Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
2 Sumário CAPA ROSTO AUTOR PERSONAGENS ATO 1 – CENA 1 ATO 1 – CENA 2 ATO 2 – CENA 1 ATO 2 – CENA 2 ATO 3 – CENA 1 ATO 3 – CENA 2 ATO 4 – CENA 1 ATO 4 – CENA 2 ATO 5 – CENA 1 CANÇÃO EPÍLOGO COLEÇÃO CRÉDITOS 3 kindle:embed:0002?mime=image/jpg R econhecido como o maior dramaturgo de todos os tempos, William Shakespeare nasceu em 23 de abril de 1564, filho de um comerciante bem-sucedido, na cidade de Stratford-upon-Avon, na Inglaterra. Fez os estudos básicos na cidade, mas não continuou os estudos até a universidade. Não há registros de seus primeiros trabalhos, mas há historiadores que afirmam que ele trabalhou como professor alfabetizador. Não se sabe ao certo quando ele se envolveu com o mundo do teatro, mas já estava estabelecido como dramaturgo em 1592, quando recebeu a primeira crítica por escrito de seu trabalho. Tornou-se um colaborador importante da companhia de teatro de Lorde Chamberlain, que, com a ascensão ao trono de James I, passou a se chamar The King’s Men. Shakespeare casou-se com Anne Hathaway em 1582 e teve duas filhas e um filho, Hamlet, que morreria em 1586. Escreveu dezenas de peças, de temas históricos, cômicos e mitológicos, além de sonetos e poemas. Em sua obra, destacam-se a complexidade e a análise psicológica dos personagens. Idoso, cansou-se da vida em Londres e retirou-se para New Place, a propriedade que comprara em 1597, próxima a Stratford. Faleceu no dia 23 de abril de 1616 e está enterrado na igreja da Santa Trindade, em Stratford. 4 PERSONAGENS TESEU – Duque de Atenas. HIPÓLITA – Rainha das Amazonas, prometida em casamento a Teseu. EGEU – Um homem velho, pai de Hérmia. LISANDRO e DEMÉTRIO – Jovens cavaleiros, apaixonados por Hérmia. FILOSTRATO – Mestre de cerimônias de Teseu. HÉRMIA (pequena e morena) – Filha de Egeu, apaixonada por Lisandro. HELENA (alta e loira) – Apaixonada por Demétrio. PETER QUINCE – Um carpinteiro. NICK BOTÃO – Um tecelão. FRANCIS FLAUTA – Um sineiro. TOM FOCINHO – Um paneleiro. ROBIN FAMINTO – Um alfaiate. JUSTO – Um marceneiro. OBERON – Rei das Fadas. TITÂNIA – Rainha das Fadas. FLOR DE ERVILHA, TEIA DE ARANHA, MARIPOSA, SEMENTE DE MOSTARDA – Elfos. Outras fadas no séquito do Rei e da Rainha. Servos de Teseu e Hipólita. 5 ATO 1 – CENA 1 O grande salão no palácio do Duque Teseu. De um lado, uma pequena plataforma com duas cadeiras imponentes; do outro, uma lareira. Entre as portas dos fundos, a parede se abre num vestíbulo. Entram Teseu e Hipólita e tomam seus assentos, seguidos por Filostrato e seus assistentes. TESEU – Agora, bela Hipólita, nosso casamento se aproxima rapidamente: apenas quatro dias felizes nos separam da próxima lua. Oh, enquanto isso, como esta velha lua míngua! HIPÓLITA – Quatro dias rapidamente se transformarão em quatro noites e quatro noites não passarão de um sonho. Então a lua, como um arco prateado curvado pelos céus, irá iluminar nossa cerimônia. TESEU – Vá, Filostrato, atice a juventude ateniense com divertimentos! Deixe a melancolia e as caras pálidas para os funerais! [Filostrato se curva em respeito e sai.] Hipólita, eu feri você com minha espada e ganhei seu amor causando esses ferimentos. Mas nosso casamento será diferente: com muita pompa, triunfaremos no raiar do dia! [Egeu entra, arrastando sua filha Hérmia pelo braço, seguido por Lisandro e Demétrio.] EGEU [curvando-se] – Feliz seja Teseu, nosso renomado Duque! TESEU – Obrigado, meu bom Egeu. Que novidades traz? EGEU – É com muita vergonha que trago uma queixa contra minha filha, Hérmia. Aproxime-se, Demétrio. Meu nobre senhor, este homem tem meu consentimento para se casar com ela. Aproxime-se, Lisandro. Este homem aqui, meu gracioso duque, tem enfeitiçado o coração da minha querida. Você, você, Lisandro, você a encantou com rimas e trocou presentes de amor com minha filha. Sob a janela, cantou versos falsos com uma voz dissimulada. Seus presentes e sua astúcia transformaram a obediência dela em teimosia. E por causa disso, meu nobre duque, ela está aqui diante de sua graça e não irá consentir em casar-se com Demétrio. Eu apelo para o antigo privilégio de Atenas: ela é minha e eu posso dispor dela. Ou ela se casa com este senhor ou morre! TESEU – O que me diz, Hérmia? Saiba que seu pai deve ser para você como um deus: foi ele que criou sua beleza, como se tivesse esculpido seu rosto. Então, é prerrogativa dele embelezar ou desfigurar. Demétrio é um honrado senhor. HÉRMIA – Lisandro também é. TESEU – Sim, ele é honrado como pessoa. Mas, aos olhos de seu pai, o outro é bem melhor. HÉRMIA – Queria que ele o visse com meus olhos. 6 TESEU – São os seus olhos que devem olhar através do julgamento sábio do seu pai. HÉRMIA – Eu peço que Sua Graça me perdoe. Não sei de onde vem a minha audácia, de expor diante de tão nobre presença meus pensamentos. Mas eu imploro! O que será de mim se me recusar a casar-me com Demétrio? TESEU – Você será morta ou banida do convívio com a sociedade. Por isso, bela Hérmia, questione seus desejos, lembre-se de que é jovem, que seu sangue é quente. Portanto, se você não ceder aos desejos de seu pai, terá que aguentar uma vida de celibato, num claustro fechado e escuro, sussurrando hinos para uma lua opaca e infrutífera. Três vezes abençoadas aquelas que conseguem esfriar o sangue e peregrinar nesta terra como donzelas! Ah, mas a rosa desfolhada é mais feliz apenas neste mundo do que aquela que cresceu, viveu e morreu em abençoada solidão. HÉRMIA – Crescerei, viverei e morrerei abençoada, mas não irei ceder minha virgindade a este senhor que minha alma não aceita. TESEU – Tire um tempo para pensar. Na próxima lua, na lua nova, no dia do meu casamento, nesse dia, prepare-se para morrer por desobedecer aos desejos de seu pai ou para casar-se com Demétrio. Ou ainda, para atirar-se ao altar de Diana e se dedicar a uma vida de solidão e austeridade. DEMÉTRIO – Ceda, doce Hérmia! Lisandro, ceda sua vontade ao meu direito! LISANDRO – Você já ganhou o amor do pai, Demétrio. Case-se, portanto, com ele, e deixe-me ficar com Hérmia. EGEU – Lisandro, seu zombador! É verdade que ele tem minha simpatia. E minha filha tem o meu amor. Por isso, ele terá tudo o que é meu ao tomar posse da minha filha. LISANDRO – Meu amor é maior do que o dele e minha fortuna tão grande quanto a dele, se não for maior. E o que mais vale neste caso, eu já tenho: o amor da formosa Hérmia. Por que não devo persistir no meu direito? Demétrio seduziu a filha de Nedar, Helena, e ganhou seu coração. E ela enlouqueceu de amor, idolatrando até hoje este homem culpado e inconstante. TESEU – Confesso que já ouvi essa história e pensei em conversar com Demétrio sobre isso. Mas minha cabeça está tão cheia de preocupações que acabei me esquecendo. [Levanta-se.] Demétrio, Egeu, venham comigo. Tenho que falar a sós com vocês dois. Quanto a você, bela Hérmia, conforme-se em obedecer à vontade de seu pai ou será sujeita à ordem de Atenas: morte ou castidade. Venha, minha Hipólita! Está tudo bem? Demétrio e Egeu, vão andando. Vocês terão um trabalhinho para fazer durante as minhas núpcias e eu tenho um conselhinho que lhes será útil. EGEU – É nosso dever e prazer servi-lo. [Todos saem, menos Hérmia e Lisandro.] LISANDRO – O que foi, meu amor? Por que está tão pálida? Seu rosto de rosa não pode murchar tanto! 7 HÉRMIA – Talvez lhe falte a água da chuva, que bem poderia ser a tempestade de meus prantos. LISANDRO – Ai de mim! [Conforta a amada.] O verdadeiro amor nunca encontrou um caminho tranquilo... Vemos os amantes do passado e os de hoje e todas as histórias que já ouvimos... HÉRMIA – Oh, é o verdadeiro inferno ter que escolher o amor pelos olhos de outro! LISANDRO – Se fosse fácil escolher a quem amar! Amar é passageiro como um sopro, rápido como uma sombra, curto como qualquer sonho. Tão breve quanto uma luz de vela na noite mais escura... HÉRMIA – Se quem ama está condenado a sofrer, então temos que exercitar nossa paciência e aceitar nosso destino. Assim como quem ama devaneia, sonha e suspira, deseja echora, também temos que suportar a dor. LISANDRO – É verdade, meu amor. Escute-me, Hérmia: tenho uma tia viúva e sem filhos. Sua casa fica sete léguas longe de Atenas e ela me considera seu único filho... Ali, cara Hérmia, nos casaremos. A lei ateniense não nos alcançará ali. Se me ama, fuja da casa de seu pai amanhã à noite. Ali, na floresta, no mesmo lugar onde observamos junto com Helena o nascer do sol num dia de maio, ali, eu a encontrarei. HÉRMIA – Meu bom Lisandro, eu juro pelas flechas do Cupido, pelo seu arco forte e dourado, juro pela simplicidade das pombas de Vênus, que já entrelaçaram tantas almas amorosas! Juro por todos os votos que os homens já quebraram, juro por todas as palavras que as mulheres já falaram, que estarei esperando por você, naquela hora e lugar combinado! LISANDRO – Confio na sua promessa, amor... Veja, aí vem Helena. [Helena é vista atravessando o salão.] HÉRMIA – Bela Helena, aonde está indo? HELENA [andando na direção de Hérmia] – Você me chamou de “bela”? Bela? Vamos, fale de novo! Demétrio também a chama de bela! Como é bela! Seus olhos são estrelas e de sua boca sai perfume e a voz de pássaros... Ah, se eu pudesse, bela Hérmia! Meus ouvidos saberiam decifrar sua voz e suas palavras, meus olhos saberiam olhar como os seus, da minha boca sairiam suas doces melodias. Se o mundo fosse meu... Oh, ensine-me a ser você e a arte de conquistar o coração de Demétrio! HÉRMIA – Eu o odeio e ele ainda me ama. HELENA – Se seu ódio pudesse me ensinar o amor! HÉRMIA – Eu o amaldiçoo, ele ainda me ama. HELENA – Oh, se minhas orações tivessem tal resposta! 