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Autora: Profa. Janaína Santiago Colaboradores: Prof. Vinicius Albuquerque Prof. Francisco Alves da Silva Prof. Adilson Silva Oliveira História Social da Arte HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Professora conteudista: Janaína Santiago Bacharel e licenciada em História (1996) pela Universidade de São Paulo. Também possui mestrado pela mesma instituição. Professora universitária com atuação nas áreas de: história da arte; história da imagem e do som; comunicação aplicada; teorias e técnicas da comunicação; metodologia do trabalho científico. Atualmente, ministra aulas na disciplina de História Social da Arte na Universidade Paulista – UNIP. É autora das seguintes publicações: SANTIAGO, J. Criminalidade feminina e vadiagem em São Paulo (1890-1920). MOURA, Esmeralda B. B. de. História econômica: agricultura, indústria e populações. São Paulo: Casa Alameda Editora, 2006. ___. Mulheres infratoras. Formas de sobrevivência e criminalidade: uma tentativa de vislumbrar as mulheres na cidade de São Paulo (1890-1920). 2004. Dissertação (Mestrado em História Econômica) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S235h Santiago, Janaina. História Social da Arte. / Janaina Santiago. – São Paulo: Editora Sol, 2016. 200 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXII, n. 2-034/16, ISSN 1517-9230. 1. Artes. 2. História. 3. Percepção estética. Título. CDU 7(091) HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Vitor Andrade Giovanna Oliveira HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Sumário História Social da Arte APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 ARTE: DEFINIÇÕES E CONCEITOS .................................................................................................................9 1.1 Conceito de arte ......................................................................................................................................9 1.2 Origem e função da arte ................................................................................................................... 14 1.2.1 Origem da arte ......................................................................................................................................... 14 1.2.2 Função da arte ......................................................................................................................................... 19 2 CONCEITOS SOBRE ARTE E HISTÓRIA ...................................................................................................... 21 3 PERCEPÇÃO ESTÉTICA E MUDANÇAS HISTÓRICAS AO LONGO DO TEMPO ............................. 28 4 A ARTE E A HISTÓRIA: A IMAGEM COMO DOCUMENTO HISTÓRICO ......................................... 51 Unidade II 5 NARRAÇÃO HISTÓRICA E O ESTUDO DAS SOCIEDADES PELO USO DA ARTE ......................... 65 6 OUTRAS MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS: ARQUITETURA E FOTOGRAFIA ..................................... 96 6.1 Arquitetura .............................................................................................................................................. 96 6.2 Fotografia ..............................................................................................................................................139 Unidade III 7 ANÁLISE HISTÓRICA A PARTIR DA PRODUÇÃO ARTÍSTICA EM DIVERSAS ÉPOCAS: O USO DE IMAGENS NO ENSINO DE HISTÓRIA ....................................................................................149 8 AS MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS CONTEMPORÂNEAS DO FIM DO SÉCULO XX E INÍCIO DO SÉCULO XXI ....................................................................................................................................155 7 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 APRESENTAÇÃO A disciplina História Social da Arte enfoca os estudos da arte, bem como a maneira pela qual se comunicavam e expressavam artisticamente os homens. Você terá a oportunidade de entrar em contato com conceitos tais como a definição e função da arte, além de sua importância para o homem. Para compreendermos o conceito de arte e sua importância na sociedade – e, por consequência, para a história –, é necessário: • discutir os conceitos de Arte e História; • perceber as mudanças históricas ao longo do tempo que produziram manifestações artísticas; • discutir a análise estética de uma obra de arte e também a análise das implicações sociais, estabelecendo a historicidade da produção; • examinar as principais correntes da história da arte. INTRODUÇÃO Caro aluno, Nesta disciplina, nosso objetivo central é o enfoque dos estudos a respeito da Arte e História e como os homens se expressavam e se comunicavam artisticamente ao longo do tempo. A Arte como documento histórico permite a análise de diversos períodos e fatos históricos, mas como fazer para que o historiador enfoque essa fonte com a mesma perícia apresentada ao ler um documento escrito? Desde os primórdios da humanidade existe uma produção que pode ser definida como arte, e, como produção humana, pode ser utilizada nos estudos das sociedades que a produziu. Para pensarmos na relação Arte e História, antes de mais nada, precisamos definir um conceito para Arte. O que é Arte? Existe arte sem um artista e um observador? Essas questões são complexas e as respostas não são tão simplistas como o senso comum transmite inicialmente. O que podemos afirmar é que os primeiros artistas não possuíam a consciência de que sua obra viria a ser apreciada como algo belo e admirado em um futuro longínquo. A obra de arte antes de tudo se relaciona com o ser humano de uma forma representativa e simbólica. Um artista é fruto de sua época assim como sua obra é um produto de suas angústias e inquietações pessoais, sofrendo a influência de sua visão do mundo. Essas são algumas questões 8 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /201 6 discutidas durante o nosso curso e, ao final de nosso programa de estudos, esperamos que você alcance os objetivos de nossa disciplina. Todos os objetivos a serem atingidos durante nossos estudos colaborarão diretamente para a sua compreensão da História Social da Arte. 9 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Unidade I Segundo Teixeira Coelho, diretor do MAC (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo), a arte fora de um contexto histórico é arte sem memória. 1 ARTE: DEFINIÇÕES E CONCEITOS Uma das dificuldades em definir um conceito de arte reside no fato de que cada período histórico possui diferentes formas de expressão artística e cultural, porém predomina certo acordo entre os pesquisadores a respeito de que todos os grupos humanos, desde a Pré-História, teriam produzido algo a que se possa chamar arte. Além disso, ao analisar uma obra, é possível fazer um esforço para reconstruir seu momento histórico, sob o ponto de vista do artista que a produziu, e vice-versa, pois a arte de um momento será igualmente fundamental para analisar sua história. 1.1 Conceito de arte O que podemos entender como arte? Qual sua melhor definição? Existiria um único conceito suficientemente exaustivo e abrangente? Para alguns autores, como Ernst Gombrich (1998, p. 15), tanto os desenhos feitos com terra colorida em cavernas quanto os desenhos em diferentes superfícies confeccionados pelo homem contemporâneo são atividades que podem ser consideradas artísticas, “[...] desde que conservemos em mente que tal palavra pode significar coisas muito diferentes, em tempos e lugares diferentes”. Todavia, se buscarmos a definição em outras fontes, o que encontraremos? No dicionário, a palavra “arte” está ligada à forma ou à maneira de se fazer algo, maneira concebida por meio de regras definidas. A palavra ainda pode estar associada à ideia de êxito ou de habilidade, travando correlação direta com o ideal de beleza. Certamente, você guarda uma boa ideia do significado do termo, já entrou em contato com algumas obras chamadas artísticas e consegue citar algumas que são de seu agrado, outras que gostaria de comprar. Decerto, acredita que a arte está ligada à atividade humana e às suas manifestações estéticas e comunicativas. Para superar algumas definições ditadas pelo senso comum e não reduzir a arte a apenas um aspecto, embasaremos nossa definição em um dos mais significativos pensadores italianos do nosso tempo, Luigi Pareyson. Esse autor defende a existência de três momentos importantes e que seriam fundamentais para o o processo artístico: o fazer, o conhecer e o exprimir. Em outras palavras, precisamos pensar a arte como não apenas uma construção, mas também como conhecimento e expressão. 10 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Em latim, a palavra arte, formada a partir do radical ars, tem o significado de técnica ou habilidade. A palavra latina ars ou artis corresponde ao termo grego tékne, relacionando-se à experiência, ao saber fazer, ou seja, à produção. Nesse sentido, mais do que à beleza, o termo está associado à destreza e à especialização em determinado ofício. A visão de arte ligada à inclinação racional para a produção faz parte da tradição aristotélica. Observação Aristóteles, nascido em 384 a.C., em Estagira, foi um influente filósofo grego, considerado por muitos estudiosos o criador do pensamento lógico. Faz parte dessa forma de interpretação de arte concebê-la como um devir, um fazer, “um conjunto de atos pelos quais se muda a forma e se transforma a matéria oferecida pela natureza e pela cultura. Nesse sentido, qualquer atividade humana, desde que conduzida regularmente a um fim, pode chamar- se artística” (BOSI, 1985, p. 13). Ainda segungo Alfredo Bosi, a atividade artística envolve tanto o fazer (techné) como a criação (poiesis), possuindo um caráter técnico, racional, e, ao mesmo tempo, outro mais subjetivo, relacionado ao prazer estético. Dessa forma, a arte é uma construção embasada na criatividade e no trabalho técnico. Até onde chegam as técnicas aprendidas e onde começa a poética pessoal, a forma viva? No momento de invenção, muitas vezes a obra de arte libera a fantasia, a memória e a percepção. Assim, “a liberdade exige e cria uma norma interna. Segundo Pareyson (1954 apud BOSI, 1985 p. 16), o fazer do artista é tal que, enquanto opera, inventa o que deve fazer e o modo de fazê-lo”. Dessa forma, uma práxis estética envolve potências lúdicas, críticas e experiências, além do modo único de ser de cada pessoa. Com isso, qualquer indivíduo que experimente com a arte deve se preocupar com questões técnicas e alguns procedimentos artísticos, para que, a partir deles, possa partir para um processo de criação pessoal, único e revelador. Segundo Alfredo Bosi (1985), o termo “arte”, apesar de diferente em vários idiomas, deriva de raízes comuns, por exemplo, em alemão, kunst, que partilha com o inglês know, com o latim cognosco e com o grego gignosco, todos provindos da raiz gno, indicando a ideia geral de um saber teórico ou prático, conhecimento. Ainda, ars, como vimos anteriormente, palavra