio, da escravidão do pecado e da idolatria do mundo. A história das imagens Muitos, de tendência protestante, contestam a ideia do “culto aos santos”. Acham que a Bíblia proíbe tais cultos. Mas não se encontra nenhum respaldo exegético para tal afirmação ou contestação. A Bíblia não tem nenhuma palavra sobre o culto aos santos, pois estes são-lhe posterior. Nós não podemos adorar nem venerar outros deuses. Isso está claro para qualquer cristão (católico ou protestante). Os primeiros cristãos deixaram testemunhos da sua fé por meio das imagens que até hoje se conservam nas catacumbas. As suas representações, principalmente pictóricas, incluíam episódios da Bíblia, símbolos como o peixe (grego YCHTHYS, acrônimo de Iesous Christos, Theou Hyious, Soter = Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador), e do Bom Pastor. Observando a história da Igreja primitiva, os cristãos perseguidos, torturados e mortos pelos romanos por terem professado a fé em Cristo eram respeitados como figuras sagradas. No século II, essa prática era extremamente popular, e era comum que se comemorasse o dia de morte de um mártir. Durante os primeiros anos do cristianismo, se popularizaram as noções de santidade e as relíquias dos mártires. Em outras palavras, os mártires eram tidos como santos, que, de acordo com o pai da igreja, São Jerônimo, “não calam quando mortos”, mas “apenas dormem”, e das partes de seus corpos se faziam relíquias, às quais eram creditados poderes milagrosos da graça de Deus (At 18,11-12; 2Rs 13,20-21). “Eles conhecem os que são dignos da amizade de Deus, e auxiliam os que querem honrá-lo” (Orígenes, Contra Celsum). Enfim, podemos dizer que o culto de veneração (não é adoração) dos santos foi até o século XVI prática tranquila e óbvia entre os cristãos. Note bem, durante dezesseis séculos não houve contestação a essa prática. As imagens não nos tiram a atenção do foco e do mistério que é Cristo. “O ícone é para nós ocasião de um encontro pessoal, na graça do Espírito, com aquele que ele representa... Quanto mais o fiel olha os ícones, mais se recorda daqueles que estão ali representados e se esforça por imitá-los. Aos ícones ele testemunha respeito e veneração, mas não adoração, que é devida unicamente a Deus” (M. Donadeo). O Concílio de Trento (1545-1563) confirmou a validade e importância desse culto, ao mesmo tempo em que ensinou a evitar abusos e mal entendidos muitas vezes enraizados na religiosidade popular. Também o Concílio Vaticano II (1963-65, Lumem Gentium) reiterou essa doutrina, mostrando o aspecto cristocêntrico e teocêntrico do culto aos santos [cf. Catecismo da Igreja Católica, 946-962]. A comunhão entre os membros do povo de Deus não é extinta com a morte; ao contrário, o amor fraterno é libertado de falhas devidas ao pecado na outra vida, o que faz essa união mais forte. Na memória litúrgica de todos os santos, o papa Francisco 20 disse: “Trata-se de uma verdade entre as mais consoladoras da nossa fé”, acrescentou o papa, “pois nos recorda que não estamos sozinhos, mas existe uma comunhão de vida entre todos aqueles que pertencem a Cristo” (01/11/2013). Por fim, Francisco repetiu o ensinamento bimilenar da Igreja, confirmado na constituição Lumen Gentium [49], de que “de modo nenhum se interrompe a união dos que ainda caminham sobre a terra com os irmãos que adormeceram na paz de Cristo”. “A comunhão dos santos vai além da vida terrena, vai além da morte e dura para sempre”, disse o papa. “Todos os batizados aqui na terra, as almas do Purgatório e todos os beatos que estão já no Paraíso formam uma só grande família. Essa comunhão entre terra e céu se realiza especialmente na oração de intercessão”. 21 2.1 Descrição da estátua de São José A imagem de São José, como em toda a iconografia cristã, é rica em simbolismos e significados, desde a cor das roupas aos objetos inseridos na imagem. Não se sabe, todavia, quem teve a ideia de criar e unir esses símbolos à imagem de São José. Esses detalhes devem ter sido formados com o passar dos séculos; a cada costume e tradição, foi inserido um símbolo que representa um valor adequado ao tempo e sua cultura. Não deixa de ser um conjunto de elementos e de sinais de catequese (virtudes, atos heroicos etc.). Não se valoriza a imagem em si, mas o simbolismo, a ideia presente nela. Em geral, os símbolos se firmaram através de séculos de culto. Neste livro, vamos nos concentrar no sentido das cores e símbolos presentes na imagem de São José. Os ícones têm outra linguagem. O iconógrafo grego Photius Kontaglou (1895-1965)[1] costumava dizer que os santos ícones estão repletos da luz de Cristo, e o cristão ortodoxo que os admira com atenção e os