8 HÉRMIA – Quanto mais o odeio, mais ele me segue. HELENA – Quanto mais o amo, mais ele me odeia. HÉRMIA – É tolice dele, Helena, que culpa tenho eu? HELENA – Nenhuma, a culpa é de sua beleza! Quisera eu ser culpada disso! HÉRMIA – Não se preocupe, ele não me verá mais. Eu e Lisandro vamos fugir daqui. Atenas era o paraíso para mim, antes de amar Lisandro. Agora, meu paraíso é ao lado dele e qualquer outro lugar que nos impeça de ficar juntos é o inferno! LISANDRO – Helena, apenas para você contaremos nossos planos. Amanhã à noite, na hora mais propícia à fuga dos amantes, decidimos partir de Atenas. HÉRMIA – E na floresta, no mesmo lugar onde costumávamos deitar sobre as flores, ali encontrarei meu Lisandro! Atenas e seu povo serão nosso passado e novos e desconhecidos amigos nosso futuro. Portanto, adeus, companheira! Ore por nós! E que a sorte lhe traga seu Demétrio! Vamos, Lisandro, precisamos partir. [Sai.] LISANDRO – Irei, minha Hérmia. Helena, adeus! Que Demétrio seja tão louco de amor por você quanto você é por ele. [Sai.] HELENA – Como pode alguém que ama ser tão feliz enquanto amo e sou tão triste? Aqui em Atenas, sou considerada tão bela quanto Hérmia, mas Demétrio é o único que não pensa assim... É o único que não vê! Ele erra ao buscar o amor nos olhos de Hérmia e eu erro ao buscar virtudes nele. Coisas tão mesquinhas e até mesmo más, meu amor transforma em dignidade, pois não olho com esses olhos, mas com meu coração: por isso, o alado Cupido é sempre retratado cego. A mente do amor também não julga. Ah, o Amor é uma criança, tão distraída com suas escolhas! Agora, Demétrio só tem olhos para Hérmia, os mesmos olhos que me juraram ser só meus. Perjúrio! Irei contar-lhe a fuga de Hérmia e ele irá encontrá-la amanhã, na floresta. Mas como aumenta minha dor saber que ele vai até ela! [Sai.] 9 ATO 1 – CENA 2 Dentro do chalé de Peter Quince QUINCE – Nossa companhia está toda aqui? BOTÃO – Acho melhor você chamar um por um, de acordo com o script. QUINCE – Vocês estão aqui porque foram selecionados dentre todos os moradores de Atenas por serem os mais qualificados. Aqui está o papel de cada um na peça que vamos interpretar para o duque e a duquesa, na sua noite de núpcias. BOTÃO – Primeiramente, bom Peter Quince, diga-nos do que se trata a peça e depois leia os nomes dos atores. QUINCE – Muito bem! Nossa peça é “A comédia mais lamentável e a morte cruel de Píramo e Tisbe”. BOTÃO – Essa peça é ótima e muito divertida. Agora, bom Peter, chame seus atores e apresente seus personagens. Senhores, espalhem-se! QUINCE – Respondam, assim que eu chamar. Nick Botão, o tecelão! BOTÃO – Aqui! Quem serei eu? QUINCE – Você, Nick Botão, será Píramo. BOTÃO – E quem é Píramo? Um amante? Um tirano? QUINCE – Um amante, que se mata por amor. BOTÃO – Acho que vou precisar de algumas lágrimas para uma verdadeira performance! Preparem-se! Eu consigo fazer tempestades! Hum... Acho que meu humor está mais para tirano... Mas, enfim, vamos lá! Acho que consigo inspirar mais pena como amante. Chame os outros! QUINCE – Francis Flauta, o sineiro! FLAUTA – Aqui! QUINCE – Você será Tisbe! FLAUTA – E quem é Tisbe? Um cavaleiro errante? QUINCE – É a dama que Píramo ama. FLAUTA – Ei, nada disso! Eu não vou fazer uma mulher! Eu já tenho barba! QUINCE – Você vai usar uma máscara e nem precisa mudar a voz. BOTÃO – Também quero usar máscara! Deixe-me fazer Tisbe! Farei uma vozinha fina e monstruosa: “Ah, Píramo, meu amado, aqui estou eu, sua querida dama, sua Tisbe querida”. QUINCE – Pode parar! Você será Píramo e Flauta será Tisbe. 10 BOTÃO – Tudo bem, prossiga. QUINCE – Robin Faminto, o alfaiate! FAMINTO – Aqui! QUINCE – Robin Faminto, você será a mãe de Tisbe. Tom Focinho, o paneleiro! FOCINHO – Aqui! QUINCE – Você será o pai de Píramo. Eu serei o pai de Tisbe. Justo, o marceneiro, você fará o leão. Espero que vocês gostem de seus papéis. JUSTO – Você tem a parte do leão por escrito? Se você tiver, por favor, me dê para que eu possa começar a estudar logo, pois sou um pouco lento... QUINCE – Não se preocupe! Você só precisa rugir. BOTÃO – Também quero fazer o leão! Eu vou rosnar tanto que todo mundo vai ouvir! Vou rugir tanto que o duque vai dizer: “O rugido de novo! O rugido de novo!”. QUINCE – Faça isso e as damas vão começar a gritar, a duquesa ficará com medo e todos nós seremos enforcados. TODOS – Oh, não queremos ser enforcados! BOTÃO – Garanto, amigos, que não vou assustar as senhoras e lhes dar causa para tanto. Vou apenas engrossar minha voz e rosnar como um passarinho... QUINCE – Você não terá outro papel a não ser Píramo! Píramo tem um rosto sorridente e corado, como se estivesse sempre no verão. Um homem gentil e amável. Por isso que você precisa ser Píramo! BOTÃO – Ah, vá, tudo bem, então! QUINCE [distribuindo os papéis entre os atores] – Senhores, aqui estão seus textos e eu peço, insisto e desejo que estudem. O ensaio será na floresta, amanhã à noite. Não andem por aí a dar com a língua nos dentes, senão nosso projetinho secreto será descoberto. Enquanto isso, vou em busca do cenário e figurino. Não me decepcionem! BOTÃO – Encontrar-nos-emos e nosso ensaio será o mais teatrálico e corajoso! Espere e verá: será perfeito! Adeus! QUINCE – Encontrar-nos-emos perto da velha árvore do Duque. BOTÃO – Até! [Todos saem.] 11 ATO 2 – CENA 1 A floresta, a uma légua de Atenas, numa clareira cheia de musgo aberta entre os arbustos. Ao luar. PUCK – Ora, ora, espírito! Por onde perambulava? FADA – Nas montanhas e vales, nos arbustos e folhagens, no escuro e no claro, pela água e pelo fogo, por todos os cantos! Eu sirvo à Rainha das Fadas! Estou em busca de orvalho e pérolas. Até logo, seu palhacinho, preciso ir. Nossa rainha e seus elfos já estão chegando. PUCK – O rei anda por aqui à noite, cuidado para que a rainha não o encontre. Oberon está com raiva porque a rainha tem um belo mocinho, que ela “roubou” do rei da Índia. E Oberon, ciumento, queria levar o rapazinho para andar pela floresta, em seu séquito. Mas ela coroa o menino com flores e se diverte com ele. Os dois não se encontram mais sem brigar. E brigam tanto que seus séquitos de fadas e elfos se escondem dentro das flores, com medo. FADA – Ou me engano com sua aparência ou você é aquele duende astuto e valente, chamado Robin Bom-Companheiro? É você aquele que atormenta as donzelas com chamegos, diverte-se escondendoobjetos e embebedando e enganando os viajantes à noite? É aquele que atende os desejos e dá sorte quando é chamado de “doce Puck”? PUCK – Sim, sou eu. Sou o alegre viajante da noite! Eu brinco com Oberon e o faço sorrir. Sei de mil brincadeiras e ridicularizações que fazem rir e espirrar! Fada, olhe! Aí vem Oberon! [A clareira é subitamente invadida por muitas fadas. Oberon e Titânia se confrontam.] OBERON – Encontramo-nos à meia-noite, orgulhosa Titânia! TITÂNIA – Ora, ciumento Oberon! Fadas, vamos embora! Eu não quero mais sua cama nem sua companhia! OBERON – Que ousadia! Ainda sou seu senhor! TITÂNIA – E eu, sua senhora! Fiquei sabendo que saiu da terra das fadas, sob a forma humana de Corin e, durante um dia inteiro, tocou flauta e recitou versos de amor! Por que está aqui agora? Ah, talvez seja porque sua amazona, sua amante e companheira de guerra, se casará hoje com Teseu! Você irá às núpcias e ainda desejará alegria e prosperidade! OBERON – Como ousa, Titânia, falar assim de meu relacionamento com Hipólita, quando eu sei do seu amor por Teseu? Você não o arrastou no escuro da noite para longe da encantadora Periguna, que ele amava? E o fez romper os votos com a bela Egles? E também com Ariadne e Antíopa? TITÂNIA – Essas são as artimanhas do ciúme! E nunca mais, desde os dias quentes do verão, nos encontramos nas montanhas, nos vales, nas florestas ou nas campinas, 12 nem nas fontes, ou nas margens dos riachos, muito menos na areia das praias, sem que seus gritos atrapalhassem nossa diversão! Por perturbá-la, a natureza se vinga contra nós e contra os humanos: o vento sopra forte e traz as chuvas, inundando os campos, destruindo o pasto e os rebanhos. Só os urubus estão felizes com o banquete! Os humanos não festejaram o inverno, não entoaram canções nem hinos. A lua, que é governante das marés, pálida de ódio, enche o ar de úmidas doenças e altera as estações. A rosa que acabou de abrir recebe uma geada. A primavera, o verão, o frio outono, o raivoso inverno, mudam de personalidade. E o mundo todo, confuso, não sabe mais qual é qual. E nossas brigas também levam ao caos. Fomos nós que provocamos nossos males. OBERON – Conserte-os, então! Você os fez! Por que Titânia deve trair seu Oberon? Quero apenas um certo garoto para ser um dos meus. TITÂNIA – Fique tranquilo, vou lhe contar. Sua mãe era uma devota minha e eu a conhecia. Vi sua barriga crescer e vi quando ela andava pela terra e me dava oferendas perfumadas da Índia. Mas, sendo mortal, morreu ao entregar ao mundo esse menino. E é por causa dela e disso que não posso me separar dele. OBERON – Quanto tempo pretende ficar dentro dessa floresta? TITÂNIA – Talvez até o dia do casamento de Teseu. Se tiver paciência para dançar em nossa roda e acompanhar nossas folias ao luar, venha conosco. Senão, vá andar por aí e eu tentarei não o encontrar. OBERON – Dê-me o garoto e eu irei com você. TITÂNIA – Nem pelo reino todo... Fadas, vamos embora! Se eu ficar mais um pouquinho, vou me enfurecer... [Titânia parte raivosa com seu séquito.] OBERON – Bem, siga seu caminho! Mas suas ofensas não passarão em branco... Gentil Puck, venha cá! Você se lembra daquela vez que me sentei na beira do penhasco e uma sereia, sentada sobre um golfinho, cantava uma canção tão harmoniosa com seu hálito doce, que o mar rude se amansou diante de sua voz? PUCK – Eu meu lembro. OBERON – Naquele momento eu vi, mas você não podia enxergar, voando entre a terra e a lua fria, Cupido. Estava armado com seu arco e flecha. Ele atirou sobre uma donzela, mas não a atingiu, e a flecha foi cair sobre um arbusto florido, que de branco transformou-se em vermelho-sangue. As donzelas chamam aquela flor de amor- perfeito. Vá buscar aquela flor e traga-a para mim. Quando espremermos sua seiva sobre os olhos de alguém que dorme, fará com que, homem ou mulher, esta pessoa se apaixone pela primeira coisa que olhar. Vá agora, vá rápido! PUCK – Darei a volta na terra