latina, matriz do português “arte”, está na raiz do verbo “articular”, que denota a ação de fazer junturas entre as partes e o todo. Diante disso, a Arte também aparece como conhecimento. A relação do conhecimento com a arte está ligada à representação, ou seja, à mimesis. Esse termo tem amplo significado e pode se referir à imitação de traços e gestos humanos ou à reprodução seletiva de um aspecto que pareça ser mais característico em uma pessoa ou coisa e que destaque o realismo representado. Alguns nomes da historiografia moderna, – entre eles, Panofsky –, discordarm das teorias que reduzem a arte à esfera da pura imitação. Defendem que desde a Pré-História, os homens empregaram-na de 11 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE forma diferente para registrar a existência humana. O “olhar” do artista seria afetado pelo pensar, analisando as formas e cores da natureza, recompondo-as em uma nova inteligência do real. Assim, ver-pensar é combinar, repensar, transformar os dados da experiência sensível. “Arte: percepção aguda das estruturas, mas que não dispensa o calor das sensações” (BOSI, 1985, p. 41). A partir disto, podemos diferenciar as percepções estética e científica. Enquanto a última apenas manipula seus objetos, a primeira, além de ser causadora de uma experiência singular e poderosa, convoca a presença ativa e pensante do sujeito no mundo, reflete a sua realidade. Assim, o artista vive o seu tempo, com visões de mundo, com o espírito da época, ideologias de classe e de grupo e com valores que se fazem presentes na hora da criação artística demonstrando a ideia de que a arte também é conhecimento. Você pode estar se perguntando se arte, afinal, é expressão, uma vez que a ideia de arte como livre expressão foi desconstruída. Será que concebemos claramente o termo “expressão”? O que ele significa, em geral? Recorreremos novamente a Bosi para precisá-lo: A ideia de expressão está intimamente ligada a um nexo que se pressupõe existir entre uma fonte de energia e um signo que a veicula ou a encerra. Uma força que se exprime e uma forma que a exprime (BOSI, 1985, p. 50). Assim, há uma força e uma forma envolvidas na expressão e, dependendo de seu grau de mediação, ela poderá ser representada como: emocional, simbólica ou alegórica. Um grito de dor pela morte de um ser amado e uma oração fúnebre recitada em sua memória não sãoformas expressivas da mesma qualidade. Ambos, o grito e a oração, compõem-se de signos, remetendo a uma gênese psíquica, o luto experimentado por quem os proferiu. Mas diferem visivelmente quanto ao grau de mediação que intercorre entre a fonte e a forma (BOSI, 1985, p. 51). No caso do grito, dizemos que há uma projeção ou efusão emocional, em que a expressão é direta, imediata. Porém, no segundo caso, a expressão foi articulada pela escrita de frases com base em um ponto de vista, tornando-se simbólica. Mas suponhamos que a mesma pessoa mande esculpir, sobre o túmulo do ser amado, uma figura que “interprete” o seu modo de ser, por exemplo, uma águia à qual se associem as virtudes de força e ousadia; neste caso, a expressão será denominada alegoria, pois alcançou uma distância ainda maior entre a imagem e o conteúdo ideal. Outra reflexão importante quando falamos de arte como expressão é a que considera a linguagem como energeia, ou seja, como “força em ação”, “produção”; opondo-se a dynamis, cujo sentido é o de “força em estado potencial”. Assim, a expressão é mais do que um impulso, é um trabalho. E, se Arte é expressão, neste sentido, é também construção e conhecimento. Esta reflexão ajuda-nos a entender a diferença entre livre expressão e a expressão de que nos fala Pareyson, como uma expressão que vai além do simples grito de dor, para chegar à escultura de uma águia. 12 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Qual é a utilidade em conceber a arte como um conjunto de regras, um processo de produção? A utilidade é perceber o quanto o conceito de arte pode ser problematizado e expandido, desmistificar a ideia de uma arte ligada exclusivamente aos museus e a espaços pré-concebidos, ressignificar a produção artística, inserindo-a em nosso dia a dia. Mas não podemos deixar de levar em consideração a complexidade da definição e conceituação do termo. Entretanto, muito se tem discutido sobre o conceito de arte, e os investigadores não chegaram a qualquer consenso sobre seu significado. Resta-nos, assim, tentar delimitar seu campo de ação e ponderar seus significados. Vamos pensar na proposição de um importante estudioso de história da arte: É possível dizer, então que arte são certas manifestações da atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirativo, isto é: nossa cultura possui uma noção que denomina solidamente algumas de suas atividades e as privilegia (COLI, 1995, p. 8). O autor nos remete à noção de “sentimento admirativo” e de privilégio. Mas o conceito de beleza varia em função do tempo, além do caráter pessoal e cultural do que é denominado belo. Janson e Janson falam em “um impulso irresistível de reestruturar a si próprio e ao seu meio ambiente de forma ideal” (JANSON; JANSON, 1996, p. 6). Podemos considerar o homem um inventor de símbolos. Dotado de uma imaginação criadora, transmite suas ideias de múltiplas e variadas formas. Recria o ambiente ao seu redor e a si mesmo em um processo carregado de símbolos de múltiplas e variadas interpretações. O próprio sonho dialoga com os símbolos e suas interpretações: Quando sonhamos, e todos nós sonhamos, estamos, através da imaginação, formando imagens, estórias, representações em nossas mentes. O homem é capaz tanto de imaginar quanto de fazer relatos daquilo que imaginou. Esses relatos podem se dar tanto através do diálogo quanto da produção, do fazer artístico, quer seja em poesia, música, quadros, ou em inscrições nas paredes. De acordo com Janson “a imaginação é uma faceta misteriosa da humanidade, é o elo entre o consciente e o subconsciente [...] é a cola que mantém unidos a personalidade, o intelecto e a espiritualidade” (JANSON; JANSON, 1996, p. 7). Não podemos deixar de levar em consideração que a arte é uma das primeiras manifestações do ser humano, ser humano esse que marcou sua presença e deixou seus registros para a posteridade. A produção artística faz parte da nossa vida, e é essencial para a construção do mundo em sociedade. 13 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE E o que é extremamente importante, representa a reconstrução simbólica que o homem faz do universo ao seu redor, da sua forma de ver o mundo. São os sentimentos, as emoções, as ideias transmitidas e reinterpretadas à luz do criador do objeto artístico. Figura 1 – Alma: representação egípcia da alma do morto sob a forma de ave Não podemos deixar de levar em consideração que esse processo de produção insere-se em um ambiente cultural, que tem papel determinante tanto na produção quanto no processo de compreensão do que foi produzido. Assimilar a produção artística significa interpretá-la à luz desse ambiente cultural, e é esse processo de interpretação que dá ao objeto o status de artístico. Dessa forma, cabe ao discurso, constituído na inter- relação entre crítico, objeto cultural e público, o poder de classificar, privilegiando um ou outro objeto. A partir dessa perspectiva, é esse discurso, reconhecido como competente (COLI, 1995), e os locais onde os objetos artísticos são expostos (galerias, museus e até mesmo as ruas das cidades) que nos trazem uma visão de arte sólida e privilegiada, porém com limites pouco precisos. Podemos considerar a arte um processo, discurso. Acreditamos que ela é repleta de imaginação, simbolismos e de significados que compete ao observador desvendar. Exemplo de Aplicação Observe esses objetos: Figura 2 – Cesta de basquete 14 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Figura 3 – Carrinho de bebê, Dukley, 1919 Figura 4 – Vênus de Milo, Museu do Louvre, Paris, fim do século II a.C. Podemos caracterizar todos como obras de arte? Justifique sua resposta. 1.2 Origem e função da arte 1.2.1 Origem da arte Quando surgem as primeiras obras de arte? Qual a origem da Arte? Para haver arte, são necessários a obra e o artista. Trata-se de um processo de codependência, em que o artista e o produto de sua produção estão inter-relacionados: um não existe sem o outro. Pelas mãos do artista, a matéria-prima torna-se uma obra de arte. 15 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Figura 5 – Atlas, Michelângelo (Itália, 1475-1564), mármore, 1520 Figura 6 – Pietá, Michelangelo (Itália, 1475-1564), mármore, basílica de São Pedro, Roma, 1498-1500 Essa conexão (artista/obra) nos remete a uma tríade, composta por: • formação de uma imagem na mente do artista; • a comunicação dessa imagem por meio do objeto feito pelo artista; • o observador, que olha tanto a obra como o seu produtor. 16 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Observador, obra e artista estão inseridos em uma dada realidade, em um determinado mundo. Esse mundo pode ser entendido como um conjunto de significados articulados e com um sentido comum. É a conjuntura, entendida como um conjunto de circunstâncias ou acontecimentos em um determinado momento, que dá sentido a esse mundo. E é nele que a obra de arte ganha visibilidade, ele é o local privilegiado para sua construção. Expressão humana por excelência, é por meio da arte que o homem exprime sua visão de mundo e proclama suas ideias e sentimentos desde os tempos mais remotos. Observação Não podemos esquecer que a percepção da Arte varia em função da cultura e dos grupos sociais. Dessa forma, a compreensão da Arte se dá a partirde um contexto específico, e não pode ser separada do grupo que a construiu. Figura 7 – No Egito antigo, a arte ligada à religião refletia o Estado teocrático e a sociedade estamental 17 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Figura 8 – No mundo contemporâneo, a produção artística se dissocia do contexto religioso e reflete uma diversidade cultural Se a Arte se inicia com o aparecimento do artista e com a produção de suas obras, podemos nos indagar em qual momento surgiram as primeiras manifestações artísticas e as primeiras obras de arte. Podemos considerar que a origem da arte está nas produções e nos monumentos mais antigos que encontramos? Esses, na sua grande maioria, datam dos últimos estágios do Paleolítico. Lembrete Não podemos datar com precisão o início da arte, porém, ao final do paleolítico, foram elaboradas obras que se conservaram até os dias atuais. Contudo, nesses monumentos, já podemos perceber um refinamento e uma grande perfeição técnica. A habilidade e a precisão do artista são tão evidentes que talvez indiquem uma origem da arte mais remota. Muito provavelmente, a arte assistiu a um longo e lento desenvolvimento, com uma produção confeccionada em materiais que não resistiram à ação do tempo. Desconhecemos completamente todo esse processo anterior de produção que pode ter ocorrido em madeira, argila, nas areias e de inúmeras outras formas, constituindo uma evolução gradativa que foge completamente ao conhecimento e à observação do homem moderno. Porém, se a origem da Arte não pode ser datada, catalogada e estudada, pode ser inferida. 