venera com fé e simplicidade de coração é preenchido por essa luz abençoada. Os cristãos que já passaram pela experiência de estar em frente a um ícone, fitando-o intensamente e rezando como se estivesse diante da própria pessoa ali representada, sabem que a afirmação de Kontaglou é verdadeira. A iconografia grega, síria, enfim, ortodoxa é mais rica em detalhes que a nossa tradição ocidental. A palavra ícone vem do grego eikon, que significa retrato ou imagem. Um ícone como os usados nos cultos cristãos é a imagem de uma pessoa ou de um objeto sagrado, como Jesus, Maria, um santo ou a cruz. Mais comumente, os ícones são pinturas bidimensionais, porém eles também podem ser de outras formas, como uma escultura,um bordado, um mosaico ou um papel impresso. Aquele que cria um ícone é chamado de iconógrafo, que literalmente significa “escritor de ícone” (Bethany Seeley). Vamos conhecer cada detalhe da sua imagem e entender o significado de cada um dos adereços. A imagem representando São José é significativa e rica de símbolos que devemos descobrir e admirar. “O ícone, visto com os olhos do coração iluminados pela fé, nos abre para a realidade invisível, para o mundo do Espírito, para a economia divina, para o mistério cristão na sua totalidade ultraterrena. É lugar teológico” (Maria Donadeo. Os Ícones, Imagens do Invisível. Edições Paulinas, 1996, p. 20). Os ícones, dizia Leôncio [imperador bizantino de 695 a 698 + 706], são “livros abertos a nos lembrarem de Deus”: são um dos meios empregados pela Igreja para ensinar a fé. Como João Damasceno [monge e sacerdote sírio + 749] definiu: “O ícone é a canção do triunfo, é uma revelação, um monumento permanente à vitória dos santos e à desgraça dos demônios”. Cores e símbolos O método das cores é instantâneo para a transmissão de significado e mensagens 22 no desenho de seus logotipos. É provavelmente a mais poderosa forma de comunicação não verbal que podemos usar como designers. Nossas mentes estão programadas para responder às cores. As mensagens subliminares que recebemos das cores formatam os nossos pensamentos. Onde há luz, há cor! A luz dá a tonalidade à cor através da retina dos olhos. Certamente os cegos dão mais atenção ao gosto e ao tato. Há neles outra linguagem das cores. Como seres humanos, a nossa própria sobrevivência está ligada à identificação dos códigos de cores. Nós paramos nossos carros diante de luzes vermelhas e seguimos diante de luzes verdes; olhamos para a cor de certas plantas e animais para determinar se são ou não seguros para comer ou tocar. Em resumo, cores são parte muito importante da nossa vida quotidiana. É importante para nós, como cristãos, descobrir adequadamente as cores naquilo que admiramos e veneramos. O ano litúrgico está carregado de cores que representam a fase da liturgia que celebramos. A cor dá o tom do tempo celebrativo das festas cristãs. Apenas lembrando: seus respectivos tempos de uso ao longo do ano litúrgico são o branco, o vermelho, o verde, o roxo, o preto e o rosa. O uso de diversas cores na liturgia da Igreja Católica surgiu dos significados místicos atribuídos a cada uma delas. Cores não previstas diretamente na Instrução Geral do Missal Romano (IGMR), como dourado, prateado e azul. O manto marrom. O manto marrom de São José tem um significado belo e profundo: a humildade e a simplicidade. O marrom é a cor da terra, do chão. Por isso, ele simboliza humildade e simplicidade, retratando a personalidade de São José: homem simples, humilde, do qual pouca coisa se fala na Bíblia. O marrom é também a cor da madeira. Por isso, o manto marrom de São José nos lembra o ofício que ele desempenhava: carpinteiro. Portanto, o manto marrom de São José nos fala que ele era um homem humilde, simples, trabalhador, carpinteiro de profissão. Foi assim que ele ganhou a vida, amparou e sustentou a Sagrada Família. Nada mais próprio que indicar essa cor como a cor de sua vestimenta. Inclusive por ser constante na lida com os elementos da terra. A túnica. Era costume oriental vestir-se com uma túnica e não com roupas do modo ocidental (calça, camisa, saia, gravata etc.). A túnica de São José normalmente vem pintada na cor roxa, azul ou branca; aqui entra o gosto do artista e sua inspiração. O roxo representa a penitência, mas também (e mais aplicado a São José) a fé, a paciência e a confiança. O azul simboliza o céu, onde São José já está e, de lá, intercede por nós e é o grande patrono da Igreja. A cor azul significa tranquilidade, serenidade e harmonia, mas também está associada à frieza, monotonia e depressão. Simboliza a água, o céu e o infinito. O branco simboliza a pureza de coração. Esta foi uma das grandes virtudes de