em quarenta minutos! [Desaparece.] OBERON – Com essa flor em mãos, observarei Titânia enquanto dorme e colocarei a seiva sobre seus olhos. A primeira coisa que seus olhos virem, seja leão, urso, lobo, 13 touro ou até um macaco atrevido, será seu grande objeto de amor. E para retirar o feitiço, o que é fácil fazer com outra erva, farei com que ela me entregue o garoto. Mas quem vem aí? Estou invisível e vou ouvir o que dizem. [Demétrio entra na clareira. Helena o segue.] DEMÉTRIO – Eu não amo você! Pare de me perseguir! Onde estão Lisandro e a bela Hérmia? Um, eu quero matar, a outra me mata de amor! Você me disse que eles estariam aqui, aqui estou eu e nem sinal deles! Já que não verei minha Hérmia, vá embora e não me siga mais! HELENA – Eu o sigo apenas porque você me atrai. Liberte-me e eu não o seguirei mais! DEMÉTRIO – Eu a atraio? Eu tento seduzi-la ou apenas lhe falo na esperança de que entenda uma verdade: não a amo, nem quero amá-la. HELENA – Por sua sinceridade, o amo ainda mais! Sigo-o como um cachorrinho e, quanto mais me agride, mais tento agradá-lo. Faça o que quiser comigo! Mas por favor, me deixe apenas um desejo: segui-lo! DEMÉTRIO – Não teste minha paciência... Já não aguento mais olhar para a sua cara. HELENA – E eu não aguento ficar sem ver a sua! DEMÉTRIO – Você vai ficar falada na cidade, indo para a floresta com um homem que não a ama. Você confia à oportunidade da noite e à impunidade de um lugar deserto o tesouro de sua virgindade. HELENA – Apenas porque tenho certeza da sua virtude. E não é nunca noite perto de seu rosto iluminado e nunca é solitário quando se tem em uma única pessoa o mundo todo. Então, como posso afirmar que estou sozinha se todo o mundo está aqui a olhar para mim? DEMÉTRIO – Irei fugir e me esconder nos arbustos e deixá-la à mercê das feras da floresta! HELENA – Seu coração é mais selvagem que o das bestas! Corra, se quiser... A história será outra. Apolo foge, mas Dafne não se cansa e até mesmo a jovem gazela corre mais que um tigre. A velocidade é inútil quando o covarde persegue e o valente corre! DEMÉTRIO – Chega! Deixe-me ir! E se me seguir, acredite, aproveitarei a escuridão da floresta para me aproveitar de você. HELENA – Oh! No templo, na cidade, nos campos e nas florestas, pode se aproveitar de mim! Fuja, Demétrio! Nós, mulheres, não podemos lutar por amor, como fazem os homens. Somos feitas para sermos cortejadas e não para cortejar. [Demétrio sai.] Irei segui-lo e fazer do inferno o paraíso, se morrer nas mãos de quem tanto amo e preciso! [Ela o segue.] 14 OBERON – Adeus, ninfa! Antes que ele deixe sua floresta, você irá fugir dele, que estará louco de amor! [Puck reaparece.] Bem-vindo, viajante! Pegou a flor? PUCK – Sim, aqui está ela! OBERON – Vamos, dê-me essas flores! Conheço um vale florido e perfumado onde Titânia gosta de dormir, cansada das danças e prazeres. Ali eu banharei seus olhos e farei seu coração desejar as mais perversas fantasias. Pegue um pouco também e procure pela floresta uma doce dama apaixonada por um maldoso jovem ateniense. Saberá que ele é de Atenas pelas suas roupas. Coloque um pouco sobre os olhos dele. Mas tome cuidado: a próxima coisa que ele deve ver é a dama que o ama. Coloque seiva suficiente para que ele a ame mais do que ela mesma o amava. Vá! Eu o encontrarei aqui no primeiro canto do galo. PUCK – Fique tranquilo, senhor! Seu servo aqui fará o que me pede! [Ambos partem.] 15 ATO 2 – CENA 2 Outra parte da floresta, perto da velha árvore, cercada de arbustos espinhentos. O ar está impregnado de perfume. Titânia está deitada e seu séquito de fadas está ao seu redor. TITÂNIA – Vamos, quero ouvir uma canção de fada para adormecer... [As fadas cantam e Titânia adormece.] UMA DAS FADAS – Ela adormeceu, vamos embora! Apenas uma fique como sentinela! [Todas as fadas partem e uma fica de sentinela à distância.] [Oberon aparece, flutuando sobre Titânia. Ele derrama a seiva sobre os olhos dela.] OBERON – Aquele que vir quando abrir os olhos será o dono de seu coração. Seja um gato, um urso ouaté um porco peludo, os seus olhos irão ver apenas o amor querido. Espero que você acorde quando alguma coisa horrorosa passar por aqui... [Desaparece.] [Lisandro se aproxima levando Hérmia pelo braço.] LISANDRO – Meu amor, você parece cansada de tanto andar pela floresta. E, para falar a verdade, eu esqueci o caminho de volta. Vamos descansar, Hérmia, se você quiser, e continuaremos nossa caminhada no conforto e na luz do dia. HÉRMIA – O que você quiser, Lisandro! Ache por aí uma cama que eu vou encostar minha cabeça sobre este montinho. LISANDRO – O mesmo montinho também me servirá de travesseiro: um só coração, uma só cama, um só amor e uma união. HÉRMIA – Não, bom Lisandro! Por mim, meu querido, deite-se um pouco mais longe... Não assim tão perto. LISANDRO – Oh, mas eu sou tão inocente! O que eu quis dizer foi que somos um só coração, porque somos apaixonados e unidos somos pelo amor e pela promessa de nosso casamento. Não me negue um lugar ao seu lado! HÉRMIA – Lisandro, como você fala bonito! Não quis interpretá-lo mal! Mas, meu caro, por amor e gentileza, deite-se um pouco mais longe. Essa distância é uma virtude entre o solteiro e a donzela. Boa noite, querido amigo! LISANDRO – Amém, amém! Virtude é o bem mais precioso! Aqui vou recostar. [Os dois dormem. Puck aparece.] PUCK – Andei por toda a floresta, mas não vi nenhum ateniense digno desta flor. Noite e silêncio... Quem está aí? Hum... Pela roupa, pode-se ver que é de Atenas... Acho que é este que meu mestre queria que eu achasse! Foi ele que desprezou a dama! E aqui está a donzela, dormindo apoiada num montinho de terra. Que linda alma! Nem se atreve a deitar perto daquele que não consegue amá-la! [Pinga gotas da 16 seiva sobre os olhos de Lisandro.] Agora, sobre seus olhos, jogo o poder do encanto: irá vagar pela terra, unicamente em busca do amor e nunca mais terá a paz do sono que agora dorme! Acordará quando eu me for... Preciso encontrar Oberon. [Desaparece.] [Entram Demétrio e Helena, correndo.] HELENA – Fique! Mesmo que esteja me matando, doce Demétrio! DEMÉTRIO – Não me siga mais! Eu estou avisando! HELENA – Vai me deixar aqui, sozinha na noite? Não, por favor! DEMÉTRIO – Quem escolheu foi você! Eu irei sozinho! [Desvencilha-se dela e desaparece na floresta.] HELENA – Oh, não aguento mais essa caçada amorosa! Quanto mais rezo, menos graças recebo! Feliz é Hérmia, onde quer que ela esteja, com seus olhos tão atraentes e abençoados! Como os olhos dela ficaram tão brilhantes? Não pelo sal das lágrimas, senão seriam os meus os mais cintilantes! Oh, sou tão feia quanto um animal selvagem! Até os monstros da floresta correm de medo de mim! Então, não é de se admirar que Demétrio, monstro insensível que é, fuja da minha presença. Que espelho mentiroso me fez acreditar ser tão bela quanto Hérmia? Mas quem está ali? Lisandro! Deitado no chão! Morto? Ou adormecido? Não vejo sangue nem ferida. Lisandro, meu bom senhor, acorde, se estiver vivo! LISANDRO – Acordo e atravesso o fogo por seu amor! Helena, sua natureza transparente me deixa ver seu coração! Onde está Demétrio? Oh, que bom seria se esse nome perecesse com minha espada! HELENA – Não diga isso, Lisandro, não diga isso! Só porque ele ama a mesma Hérmia que o senhor, só por isso? Sua Hérmia o ama muito, fique satisfeito. LISANDRO – Satisfeito? Não! Eu me arrependo dos momentos tediosos que passei ao lado dela. Não é Hérmia, mas Helena que eu amo! Quem não trocaria um corvo por uma pomba? A razão do homem é mais forte e sábia e ela me diz que você é uma dama muito mais merecedora da minha afeição. Nada amadurece antes do tempo certo das estações... Antes, estava colhendo frutos verdes e amargos, mas agora, guiado pela razão e discernimento, meus olhos encontraram os seus, onde enxergo as mais lindas histórias de amor. HELENA – Mas que maldade é essa? Será que é meu destino ser ridicularizada? Nunca consegui um só olhar amoroso de Demétrio e você vem com essas palavras de insulto, tentando me cortejar? Vou-me embora! Achei que o senhor fosse mais educado. Oh, quem amo me despreza e de outro recebo zombaria! [Ela sai.] LISANDRO – Ela não viu Hérmia. Hérmia, durma aí e nunca mais chegue perto de Lisandro. Assim como empanturrar-se de boa comida faz mal ao estômago, tenho vergonha do enorme amor que senti e a odeio mais que tudo e todos! Com todo o meu ser, meu amor e honra devo a Helena! Serei seu cavaleiro! [Segue Helena.] 17 HÉRMIA [acordando] – Socorro, Lisandro, ajude--me! Tire esta serpente do meu peito! Ai de mim! Que sonho foi esse? Lisandro, estou tremendo de medo! Uma serpente comeu meu coração e você, sorrindo, observava sentado toda a cena. Lisandro! Onde você está? Lisandro! Meu senhor! Não está me ouvindo? Responda! Oh, onde está você? Responda, se me ouve! Fale, meu amor! Vou desmaiar de medo! Você não está aqui! Estará morto? Vou encontrá-lo! [Ela sai.] 18 ATO 3 – CENA 1 Quince (carregando um grande saco), Justo, Botão, Flauta, Focinho e Faminto chegam juntos e se reúnem embaixo da grande e velha árvore. BOTÃO – Estamos todos aqui? QUINCE – Ora, ora, este lugar é ótimo para nosso ensaio! Este musgo verde será o palco e atrás dos arbustos, a coxia. Faremos assim exatamente como faremos diante do duque. BOTÃO – Peter Quince! QUINCE – O que foi agora, caro Botão? BOTÃO – Há coisas nesta comédia de Píramo e Tisbe que não vão agradar. Por exemplo: Píramo tem que pegar a espada para se matar! As damas não vão suportar ver isso! O que me diz? FOCINHO – Vão se assustar! FAMINTO – Acho melhor não fazermos o suicídio... BOTÃO – De jeito nenhum! Conheço um jeito de fazê-lo bem. Escreva um prólogo, dizendo que não ferimos ninguém com nossas espadas e que Píramo não morreu, claro, porque Píramo sou eu, Botão, o tecelão! Isso as acalmará! QUINCE – Bem, se tivermos um prólogo assim, teremos que escrever em versos. FOCINHO – As damas não terão medo do leão? FAMINTO – Eu tenho, posso garantir! BOTÃO – Senhores, tem que se considerar que trazer um leão no meio das damas é uma coisa horrorosa! Deus nos livre! FOCINHO – Bem, então outro prólogo deve ser escrito, dizendo que ele não é um leão! BOTÃO – Não! É só dizer seu nome e mostrar metade da sua cara e por trás da máscara deve dizer: “Damas, belas damas, eu gostaria” ou “eu peço” ou “eu suplico, não temam, não tremam! Eu não sou uma fera, sou um homem qualquer”. Então diga claramente seu nome: sou Justo, o marceneiro! QUINCE – Bem, então será assim. Mas duas coisas são bem difíceis de fazer: trazer o luar para dentro de um salão. Como todos sabem, Píramo e Tisbe se conhecem sob o luar. FOCINHO – A lua irá brilhar na noite da apresentação? BOTÃO – Um calendário! Um calendário! Vamos olhar a fase da lua! [Quince tira um calendário de dentro do saco e o folheia.] 