18 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Exemplo de Aplicação Observe as imagens: Figura 9 – Monalisa, Roy Lichtenstein (EUA, 1923-1997) Figura 10 – Mona Lisa, Leonardo da Vinci (Itália, 1503–1506) Existem semelhanças entre elas? Podemos dizer que uma se inspira na outra, ou seja, é uma releitura? Você acha que as duas obras foram feitas pelo mesmo motivo? Justifique. 19 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE 1.2.2 Função da arte A Arte, quanto à sua função, estaria concentrada apenas no campo da percepção admirativa? Proença (2011) indica-nos que, por meio da arte, podemos ter a percepção, a sensibilidade, a cognição do mundo, além de sua visão individual de trabalhar o próprio eu. É uma forma de interpretar simbolicamente o mundo dentro da concepção do indivíduo. Representa uma linguagem que ultrapassa o processo de comunicação. É uma forma simbólica de transmitir ideias e sentido ao que nos cerca. Graça Proença ainda atribui três funções primordiais à Arte: a pragmática, a naturalista e a formalista. • Função pragmática: podemos considerar que a obra de arte tem um caráter utilitário, uma finalidade em si mesma, que não a artística. Essa finalidade pode ser utilitária, pedagógica, religiosa, política ou cultural. • Função naturalista: nesse contexto, ressalta-se a representação da realidade. O objetivo é ser o mais natural e o mais próximo do real possível. • Função formalista: a partir dessa concepção, valoriza-se a forma, e a concepção estética ganha destaque. Transmitem-se ideias e emoções, minimizando os aspectos pragmático e naturalista. Exemplo de Aplicação Observe os objetos e indique de qual função de arte cada um deles se aproxima. Figura 11 – Urna funerária 20 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Figura 12 – A Morte de Marat, Jacques-Louis David (França, 1748-1825), tela, 165 cm x 128 cm, Museu Real de Belas Artes, Bruxelas, 1793 Figura 13 – Primeira Aquarela Abstrata, Vassili Kandinsky (Rússia, 1866-1944), aquarela, 50 cm x 65 cm, coleção Nina Kandinsky, Paris 21 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE 2 CONCEITOS SOBRE ARTE E HISTÓRIA Qual é a relação entre a Arte e a História? A Arte tem História? E a História da Arte é uma disciplina independente ou deve ser analisada concomitante com outras áreas do conhecimento? Como o historiador analisa a Arte? E como a imagem tem sido explorada não só pela História, mas pelas demais ciências sociais e, antes disto, no próprio interior da vida social, na tradição do Ocidente? Na Antiguidade e na Idade Média, o que dominava era o valor afetivo, o que envolvia não só relações de subjetividade, mas, sobretudo, a autoridade intrínseca da imagem. Daí a imagem ser extremamente relevante em contextos religiosos ou de poder político e com funções pedagógicas e edificantes. Por isso também a importância dos múltiplos episódios de iconoclastia (desde a destruição de ídolos até a proibição de reproduzir figuras – em particular antropomórficas – e as ambiguidades das exceções e inversões da regra ou dos usos ideológicos e propagandísticos da imagem ). Essa característica pode ser observada no Império Bizantino, que, até por conta de sua localização, foi influenciado pelo Oriente. Contudo, como o Império cristão não poderia ter o Imperador como uma divindade, este então vai liderar a Igreja, imprimindo o cesaropapismo; logo, a produção sacra será de fundamental importância na representação artística bizantina. Observação O cesaropapismo subordinava a Igreja ao Estado. Assim, o imperador controlava tanto o Estado quanto a Igreja, exercendo poderes que caberiam somente ao papa. Com isso, o próprio papa estava sob a influência do imperador, o que acrescentou traços específicos à religião cristã dessa região. Em grande parte, a arte bizantina desenvolveu-se no século VI e voltava-se para demonstrar a grandiosidade de seu imperador, ou seja, Justiniano. O próprio Justiniano era um protetor das artes, numa escala inigualada desde a época de Constantino; as obras que ele patrocinou ou incentivou têm uma grandiosidade imperial que justifica plenamente o reconhecimento daqueles que chamaram sua época de Idade de Ouro. Também exibem uma coerência interna de estilo que as liga mais fortemente ao futuro da arte bizantina do que à arte dos séculos anteriores (JANSON; JANSON, 1996, p. 96). A arte bizantina procurava demonstrar a autoridade absoluta e sagrada do imperador, uma vez que este era considerado o verdadeiro representante de Deus, possuindo poderes temporais e espirituais. Para isso, uma série de convenções foram estabelecidas para a arte. 22 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Assim, os bizantinos passaram a insistir quase tão rigorosamente quanto os egípcios na observância das tradições. Mas essa questão tinha dois aspectos diametralmente opostos. Ao exigir dos artistas que pintavam imagens sagradas que respeitassem estritamente os modelos antigos, a Igreja Bizantina ajudou a preservar as ideias e realizações da arte grega nos tipos usados para roupagens, faces ou gestos [...]. Apesar de uma certa rigidez, a arte bizantina manteve-se, portanto, mais próxima da natureza do que a arte do Ocidente em períodos subsequentes. Por outro lado, a ênfase sobre a tradição e a necessidade de respeitar certos modos permitidos de representar o Cristo ou a Virgem tornaram difícil aos artistas bizantinos desenvolverem seus dotes pessoais. Mas esse conservantismo desenvolveu-se apenas gradualmente e é um erro imaginar que os artistas do período não tinham qualquer amplitudecriativa. Foram eles, de fato, que transformaram as simples ilustrações da arte cristã primitiva em grandes ciclos de grandes e solenes imagens que dominam o interior das igrejas bizantinas. Se observarmos os mosaicos feitos por esses artistas gregos nos Bálcãs e na Itália, durante a Idade Média, vemos que esse império oriental tinha conseguido, de fato, ressuscitar algo da grandeza e majestade da antiga arte oriental e usá-la para glorificação do Cristo e Seu poder. [...] Imagens olhando-nos desde o alto de paredes douradas e refulgentes poderiam ser símbolos tão perfeitos da Verdade Sagrada que nem parecia haver necessidade alguma de nos desviarmos delas. Assim, elas continuaram dominando em todos os países governados pela Igreja Oriental. As imagens sacras ou “ícones” dos russos ainda refletem essas grandes criações dos artistas bizantinos (GOMBRICH, 1998, p. 93). A arte bizantina, assim como a egípcia, estabeleceu uma série de convenções, por exemplo, a frontalidade. Como citado por Gombrich, essa representação de uma figura com postura rígida permite ao observador uma atitude de respeito e veneração. Por outro lado, a reprodução frontal das personagens por parte do artista mostraria o respeito pelo observador, que encontra, claramente, nessas imagens dos soberanos e figuras sagradas seus senhores e protetores. Outra convenção que deveria ser respeitada era o lugar ocupado por cada figura na composição da cena, além da rigorosidade nas representações gestuais, como a posição das mãos, dos pés, das dobras de roupas e dos símbolos. 23 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Figura 14 – Mosaicos por artistas bizantinos na abside da catedral de Monreale, Sicília, cerca de 1190 Como observado por Gombrich (1998, p. 92), o mosaico destaca Cristo como o Senhor do Universo, com sua mão direita erguida em um gesto de bênção e, logo abaixo dele, a Virgem Maria entronizada como imperatriz e ladeada por dois arcanjos e pelos santos. Nessa figura, ainda podemos identificar a representação de figuras sagradas com características da corte imperial. Assim, Jesus Cristo aparecia como o imperador, enquanto Maria representava a imperatriz. Da mesma forma, os santos evidenciam os séquitos dessas personagens. O inverso também pode ser observado com a exposição das figuras imperiais como sagradas. Assim, tanto o imperador quanto a imperatriz aparecem com auréolas, que era o símbolo peculiar das figuras sagradas. Figura 15 – Justiniano representado com auréola 24 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Nos mosaicos bizantinos, as figuras são altas e esbeltas, com ênfase nos gestos cerimoniais e os trajes suntuosos. Os rostos possuem forma de amêndoa e os olhos grandes destacam-se nas faces evidenciadas. Acredita-se que os mosaicos de Ravena tenham sido criados por uma equipe enviada pelo próprio imperador numa demonstração de sua força e poder. Assim, as paredes e as abóbodas das igrejas, recobertas de cores intensas e de materiais que refletem a luz em reflexos dourados, conferem uma suntuosidade ao interior dos templos que nenhuma época conseguiu reproduzir (PROENÇA, 2011, p. 55). As figuras humanas são chapadas, rígidas, simetricamente colocadas, parecendo estar penduradas. Elas olham diretamente para frente sem a menor insinuação de movimento. O imperador e a imperatriz eram sempre representados como figuras sagradas, identificadas pelas auréolas. Segundo Hauser (1998, p. 133), “isso serviria para inspirar um temor respeitoso em meio à esplêndida magnificência, suprimidos todos os elementos humanos, subjetivos e arbitrários”. Em Ravena, especificamente em São Vital, esse ritual teria encontrado a sua máxima expressão. As expressões de Justiniano e sua esposa Teodora despertam e impõem respeito ao observador numa transformação das atividades palacianas em rituais sagrados. Figura 16 – Mosaico da Igreja de São Vital, em Ravena 25 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Figura 17 – Mosaico da Igreja de São Vital, em Ravena, retratando a imperatriz Teodora e seu séquito Figura 18 – São Apolinário Novo Figura 19 – São Apolinário 26 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Figura 20 – Batistério dos Ortodoxos Figura 21 – São Apolinário em classes Figura 22 – Genealogia de Cristo, Istambul 27 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE O esplendor, a suntuosidade, a gestualidade que despertam respeito e reverência estão presentes em todos os mosaicos bizantinos, como exemplificado nas imagens. Na Genealogia de Cristo, é claramente identificável a figura do Cristo Pantocrator, ou seja, o Cristo Onipresente, representado como adulto com a mão direita fora das veste num gesto que indica a benção e segurando na mão esquerda um livro como referência ao Evangelho, que, em outras obras, pode ser representado por pergaminhos. É interessante ressaltar que essa figura de Cristo, que se fortalece com os artistas bizantinos a partir do governo de Justiniano, será eternizada na arte. Segundo Gharib (1997, p. 97-102), o corpo de Cristo é desenhado sobre uma superfície dourada para indicar que ele se encontra agora na glória do céu. A auréola é desenhada com um traço fino sobre o mesmo fundo dourado como um sinal da sua santidade. E na auréola de Cristo estão desenhados três braços de uma cruz simbolizando o seu papel como salvador. Os mosaicos, como toda a iconografia bizantina, são pensados estrategicamente para impressionar. Sem dúvida, alcançam seu objetivo. Assim, a história como ciência analisa a imagem de diversas formas e não deixa de lado o fato de que, como construção humana, nos informa muito sobre a sociedade que a produziu. As artes visuais ao longo da história têm sido analisadas de diversas formas. Por isso, segundo Dana Arnold (2008), pode-se referir a várias linhas de análise para a História da Arte. Alguns historiadores embasam suas pesquisas nas grandes épocas estilísticas, por exemplo, o Renascimento e o Barroco, enfatizando o que consideram mais relevante. Em alguns casos, seria o artista ou o movimento artístico. Muitas vezes, o historiador constrói uma história da arte a partir de uma análise biográfica de artistas referenciais. Para Dana Arnold, o problema é que essas análises enfocadas no estilo e no próprio artista deixariam de lado aspectos importantes, como a temática e a função da obra de arte. Para Ulpiano Bezerra de Meneses (2003, p. 14), a história social da Arte já está aberta para a problemática não só da produção, circulação (comercialização e outras mediações institucionais) e representação de seus objetos, como também de sua apropriação e consumo — ainda que sobretudo por via da teoria literária da recepção. Porém, de muito mais amplas consequências para nossos objetivos do que as teorias da recepção são as propostas que começaram a surgir há quase duas décadas, de incluir a materialidade das representações visuais no horizonte dessas preocupações e entender as imagens como coisas que participam das relações sociais e, mais que isso, como práticas materiais. 