São José: homem puro e chamado pelo evangelista de “justo”. O lírio na mão de São José 23 O lírio. Representa a pureza do seu coração e a vitória da vida sobre a morte. Representa a vitória dos santos, a vitória de São José sobre o mundo, sobre o pecado e, em Jesus Cristo, a vitória sobre a morte. De fato, a iconografia de São José representa-o com um bastão florido de lírios, cujo significado encontra a sua explicação a partir de um escrito apócrifo, no qual se conta o seguinte: Maria e as outras virgens do Templo receberam ordens de voltar para casa a fim de se casarem. Maria recusou-se, os anciãos oraram e, a pedido divino, chamaram todos os homens solteiros para que eles deixassem os seus cajados no altar do Templo durante a noite, na esperança de que algum florisse, pois, caso tal acontecesse, o dono desse bastão seria o noivo de Maria. Porém, nada aconteceu dessa vez. Os anciãos chamaram então os viúvos. Entre eles estava José, cujo cajado foi encontrado coberto de lírios na manhã seguinte. Então disseram-lhe que tomasse Maria como esposa e que a guardasse para o Senhor.[2] A Bíblia reserva alguns acenos sobre o florescimento de bastões de ilustres personagens do Antigo Testamento, p. ex.: a vara de Aarão (cf. Nm 17,16-23) e o florescimento do bastão de Jessé (cf. Is 11,1-6). O título de nosso livro retrata essa realidade: São José – o lírio de Deus. Atribui-se a São José essa pureza de corpo e de alma, embora os evangelhos não nos digam nada diretamente a esse respeito. Apenas que “José deixou Maria em segredo” (cf. Mt 1,18-20), movido pela pureza natural de um homem casto. Ficamos, todavia, com a inspiração que é carregada de sentido. O olhar para baixo. Os olhos são representativos de uma alma (corpo). Eles são como almas em uma vida; os olhos indicam, são como setas. O olhar é uma linguagem que, por vezes, muda, indica uma atitude, um comportamento, uma expressão, uma situação. Em quase todas as reproduções de São José, ele está olhando para baixo. Isso significa que ele foi o pai terreno de Jesus. Lembra-nos que o grande São José foi pai adotivo do Filho de Deus. Porém, foi pai. Amou, cuidou, ensinou e formou o menino- Deus cumprindo seu papel de pai, dando um nome e uma família a Jesus. Sua missão neste mundo, aqui “embaixo”, para onde São José olha, foi grandiosa. Por isso ele é representado olhando para baixo. Significa também que ele olha e intercede por nós que estamos aqui na terra, em peregrinação para o céu. Foi-lhe dada uma série de funções como guarda: da família, dos idosos, dos carpinteiros, dos operários, da Igreja etc. João Paulo II reflete sobre esse olhar intercessor: “Além da confiança na proteção segura de José, a Igreja tem confiança no seu exemplo insigne, um exemplo que transcende cada um dos estados de vida e se propõe a toda a comunidade cristã, sejam quais forem as tarefas e a condição de cada um dos fiéis” (RC, 30). Esse olhar abaixado é repleto da plenitude dos grandes homens e mulheres que veneramos como santos. O olhar altivo não convida à reflexão, mas o rebaixado sim, e se apropria do olhar mariano: “porque olhou para a humilhação da sua serva...” (cf. Lc 1,48). É o olhar próprio do servo obediente à proposta de Deus. É um olhar abaixado que se casa com o de Maria, a esposa dedicada. O seu olhar abaixado nos 24 convida à contemplação das coisas terrenas para que elas não sobrepujem as divinas. O menino Jesus. O menino Jesus no colo de São José é mais um símbolo da paternidade desse grande santo. Ele assumiu Maria quando ela estava grávida de Jesus, sabendo que ele não era o pai da criança. Segurar o menino Jesus no colo significa o cuidado e a proteção de pai que São José deu a Jesus e que pode dar a nós, pela sua intercessão. Recorda-nos João Paulo II, na Exortação Apostólica Redemptoris Custos: Desde então, a Igreja – como foi recordado mais acima – implora a proteção de São José, “em virtude daquele vínculo de caridade que o uniu à imaculada Virgem Mãe de Deus”, e recomenda-lhe todas as suas solicitudes, também pelo que se refereàs ameaças que incumbem sobre a família humana. Nos dias de hoje, temos ainda numerosos motivos para rezar da mesma maneira: “Afastai de nós, ó pai amantíssimo, essa peste de erros e de vícios, assisti-nos propício, do céu, nessa luta contra o poder das trevas; e assim como outrora livrastes da morte a vida ameaçada do menino Jesus, assim hoje defendei a santa Igreja de Deus das ciladas do inimigo e de todas as adversidades”. Hoje ainda temos motivos que perduram para recomendar todos e cada um dos homens a São José (RC, 31c). A túnica branca do menino Jesus. O branco é repleto de significados. Existe uma plêiade de interpretações