19 QUINCE – Sim, teremos lua. BOTÃO – Ora, então podemos deixar as janelas abertas, para a lua entrar... QUINCE – Pode ser... Ou alguém pode vir com muitas tochas e lanternas e representar a própria lua. Mas há ainda outra coisa: tem que haver um muro dentro do grande salão. Píramo e Tisbe, como diz a história, conversavam por entre uma brecha que havia no muro. FOCINHO – Nunca poderemos levar um muro lá para dentro! O que me diz, Botão? BOTÃO – Um homem pode representar o muro! Aí, teremos que cobri-lo com um pouco de gesso ou argamassa para parecer mesmo um muro... E ele tem que ficar com os braços estendidos e os dedos esticados assim. [Estica os dedos.] E por entre seus dedos, Píramo e Tisbe irão sussurrar. QUINCE – Hum... Se isso puder ser feito, ótimo! [Tira um livro do saco e o abre.] Venham, sentem-se! Vamos ensaiar nossas falas! Píramo, você começa! Quando acabar sua fala, vá para trás daquele arbusto e assim vamos, um por um... Puck aparece atrás da árvore. PUCK – Quem são esses coitados, fazendo bagunça tão perto do berço da Rainha das Fadas? O quê? Uma peça? Vou assistir! Talvez até participar, se me der vontade. QUINCE – Fale, Píramo! Tisbe, chegue mais perto! BOTÃO – “Tisbe, como as flores são docilmente...”QUINCE [interrompendo] – “Docemente”! “Docemente”! BOTÃO – “Docemente perfumadas, como seu hálito, querida Tisbe! Mas, espere! Ouço uma voz! Espere um pouco aqui, e daqui a pouco eu volto!” [Vai para trás do espinheiro.] PUCK – Este é o Píramo mais estranho que eu já vi! [Segue Botão.] FLAUTA – Posso falar agora? QUINCE – Claro, deve! Você deve entender que ele foi apenas checar um barulho que ouviu e já volta. FLAUTA – “Meu mais radiante Píramo, com a branqueza dos lírios, com o vermelho das rosas triunfantemente brancas! Como um cavalo que nunca se cansa, encontrarei você, Píramo, no túmbalo!” QUINCE – No “túmulo”, homem! Mas isso não é para ser falado agora! Isso é a resposta a Píramo! Você falou tudo de uma vez! Píramo, entre! Sua deixa já foi falada! É “nunca se cansa”. FLAUTA – Oh... “Como um cavalo que nunca se cansa...” [Botão sai de trás do arbusto usando uma cabeça de asno. Puck vem logo atrás.] 20 BOTÃO – “Se eu fosse belo, Tisbe, seria digno do seu amor!” QUINCE – Oh, que monstruosidade! Oh, sinistro! Estamos sendo assombrados! Rezem, homens! Fujam! Socorro! [Todos correm e se escondem atrás dos arbustos.] PUCK – Vou seguir vocês! Vou ser um urso, uma chama, um cachorro! Vou rugir, latir, queimar! Em cada curva vocês vão me encontrar! [Sai em perseguição.] BOTÃO – Por que eles estão fugindo? Será que eles querem me assustar? [Focinho espia por trás do arbusto.] FOCINHO – Oh, Botão, o que aconteceu com você? BOTÃO – O que você vê? Sua própria cabeça de burro? [Focinho desaparece.] [Quince retorna furtivamente.] QUINCE – Deus o abençoe, Botão! Deus o abençoe! O que aconteceu com você! [Ele dá meia-volta e foge.] BOTÃO – Eu sei o que eles estão aprontando! Estão querendo me fazer de idiota, querendo me meter medo. Mas não sairei daqui! Façam o que quiserem! Vou andar pra lá e pra cá e ainda cantar para que eles vejam que não estou com medo! [Começa a cantar com voz fanhosa, zurrando de vez em quando.] TITÂNIA [levantando-se de seu leito de flores] – Que anjo me acorda de meu leito florido? BOTÃO [cantando] – Os passarinhos, o pardal e a cotovia! O cuco, com sua cantoria! De todos os passarinhos e cada melodia, nenhum é tão chato quanto o cuco que só pia! TITÂNIA – Eu suplico, caro mortal, cante novamente! Meus ouvidos estão enamorados de seus sons e meus olhos encantados com sua figura! Sua força e virtude fazem-me acreditar em amor à primeira vista: eu o amo! BOTÃO – Acho, senhora, que está muito enganada. Mas, para dizer a verdade, amor e razão não são lá bons companheiros. TITÂNIA – É tão sábio quanto é belo! BOTÃO – Nem tanto. Se apenas eu fosse esperto o suficiente para sair desta floresta, já me bastaria. TITÂNIA – Por favor, não deseje sair desta floresta! Irá ficar aqui, quer queira, quer 21 não. Sou um espírito raro, o verão está sempre ao meu lado e eu o amo! Por isso, venha comigo. Eu lhe darei elfos como criados, eles lhe trarão joias das profundezas! Irão cantar para que adormeça sobre um leito de flores! E eu farei com que fique leve como um espírito, para flutuar por onde quiser! Flor de Ervilha, Teia de Aranha, Mariposa e Semente de Mostarda! [Conforme ela vai chamando os nomes, cada elfo se apresenta diante dela.] FLOR DE ERVILHA – Pronto! TEIA DE ARANHA – Eu também! MARIPOSA – Eu também! SEMENTE DE MOSTARDA – Eu também! TODAS JUNTAS – Para onde iremos? TITÂNIA – Sejam gentis com este senhor! Pulem aos seus pés e encantem seus olhos! Colham frutas silvestres, uvas, figos e amoras, até que fique satisfeito! Roubem o mel das abelhas e com a cera de suas patas façam velas, acesas por vaga- lumes. Coloquem as luzes perto do leito do meu amor, ao deitar-se e ao levantar-se. Arranquem as asas das mais belas borboletas para abanar de seus olhos os raios de luar. Abaixem-se, elfos, e sejam corteses! FLOR DE ERVILHA – Salve, Mortal! TEIA DE ARANHA – Salve! MARIPOSA – Salve! SEMENTE DE MOSTARDA – Salve! BOTÃO – De coração, peço perdão! Posso saber o nome de cada um dos senhores? TEIA DE ARANHA [fazendo uma reverência e curvando-se] – Teia de Aranha! BOTÃO – Muito prazer em conhecê-lo, meu bom Teia de Aranha! Caso corte o dedo, irei usá-lo como curativo! Seu nome, caro senhor? FLOR DE ERVILHA [fazendo uma reverência e curvando-se] – Flor de Ervilha! BOTÃO – Por favor, dê minhas lembranças à senhora Flor, sua mãe, e ao senhor Vagem, seu pai. Bom senhor Flor de Ervilha, prazer em conhecê-lo! Seu nome, por favor, senhor? SEMENTE DE MOSTARDA [fazendo uma reverência e curvando-se] – Semente de Mostarda! BOTÃO – Bom senhor Semente de Mostarda! Já chorei por muitos parentes seus, que morreram em cima de um bife! Mas é um grande prazer conhecê-lo! TITÂNIA – Venham, estejam sempre à disposição dele! Levem-no ao meu leito. Parece que a lua chora, lamentando alguma castidade perdida. Amarrem a língua de 22 meu amor e levem-no em silêncio. [Todos andam em direção ao leito de flores.] 23 ATO 3 – CENA 2 A clareira coberta de musgo. Oberon aparece. OBERON – Será que Titânia já acordou? O que será que ela viu e agora ama? [Puck entra na clareira.] Aqui vem meu mensageiro! E aí, meu louquinho? O que anda acontecendo pela floresta escura? PUCK – Minha senhora está apaixonada por um monstro! Perto do lugar onde ela dormia, um grupo de homens rudes e sem educação estava ensaiando uma peça para ser apresentada no dia do casamento do grande Teseu. O pior de todos representava Píramo. Quando ele saiu de cena, eu aproveitei e coloquei sobre sua cabeça uma cabeça de asno. Assim que ouviu sua deixa, o chamado de sua Tisbe, ele voltou ao palco de terra e eu ia aproveitar para fazer do romance uma comédia. Mas quando os companheiros o viram, ficaram mais assustados do que a caça diante do caçador! E saíram correndo desembestados, rasgando suas vestes nos espinheiros ao redor. Eu batia os meus pés e os aterrorizava ainda mais e eles deixaram Píramo para trás. E foi nesse momento que Titânia acordou e, no instante em que viu o asno, se apaixonou. OBERON – Tudo saiu melhor do que o previsto! E você conseguiu derramar a seiva nos olhos do ateniense, como eu havia pedido? PUCK – Derramei enquanto ele dormia, já está tudo acertado. A mulher ateniense dormia ao lado. Estou certo de que ela será a primeira coisa que ele irá olhar assim que acordar. [Demétrio e Hérmia se aproximam.] OBERON – Cheguem mais perto! É este o ateniense? PUCK – A mulher é esta, mas o homem é outro. DEMÉTRIO – Oh, por que rejeita este que tanto a ama? Guarde suas maldições para seus inimigos! HÉRMIA – As maldições foram culpa sua! Se você matou Lisandro enquanto dormia, com as mesmas mãos sujas de sangue mate-me também! O sol não era tão fiel ao dia quanto ele era a mim. Ele teria ido embora e deixado sua Hérmia adormecida? Prefiro acreditar que a terra e a lua se juntarão um dia a acreditar que ele me deixaria. Só é possível se o tivesse assassinado... Seu rosto já denuncia o assassino. DEMÉTRIO – Assassinado foi o meu coração, tamanha a sua crueldade! Mas você, a assassina, é tão linda e brilhante quanto Vênus em sua esfera cintilante. HÉRMIA – Por que fez isso ao meu Lisandro? Onde está ele? Oh, bom Demétrio, me mostre onde ele está! DEMÉTRIO – Prefiro dar sua carcaça aos lobos! HÉRMIA – Fora daqui, vilão! Minha paciência já se esgotou! Então você o matou 24 mesmo! Mas me diga apenas isso e fale a verdade: você o matou olhando-o nos olhos? Ou enquanto ele dormia? Oh, mas que coragem! Um verme teria feito o mesmo! DEMÉTRIO – Exalta-se à toa! Eu não derramei o sangue de Lisandro e ele não está morto. HÉRMIA – Eu suplico! Diga-me que ele está bem! DEMÉTRIO – Se eu pudesse dizer... Mas o que eu ganho com isso? HÉRMIA – O privilégio de nunca mais me ver, pois a sua presença odiosa não suporto mais. Adeus, Lisandro vivo ou morto, não me veja mais! [Sai correndo.] DEMÉTRIO – Por que segui-la, quando ela só me odeia? Vou ficar aqui um pouco, aguentando o peso da minha tristeza que só aumenta. Quem sabe dormindo um pouco, já que não dormi nada, possa me sentir melhor.