28 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Nesse sentido, Dana Arnold (2008, p. 41) afirma que a História da Arte Não consiste apenasem descrever imagens que representam o mundo que julgamos ver [...] É um meio de examinar a cultura e a sociedade de diferentes épocas e perceber como pensamos sobre esses períodos e como os pontos de vista mudaram ao longo do tempo [sendo possível] pensar questões em relação a temas como vida pública e privada, práticas religiosas e seculares, ativismo político e dominação cultural. A arte tem sido considerada por muitos como um diálogo visual. No entanto, um diálogo pressupõe a participação ativa do interlocutor. Para essa compreensão, a cultura é fundamental, uma vez que as obras de arte só podem ser analisadas e compreendidas no contexto de seu tempo e das circunstâncias de sua criação. Assim, a Arte é importante para a História, pois, entre outras coisas, com ela podemos reconstruir o momento histórico através do ponto de vista de seu criador. 3 PERCEPÇÃO ESTÉTICA E MUDANÇAS HISTÓRICAS AO LONGO DO TEMPO O potencial criativo faz parte da existência humana e a criação pode ter vários pontos de partida. Então, como a percepção intuitiva e a percepção estética influenciam o processo criativo? Para Fayga Ostrower (2001, p. 9) o ato de criar é “poder dar forma a algo novo”, no qual o ato criador abrange, portanto, “a capacidade de compreender, e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar”. Assim, o ser humano está sempre envolvido e rodeado por formas. O modo de percebê-las vincula-se com as formas pessoais de orientação, e a percepção relaciona os fenômenos a partir da ordem interna do sujeito. Sem nos darmos conta, nós os orientamos de acordo com expectativas, desejos, medos, e sobretudo de acordo com uma atitude de nosso ser mais íntimo, uma ordenação interior. Em cada ato nosso, no exercê-lo, no compreendê-lo e no compreender-nos dentro dele, transparece a projeção de nossa ordem interior. Constitui uma maneira específica de focalizar e de interpretar os fenômenos, sempre em busca de significados (OSTROWER, 2001, p. 9). A criação é fundamental para o crescimento do ser humano, que necessita ordenar, dar forma, criar. Porém, esse processo de criação ocorre no âmbito da intuição, integrando toda a experiência do indivíduo. Então, torna-se consciente à medida que esses conteúdos são expressos, quer dizer, à medida que tomam forma. A intenção orienta a ação rumo à finalidade, que é a concretização na forma daquilo que é criado. A Arte remete a um mundo de valores e “a cultura serve de referência a tudo o que o individuo é, faz, comunica, à elaboração de novas atitudes e novos comportamentos e, naturalmente, a toda possível criação” (OSTROWER, 2001 p. 10). 29 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Segundo Peixoto (2005, p. 158) Pode-se afirmar que toda grande obra — em especial de filósofos, escritores ou artistas — expressa, de modo relativamente coerente e adequado, uma visão de mundo, não apenas um momento do presente ou do passado: pode também expressar projeções de futuro, com base nas percepções e interpretações possibilitadas pelo movimento da história humana. A habilidade de captar os traços essenciais do seu tempo e desvendar novas realidades permite à arte trazer, em seu bojo, o novo, e, no ato de apontá-lo, a obra artística se configura como coadjuvante para a sua construção. Figura 23 – Cavalo da gruta de Lascaux Ao produzir uma pintura ou gravura rupestre, a visão de mundo transmitida e registrada pelo artista pré-histórico não é a mesma que a do observador contemporâneo. A relação que temos com os objetos independente de sua produção, refere-se ao universo estético, e, ao contrário do que ocorre com as obras artísticas da atualidade, os homens nem sempre mantiveram com certos objetos a mesma relação estética de hoje. Apesar de uma grande parte de nossa sensibilidade estar vinculada ao inconsciente, quando chega ao nosso consciente, o faz de modo articulado, organizado. É a nossa percepção, ou seja, é uma elaboração mental de nossas sensações. Dessa maneira, nossa percepção: delimita o que somos capazes de sentir e compreender, porquanto corresponde a uma ordenação seletiva dos estímulos e cria uma barreira entre o que percebemos e o que não percebemos. Articula o mundo que nos atinge, o mundo que chegamos a conhecer e dentro do qual nós nos conhecemos. Articula o nosso ser dentro do não ser (OSTROWER, 2001, p. 13). 30 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Figura 24 – Catedral gótica de Chartres Figura 25 – Instrumento lítico Figura 26 – Stonehenge 31 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Nesse sentido, destaca-se a obra do artista José Bechara, que esteve presente na XXV Bienal de São Paulo, com trabalhos feitos em couro de fetos bovinos. O artista inspirou-se no anúncio de uma revista que vira na Itália ao lado de uma bota de milhares de dólares. A legenda avisava que o couro do sapato era de animal raro, de uma presa já morta. A partir daí, sentindo-se arrasado diante de tamanho cinismo, sentiu a necessidade de vasculhar e entender essa situação. A angústia gerada pelo anúncio foi o ponto de partida para o nascimento da obra. Motivado, dirigiu-se a um matadouro sem saber bem o que queria encontrar. Lá, presenciou fetos bovinos já crescidos, misturados às vísceras de suas mães mortas e acompanhou o processo de matança para saber o que havia antes de cada pele de animal. Procurou, assim, em suas obras, preservar as marcas de idade, procedências, e até pequenos acidentes como cortes em arame farpado no couro. Ostrower (1999) argumenta que se considera como estética a sensibilidade contemporânea das relações estabelecidas pelo homem perante os objetos. Ao falar em estética, tratamos de um campo temático, amplo, ou seja, de tudo o que é objeto de relação, de comportamento ou da experiência de caráter estético desde uma paisagem natural até um objeto produzido pelo homem sem finalidade estética: uma jarra de cristal, uma lâmpada, uma mesa ou um automóvel. Assim, nesse universo, incluem-se tanto os seres naturais quanto os objetos artificiais produzidos pelo trabalho humano. Entre eles, o que chamamos obras de arte, que, em nossa época, ocupam um lugar privilegiado dentro do rico e variado universo estético. Figura 27 – Sagrada Família, Gaudi É preciso entender primeiro a realidade estética e saber que ela considera a totalidade, as manifestações diversas, naturais ou artificiais, artesanais ou artísticas, técnicas ou industriais. Todos os elementos do universo estético, por mais que se diferenciem entre si, têm algo em comum, que é o 32 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I que justifica sua inclusão nesse universo. Assim, fala-se de um modo de apropriação, contemplação ou comportamento humano específico diante de seus objetos, e uma ciência especial que se ocupe desses objetos e do comportamento humano em relação a eles torna-se necessária, bem como as condições individuais e sociais em que ocorrem esses objetos e esse comportamento. A realidade peculiar e o comportamento humano específico que constituem o objeto da estética não podem ser separados do todo em que se integram outras realidades e outros comportamentos humanos. Apesar de se relacionar com outras ciências e apropriar-se de experiências já existentes, a estética considera as experiências e objetos sob um ponto de vista diferente daquele já percebido. Luís Carmelo (2000), em seu trabalho A Estética como DesconotaçãoPraticada pela Modernidade, afirma que o belo definia o novo valor estético. O belo identificava-se com as grandes obras dos gênios, não apenas pela sua finalidade técnica, mas também em decorrência de uma rede de valores que não se restringia apenas à esfera técnico-científica (simetria, proporção, perspectiva...) Novas formas de olhar, comunicar e perceber o mundo haviam sido impostas. O objeto desse “novo julgar”, centrado no belo, viria a evoluir para uma metalinguagem da própria arte. Ela se explicaria a si mesma. O estabelecimento da beleza constituía-se como objetivo surpremo deste novo saber, ou julgar, cuja manifestação decorreria de um "acordo de pensamentos" conducente a um único fenômeno que, por sua vez, seria "objeto de sensação" (BAYER, 1995, p. 180); este acordo interno de "coisas belamente pensadas" teria ainda como base uma adequação interna, de tipo icónico, entre expressão e pensamentos. Uma tal crença na inclinação natural, decerto inata, do homem para "belos pensamentos" tornava-se vital para a própria fundação da nova disciplina (CARMELO, 2000, p. 3). Não podemos esquecer que o cotidiano possibilita momentos de situação estética como uma flor que se dá de presente, o vestido que se escolhe, o rosto que cativa ou a canção que nos agrada (OSTROWER, 1999). Diante de uma obra de arte, a relação descrita é bem maior, embora nem por isso deixe de ser imediata e espontânea. Se falarmos de um nível reflexivo, temos diante da obra uma relação mais teórica, com diferentes pontos de generalidade, como a relação mantida pelo crítico e pelo historiador de arte. A estética não pretende ser uma teoria normativa e sim uma teoria fecunda para a prática artística. Segundo Ostrower (2001), a estética interessa para o artista por motivos teóricos, contribuindo com sua capacidade criadora, possibilitando que o artista compreenda melhor o papel que desempenha sua arte na