para apresentar o branco como próprio para se vestir o menino Jesus. A cor branca significa paz, pureza e limpeza. É também chamada de “cor da luz” porque reflete todas as cores do espectro. A cor branca reflete todos os raios luminosos proporcionando uma clareza total. O branco é símbolo da paz, da espiritualidade, da inocência e da virgindade. Na cultura ocidental a cor branca está associada à alegria, enquanto no Oriente está associada à morte, ao luto e à tristeza (cf. significados.com). A cor branca também simboliza a virtude e o amor a Deus. É uma cor que sugere libertação, que ilumina o lado espiritual e restabelece o equilíbrio interior. A túnica branca do menino Jesus simboliza a pureza de coração. Os detalhes em dourado simbolizam a origem divina de Jesus. Fala-nos, mais uma vez, que José é o pai adotivo de Jesus. Quando optamos pela roupa branca, aliamos a limpeza à pureza e invocamos a lembrança do Cordeiro que resgata a humanidade. O globo na mão esquerda de Jesus. O globo terrestre é uma representação em miniatura do planeta Terra; uma representação bem elaborada, com profundo significado missionário e salvador. O globo na mão esquerda de Jesus significa o senhorio que ele tem sobre todas as coisas. Como diz São Paulo: “Tudo foi criado por ele e para ele...” (cf. Cl 1,15-18). Ele é o Senhor, ou seja, o dono de tudo; ele tem o mundo em suas mãos. O globo em sua mão representa a figura do Cristo Rei; o que ele sustenta e salva com seu poder redentor. Poderíamos dizer que seria uma espécie de logotipo de sua marca registrada? Se quiser pensar assim, acho que não existe nada de equivocado. 25 Não é uma questão de marketing, pois nem existia isso naquele tempo. A mão direita do menino Jesus abençoando. A mão está repleta de significado, e a Bíblia tem valorizado esse gesto de abençoar com as mãos. Pedir a benção é buscar o poder de Deus, mais que desejar ser apenas abençoado. Na maioria das vezes, as pessoas usam a expressão “bênção” sem saber de fato sobre o que estão falando ou desejando. A mão direita do menino Jesus abençoando nos lembra o amor de Deus, que quer derramar sobre nós toda sorte de bênçãos espirituais em Cristo Jesus. E o menino Jesus também olha para o chão, como que olhando para toda a humanidade que está neste mundo apinhado de necessidades, abençoando a cada um de nós. Os evangelhos estão repletos de modos de olhar de Jesus. “Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor” (Mt 9,36). Postar a mão direita significa dar proteção, ou receber honra e poder da parte da pessoa ao lado (cf. Sl 16,8). Levanta-se a mão para abençoar. Contemplando a imagem de São José (para rezar diante de sua imagem) Como em uma espécie de súplica, assim se ora observando e contemplando a sua imagem carregada de significados: “Querido São José, fostes trabalhador como nós e conhecestes o cansaço e o suor. Ajudai-nos a garantir o trabalho para todos. Fostes um homem justo que conduzistes, na oficina e na comunidade, uma vida íntegra no serviço a Deus e aos outros. Fazei que também nós sejamos inteiros no trabalho e atentos às necessidades de nosso próximo. Fostes esposo que levou para casa Maria já grávida pelo Espírito Santo. Fazei que nossos pais acolham as vidas que Deus enviar. Aceitastes ser pai de Jesus, cuidastes dele contra quem o queria matar, e o protegestes na fuga ao Egito. Fazei que nossos pais protejam seus filhos e filhas contra as drogas que viciam e contra as doenças que matam. Fostes o educador de Jesus, ensinando a ler as Escrituras e introduzindo-o nas tradições de seu povo. Fazei que conservemos a piedade familiar, sempre lembrando de Deus em tudo o que fazemos. Querido São José, em vosso rosto humano vemos retratado o rosto do Pai divino. Que ele nos dê aconchego, proteção e a certeza de que andamos sobre a palma de sua mão. Mostrai, São José, a força da vossa paternidade: dai-nos determinação diante dos problemas, coragem diante dos riscos, sentido dos limites de nossas forças e confiança irrestrita no Pai celeste. Tudo isso vos pedimos na força do Pai, no amor do Filho e no entusiasmo do Espírito Santo. Amém” (Leonardo Boff). 