[Deita-se.] OBERON – O que foi que você fez? Você se enganou! Você derramou a seiva nos olhos de quem já amava! PUCK – Foi o destino que quis! Além do mais, não faz mal um homem jurar duplamente seu amor quando há tantos por aí que juram por amor nenhum. OBERON – Vá pela floresta, mais rápido que o vento, e encontre Helena de Atenas. Ela está doente de amor, pálida e suspirante, seu jovem sangue esfriando nas veias. Faça alguma mágica, iludindo-a até aqui. Eu colocarei sobre os olhos dele a seiva, para que ele a veja. PUCK – Estou indo! Estou indo! Veja, mais rápido que a flecha do Cupido! [Desaparece.] [Oberon se curva sobre Demétrio, que dorme.] OBERON – Flor abençoada por Cupido, faça com que ela brilhe para ele como Vênus no céu... [Puck reaparece.] PUCK – Capitão das Fadas, aqui está Helena e este jovem, que eu confundi com o que dorme, suplica pelo seu amor. Como são tolos esses mortais! OBERON – Afastem-se! O barulho que fazem pode acordar Demétrio! PUCK – E dois se apaixonarão por ela! Ah, como eu me divirto... [Os dois se afastam.] [Chega Helena, seguida por Lisandro.] LISANDRO – Por que você acha que estou zombando ao cortejá-la? Posso zombar e chorar ao mesmo tempo? Estou jurando e chorando e dizendo a verdade! Como pode confundir com desprezo a verdade do amor que professo? 25 HELENA – Você é muito esperto! Como um mais um são dois, duas mentiras não fazem uma verdade! Esses votos são de Hérmia! Você desistiu dela? Tantos votos e não tem mais nada: os dela valiam quanto, se já os nega? Palavras leves como o vento levadas pelo ar... LISANDRO – Eu não era maduro o suficiente para manter meus votos com ela. HELENA – É menos ainda ao desistir dela. LISANDRO – Demétrio ama Hérmia, e não você. DEMÉTRIO [acordando] – Oh, Helena, deusa, ninfa, perfeita, divina! Com o que posso comparar seus olhos? Os cristais ficam opacos perto deles! Como seus lábios são rosados, suas bochechas macias! Deixe-me beijá-la, princesa da brancura das neves! Deixe-me beijar esse selo de pura alegria! HELENA – Oh, o que é isso? Inferno! Acho que todos querem se divertir às minhas custas! Vocês não têm modos nem cortesia? Agradeceria se não me odiassem, mas precisariam unir-se contra mim para zombar-me? Se forem homens, não podem agir assim contra uma mulher sozinha: fazem votos, juramentos e elogios exagerados quando eu sei que me odeiam mais que tudo. Vocês dois são rivais, ambos amam Hérmia. E agora, unidos, para zombar de Helena! Viu o que fizeram? Fizeram uma dama chorar! É assim que se divertem? LISANDRO – Demétrio, que maldade! Não faça assim! Eu sei que ama Hérmia! Eu sei, você sabe! Aqui, agora, com toda a boa vontade e todo o meu coração: fique com Hérmia e seja feliz. Deixe-me Helena, pois é a única que amo e amarei até a morte. HELENA – E ainda continuam! Que falta do que fazer! Quanta saliva gasta à toa! DEMÉTRIO – Lisandro, fique com sua Hérmia. Se um dia eu a amei, meu amor por ela se esgotou. Meu coração, se um dia não foi meu, está agora nas mãos de Helena, e ali ficará para sempre. LISANDRO – Helena, diga que não... DEMÉTRIO – Helena não dirá nada! [Hérmia é vista, aproximando-se.] Mas Hérmia, sim! Veja seu amor que chega! HÉRMIA – Noite escura, que rouba dos meus olhos a luz! Meus ouvidos são bem mais capazes de entender o que se passa. Lisandro, eu ouço que está aí! Mas por que foi tão cruel e me deixou? LISANDRO [dando as costas] – Por que deveria ficar quando se vê obrigado a partir por amor? HÉRMIA – Que amor tiraria Lisandro do meu lado? LISANDRO – O amor de Lisandro, que não o deixa se aproximar: a doce Helena! Aquela que mais brilha dentro da noite escura! Por que veio atrás de mim? Você não percebeu que eu só parti porque odeio sua presença? 26 HÉRMIA – Você não está falando sério, não pode ser... HELENA – Ah! Ela também gosta de brincar! Agora vejo que estão os três unidos para zombar de mim! Hérmia, ingrata dama, você se juntou a estes dois para caçoar de mim? E todas as horas que passamos juntas, como irmãs, trocando segredos... Já se esqueceu de tudo? A amizade na escola, na infância? Nós, Hérmia, como duas deusas de mentirinha, bordamos juntas uma flor, na mesma almofada, cantando juntas a mesma música, no mesmo tom! Nossas mãos, nossas vozes e nossas mentes, tão unidas! Crescemos juntas, como duas cerejas no mesmo galho! E você troca todo esse amor, cultivado uma vida inteira, por dois homens grosseiros? Que amizade é essa? HÉRMIA – Helena, estou chocada com suas palavras! Eu não estou zombando de você... Mas acho que você está zombando de mim! HELENA – Você não mandou que Lisandro me seguisse por toda parte, me fazendo elogios exagerados, falando dos meus olhos e da minha face? E ainda fez com que seu outro amor, Demétrio, me chamasse de deusa, ninfa, divina e rara, preciosa e celestial? Como ele pode falar isso para aquela que ele odeia? E como Lisandro nega o amor por você, amor tão rico em sua alma, por uma afeição terna – que absurdo! – por mim? Como pode acontecer isso se não fosse pela sua permissão? Não recebo tantas graças quanto você e não tenho nenhum amor. Sou uma coitada, uma miserável, que ama e não é amada. Devia ter pena de mim! HÉRMIA – Não entendo nada do que diz! HELENA – Claro que entende! E continue fazendo esse teatro de caras tristes na minha frente e sorrisos de escárnio nas minhas costas! Piscando um para o outro, segurando o riso! Alguém deveria escrever as falas de vocês e fazer uma peça de teatro! Se tivesse alguma pena ou educação, nem tentaria me enganar com esses gestos ridículos! Eu vou embora! Isso também é culpa minha! Mas morte ou ausência já darão cabo disso! LISANDRO – Fique, gentil Helena! Minhas desculpas, meu amor, minha vida, minha alma, bela Helena! HELENA – Oh, excelente! HÉRMIA – Querido, não faça isso! DEMÉTRIO – Ouça o que ela diz, senão vai ter que me ouvir. LISANDRO – Você não pode fazer nada que ela não faria. Seus pedidos são tão surdos aos meus ouvidos quanto os dela! Helena, eu a amo! Pela minha vida, eu a amo! Juro pela vida que posso perder que ele é um falso quando diz que não a amo! DEMÉTRIO – Só estou dizendo que a amo mais do que você! LISANDRO – Se você não retirar o que disse, terá que provar! DEMÉTRIO – Pode vir! 27 HÉRMIA [tentando segurá-lo] – Lisandro, pra que tudo isso? LISANDRO – Solte-me! HÉRMIA – Não! Não! DEMÉTRIO – Ela está segurando o grande homem? Você vem ou não vem? Uma mulher consegue segurá-lo? LISANDRO – Solte-me, sua bruxa! Ou vou quebrar seus braços! HÉRMIA – Por que está falando assim comigo? O que aconteceu, meu querido? [Ela o segura ainda mais fortemente.] LISANDRO – O seu amor! Saia daqui, fedorenta, saia! HÉRMIA – Você não está brincando? HELENA – Claro que está! E você também! LISANDRO – Demétrio, vou manter minha palavra quanto a você. DEMÉTRIO – Não confio na sua palavra! Até uma mulherzinha consegue segurar seus braços! LISANDRO – O quê? Deveria fazer o quê? Machucá-la, bater nela, matá-la? Mesmo odiando-a, não posso fazer isso! HÉRMIA – O quê? Será que você pode me ferir mais do que fere falando isso? Você me odeia! Oh, meu Deus, que palavras são essas? Por quê? Não sou eu Hérmia? Não é você Lisandro? Sou tão bela agora quanto era há pouco, quando adormeceu perto de mim na floresta, dizendo que me amava... Por que me deixou na escuridão? Por que não esperou o dia para me mandar embora? LISANDRO – Ai, pelos céus! Eu não queria mais ver sua cara! Por isso, perca as esperanças, não faça mais perguntas, não duvide de mais nada. Tenha certeza de apenas uma coisa: eu odeio você e amo Helena. HÉRMIA [para Helena] – Oh, meu Deus, sua trapaceira, sua podre! Sua ladra de corações! Você chegou no meio da noite e roubou o coração do meu amor? HELENA – Ora! Você não tem vergonha de falar assim, sendo uma dama? Acha que vai arrancar respostas de mim? Saia daqui, sua maluca, vá embora! HÉRMIA – Maluca? Ah, então é assim que se joga este jogo! Posso até ser maluca, mas ainda tenho unhas para lhe furar os olhos! [Ela avança em direção a Helena.]HELENA – Senhores, embora sejam rudes e grosseiros, por favor, não deixem que ela me machuque! Sou uma dama, mas sou covarde e não sei lutar! Segurem-na! Talvez vocês possam pensar até que eu posso com ela, sendo eu tão mais alta... HÉRMIA – Está me chamando de baixinha? Argh! HELENA – Boa Hérmia, não seja tão ruim comigo! Eu sempre amei minha 28 irmãzinha! Sempre lhe dei conselhos, nunca menti nem enganei. A não ser quando disse a Demétrio que você vinha para esta floresta. Ele seguiu você e, por amor, eu o segui. Ele só me tratou mal, abusou de mim, deixou-me para morrer. Agora, se me deixar voltar para Atenas, eu prometo desaparecer e nunca mais seguir ninguém. Deixe-me ir! Veja como sou simples e bondosa... HÉRMIA – Ora, vá logo! Quem está lhe impedindo? HELENA – Um coração tolo, que deixo para trás. HÉRMIA – O quê? Deixa com Lisandro? HELENA – Com Demétrio. LISANDRO – Não tenha medo! Ela não irá machucá-la, Helena! DEMÉTRIO – Não, senhor, não irá mesmo, embora você esteja do lado dela! HELENA – Quando ela está brava, é uma megera! Mesmo pequenininha, é corajosa como uma fera! HÉRMIA – “Pequenininha” de novo? É só assim que me vê? Ah, deixem-me chegar até ela! LISANDRO – Vá embora daqui, sua fêmea de gnomo! Sua ervilha, mísero grão de milho! DEMÉTRIO – Você se empenha muito em xingar, até demais! [Desembainha a espada.] Não quero que se empenhe assim, nem por Helena, pois eu a protegerei! LISANDRO [desembainha a espada também] – Agora, não tem ninguém me segurando! Vamos decidir com quem Helena ficará! [Afasta-se para dentro da floresta.] DEMÉTRIO – É pra já! [Segue-o apressadamente.] HÉRMIA – Você, senhora, fique bem aí! Tudo isso é por sua causa! HELENA – Eu não confio em você e não vou ficar aqui na sua péssima companhia! Suas mãos pequenas podem até me arranhar, mas minhas pernas são mais longas e consigo correr mais! [Sai correndo.] HÉRMIA – Estou pasma! Nem sei o que dizer! [Segue