sociedade de seu tempo e orientando-o no que se refere a conceitos e categorias na luta entre o velho e o novo, entre tradição e inovação. Apesar de o artista não ser um teórico por natureza, a teoria aliada à práxis muitas vezes é perceptível, como ocorre, por exemplo, com Leonardo da Vinci e outros renascentistas. As ideias, normas ou convenções existentes que, em determinado momento, são assumidas por artistas canalizam a direção de suas práticas artísticas. Estamos falando da “poética” de determinado movimento artístico, termo usado na atualidade. O conceito de poética aqui trabalhado é o de estudo de Paul Valéry para o qual 33 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE o objeto de estudo não é o conjunto de efeitos de uma obra precedida, nem a obra feita, nem a obra a fazer, e sim a obra “se fazendo” (REY, 1996). Assim, há teorias que se estendem além da realidade a que respondem, e teorias que se distanciam da prática do artista, tornando-se infecundas, e mesmo outras, que apontam para uma consciência maior da prática artística. Nesse contexto, a visão da estética ajudará o artista a não repetir os lugares-comuns já trilhados e desvinculados de uma vida atuante em consonância com o seu tempo. Desta maneira, muito ainda existe para ser discutido sobre estética diante da complexidade de suas abordagens, mas entendemos que ela é inerente à natureza humana e, por isso, importante nas nossas reflexões sobre arte. Nesse contexto, como e quando surgiu a arte? Foi o Homo sapiens ou o Homo sapiens sapiens que a criou? Muito se debate em relação à origem da arte pré-histórica e, com a constante realização de novas pesquisas, sempre se acrescentam informações sobre o tema. Quem foi o primeiro hominídeo a produzir arte? Esse é o ponto de partida para pensarmos sobre a antiguidade da arte paleolítica. Desde a descoberta das pinturas rupestres muito se pensou a respeito. Os primeiros pesquisadores acreditavam que o chamado homem primitivo não possuía a capacidade artística e intelectual do homem moderno. Depois, atribuíram toda a produção artística pré-histórica ao Homo sapiens, pois este teria desenvolvido uma linguagem simbólica, abstrata e articulada. O surgimento da arte pré-histórica como um florescer simultâneo em várias partes do mundo tem a ver com os processos de hominização, da evolução e o aumento da capacidade craneana, ou seja, o aumento do volume do cérebro que permitiria o desenvolvimento dos processos de abstração no gênero homo. Considerando-se que o homem tem mais de dois milhões de anos e que a arte pré-histórica começou há 30.000, podemos aceitar que a arte rupestre seja “uma arte moderna”, afirmativa formulada por autores de áreas díspares do conhecimento estético como são o pré-historiador Eduardo Ripoll, o pintor Juan Miró e o romancista Ariano Suassuna (MARTIN, 1997, p. 245). Para muitos pesquisadores, o Homo sapiens sapiens teria desenvolvido essa capacidade de expressar-se de forma simbólica graças à evolução cerebral ocorrida com o desenvolvimento do lóbulo frontal. Outras características físicas, como a presença de uma visão binocular, permitida em decorrência da verticalização da face, o bipedismo, que teria possibilitado a liberação das mãos, que passaram a ter o polegar opositor e a posição da laringe em decorrência de uma postura ereta, também teriam possibilitado as expressões artísticas. O homem primeiro teria conquistado o universo simbólico da fala, para depois dominar o universo da imagem e das representações visuais. É verdade que todas essas mudanças ocorreram e foram importantíssimas para a nossa evolução. 34 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Porém, pesquisas atuais mostram que o uso precoce de pigmentos, considerado um dos indicadores de modernidade, ao lado de outros como a coleta e o transporte de cristais e fósseis, perfuração e gravação de objetos portáteis de pedra e osso, todos ligados à atividade simbólica, encontrados em sítios do Paleolítico Médio na Europa, não são recursos específicos do Homo sapiens anatomicamente moderno, contradizendo assim o modelo de uma única espécie para a origem da modernidade comportamental (D’ERRICO et al., 2003). Parece ter havido aquisição gradual das modernas técnicas e habilidades cognitivas desde o Paleolítico Inferior em diante, mas na opinião de d’Errico et al. (2003) as evidências continuam limitadas (MAGALHÃES, 2011, p. 43). Apesar dessas descobertas, como a ocorrida em Twin Rivers (Zâmbia), que datam as pinturas rupestres de aproximadamente 400 mil anos, ainda é consenso entre os estudiosos que a arte rupestre teria sido desenvolvida pelo Homo sapiens em torno de 40 mil anos atrás. Assim, para eles, a generalização do uso de pigmentos e o início das primeiras imagens e representações simbólicas seriam responsabilidade desse homem moderno, como comprovariam as últimas datações em pinturas rupestres de regiões de Espanha e França. Para esses pesquisadores, a capacidade de um pensamento abstrato e de criar símbolos diferenciaria o ser humano de outras espécies e a arte rupestre seria uma forma de utilizar símbolos como forma de comunicação. A arte rupestre refere-se a uma intervenção voluntária e definitiva nos abrigos, com potencial para atender a diferentes finalidades. Quaisquer que tenham sido elas, seu atendimento deu-se também por meio da comunicação que a materialidade dos sítios gravados ou pintados engendrava, isto é, por meio dos significados sociais, funcionais e simbólicos que eles ajudavam a criar (RIBEIRO, 2006, p. 57). Estudar arte nos leva a indagar se o conceito de arte aplica-se aos povos da Pré-História. Ao adotarmos a definição de Argan e Fagiolo (1994), que afirmam que a arte é um processoenvolvendo as relações entre a atividade mental e a atividade operacional, é possível associar a produção artística dos povos anteriores ao aparecimento da escrita. Podemos considerar que esses povos têm comportamentos semelhantes aos nossos: prazer visual ou tátil, porém a palavra “arte” é contemporânea, não existia na época. Desde tempos remotos, o homem expressa o seu mundo e sua realidade por meio de imagens. Para os seres humanos, a ordenação visual sempre esteve presente, quer de forma figurativa, quer de forma abstrata. Essa ordenação do mundo por meio de imagens, da criação de símbolos não pode ser considerada obra do acaso, deve ser admitida como representação do comportamento simbólico e social dos grupos que o produziram. 35 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Uma imagem é composta de uma sintaxe própria, uma gramática visual que organiza a sua existência e conduz a sua compreensão. Para que esta se estabeleça, então, são agrupados elementos, tais como ponto, que exerce uma visível e grande atração sobre o olhar, raramente apresentado isoladamente, considerado o “átomo” de toda expressão pictórica (idem, 2007, p. 7), a linha, que constrói as formas e determina sua complexidade, e ainda o plano, a cor, a textura e o movimento, os quais podem inscrever-se sobre os mais variados suportes. Todas as imagens, da pintura à imagética virtual são constituídas e dependem da articulação destes conceitos (SOUZA, 2009, p. 428). A humanidade sempre teve necessidade de interpretar e organizar o mundo através dos elementos visuais. O que levaria um homem que ainda não domina técnicas de garantia de sobrevivência de forma adequada a externar, por meio de símbolos, o mundo que o cerca? Criando uma gramática visual própria, esse homem reproduz elementos de sua realidade, de acordo com sua visão de mundo. É uma produção estética que foi feita para ser vista, conferindo supremacia à visão e concretizando, de forma plástica, o mundo que nos rodeia. É a partir de uma realidade dada que esse “artista” cria um elo entre o espectador e o mundo, e estabelece uma multiplicidade de percepções e de interpretações desse mundo circundante. A seleção das imagens não é aleatória, expressa um recorte que não é apenas pessoal, mas que expõe informações que são relevantes tanto para quem as produziu quanto para o grupo que vai visualizar e relacionar-se com o objeto da produção. Mesmo levando em consideração que algumas dessas imagens foram produzidas em grutas de difícil acesso, temos o período de produção e a observação que está relacionada inclusive com a pouca luminosidade do local. É a partir da visão que reconhecemos o mundo ao nosso redor e reagimos a ele. Formamos uma imagem mental daquilo que vemos, e é a partir dela que decodificamos o mundo. Essa é a mais primitiva forma de comunicação! A compreensão de uma determinada imagem será feita a partir do repertório daquele que a observa. Os processos referenciais pessoais e do grupo são fatores determinantes para sua interpretação. A produção dessa imagem não pode ser considerada obra do acaso, mas inserida em um universo de representações e de significados. Os primeiros registros de expressão visual do mundo localizam-se na Pré-História. Em grutas, paredes das cavernas e pedras, os homens dessa época retratavam visualmente seu período. Surge uma representação estética de uma realidade que destaca os registros dos nossos antepassados mais longínquos. No Paleolítico, temos desenhos naturalistas e figurativos de extrema fidelidade ao 36 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I real, no Neolítico, vemos um mundo relatado de forma geométrica. Mais do que o real, são símbolos e conceitos que se desvendam aos olhos de um observador que vê um mundo poetizado descortinando-se em sua frente. Como espectadores, temos a possibilidade de desvendar os códigos de produção imagética e o processo de fruição das imagens representadas. A partir delas, podemos desvendar a relação que o homem estabelecia com o mundo, seus símbolos, suas crenças e sua forma de compreensão do “real”. Antes da escrita, houve um sistema de comunicação potencialmente capaz de registrar e conectar a linguagem com o real. A fala, se houve, não se manteve, mas o registro plástico pré-histórico nos possibilita acessar, sustentar e compreender nossa necessidade de manifestar o que entendemos como vida, morte, futuro e conquistas (SOUZA, 2009, p. 431). Se podemos assimilar um símbolo como um conceito, como uma figuração de uma determinada realidade, esse processo de figuração traz uma simbologia moral e intelectual que representa o momento em que foi produzido. O sentido só pode ser dado se for datado no momento mesmo em que é produzido. Quando lemos imagens – de qualquer tipo, sejam pintadas, esculpidas, fotografadas, edificadas ou encenadas – atribuímos a elas o caráter temporal da narrativa. Ampliamos o que é limitado por uma moldura para um antes e um depois e, por meio da arte de narrar histórias (sejam de amor ou de ódio), conferimos a imagem imutável uma vida infinita e inesgotável (MANGUEL, 2009, p. 27). Quando descobrimos os primeiros vestígios de que os homens enterravam os seus mortos, entramos em contato com o universo simbólico do comportamento do homem pré-histórico. Podemos inferir a existência de seres que apresentavam uma vida simbólica e com um sistema de expressão e de comunicação. Ornamentos, utensílios, armas decoradas, chifres de rena gravados, quando encontrados e catalogados fazem com que tenhamos que admitir, de forma inexorável, a ligação desse homem com o universo de uma arte – entendida como o processo de fruição e de percepção visual e tátil. Arte que “[...] desencadeia um sistema de relações, que produz interlocuções e faz andarem juntas duas modalidades de discurso: o imagético e o verbal” (MAGALHÃES, 2011, p. 40). A presença desses objetos não é circunscrita a um único povo ou agrupamento, mas recorrente nos mais diversos sítios arqueológicos de múltiplas e variadas regiões. Onde quer que esses vestígios sejam encontrados, haverá também um universo simbólico e representacional. O arqueólogo Denis Vialou estudou esses sistemas de representações e afirmou que existem símbolos frequentes e recorrentes que podem ser classificados em função de um tema em comum ou dos locais em que foram elaborados. 