26 S 3 OUTRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE SÃO JOSÉ ão José é o santo que intercede por todas as graças de que necessitamos, muitas vezes de maneira surpreendente e quase inacreditável. Você, leitor, nem imagina de que São José é capaz! Santa Teresa tinha uma inabalável confiança nele. Tudo que fazia colocava São José como seu patrocinador. Dizia ela com todas as letras: Tomei a São José por meu advogado e protetor e não me lembro de ter-lhe pedido algo que não me atendesse. É de pasmar a enormidade de graças que Deus me tem concedido por sua intercessão e o número de perigos da alma e do corpo de que tem me livrado. Quisera persuadir o mundo inteiro a ser devoto deste glorioso Santo pela grande experiência que tenho dos bens que ele concede. Contento-me, porém, em pedir, pelo amor de Deus, que o experimente quem nele crer e verá por si mesmo que imenso bem é recomendar-se o cristão ao glorioso Patriarca e ser seu devoto (cf. Livro da Vida, 6). Todos os papas da modernidade tiveram São José como seu patrono. Para não nos alongar, podemos pensar em São João XXIII, que consagra toda a atividade conciliar ao glorioso São José; o papa Pio XII, que instituiu a festa de “São José Trabalhador”, em 1955, na mesma data em que se comemora o dia do trabalho em quase todo o planeta; o papa Francisco, que consagra o Estado do Vaticano a São José. Em 1870, o papa Pio IX o proclamou “patrono da Igreja universal” e, a partir de então, passou a ser cultuado no dia 19 de março. Poucos foram os santos que tiveram “visões” sobre São José, o que não deixa de ser um fato curioso [o que segue sobre Santa Águeda, não tem registro histórico que comprove a veracidade, embora conste, de forma resumida, no martirológio romano]. No século IV, o papa Símaco dedicou a Santa Águeda uma igreja na via Aurélia. Parece que foi São Gregório Magno que introduziu, um século mais tarde, o nome da santa no Cânon da missa. Ela é uma das santas mais populares da Itália, e uma das mais conhecidas mártires do cristianismo dos primeiros séculos. Só Roma chegou a ter doze igrejas dedicadas a ela. Embora não explicável, é bem provável. Vamos anotar, nesse espaço, as “visões” de santa Águeda. Pouco se sabe sobre ela, sua história, mas vamos considerar alguns detalhes do seu martirológio. É insuficiente o que se sabe sobre a vida de santa Águeda, ou Ágata, como também era chamada. Ela era italiana, nasceu por volta do ano 230 na Catânia, pertencia a uma família nobre e rica. Muito bela, ainda na infância, prometeu se manter casta para servir a Deus, na pobreza e humildade. Não quebrar essa promessa lhe custou a vida, porque o governador da Sicília se interessou pela casta jovem e a pediu em casamento. Águeda recusou o convite, expondo seus motivos religiosos. Enraivecido, o político a enviou ao tribunal, que a entregou a uma mulher de má conduta para desviá-la de Deus. 27 Como isso não aconteceu, ela foi entregue aos carrascos para que fosse morta, por ser cristã. As torturas pelas quais passou a virgem são de arrepiar e estarrecer. Depois de esbofeteada e chicoteada, Águeda foi colocada sobre chapas de cobre em brasa e posteriormente mandada de volta à prisão. No retorno, ela tevea graça de “ver” o apóstolo São Pedro, o que a revitalizou na fé. Seus carrascos, que esperavam vê-la fraquejar em suas convicções, se surpreenderam com sua firmeza na fé, por isso a submeteram a outras cruéis torturas, com o desconjuntamento dos ossos e o dilaceramento dos seios. Foi arrastada sobre cacos de vidro e carvões em brasa. Depois de passar por esses tormentos, foi conduzida ao cárcere e ali morreu, enquanto rezava pedindo a Deus para parar a erupção do vulcão Etna, que iniciara bem na hora do seu martírio. Assim que ela expirou, o vulcão se aquietou e as lavas cessaram. Até hoje o povo costuma pedir a sua intercessão para protegê-lo contra a lava do vulcão Etna, sempre que este começa a ameaçá-los. Santa Águeda é invocada contra os perigos do incêndio. Segundo a tradição, não bem aprovada pela Igreja, os singulares privilégios de São José foram revelados à Serva de Deus, Santa Águeda, da seguinte maneira: – Por sua intercessão, alcançamos a virtude da castidade e a vitória sobre as tentações contra a pureza. – Por sua intercessão, alcançamos o poderoso auxílio da graça para sair do pecado e voltar à amizade com Deus. – Por seu intermédio, alcançamos a benevolência da Santíssima Virgem Maria e a verdadeira devoção a ela. – Por sua intercessão, alcançamos a graça de uma boa morte e a especial proteção contra o demônio nessa hora. – Os espíritos malignos estremecem ao ouvir o nome de São José. – Por sua intercessão, alcançamos a saúde do corpo e o auxílio nas mais diversas necessidades. – Por sua intercessão, as famílias alcançam a bênção da prosperidade. Por fim, segundo a tradição, Nossa Senhora revelou a Santa Águeda a seguinte mensagem: Os homens ignoram os privilégios que o Senhor concedeu a São José, e quanto pode sua intercessão junto de Deus. Somente no dia do Juízo os homens conhecerão sua excelsa santidade e chorarão amargamente por não haverem se aproveitado desse meio tão poderoso e eficaz para sua salvação e alcançar as graças de que necessitavam (Fonte: Um