Helena devagar.] OBERON [para Puck] – Isso tudo é culpa sua e do seu erro! Se quiser fazer bagunça, que faça com sabedoria! PUCK – Acredite em mim, senhor das sombras, eu me enganei! O senhor não me disse que eu saberia quem seria o ateniense pelas suas roupas? Então, que culpa tenho eu quando outro ateniense andava pela floresta? E não me arrependo de ter feito isso, já que estou me divertindo muito com toda essa confusão! OBERON – Você viu quando os dois homens partiram em busca de um lugar para 29 duelar. Portanto, vá depressa, Robin, cubra a noite de densas trevas, para que não se encontrem mais. Imite a voz de Lisandro e provoque Demétrio, para que o siga, e faça o mesmo ao contrário, separando um do outro, até que, cansados, caiam no sono. Então, derrame esta seiva sobre os olhos de Lisandro. Esta flor tem o poder de retirar o encanto que as ilusões causaram. Os amantes irão voltar para Atenas e viverão felizes, até que a morte os separe. Enquanto estiver ocupado com isso, vou procurar minha rainha e pedir o garoto indiano. Então, também abrirei seus olhos do encanto e libertá-la-ei daquele monstro. Ficará tudo em paz! PUCK – Meu senhor, devemos ser rápidos, pois pressinto já o perfume da aurora e suas cores. Os espíritos da danação já estão deitados em seus leitos de vermes com medo da luz do dia. OBERON – Mas nós somos espíritos de outra natureza. Eu amo as manhãs e, com Netuno, me divirto nas ondas douradas do mar! Mas tem toda a razão: apressemo- nos! Vamos acabar com isso ainda esta noite! [Parte.] [Cai uma densa névoa.] PUCK – Para cima e para baixo, para lá e para cá, andando em círculos eles vão vagar... Aqui vem o primeiro! [Desaparece.] [Lisandro aparece, tateando no escuro.] LISANDRO – Onde está você, Demétrio, seu orgulhoso! Demétrio! Responda! PUCK [imitando Demétrio] – Aqui, inútil! Estou com a espada na mão, pronto! Onde está você? LISANDRO – Logo, logo, estarei com você! VOZ SE AFASTANDO – Siga-me, então, até um lugar mais plano! [Lisandro segue a voz.] [Demétrio se aproxima, também tateando.] DEMÉTRIO – Lisandro! Onde está você, seu covarde? Não ouço sua voz! Fale! Está escondido atrás de algum arbusto? PUCK [imitando Lisandro] – Covarde é você, que desafia as estrelas e convida os arbustos para brigar! Você não vem? Venha, seu bebê chorão, vou lhe bater com uma varinha! Nem vale a pena desembainhar uma espada contra você! DEMÉTRIO – Ah, você está aí? VOZ SE AFASTANDO – Siga minha voz e vamos ver quem é homem! [Demétrio segue a voz.] [Lisandro retorna.] LISANDRO – Ele me chama e me provoca e ainda assim não vem quando eu chamo. Como corre esse danado! Eu corro, mas ele é mais rápido! Nesta escuridão e com 30 tanta correria, só queria poder dormir um pouco... [Ele se deita, recostando-se num montinho.] Venha logo, dia! Assim que me mostrar suas primeiras cores, encontrarei Demétrio e me vingarei! [Adormece.] [Demétrio retorna, correndo.] PUCK [imitando Lisandro] – Ho! Ho! Ho! Covarde! Onde está você? DEMÉTRIO – Fique parado à minha espera! Pois você apenas se esquiva de mim e não ousa olhar-me de frente! Onde está você agora? VOZ SE AFASTANDO – Estou aqui! Aqui na frente! DEMÉTRIO – Não está! Está tentando me enganar! Ah, mas vou fazer com que morda a língua assim que raiar o dia! Vá embora! Estou cansado demais para continuar a correr... Vou me deitar aqui até o dia amanhecer... [Ele se deita sobre outro montinho e adormece.] [Helena entra na clareira.] HELENA – Oh, noite sem fim! Longa e tediosa noite, encurte suas horas! Do leste vem meu consolo, vem o alento de voltar para Atenas, vem o dia! Quero fugir desta companhia que me odeia e abraçar-me com o sono, meu único amigo! [Ela se deita próxima de onde está Demétrio e adormece.] [Puck reaparece.] PUCK – Ora, só três? Mas falta uma! São dois pares de cada! Oh, aí vem ela, toda tristonha. Cupido é mesmo um moleque malvado! Contenta-se em deixar tão triste as mulheres! [Hérmia aparece, cabisbaixa.] HÉRMIA – Nunca estive tão cansada e tão triste! Não consigo dar nem mais um passo! Minhas pernas não obedecem mais aos meus desejos! Vou descansar aqui até raiar o dia. Que os céus protejam Lisandro, caso estejam mesmo a lutar! [Ela se deita perto de Lisandro e adormece.] PUCK – No chão, dormem tranquilos.. Vou aplicar esse remedinho nos olhos do amante... [Derrama a seiva nos olhos de Lisandro.] Quando andar e falar, encontrará seu maior prazer ao olhar para sua antiga amada. [Desaparece. A névoa se dissipa.] 31 ATO 4 – CENA 1 Titânia aproxima-se com Botão, sua cabeça de asno coroada de flores. Fadas os cercam. Oberon está atrás de todos, sem ser visto. TITÂNIA – Venha! Recoste-se aqui, ao meu lado, na cama florida, enquanto acaricio suas bochechas adoráveis, enfeito sua cabeça com rosas e beijo suas lindas orelhas grandes! [Eles se recostam, ela o abraça.] BOTÃO – Onde está Flor de Ervilha? FLOR DE ERVILHA – Aqui! BOTÃO – Coce minha cabeça, Flor de Ervilha. Onde está Teia de Aranha? TEIA DE ARANHA – Aqui! BOTÃO – Meu bom e gentil senhor Teia de Aranha, pegue suas armas e cace uma abelha vermelha e traga-me seu mel. E cuidado para que o saco de mel não se rompa pelo cami- nho! Não quero que fique todo sujo. Semente de Mostarda? SEMENTE DE MOSTARDA – Aqui! BOTÃO – Ajude o cavaleiro Teia de Aranha a me coçar. Preciso ir ao barbeiro, senhor. Acho que minha barba está mais do que crescida. E quando meus pelos ficam desse tamanho, eu me coço sem parar! TITÂNIA – Quer ouvir música, meu doce amor? BOTÃO – Eu tenho bom gosto para música. Vamos lá, toquem alguma coisa! TITÂNIA – Ou diga, meu doce amor, o que deseja comer. BOTÃO – Hum, nada mais desejo do que um pouco de aveia. Pensando melhor, estou com um grande desejo de feno. Oh, um bom feno, bem sequinho, não há nada igual! TITÂNIA – Não prefere nozes? Posso lhe arranjar as melhores! BOTÃO – Hum, se não for feno, prefiro ervilhas secas. Mas no momento, sinto-me cansado e com sono. Peço, por favor, que não me perturbem mais. Quero dormir um pouco. TITÂNIA – Durma aqui em meus braços. Fadas, vão embora! Vão andar por aí![As fadas vão todas embora. Titânia acaricia Botão.] Oh, como eu o amo... [Oberon se aproxima e os observa. Puck aparece.] OBERON – Bem-vindo, meu bom Robin! Você viu que belo espetáculo? Agora já estou até começando a ter pena. Ela só quer servir a este tolo, cobrindo sua cabeça horrenda das mais perfumadas flores. Eu a provoquei e ela, tão suave e amorosa, implorou para que eu fosse paciente e imediatamente me deu o menino, que meu séquito já levou para um lugar seguro. Agora, já tenho o que queria e vou retirar esse 32 encanto terrível dos olhos dela. E você, caro Puck, retire essa cabeça de asno do pobre ateniense e que ele, ao acordar junto com os outros, possa voltar para Atenas apenas com a lembrança do que pode ter sido um sonho. Vou libertar a Rainha... [Molhando seus olhos com a seiva.] Seja como era antes, veja o que via antes, o arco de Diana e a flecha de Cupido concedem essa força e esse poder! Agora, Titânia, acorde, doce rainha! TITÂNIA – Meu Oberon! Que visões eu tive! Sonhei que tinha me apaixonado por um asno! OBERON – Ali está o seu amor! TITÂNIA – Oh, o que aconteceu? Oh, meus olhos ardem só de olhar para ele! OBERON – Espere, silêncio! Robin, tire a cabeça de asno. E, minha rainha, toque a música encantada das fadas, para que estes cinco mortais fiquem ainda mais adormecidos. TITÂNIA – Música! Toquem a música de encantos! [Uma suave música começa.] PUCK – Agora, verá o mundo com seus próprios olhos de bobo. [Retira a cabeça de asno.] OBERON – Música! [A música toca mais alto.] Venha, minha rainha, dancemos onde dormem estes mortais, agora que fizemos as pazes! [Dançam.] Amanhã, à meia- noite, vamos dançar no casamento do Duque e abençoar a todos os amantes, os que aqui dormem e Teseu, com os encantos das fadas! PUCK – Meu Rei e senhor, preste atenção: acho que acabo de ouvir a cotovia anunciando o dia! OBERON – Vamos, minha rainha, correr atrás da sombra da noite! TITÂNIA – Sim, meu senhor! E durante nosso voo, me conte o que aconteceu nesta noite em que eu me deitei aqui, em meio a todos esses mortais. [Desaparecem.] [Som de trombetas. Teseu, Hipólita, Egeu e outros se aproximam para começar uma caçada.] TESEU – Vamos começar soltando os cachorros e ouvindo seus latidos musicais! Soltem todos, que corram livremente! Espere aí, que ninfas são essas? EGEU – Meu senhor, esta é minha filha! E este é Lisandro, este é Demétrio e esta é Helena, filha do velho Nedar. O que estão fazendo aqui, todos juntos? TESEU – Sem dúvida acordaram cedo para apreciar os ritos de maio. E, sabendo que viríamos, vieram nos esperar. Mas, responda, Egeu, não é hoje que Hérmia tem que dar sua resposta? EGEU – Sim, senhor, é hoje. TESEU – Vá, fale aos trombeteiros que toquem bem alto para acordá-los. [Os 33 trombeteiros tocam alto e gritam. Os amantes acordam num pulo, assustados.] Bom dia, amigos. O dia dos namorados já foi! Que namoricos são esses? LISANDRO – Perdão, meu senhor! [Todos se ajoelham.] TESEU – Ora, fiquem em pé. Eu sei que vocês dois são rivais. Como explicam o fato de estarem dormindo lado a lado, sem medo do inimigo? LISANDRO – Meu senhor, eu estou meio confuso, estou meio acordado, meio dormindo e, posso jurar, não sei exatamente como vim parar aqui... Espere, agora me lembro... Eu vim para esta floresta com Hérmia, com o objetivo de fugir de Atenas sem correr o risco de receber as punições atenienses... EGEU – Já basta! Basta, meu senhor, já ouvimos o suficiente! Eu apelo para a lei, a lei para as suas ações! Eles teriam fugido! Teriam fugido, Demétrio! Desafiaram a mim e a você! Você e sua esposa, e meu consentimento! Meu consentimento de que ela deve ser sua esposa! DEMÉTRIO – Meu senhor, a bela Helena me contou que os dois iam fugir e por isso me trouxe até esta floresta. Helena, por amor a mim, veio atrás, a me seguir. Mas, meu bom senhor, não sei por que poder ou encanto meu amor por Hérmia derreteu-se como neve ao sol e parece-me agora uma terna memória de infância. Toda a lealdade, toda a virtude do meu coração, todo o prazer dos meus olhos, agora pertencem a Helena. Para ela, meu senhor, tinha jurado meu amor antes de conhecer Hérmia. Mas agora eu desejo mais que tudo ser fiel à minha promessa e ser de Helena para todo o sempre. TESEU – Belos jovens, que sorte a de vocês, de poder se encontrarem! Egeu, terei que passar por cima de seus desejos, pois estes casais nunca mais serão desfeitos. A manhã já está chegando ao meio-dia e já não temos tempo para a caçada. Vamos voltar para Atenas! Três casais e três casamentos! Será uma grande festa! Venha, Hipólita! [Teseu, Hipólita, Egeu e todos os servos partem.] DEMÉTRIO – Essas coisas parecem tão irreais... Como montanhas numa paisagem com neblina... HÉRMIA – Parece que estou com a visão alterada, enxergando pessoas e fantasmas... HELENA – E Demétrio parece uma joia perdida e recuperada. É meu e não é meu. DEMÉTRIO – Estamos todos bem acordados? Parece-me que estamos todos sonhando o mesmo sonho. O duque esteve mesmo aqui e pediu para o seguirmos? HÉRMIA – Esteve sim, junto com meu pai. HELENA – E Hipólita. LISANDRO – Ele pediu que o seguíssemos até o templo. DEMÉTRIO – Bem, então estamos acordados! Vamos até ele e, no caminho, vamos falar sobre o que sonhamos. [Todos seguem Teseu.] 