37 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Vialou (2007) indica quatro categorias metodológicas para pensarmos a arte pré-histórica. A primeira dessas categorias é a universalidade antrópica da arte pré-histórica e envolve a pesquisa antropológica a partir da evolução cerebral alcançada pelo homem moderno, disperso por todos os continentes. É a partir desse momento que surgem os primeiros sistemas de representações rupestres. A segunda categoria é a ubiquidade natural, que pressupõe a existência da arte pré-histórica em todos os continentes habitados pelo homem – e, de fato as pinturas rupestres são encontradas em todos os continentes. A terceira é a unidade das expressões, que parte do pressuposto de que a arte apresenta formas limitadas, com a indicação de sinais (formas geométricas) ou as imagens figurativas (formas de seres vivos). Isso ocorreria, provavelmente, devido à homogeneidade cerebral dos “artistas” e à ubiquidade natural. A quarta e última categoria é a heterogeneidade cultural da arte pré-histórica e refere-se à grande diversidade de culturas existentes no mundo do homem moderno. Ainda segundo Denis Vialou(2005, p. 245), os sistemas de representações que existem desde o Paleolítico Superior, apesar de serem universais, por pertencerem a uma mesma espécie, também compõem uma identidade cultural única. Assim, como sistemas de representações simbólicas, as artes e as línguas denotam aspectos de identidade cultural dentro de uma escala temporal. As informações contidas numa imagem, seja ela produzida por nossos antepassados ou não, são permeadas por símbolos, tanto as imagens representacionais que são identificadas na natureza, quanto as abstratas, que são resultado do desapego da forma, isso é, alheios a qualquer representação figurativa. Ambas precisam ser compreendidas, codificadas, interpretadas e, acima de tudo, visualizadas, porque visualizar é ter a capacidade de criar imagens mentais etapa, que possibilita avanço para um novo passo, que é reconhecê-la (ALVES, 2006, p. 71). O que podemos afirmar é que a arte pré-histórica é uma arte que se apropria da natureza que cerca o homem que a produz, demonstrando o vínculo dessas sociedades com o entorno em que viviam. Desse modo, podemos dizer que o “artista” pré-histórico evidenciou o ambiente em que estava inserido. Pinturas e gravuras rupestres fazem parte de [...] sistemas visuais de comunicação. Estão constituídos por elementos gráficos que fazem parte dos padrões de apresentação social próprios das comunidades pré-históricas [...] A análise desses registros visuais deverá permitir identificar os padrões gráficos de apresentação social de seus autores e, portanto, segregar os grupos culturais responsáveis por essas obras gráficas (PESSIS, 2002, p. 30). A arte pré-histórica, portanto, representa, entre outras coisas, a expressão das sociedades desse período a partir de sua complexidade cultural e sua relação com o seu espaço. Atualmente, a análise da arte rupestre é realizada por novos campos de interpretação, como o estudo de gênero, fenômenos astronômicos, biológicos e acústicos. Porém, apesar disso, a hipótese mais 38 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I corrente ainda é a que defende uma finalidade mágica para essas pinturas e gravuras, relacionada com rituais que tinham o objetivo de garantir a sobrevivência do grupo. O homem do Paleolítico Superior desconhecia a agricultura e a criação de animais. Vivia na incerteza de uma boa caçada, dependente da sorte e das inclemências do tempo para a garantia de seu sustento. Representar animais significava possuí-los, propiciando a caça necessária. [...] o pintor-caçador do Paleolítico supunha ter poder sobre o animal desde que possuísse sua imagem. Acreditava que poderia matar o animal verdadeiro desde que o representasse ferido mortalmente num desenho. Assim, para ele, os desenhos não eram representações de seres, mas os próprios seres (PROENÇA, 1995, p. 11). Dessa forma, a representação possuía o poder de aprisionar o animal, e, ao pintá-lo, o caçador praticamente convocava a caça, capturando-a com maior facilidade. Nesse sentido, é significativa a presença de pinturas de animais atravessados com flechas. Além disso, acredita-se que o uso da imagem assegurava a morte do animal mais difícil de capturar ou era empregada para proteger-se contra seus ataques. Por isso, na Europa, seria comum a presença dos bisões na arte rupestre, enquanto os cervos, principal fonte de alimentação segundo os vestígios encontrados nessa região, estão praticamente ausentes, pois eram “fáceis de caçar”. Sob essa perspectiva interpretativa, a caverna adquire o papel de santuário. Não é amor realístico pelas formas dos animais, para com suas massas plásticas, ou seus atos irrompentes, o que impele o homem do paleolítico a fixar-lhes a imagem. É, porém, a fome; a terrível fome, individual e coletiva, de uma humanidade que da caça obtém os meios de subsistência. A figuração, como ato mágico, se acrescenta aos métodos de caça, à pederneira, às armadilhas (PISCHEL, 1996, p. 12). Como vimos, existe uma grande discussão acerca das interpretações da arte rupestre. Nessa conjuntura, não podemos esquecer que o ser humano é complexo. Então, por que deveria ser simples analisar sua produção? Contudo, há o seguinte consenso entre os pesquisadores atuais: independentemente da linha interpretativa, a análise de uma pintura ou gravura em rocha não pode ser feita de maneira isolada, mas sim levando-se em conta todo o contexto em que ela foi encontrada. Além disso, apesar de todas essas controvérsias, devemos nos lembrar de que o artista do Paleolítico e do Neolítico: [...] que retratou nas rochas os fatos mais relevantes da sua existência, tinha, indubitavelmente, um conceito estético de seu mundo e da sua circunstância. A intenção prática da sua pintura podia se diversificada, variando desde a magia ao desejo de historiar a vida de seu grupo, porém, de qualquer 39 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE forma, o pintor certamente desejava que o desenho fosse “belo” segundo seus próprios padrões estéticos. Ao realizar sua obra, estava criando arte (MARTIN, 1996, p. 235). Desse modo, quais foram os elementos dignos de registros para os homens pré-históricos? Como visto anteriormente, seu repertório envolvia a natureza que o cercava, tornando a temática da arte rupestre mundial homogênea. A principal temática presente nesse tipo de acervo é representada na maioria das vezes por animais, seres humanos, desenhos geométricos e imagens representando plantas, as quais são denominadas imagens “fitomortas” (MARTIM, 1999). As figuras que representam desenhos de animais são encontradas em abundância em determinadas regiões; em outras há uma maior diversidade aparecendo, além das representações de animais, figuras humanas e geométricas, plantas e objetos [...], sendo que as representações de animais são as que aparecem, sendo desenhadas por um período de tempo mais extenso (ALVES, 2006, p. 62). Assim, a presença de figuras humanas, de animais, sinais geométricos e símbolos da natureza, como o Sol e a Lua, são elementos comuns na arte parietal das grutas e cavernas descobertas no mundo todo. São encontradas na Espanha, na França, em Portugal, na África e no Brasil, entre outros países. Na Europa, por exemplo, é comum a presença de imagens de bisões, cervos, cavalos, renas, cabras, javalis e ursos representando o universo vivido pelos habitantes. Saiba mais Para aprofundar seus conhecimentos sobre arte rupestre, leia: BELNET, F. O homem das cavernas era um verdadeiro artista? História Viva, São Paulo, [s.d.]. Disponível em: <http://www.superinteressante. pt/index.php?option=com_content&view=article&id=635:cinema-pre- historico&catid=9:artigos&Itemid=83>. Acesso em: 17 fev. 2016. As cenas de caçada também são uma temática constante na arte rupestre mundial, novamente demonstrando, segundo os pesquisadores, a preocupação do homem com a sua sobrevivência. Exemplo de Aplicação Várias teorias de interpretação da arte rupestre foram apresentadas. Reflita sobre elas e escolha a que você considera a mais indicada. Feito isso, tente interpretar a imagem a seguir. 40 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Figura 28 – Lascaux Em que regiões aparece a arte pré-histórica? Em todos os continentes, exceção feita à Antártida. O maior número de sítios localiza-se na África. A Austrália é outro território rico em arte rupestre (região de Laura, Pilbara e terra de Arnhem – Parque Nacional de Kakadu). Na Ásia, há pontos na China, Ásia Central, Oriente Médio e Índia. O continente americano possui sítios denorte a sul. No Brasil, acredita-se que os sítios de São Raimundo Nonato, no Piauí, são os mais antigos. As grutas e cavernas europeias ainda hoje são as mais estudadas. A descoberta e as análises desses locais fizeram com que durante muitos anos essa arte rupestre fosse considerada a mais antiga. Por isso, as informações e as interpretações realizadas na Europa foram norteadoras de todas as demais pesquisas. Saiba mais Saiba mais sobre pinturas pré-históricas: PESQUISADORES descobrem na África do Sul oficina de pinturas pré-históricas. Exame.com, 14 out. 2011. Disponível em: <http://exame. abril.com.br/tecnologia/noticias/pesquisadores-descobrem-na-africa-do- sul-oficina-de-pinturas-pre-historicas>. Acesso em: 15 fev. 2016. Se pensarmos na história da humanidade, o descobrimento das pinturas rupestres é relativamente recente, pois foi só no fim do século XIX que se encontraram exemplos dessas representações paleolíticas e neolíticas. Na realidade, desde o século XVI, existem registros de “achados” de pinturas e gravuras parietais, porém foi durante o século XIX que foram relacionadas pela primeira vez essas pinturas com os homens pré-históricos. 