Pão, um Corpo, nº 59 (excerto) publicação fev-mar/2010. Operários de São José, <www.gloriososaojose.org.br>). Santa Teresa (nascida em 28 de março de 1515, em Ávila, e falecida em 4 de outubro de 1582, aos 67 anos, em Alba de Tormes), de fato, não teve visões sobre São José. Aqui, com ela, acontece outro fato bem diferente do que se costuma dizer 28 http://www.gloriososaojose.org.br dos santos que têm visões, revelações. Ela recebe em oração mensagens sobre São José e o coloca na mira de intercessor das suas necessidades. Bem próprio ao fundar o primeiro convento reformado, diz mais ou menos assim: “colocarei Maria em uma porta e São José na outra e Jesus caminhará com as irmãs pelo convento”. Uma visão bastante moderna de uma devoção assaz equilibrada, assentada. Santa Teresa dizia que Deus fez de São José o plenipotenciário, o tesoureiro geral para aliviar e socorrer as almas em todas as necessidades, especialmente os pecadores. Aos 26 anos, ela foi curada milagrosamente de uma paralisia pela intercessão de São José; assim se tornou uma incansável propagandista do santo. Ela distribuía imagens e orações de São José. Deu o seu nome a treze conventos que ela fundou; e aconselhava que os católicos o tomassem como advogado nas adversidades e mestre na vida interior. São José: o santo da prosperidade abençoada. O nome JOSÉ (no hebraico Yosef) significa “Deus acrescenta” ou “aquele que acrescenta”. Imagine ser devoto daquele que traz consigo um nome forte relacionado à prosperidade? Ao assumir a paróquia, eu a instigava a descobrir o poder e a força de São José. “É justamente por isso que estamos convocando você a se filiar à nossa comunidade para descobrirmos, juntos, esse nome que traz consigo a força da mudança de história, da família, do trabalho, da Igreja e de tudo aquilo que se relaciona à vida.” 29 3.1 As lições de Nazaré Nazaré é repleta de bons sentimentos e de acontecimentos que nos remetem à origem de nossa história da salvação; é o lugar onde o arcanjo se manifesta para o anúncio à Virgem; terra natal de José com o cognome de nazareno, à semelhança de seu filho; ali Jesus passa a maior parte de sua vida, ali José recebe o chamado divino para a missão de paternidade e de guarda do Redentor. Nazaré era geograficamente encantadora, embora olvidada e desconhecida por todos no Antigo Testamento. De suas colinas avistavam-se os cumes nevados do monte Hermom, o monte Carmelo, a extensa planície de Esdrelom e o encantador azul do mar Mediterrâneo. Cidade de agricultores e artesãos como José. Foi nesse pacífico e seráfico lugar que Jesus cresceu à sombra da bondade materna de Maria e da austeridade de José. Nazaré é conhecida como a flor da Galileia, como afirmou São Jerônimo. Hoje, Nazaré é lembrada por muitos feitos, como cidade importante da divulgação do cristianismo, cidade das cruzadas, da expulsão dos nazarenos pelos turcos otomanos no século XVI, enfim, etnicamente dominados pelos árabes. Ali está a Igreja da anunciação, a sinagoga de Nazaré; já a igreja de São José aviva a memória dos crentes, no que se relaciona com o lugar da carpintaria do pai adotivo de Jesus. Mas é, também, o lugar onde Jesus fora expulso pelos seus compatriotas. Tudo na vida de Jesus transpirou aquilo que aprendera em Nazaré na casa de seus pais: José e Maria. Acreditamos que, desde o processo de alfabetização ao do culto no Templo, tiveram as iniciais da Sagrada Família. A família é o estaleiro de boas maneiras, educação, comportamento ético e bons costumes. Esse modelo de vida não somente valeu para Jesus Cristo, mas vale para todos os cristãos, a todos os caminhantes e em todos os tempos. O Antigo Testamento não fala de Nazaré. No entanto, foi precisamente em Nazaré, pequena vila da Galileia, na Palestina, que Jesus passou a sua infância com os seus pais, Maria e José. Disso dependeu sua formação e preparação para uma vida repleta de bons sentimentos familiares. “Essa família santa é o remédio para todas as feridas que atacam a saúde das famílias e da sociedade, que pouco a pouco se alastram nas suas veias deixando a epidemia do indiferentismo presente no meio social” (São João Paulo II, janeiro de 1979). Durante o Angelus na festa da Sagrada Família de Nazaré (2012), Bento XVI exorta os pais a não serem nem “amigos”, nem patrões dos seus filhos, mas seus “guardiões”. Na ocasião o Pontífice lembrava: Imitando a Sagrada Família de Nazaré, os pais se preocupem seriamente pelo crescimento e pela educação dos próprios filhos, para que amadureçam como homens responsáveis e honestos cidadãos, sem se esquecer nunca de que a fé é um dom precioso que deve ser alimentado nos próprios filhos também com o exemplo pessoal. Ao mesmo