34 BOTÃO [acordando] – Quando chegar a minha deixa, me chame! Minha próxima deixa é “Meu belo Píramo”! [Boceja e olha em volta.] Peter Quince! Flauta, o sineiro! Focinho, o paneleiro! Faminto! Meu Deus do céu! Foram embora e me deixaram dormindo! Tive um sonho incrível! Mas não vou ficar falando disso! [Levanta-se.] Mas eu tenho certeza de que... [Passa a mão sobre a cabeça, tocando as orelhas.] Parece que eu era... Parece que eu tinha... Mas não há homem que consiga ver, ouvir, tocar e experimentar o que sonhei. Vou chamar Peter Quince para escrever esse sonho e fazer uma canção. Posso cantá-la no final da peça. Ou melhor, vou cantar quando Tisbe morre. [Parte.] 35 ATO 4 – CENA 2 Um cômodo na casa de Peter Quince. QUINCE – Você sabe se Botão já voltou para casa? FAMINTO – Ninguém sabe nada dele, exceto que não está mais lá na floresta. FLAUTA – Se ele não vier, não faremos a peça, não é? QUINCE – Não é possível! Não há em toda a Atenas um homem capaz de representar Píramo! FLAUTA – É verdade! Ele é o melhor! QUINCE – Sim e também é uma excelente pessoa. [Justo entra.] JUSTO – Senhores, o duque está vindo do templo e há dois ou três senhores e damas se casando! [Entra Botão.] BOTÃO – Onde estão os rapazes? Onde estão? QUINCE – Botão! Que dia lindo! Que momento feliz! [Todos se juntam ao redor dele.] BOTÃO – Senhores, tenho coisas maravilhosas para contar. Não me perguntem o que é, deixem-me falar! QUINCE – Estamos ouvindo, caro Botão. BOTÃO – Eu digo: o duque acabou de jantar. Então, peguem seus trajes, penteiem as barbas, coloquem fitas novas nos sapatos e me encontrem no palácio o mais rápido possível. Sem mais delongas, vamos apresentar a nossa peça! Certifiquem-se de que Tisbe está limpa e bem vestida. E quem fizer a parte do leão deve deixar as unhas bem compridas, como garras. E, queridos atores, não comam alho nem cebola, pois nosso hálito tem que ser fresco e toda a plateia deve comentar que era uma doce comédia. Chega de falar! Vamos! [Todos saem correndo.] 36 ATO 5 – CENA 1 O grande salão no palácio do duque Teseu. Uma cortina esconde a entrada do salão ao fundo. O fogo queima na lareira. Há luzes e tochas. Teseu e Hipólita entram, seguidos de Filostrato, senhores e servos. O duque e a duquesa tomam seus lugares e se sentam. HIPÓLITA – É muito estranho, meu Teseu, o que esses jovens enamorados contaram. TESEU – É estranho demais para ser verdade. Nunca acreditei em encantos e fadas. Amantes e loucos têm fantasias que a razão não entende. O lunático, o amante, o poeta, todos têm o mesmo poder de imaginação: eles enxergam mais demônios do que comporta o inferno. Isso faz o louco. O amante, tão alucinado quanto o louco, vê a beleza de uma rainha no rosto de uma mendiga. O olhodo poeta vê formas que não existem aqui na terra, nem nos céus, acima, nem nas profundezas, abaixo. E essas imaginações tomam corpo, formas desconhecidas, e a tinta do poeta vai desenhando seus contornos e dando-lhes nomes. A loucura transforma os olhos e embota o raciocínio, tanto quanto a escuridão da noite transforma qualquer arbusto em urso feroz! HIPÓLITA – Mas toda essa história que contaram, contaram todos a mesma versão, e suas mentes estão tão coerentes quanto seus discursos. É estranho e admirável. TESEU – Aí vêm os amantes, cheios de perfume e alegria! [Entram Lisandro e Hérmia, Demétrio e Helena, rindo e conversando.] Alegria, meus amigos! Que os dias de amor encham seus corações! LISANDRO – Que possamos também andar em seus passeios reais, em sua companhia e até em sua cama! TESEU – Vamos lá! Que danças e brincadeiras teremos para gastar estas três horas que separam a janta da cama? Não há nenhuma peça para acalmar essa torturante espera? Chame Filostrato! FILOSTRATO – Estou aqui, grande Teseu. TESEU – Diga-me, o que preparou para esta noite? Um baile de máscaras? Música? Como vamos passar o tempo sem nenhuma distração? FILOSTRATO – Há várias opções para o senhor escolher. [Entrega um papel com uma lista.] TESEU – “A Batalha dos Centauros”, para ser cantada por um eunuco ateniense com uma harpa. Hum, não, isso não... Eu já contei essa história ao meu amor, para glorificar Hércules, meu parente. “A Revolta das Bacantes”, ah, essa é velha. Eu assisti quando cheguei de Tebas, vitorioso. “As Musas lamentando a morte...” nada disso! Isso é um casamento, nada de lamentos! “Uma cena breve e tediosa do jovem Píramo e seu amor, Tisbe, numa tristeza trágica”. Ah, sim, romance e tragédia! Tediosa e breve! Parece perfeita! O que podemos fazer para conceder essa discórdia? 37 FILOSTRATO – É uma pequena peça, meu senhor, tem umas dez palavras. É a menor peça que eu já vi. Mas dez palavras parecem muito e, por isso, é um tédio. Além do mais, todas as palavras são inadequadas e os atores, péssimos. E é uma tragédia porque Píramo acaba se matando e, ao assistir ao ensaio, devo confessar, até me emocionei. Mas minhas lágrimas foram apenas o resultado natural de minhas gargalhadas. TESEU – Quem são os atores? FILOSTRATO – Homens trabalhadores de Atenas, que a vida inteira só trabalharam com suas mãos, não com suas mentes. TESEU – Vamos assistir a essa peça! FILOSTRATO – Não, meu nobre senhor, não é para seus olhos. Não há nada pior neste mundo. A não ser que queira assistir apenas para admirar o esforço que fizeram para montá-la. TESEU – Vou ver a peça! Não pode ser tão ruim se foi preparada com tanto zelo. Vamos, tragam os homens aqui! Tomem seus lugares, senhoras! [Filostrato sai em busca dos atores. O resto da corte se apronta para assistir à peça.] HIPÓLITA – Não gosto de coisas reles e também não gosto de perceber que quem tenta não consegue. TESEU – Ora, minha amada, você não verá nada disso. HIPÓLITA – Ele disse que os homens são rudes e estúpidos. TESEU – Somos mais generosos ainda se os agradecermos pelo esforço. Iremos nos divertir com a incompetência deles. Já assisti a grandes atores gaguejando e peças famosas muito mal encenadas. Por isso, afeição e cuidado, além da simplicidade da inexperiência, são muito mais queridos para mim do que fama e competência. [Filostrato retorna.] FILOSTRATO – Assim que sua Graça permitir, começaremos o prólogo. TESEU – Que comece o prólogo! Entra Quince, na frente da cortina, para dizer o prólogo. QUINCE – Não se ofendam com nossa boa vontade! Viemos para tentar agradar, não por nossa vontade. Tentar desagradar. Para o seu prazer, não estamos aqui. Para desviar de nosso intento, os atores estão prontos. [Corre para trás da cortina.] TESEU – Esse homem não sabe entoar as frases! LISANDRO – Ele não sabe a diferença entre pontos e vírgulas. Esta é lição que tiramos disso tudo: não é suficiente saber ler; é preciso ler bem. HIPÓLITA – Ele leu palavras e não frases. Como se fossem uma ferramenta sem 38 comando. TESEU – Sua fala foi como um nó, não entendi nada. Quem é o próximo? [Entram Píramo e Tisbe, a Parede, o Luar e o Leão. Quince os apresenta.] QUINCE – Senhores, talvez estejam intrigados com esta apresentação. Mas podem ficar por enquanto. Logo as coisas ficarão claras. Este é Píramo e esta linda dama é Tisbe. Este homem coberto de gesso representa o muro que separa as pobres almas apaixonadas e as faz cochichar entre as suas frestas. Este homem com a lanterna, a tocha, o cachorro e o arbusto de espinhos representa o Luar. Pois, como sabem, os amantes se encontram num túmulo à luz do luar. Esta besta horrorosa, que denominaremos Leão, atacou Tisbe à noite e a dama, correndo, deixou para trás seu manto, que o Leão tomou em sua boca sangrenta e o dilacerou. E assim Píramo, vendo o tal manto dilacerado e ensanguentado, corajosamente pegou sua espada e enfiou-a em seu coração, fazendo derramar seu sangue quente. Tisbe, assistindo a tudo escondida num arbusto, pega a mesma lâmina que matou seu amado e tira a própria vida. Mas vou deixar o Leão, o Luar, o Muro e os amantes falarem de si próprios, ensaiados e preparados que estão. TESEU – O Leão fala? DEMÉTRIO – Não duvido, meu senhor. Já que tantos asnos conseguem, por que um leão não conseguiria? [Todos saem, menos o Muro e Píramo. O Muro dá um passo à frente.] MURO – Venho aqui falar que eu, Focinho, sou agora um muro. E nesse muro há um buraco, por onde falam os amantes, Píramo e Tisbe, sussurrando secretamente. Enquanto o gesso firme mantém o muro em pé, por entre meus dedos esticados surge a pequena fenda por onde conversam os amantes, sussurrando. TESEU – Mas vejam que Muro eloquente! DEMÉTRIO – Nunca vi um Muro discursando tão bem! [Píramo entra em cena.] TESEU – Píramo se aproxima do muro! Silêncio! PÍRAMO – Oh, noite soturna! Oh, noite tão negra! Oh, noite que chega quando acaba o dia! Oh, noite! Oh! Oh! Eu temo