41 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Em 1879, Marcelino Sanz de Sautuola escavava com sua filha de sete anos em busca de vestígios pré-históricos, quando descobriu, por acaso, as cenas de animais que recobriam o teto da Gruta de Altamira, no município cântabro de Santillana del Mar, Espanha. Apesar de defender que os desenhos tinham sido feitos pelas mãos dos homens da Pré-História, morreu em 1888 sem conseguir que se reconhecesse seu achado. Para muitos, essas pinturas eram meras falsificações ou a obra de pastores da região que viveram durante a Idade Média. As descobertas das grutas de Altamira, seguidas pelas revelações das pinturas e gravuras parietais na França, levaram a comunidade científica do fim do século XIX e começo do século XX a analisá-las como produções do homem pré-histórico. A partir daí, as explorações foram sucessivas, e a última grande descoberta ocorreu em 1994, na França. Já sabemos que foi durante o Paleolítico que surgiram as primeiras representações de arte rupestre, mas como interpretá-la? Todas as cavernas e grutas descobertas exibem desenhos da mesma época? Um dos aspectos mais importantes para a análise da arte rupestre é o processo de datação. Muitas vezes, os arqueólogos recorrem às escavações em busca de vestígios que permitam um período absoluto (aquele que utiliza o carbono 14, que é um método radioativo de análise). Para tal, buscam pigmentos, instrumentos aplicados nas pinturas ou restos de carvão. Uma das técnicas usadas atualmente é a radiocarbônica, que mistura materiais na preparação de amostras de carbono. Como essas técnicas de datação são muito recentes, no início, a interpretação dos desenhos era o método mais empregado para analisá-las. Entretanto, nem sempre houve consenso nas interpretações. Os pesquisadores, para facilitar os estudos, dividiram o Paleolítico em períodos e organizaram uma classificação considerando a antiguidade dos vestígios encontrados e as técnicas utilizadas pelos homens para a elaboração de suas ferramentas. Assim, podemos afirmar que existiam várias culturas paleolíticas. A mais antiga é a aurignaciana (40 mil a.C. – 28 mil a.C.). Foi durante essa época que começaram a ser produzidas as primeiras imagens e representações simbólicas. Depois temos a cultura gravetiana (28 mil a.C. – 20 mil a.C.), que, por sua vez, foi sucedida pela solutreana (20 mil a.C. – 10 mil a.C.), que possui expressiva quantidade de gravuras. Por fim, temos a magdaleniana (10 mil a. C. – 5 mil a.C.), com pinturas como as encontradas em Niaux, França. Observação Não podemos esquecer que toda a classificação sofre variações, pois depende das pesquisas realizadas, em especial quando trabalhamos com um período tão longo como a Pré-História, que apresenta apenas vestígios de cultura material para análise. Durante o período aurignaciano, os desenhos expressam traços simples, entre outras técnicas, com os dedos em argila mole. Nesse repertório, a presença de animais era comum, sendo pouco frequentes os retratos humanos. 42 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Outro símbolo desse período são as pinturas de mãos vistas em grutas como a de Gargas, nos Pirineus franceses. Não sabemos se, e até que ponto, o motivo rupestre da impressão da mão aberta, contornada, se reverte de significado mágico, como acontece com a maior parte das figurações do paleolítico. Em todos os tempos, a arte apreciará a figuração da mão: raramente, porém, conseguirá a sugestão destas, que são gritos de presença e de conquista. Assinalando a meta de uma longa evolução biológica, são revelações conscientes do “Homo sapiens”, do “homo faber”, o qual, com sua inteligência, sabe reagir em face de um ambiente natural inóspito e adverso; e usa a mão como recurso para vencê-lo e dominá-lo. Trabalhos duros e árduos, no problema elementar da sobrevivência, afligiram, mais do que em qualquer outro tempo, estas mãos. Mas já aparece nítida a mão do homem (PISCHEL, 1996, p. 11). Essas marcas de mãos apareciam em positivo ou negativo, dependendo da técnica aplicada. Quando as mãos eram apoiadas cheias de tinta nas paredes, o efeito denominava-se “mãos em positivo”. A técnica utilizada para se obter as chamadas “mãos em negativo” era a seguinte: Após obter um pó colorido a partir da trituração de rochas, os artistas o sopravam, através de um canudo, sobre a mão pousada na parede da caverna. A região em volta da mão ficava colorida e a parte coberta, não. Assim, obtinha-se uma silhueta da mão, como num filme em negativo (PROENÇA, 1995, p. 12). Para muitos, foi somente depois de dominar a técnica das mãos em positivo e negativo que o artista do Paleolítico passou efetivamente a desenhar, pintar e gravar nas paredes das grutas e cavernas. Saiba mais Para visualizar exemplos de mãos em negativo e saber um pouco mais sobre elas, leia: GERSCHENFELD. A. Os neandertais poderão ter sido os primeiros artistas das cavernas. Público P, 14 jun. 2012. Disponível em: <https://www.publico. pt/ciencia/noticia/os-neandertais-poderao-ter-sido-os-primeiros-artistas- das-cavernas-1550349>. Acesso em: 14 fev. 2016. Partindo da hipótese interpretativa que considera que a arte rupestre possuía uma função mágica e, ao executá-la, o homem garantia uma caça abundante para seu grupo, uma questão é levantada: o homem teria a única intenção de matar com a sua arte ou também buscaria criar animais? 43 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Isso ajudaria a explicar o incrível realismo dessas imagens, pois um artista que acredita estar realmente “criando” um animal tem maiores probabilidades de lutar por essa qualidade do que outro que simplesmente produzisse uma imagem para ser morta. Algumas das pinturas das cavernas dão-nos até mesmo uma indicação dessa magia de fertilidade: a forma de um animal frequentemente parece ter sido sugerida pela formação natural da rocha, de forma que seu corpo coincida com uma saliência ou que seu contorno siga um veio ou fenda. Um caçador da Idade da Pedra, com a mente repleta de pensamentos sobre as grandes caçadas das quais dependia para sobreviver, muito provavelmente reconheceria tais animais entre as superfícies rochosas de sua caverna e atribuiria um profundo significado à sua descoberta (JANSON; JANSON, 1996, p. 16). Tudo isso, porém, são possíveis interpretações sobrea arte rupestre. O que podemos afirmar é que a principal característica da arte rupestre do Paleolítico é o naturalismo, ou seja, o realismo de suas representações. Além disso, outro aspecto da arte parietal paleolítica é o fato dos desenhos serem feitos em grutas e cavernas de difícil acesso. Ao falarmos de pinturas e gravuras rupestres na Europa, devemos, sem dúvida, destacar aquelas encontradas na região franco-cantábria, pois, desde sua descoberta, suas análises avançaram muito. Figura 29 – Vestígios da arte pré-histórica encontrados na Europa Ocidental 44 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Lembrete O termo pinturas franco-cantábrias refere-se às pinturas encontradas na França (Dordogne, Lascaux) e ao norte de Espanha (Altamira). Mais uma vez, destaca-se o naturalismo das imagens e a capacidade do homem do Paleolítico de recriar a natureza que o cerca. Geralmente, os bisões são expostos com traços que denotam força e movimento, mas “nas imagens que exibem renas e cavalos, os traços revelam leveza e fragilidade” (PROENÇA, 1995, p. 12). Nas pinturas rupestres franco-cantábricas, como nas demais representações parietais do Paleolítico, algumas peculiaridades comuns são perceptíveis: o naturalismo é uma delas, com as figuras de animais isoladas sem formar cenas. Outra característica se refere às cores usadas, que vai da monocromia a uma policromia. Empregavam o preto, que extraíam do carvão vegetal, e cores como o amarelo e o vermelho, que obtinham de óxidos minerais. Esses pigmentos naturais eram mesclados com gordura animal, e provavelmente eram usados os dedos e pincéis feitos de penas e pelos. Ademais, era comum que os artistas se aproveitassem das reentrâncias e das saliências das paredes para criar as pinturas descobertas, sobretudo nas áreas pouco iluminadas do fundo das cavernas e grutas. Figura 30 – Detalhe de cavalo da gruta de Lascaux As famosas grutas de Altamira exibem pinturas do período aurignaciano e magdaleniano. Provavelmente, os artistas dessa gruta aplicaram inúmeras técnicas para os seus desenhos, sendo comum a sobreposição ou a presença de figuras inacabadas. Acredita-se que muitos “pintores”, inicialmente com o auxílio de uma pedra afiada, gravavam sobre a parede da gruta a figura que desejavam. A seguir, contornavam o desenho com carvão e o coloriam com os pigmentos nas cores vermelho, ocre e marrom, obtidos a partir do óxido de ferro. A temática mais frequente nas pinturas de Altamira é o bisão. Ele aparece em variadas posições: em repouso ou em movimento, com a cabeça voltada para o lado, mugindo e em outras posturas. 45 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Outros animais ainda chamam a atenção por seu realismo, por exemplo, os cavalos, os cervos e os mamutes. Seu conjunto de pinturas é muito impressionante, conferindo-lhe o título de “Capela Sistina da arte quaternária”. Saiba mais Para saber mais, acesse o site do Museu de Altamira: <www. museodealtamira.mcu.es>. Acesso em: 13 fev. 2016. Outra gruta que também impressiona pelas figuras representadas é Lascaux. As pinturas dessa gruta demonstram diversas técnicas: desde as figuras monocromáticas, passando pelas bicromáticas, em que se destacam as combinações de amarelo e preto, vermelho e preto; há, ainda, as policromáticas, com destaque para o vermelho, amarelo e preto. Figura 31 – Gruta de Lascaux A gruta de Lascaux, no sul da França, foi descoberta em 1940 por Marcel Ravidat, que passeava uma tarde com seu cachorro pelos arredores. Como não conseguiu entrar imediatamente, voltou dias depois acompanhado por amigos e, juntos, finalmente entraram na cova. Qual não foi a surpresa dos rapazes quando, avançando pela gruta, chegaram a uma galeria estreita e, ao levantarem a lanterna, viram que o teto estava cheio de representações de cavalos e touros. Deslumbrados, notificaram um professor aposentado da região, que, por sua vez, entrou em contato com o abade Henri Breuil, uma das maiores autoridades em arte paleolítica da época. Henri Breuil, ao iniciar seus estudos de Lascaux, chamou-a de “Altamira francesa”. Acreditava que as pinturas e gravuras parietais identificadas na gruta fossem do período aurignaciano, mas as pesquisas posteriores comprovaram que eram do fim do Paleolítico Superior, ou seja, do Período Magdaleniano. 