tempo, rezamos para que toda criança seja acolhida como dom de Deus, seja sustentada pelo amor do pai e da mãe, para poder crescer como o 30 Senhor Jesus “em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52). O amor, a fidelidade e a dedicação de Maria e José sejam exemplo para todos os esposos cristãos, que não são os amigos ou os patrões da vida dos seus filhos, mas os guardiões desse dom incomparável de Deus. O silêncio de José, homem justo (cf. Mt 1,19), e o exemplo de Maria, que guardava todas as coisas no seu coração (cf. Lc 2,51), nos façam entrar no mistério cheio de fé e de humanidade da Sagrada Família (cf. Angelus, 30/12/2012, Cidade do Vaticano). Permanece inesquecível o discurso do Servo de Deus Paulo VI, por ocasião de sua visita a Nazaré, na Palestina. O papa disse que, na escola da Sagrada Família, nós “compreendemos por que devemos ter uma disciplina espiritual, se queremos chegar a ser alunos do evangelho e discípulos de Cristo”. E acrescenta: Em primeiro lugar, a lição do silêncio. Renasça em nós a valorização do silêncio, dessa estupenda e indispensável condição do espírito; em nós, aturdidos por tantos ruídos, tantos rumores, tantas vozes de nossa ruidosa e hipersensibilizada vida moderna. O silêncio de Nazaré ensina-nos o recolhimento, a interioridade,a atitude de prestar ouvidos às boas inspirações e palavras dos verdadeiros mestres (cf. Discurso em Nazaré, 5 de janeiro de 1964). Vamos “transcrever”, quase na íntegra, o discurso homilético do papa Paulo VI, feito por ocasião de sua visita a Nazaré (5 de janeiro de 1964). Nazaré é a escola onde se começa a compreender a vida de Jesus: a escola do evangelho. Aqui se aprende a olhar, a escutar, a meditar e penetrar o significado, tão profundo e tão misterioso, dessa manifestação tão simples, tão humilde e tão bela, do Filho de Deus. Talvez se aprenda até, insensivelmente, a imitá-lo. O papa descreve, de forma pedagógica, alguns pontos de inclusão dessa “escola” sagrada [modo e estilo de vida]. Para recordar suas palavras, anotaremos de forma pontuada: a) Em Nazaré se aprende o método que nos permitirá compreender quem é o Cristo. Aqui se descobre a necessidade de observar o quadro de sua permanência entre nós: os lugares, os tempos, os costumes, a linguagem, as práticas religiosas, tudo de que Jesus se serviu para revelar-se ao mundo. Aqui tudo fala, tudo tem um sentido. Aqui, nesta escola, compreende-se a necessidade de uma disciplina espiritual para quem quer seguir o ensinamento do evangelho e ser discípulo do Cristo. Ó, como gostaríamos de voltar à infância e seguir essa humilde e sublime escola de Nazaré! Como gostaríamos, junto a Maria, de recomeçar a adquirir a verdadeira ciência e a elevada sabedoria das verdades divinas. b) Neste mundo estamos apenas de passagem. Temos de abandonar este desejo de continuar aqui o estudo, nunca terminado, do conhecimento do evangelho. Não 31 partiremos, porém, antes de colher às pressas e quase furtivamente algumas breves lições de Nazaré. Primeiro, uma lição de silêncio. Que renasça em nós a estima pelo silêncio, essa admirável e indispensável condição do espírito; em nós, assediados por tantos clamores, ruídos e gritos em nossa vida moderna barulhenta e hipersensibilizada. O silêncio de Nazaré ensina-nos o recolhimento, a interioridade, a disposição para escutar as boas inspirações e as palavras dos verdadeiros mestres. Ensina-nos a necessidade e o valor das preparações, do estudo, da meditação, da vida pessoal e interior, da oração que só Deus vê no segredo. c) Uma lição de vida familiar. Que Nazaré nos ensine o que é a família, sua comunhão de amor, sua beleza simples e austera, seu caráter sagrado e inviolável; aprendamos de Nazaré o quanto a formação que recebemos é doce e insubstituível: aprendamos qual é sua função primária no plano social. d) A lição de trabalho. Ó Nazaré, ó casa do “filho do carpinteiro”! É aqui que gostaríamos de compreender e celebrar a lei, severa e redentora, do trabalho humano; aqui, restabelecer a consciência da nobreza do trabalho; aqui, lembrar que o trabalho não pode ser um fim em si mesmo, mas que sua liberdade e nobreza resultam, mais que de seu valor econômico, dos valores que constituem o seu fim. Finalmente, como gostaríamos de saudar aqui todos os trabalhadores do mundo inteiro e mostrar-lhes seu grande modelo, seu divino irmão, o profeta de todas as causas justas, o Cristo nosso Senhor (cf. www.vatican.va). Paulo VI, em síntese, enumera quatro pontos centrais para a constituição da família com base nos alicerces de Nazaré. São: o método de vida disciplinada; a realidade do silêncio como obediência ao chamado divino ao sacramento do