que Tisbe tenha se esquecido de sua promessa e você, Muro, oh, gentil Muro, você separa as terras do pai dela das minhas. Oh, doce Muro! Mostre-me onde está a fenda para que eu possa espiar! [O Muro obedece, abrindo os dedos] Obrigado, Muro educado! Que Deus o abençoe! Oh, mas o que vejo? Tisbe não está aqui! Oh, Muro perverso, por onde não vejo a alegria! Malditas sejam todas as suas pedras! TESEU – Acho que o Muro, sendo tão sensível, deveria responder a tal maldição. PÍRAMO – Oh, não, senhor, ele não responderá. “Todas as suas pedras” é a deixa de 39 Tisbe, que deve entrar agora. Eu irei espiá-la através do muro. Você vai ver! Acontecerá tudo exatamente como falo! [Entra Tisbe.] TISBE – Oh, Muro! Como deve estar cansado de ouvir os meus lamentos! Não podendo tocar Píramo, tantas vezes meus lábios rosados beijaram as suas pedras! PÍRAMO – Eu vejo uma voz... Vou espiar para ver se consigo ouvir a face de minha Tisbe. TISBE – Meu amor! Você é o meu amor... Acho... não é? PÍRAMO – Ache o que quiser! Eu sou o seu amor! Oh, beije-me, pela fresta deste muro infame! TISBE – Não consigo beijar seus lábios, só o muro mesmo. PÍRAMO – Você irá me encontrar no túmulo imediatamente? TISBE – Vida ou morte, estou indo já! [Ambos saem correndo.] MURO – Assim, eu, o Muro, já fiz a minha parte e a fiz bem. E, tendo-a feito, este muro precisa partir. [Sai.] TESEU – Agora já caiu o muro entre os vizinhos! DEMÉTRIO – A esse se aplicava bem o ditado: “as paredes têm ouvidos”. HIPÓLITA – Esta peça é a coisa mais estúpida que eu já vi! TESEU – Os melhores aqui são os piores! Tudo fica melhor com a imaginação... HIPÓLITA – A sua imaginação, não a deles... TESEU – Se imaginarmos menos deles do que eles mesmos, podem passar por homens excelentes. Aqui vêm as duas bestas: o Luar e o Leão. [Entram Luar e Leão.] LEÃO – Damas, vocês que temem o menor dos animais que se arrasta pelo chão, agora podem estar tremendo diante deste leão feroz que ruge. Mas saibam que eu, Justo, não sou mesmo um leão e nunca poderia lhes causar o mesmo mal. TESEU – Que fera amigávele de boa índole! DEMÉTRIO – A melhor de todas as bestas, tenho dito! LISANDRO – Este leão é tão manso quanto um cordeirinho! TESEU – Verdade! E um pato também, de tão bobo! Mas olhe lá, vamos ouvir o Luar! LUAR – Esta lanterna representa o luar da Lua crescente e eu sou o homem da Lua. 40 TESEU – Este é o maior erro de todos! O homem da Lua tinha que estar dentro da lanterna! DEMÉTRIO – Acho que ele tem medo de se queimar com o fogo da vela... HIPÓLITA – Essa lua já me chateou! Quero que ela mude de fase! TESEU – Pequena que é, não deve crescer mais do que isso. Mas vamos lhe dar uma chance! LISANDRO – Prossiga, Lua! LUAR – Tudo o que eu tenho a dizer é que a lanterna é a Lua, eu sou o homem da Lua, este arbusto espinhento é um arbusto espinhento e este cão é o meu cão. DEMÉTRIO – Ora, deviam estar todos dentro da lanterna! Silêncio! Aí vem Tisbe! [Entra Tisbe; o Leão e o Luar vão para trás da cortina, atrás de um papelão em forma de lápide.] TISBE – Oh, o túmulo está aqui! Onde está o meu amor? LEÃO [rugindo] – Oh... [Tisbe derruba o manto e sai correndo.] DEMÉTRIO – Belo rugido, Leão! TESEU – Bela corrida, Tisbe! HIPÓLITA – Belo brilho, Lua! Verdade mesmo, a Lua brilha com graça! [O Leão pisa sobre o manto de Tisbe.] TESEU – Isso mesmo, Leão! Faça uma grande bagunça! DEMÉTRIO – Aí vem Píramo! [Entra Píramo, o Leão sai.] LISANDRO – Assim, desapareceu o leão. PÍRAMO – Doce lua, agradeço por seus raios solares! Agradeço por brilhar tanto! Graças aos seus brilhos cintilantes e dourados, posso ver minha amada Tisbe! Mas, o que é isso? Olhos, o que vejo? Como se deu isso? O manto da minha querida, manchado de sangue? Aproximem-se, ó Fúrias! Destino, venha! Faça o seu pior! TESEU – Que paixão! E ainda uma morte... É de deixar qualquer um triste! HIPÓLITA – Estou com pena do homem! PÍRAMO – Oh, Natureza, por que enviou um leão? Esse leão maldito dilacerou meu coração! Ela é... oh, não, não! Ela era a dama mais linda que viveu, que eu amei, gostei e olhei, com alegria! Lágrimas, venham confundir! Fora, espada, ferindo o mamilo de Píramo... O mamilo esquerdo, onde pula um coração! [Enfia a espada no 41 peito.] Assim, eu morro, morro, morro... [Ele deixa cair a espada e se arrasta pelo chão, indo cair dentro do túmulo.] Agora estou morto, agora fujo, minha alma está no céu. Língua, perca a sua luz! Lua, faça sua viagem! [Luar sai de cena.] Agora, morro, morro, morro, morro! [Cai de cara no chão.] DEMÉTRIO – Morro, não, montinho. É o máximo que esse aí conseguiria. LISANDRO – Menos de um montinho. Morto, não é nada. TESEU – Com a ajuda de um médico, ele ainda pode se recuperar e ficar forte como uma montanha! HIPÓLITA – Como é que o Luar já foi se Tisbe ainda não voltou para encontrar seu amado? Ela não irá enxergá-lo! TESEU - Ela o encontrará com a luz das estrelas. Aí vem ela, para com toda a paixão acabar a peça. [Entra Tisbe.] HIPÓLITA – Espero que não demore a morrer tanto por um Píramo assim. Tomara que seja breve. LISANDRO – Ela já o viu dentro do túmulo. [Tisbe descobre Píramo dentro do túmulo.] TISBE – Dormindo, meu amor? O quê? Morto, meu amor? Oh, Píramo, levante-se! Fale! Fale! [Descobre seu rosto.] Morto? Morto? Um túmulo deve cobrir seus doces olhos, estes lábios de lírio, este nariz de rosa, essas bochechas amarelas... Está tudo perdido! Amantes, chorem! Seus olhos eram tão verdes quanto alho-poró! Oh! Suas mãos pálidas como leite, de sua língua nem mais uma palavra... Venha, espada! Entre em meu peito para sempre! [Tisbe revira Píramo à procura da espada e, não encontrando, apunhala-se com a bainha.] Adeus, amigos! Assim Tisbe se acaba! Adeus! Adeus! Adeus! [Cai pesadamente sobre o corpo de Píramo.] [Entram o Leão, o Luar e o Muro, fechando a cortina e escondendo o túmulo.] TESEU – O Luar e o Leão vão ter que enterrar os mortos. DEMÉTRIO – Sim, junto com o Muro. LEÃO – Não, eu lhe asseguro, o Muro já fez a sua parte. Querem ouvir o epílogo? TESEU – Não, nada de epílogo, por favor! Sua peça não precisa, afinal, estão todos mortos! Eu digo: se aquele que escreveu essa peça tivesse feito o papel de Píramo e se enforcado com a roupa de baixo de Tisbe, aí sim, seria uma bela tragédia! Vejam! O relógio já bateu meia-noite! Amantes, para a cama! Já está quase na hora das fadas! Acho que iremos acordar tarde amanhã, para compensar o tanto que aqui ficamos. Amigos, para a cama! [O duque leva Hipólita, seguido pelos casais, de mãos dadas, e todo o resto da corte. As luzes são apagadas e está tudo escuro, a não ser pelas pequenas brasas na 42 lareira. Puck aparece, com uma vassoura nas mãos.] PUCK – Agora, ruge o leão faminto e o lobo uiva para a lua, enquanto o lenhador ronca depois de um dia de trabalho cansativo. A coruja pia... A noite chegou e no tempo da noite, os túmulos se abrem e as almas saem para espreitar. E nós, fadas, seguimos a escuridão como um sonho. Nesta casa, ninguém, nem um ratinho, irá entrar. Já varri todo o pó pela fresta da porta... [De repente, Oberon, Titânia e todo o séquito de fadas entra no grande salão. As fadas despejam cera dentro da lareira, até que todo o salão esteja iluminado.] OBERON – Que esta casa se ilumine! Todos os elfos e fadas, dancem e pulem, mais leves que o ar! TITÂNIA [para Oberon] – Vamos antes cantar nossa canção para, com a graça das fadas, abençoar esta casa! [Oberon lidera todas as fadas numa cantoria. De mãos dadas, todos cantam e dançam pelo salão.] 43 CANÇÃO Deste momento até o raiar do dia Fadas e elfos vão aqui passear O leito nupcial de cada casal Abençoaremos por igual Todos serão felizes E eternamente apaixonados Nem mesmo as forças da Natureza Irão desfazer essa beleza Nunca uma verruga, uma cicatriz, ou lábio partido Irá aparecer num bebê aqui nascido Cada fada desta dança Irá abençoar cada criança Que nascer neste lugar. Neste palácio, nesta paz tão doce Sempre terá sono tranquilo Quem quer que aqui repouse. Agora, vamos embora! Na próxima alvorada nos encontraremos! [Todos desaparecem. O salão está escuro e silencioso novamente.] 44 EPÍLOGO PUCK – Se nós, sombras, os ofendemos, pensem um pouquinho e verão que não queremos! Vocês apenas tiraram uma soneca, enquanto apareciam estas visões. E este tema tão frágil e fraco, tão insignificante quanto um sonho! Senhores, por favor, não me repreendam! Se nos perdoarem, nós nos corrigiremos! Sou Puck e sou honesto e, se tivermos sorte de escapar da língua da serpente, seremos amigos, daqui para frente! Ou então me chamem de mentiroso! Então, boa noite a todos! Deem-me as mãos e seremos amigos! E qualquer desavença, contem comigo... [Desaparece.] FIM 45 Coleção Encontro com os clássicos • A ilha do tesouro, Robert L. Stevenson, adaptação de Douglas Tufano e Renata Tufano Ho • Os miseráveis, Victor Hugo, adaptação de Júlio Emílio Braz • Orgulho e preconceito, Jane Austen, adaptação de João Pedro Roriz • O príncipe e o mendigo, Mark Twain, adaptação de Lino de Albergaria • Os Lusíadas, Luís de Camões, adaptação de Lino de Albergaria • O corcunda de Notre-Dame, adaptação de Douglas Tufano e Renata Tufano Ho • A divina comédia, Dante Alighieri, adaptação de Lino de Albergaria • O médico e o monstro, Robert Louis Stevenson, adaptação de Douglas Tufano e Renata Tufano Ho • • O fidalgo Dom Quixote de La Mancha, Miguel de Cervantes Saavedra, adaptação de Lino de Albergaria • Fausto, Johann Wolfgang von Goethe, adaptação de Douglas Tufano e Renata Tufano Ho • Sonho de uma noite de verão, William Shakespeare, adaptação de Douglas Tufano e Renata Tufano Ho 46 Direção editorial: Zolferino Tonon Coordenação editorial: Alexandre de Carvalho Ilustração da capa: Carolina Aparecida Silva Gonçalves Roscito Revisão: Cesar Augusto Faustino Junior, Tiago José Risi Leme Capa: Marcelo Campanhã Coordenação de desenvolvimento digital: Erivaldo Dantas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Tufano, Douglas Sonho de uma noite de verão / William Shakespeare;
Compartilhar