matrimônio; a família, que está perdendo a cada dia a sua identidade, e o trabalho, capaz de mover a dinâmica da vida social da família. Certamente, uma síntese para a vivência da família cristã nos dias atuais. Em preparação ao Sínodo sobre a família (outubro de 2014) em Roma, assim se refere o instrumento de trabalho: “...importância da família de Nazaré como modelo e exemplo para a família cristã. O mistério da Encarnação do Verbo no seio de uma família revela-nos que ela é um lugar privilegiado para a revelação de Deus ao homem. Com efeito, reconhece-se como precisamente a família é o lugar normal e quotidiano do encontro com Cristo. O povo cristão olha para a família de Nazaré como exemplo de relação de amor, como ponto de referência para cada realidade familiar e como conforto na tribulação. A Igreja dirige-se à família de Nazaré para confiar as famílias na sua realidade concreta de alegria, de esperança e de sofrimento” (IL, nº 36). Oremos com o santo padre, o papa Francisco, à Sagrada Família. Esta oração à Sagrada Família, recitada pelo Pontífice no domingo da Sagrada Família, tendo em vista e pensando no Sínodo de 2014 (29/12/2013, Rádio Vaticana): Oração à Sagrada Família Jesus, Maria e José, em vós contemplamos o esplendor do verdadeiro amor, a vós, 32 http://www.vatican.va com confiança, nos dirigimos. Sagrada Família de Nazaré, tornai também as nossas famílias lugares de comunhão e cenáculos de oração, escolas autênticas do evangelho e pequenas Igrejas domésticas. Sagrada Família de Nazaré, que nunca mais se faça, nas famílias, experiência de violência, egoísmo e divisão: quem ficou ferido ou escandalizado depressa conheça consolação e cura. Sagrada Família de Nazaré, que o próximo Sínodo dos Bispos possa despertar, em todos, a consciência do caráter sagrado e inviolável da família, a sua beleza no projeto de Deus. Jesus, Maria e José, escutai, atendei a nossa súplica. 33 3.2 Os quadros da vida de José Nesse modesto gráfico, desejo apresentar um quadro, uma pintura com algumas pinceladas de sua vida real. É um modo de derramar alguns pingos de luz. Pintura não feita com pincéis ou outro instrumento de material importância, mas o espiritual quadro-painel de alguém devotado ao serviço de Deus como um lírio aqui na terra; alguns momentos que o evangelho deixou-nos escapar a seu respeito. Intuímos aspectos e detalhes interiores, percebemos nuanças. Como uma pintura borrada pelo tempo, descobrimos traços perceptíveis com seus detalhes. O papa São Pio XI assim se expressa a respeito de São José em sua festa, no dia 19 de março de 1928: São José: missão recolhida, calada, quase despercebida, que não se evidenciaria senão alguns séculos mais tarde; um silêncio ao qual sucederia, mas muito tempo depois, um sonoro canto de glória. Pois, onde mais profundo o mistério, mais espesso o véu que o encobre, e maior o silêncio, é justamente aí que mais alta é a missão, como mais brilhante o cortejo das virtudes exigidas e dos méritos requeridos para, por feliz necessidade, com elas se conjugarem. Missão única, muito alta, a de guardar o Filho de Deus, o Rei do mundo, e de guardar a virgindade e a santidade de Maria; missão única, a de ter participação no grande mistério ocultado aos olhos dos séculos, e de assim cooperar na Encarnação e na Redenção! Toda a santidade de José consiste precisamente no cumprimento, fiel até o escrúpulo, dessa missão tão grande e tão humilde, tão alta e tão escondida, tão esplêndida e tão envolta em trevas. Pouco se diz e se conhece sobre esse lírio de Deus, mas é suficiente a razão de sua eleição para ser o pai humano do Filho de Deus. Pela sua grande responsabilidade, ele se cala para contemplar o silêncio amoroso do Pai. Quiçá uma indicação e uma lembrança para chegarmos ao Pai. Como lembrava o Santo Cura d’Ars: “Ó Jesus, dai-me a ardente caridade de São José, e nada mais restará a desejar sobre a terra”. O papa João Paulo II, em sua Exortação a respeito de São José, passa em revista alguns momentos de sua vida e diz que foi precisamente neste mistério que José de Nazaré “participou” como nenhuma outra pessoa humana, à exceção de Maria, a Mãe do Verbo Encarnado. Ele participou em tal mistério simultaneamente com Maria, envolvido na realidade do mesmo evento salvífico, e foi depositário do mesmo amor, em virtude do qual o eterno Pai “nos predestinou a sermos adotados como filhos, por intermédio de Jesus Cristo” (Ef 1,5) [RC 1e]. O casamento de José Seu matrimônio não aconteceu por acaso. O que mais chama a atenção nele é que 34 teve uma escolha divina. Casamento assim serve de inspiração aos novos da modernidade. O evangelho
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