46 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I A temática comum é a presença de animais com uma grande frequência de cavalos, touros e bisões. Uma das primeiras cenas de caça na qual já aparece a intenção de configurar uma composição envolve um bisão, que, ferido por um lança, encontra-se frente a: [...] um homem com cabeça de pássaro [que] situa-se com braços estendidos, não se sabe bem se exultante pela ação ou derrubado pelo animal, embora não seja visível no seu corpo nenhuma ferida. Com seu braço esquerdo aponta para um pássaro que aparece sobre um pau e que vem reforçar o caráter mágico da representação. É de se realçar o caráter esquemático da figura humana, em contraposição com a veracidade do animal, cujas crinas se representam mediante traços paralelos (LOPERA, 1995, p. 23). Figura 32 – Gruta de Lascaux, França Ao sul da França, localiza-se a Gruta de Niaux, uma das mais famosas do mundo. As pinturas, pertencentes ao Período Magdaleniano, destacam-se por sua policromia e pelo uso do carvão e óxido de ferro. A temática das representações são animais como cavalos, cabras, bisões e cervos. Em Niaux, existe uma grande sala circular subterrânea chamada de Salão Negro. Lá a arte parietal se caracteriza pela presença de figuras delineadas em negro e policromáticas. Uma delas retrata um bisão ferido por flechas, com os traços negros delineados com grande efeito realista. Figura 33 – Bisão ferido por flechas, Niaux, sul da França 47 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Apesar de diversas grutas com arte parietal terem sido encontradas na região francesa de Ardèche desde o século XIX, elas não despertaram o mesmo interesse que aquelas da região franco-cantábrica. Contudo, isso mudou quando, em 1994, três amigos descobriram uma gruta que recebeu o nome de Chauvet. O nome Chauvet foi uma homenagem a uma das descobridoras da gruta, Jean-Marie Chauvet. Junto de seus amigos Éliette Brunel e Christian Hillaire, espeleólogos amadores, resolveram explorar as cavernas do círculo d’Estre, na região do rio Ardèche. Em expedições anteriores, acharam uma cavidade pequena com uma corrente de ar. Dessa vez, decidiram verificar se era ou não a entrada de uma gruta. Quando finalmente o grupo entrou na gruta e realizou uma inspeção prévia, ficou óbvio para todos que aquele lugar provavelmente servira de abrigo para homens pré-históricos. Entretanto, a grande emoção só ocorreu quando pensavam em sair da gruta, pois uma das pessoas do grupo iluminou as paredes e eles puderam visualizar as pinturas e gravuras rupestres de extremo realismo. Logo que as autoridades francesas foram notificadas e os primeiros pesquisadores, como o pré-historiador Jean Clottes, chegaram à gruta para analisar a datação e autenticidade das figuras, o sítio foi fechado para o público. Isso ocorreu devido a uma preocupação por parte dos envolvidos com a conservação do local, pois pretendiam evitar danos com os ocorridos com algumas das pinturas encontradas em Lascaux e Altamira, que sofreram com agressões bioquímicas, por exemplo, a presença do gás carbônico, relacionadascom o intenso tráfego humano decorrente do turismo. Além de ser o último descobrimento em relação a sítios de arte rupestre, o que mais ocasionou o repentino interesse dos pesquisadores pela gruta? As datações iniciais com carbono 14, que comprovaram que as pinturas e gravuras não eram do período áureo da arte rupestre – como se pensava pelas análises interpretativas, ou seja, não eram do fim do Paleolítico Superior, mas sim dos primórdios dessa arte, durante o Período Aurignaciano. As datações a partir dos carvões vegetais das pinturas e resíduos de tochas da gruta comprovaram que o local foi ocupado em dois momentos pelos homens do Paleolítico. A primeira invasão teria ocorrido em torno de 32.000 a.C. a 29.000 a. C. A segunda, por sua vez, seria entre 27.000 a. C. a 24.500 a.C. Essas ocupações englobariam então os períodos aurignaciano e gravetiano. Apesar dessa datação com o carbono 14, a discussão sobre a antiguidade desse sítio continuou, e só foi resolvida em 2012, quando as pesquisas geológicas comprovaram que a entrada da gruta teria sido vedada por um terremoto há mais de 21 mil anos. A arte rupestre da gruta de Chauvet é, atualmente, a representação humana mais antiga da Europa. Esse status permanece, pelo menos, até que se faça uma nova datação radiativa da arte parietal da gruta de El Castillo, na Espanha, à qual se tem atribuído, inicialmente, uma idade de 40 mil anos. 48 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Lembrete Não podemos esquecer que o estudo da Pré-História baseia-se, principalmente, em hipóteses que podem sofrer alterações de acordo com novas pesquisas. Assim, toda temática desse período histórico é aberta ao debate. Afinal, por que tanta polêmica em torno da datação desse sítio de arte rupestre? Toda essa discussão deve-se ao realismo, à elegância dos traços, ao sombreamento e ao dinamismo das imagens, que levaram os pesquisadores a classificar essa arte rupestre como contemporâneas de Altamira e Lascaux. O dinamismo e realismo dos retratos são tão surpreendentes, que podemos imaginar a cena de criação dessa arte: o artista paleolítico, com a ajuda de tochas para iluminar seu caminho, adentra-se na gruta. Então, ao obter o espaço ideal, pinta e grava animais de seu cotidiano. A possibilidade de que a gruta seja local de hibernação de ursos durante o inverno não desanima, ao contrário, parece ser fonte de inspiração, como indica a figura do urso desenhado na parede da gruta. O artista de Chauvet lidava com o movimento e a perspectiva. Aproveitava-se das saliências e reentrâncias das paredes para conseguir o volume e desenhar a musculatura das figuras, recriando o movimento e a ação. Na pintura, os materiais mais usados eram o carvão, a argila vermelha e outros pigmentos minerais, sendo as cores mais comuns o preto, o vermelho e o amarelo. Uma técnica aplicada nesse local era a raspagem da superfície parietal – até surgir uma camada mineral branca. Nela, os gravadores talhavam com pedras as figuras por eles escolhidas ou alguns pintores realizavam seus desenhos. Muitas figuras eram diretamente esboçadas nas paredes com carvão vegetal sem a raspagem prévia. Havia uma variedade de animais desenhados, por exemplo, os mamutes, os cavalos, os rinocerontes, os leões, os cervos gigantes (megáceros), os ursos e até mesmo expressões únicas no mundo como panteras e corujas. Outra temática identificada foi a representação de mãos, sobretudo as que usavam a técnica de passar tinta na parede e depois apoiar as mãos, deixando uma impressão. Além de questionar a hipótese do avanço linear no processo artístico, outra dúvida que se estabelece se refere ao debate antropológico: esses artistas teriam sido neandertais ou Cro-Magnons? Ambos habitavam a região no primeiro período de ocupação da gruta. A tendência entre os pesquisadores é defender que essa produção foi levada a cabo pelo homem do Cro-Magnon. Além disso, defende-se a ideia de que esses homens da cultura aurignaciana foram os responsáveis pelo desenvolvimento das técnicas. 49 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Saiba mais Para saber outras informações sobre Chauvet, leia: FEIX, D. Cineasta Werner Herzog usa 3D para investigar arte pré-histórica. Zero Hora, Porto Alegre, 27 fev. 2013. Disponível em: <http://zerohora.clicrbs. com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/noticia/2013/02/cineasta- werner-herzog-usa-3d-para-investigar-arte-pre-historica-4057953. html>. Acesso em: 11 fev. 2016. Figura 34 – Gravuras rupestres E no Neolítico, com todas as mudanças que ocorreram, a arte continuava igual à do Paleolítico? A pintura do Neolítico é marcada por representações estilizadas ou simbólicas, ao contrário do naturalismo do Paleolítico. A figura humana aparece mais amiúde e se retratam cenas de caça e de dança. Essas pinturas são predominantemente monocromáticas, com ascensão do vermelho, mas também há algumas em preto e branco. No início, faziam o contorno do desenho e depois o preenchiam por completo. Outra característica é que essas pinturas foram realizadas ao ar livre, em abrigos rochosos, ao contrário das pinturas e gravuras do Paleolítico. Mas, não foi apenas a maneira de desenhar e pintar que sofreu modificações. Os próprios temas da arte mudaram: começaram as representações da vida coletiva. Como as pessoas passaram a ser representadas em suas atividades cotidianas, um novo problema se colocou para o artista: dar ideia de movimento através da imagem fixa [...]. E o artista do Neolítico conseguiu isso de maneira eficiente, como se pode notar nas pinturas de cenas de danças coletivas, possivelmente ligadas ao trabalho de plantio e de colheita. 50 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I A preocupação com o movimento fez com que os artistas criassem figuras leves, ágeis, pequenas e de pouca cor. Com o tempo, essas figuras foram se reduzindo a traços e linhas muito simples, que comunicavam algo para quem as via. Desses desenhos surge, portanto, a primeira forma de escrita, a escrita pictográfica, que consiste em representar seres e ideias pelo desenho (PROENÇA, 1995, p. 14). Na região chamada de Levantino Espanhol, que engloba lugares como Valência, Castellón, Alicante, Teruel, Lérida e Barcelona, entre outros, existe uma expressiva representação de arte rupestre que data do final do Paleolítico ao Neolítico. Assim, a arte rupestre dessa região exibe as principais características da pintura neolítica citadas anteriormente. Os retratos levantinos esquematizam a figura a tal ponto que podem ser reduzidos a ideogramas. Muitas vezes o ser humano é expresso com traços que aludem à cabeça, tronco e extremidades. Mas não há uma norma que tenha validade universal para explicar a arte esquemática: em cada cova ou em cada abrigo há soluções diferentes, o que não impede estabelecer nexos ou círculos artísticos. Os paralelismos podem ser fixados no campo da cor [...], nos recursos utilizados para sintetizar as figuras, no ritmo das composições [...]. As pinturas neolíticas estão já muito perto dos esquemas, [tanto] que deram vida às primeiras formas de escritura de algumas culturas (LOPERA, 1995, p. 26). Figura 35 – Pintura estilizada 51 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Figura 36 – Ideia de movimento por meio da imagem fixa Assim, o caminho da arte rupestre é longo: vai do naturalismo e de uma representação da realidade até as figuras esquemáticasquase abstratas, antecipando nossa tendência contemporânea ao abstracionismo. Saiba mais Na atualidade, é comum um paralelo entre arte rupestre e grafite (tipo de pintura mural). Para saber um pouco mais sobre essa arte contemporânea comum em grandes metrópoles, acesse: <www.graffitisaopaulo.com.br>. Exemplo de Aplicação Escolha uma imagem de arte rupestre do Paleolítico e uma do Neolítico. Compare-as e descreva as características presentes em cada uma. 4 A ARTE E A HISTÓRIA: A IMAGEM COMO DOCUMENTO HISTÓRICO Após a Segunda Guerra Mundial, os historiadores, motivados por todo o contexto vivido durante as guerras mundiais, passaram a refletir sobre a sua prática, o seu campo de saber e sobre a sua própria história. Nesse sentido, a Escola dos Annales teve um papel fundamental: Baseada nas críticas formuladas desde a aurora do século XX, o movimento dos Annales vem com o objetivo de revolucionar o trabalho e o universo científico do historiador. Será dessas críticas que a escola dos Annales 52 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I extrairá seu caráter inovador, da história-problema à promoção de pesquisas coletivas (DOSSE, 2003, p. 48). Dentro dessas discussões, que são crises de crescimento, como afirmam Jean Boutier e Dominique Julia (1998), a partir da década de 1980, ocorreu uma intensificação da discussão sobre a problematização e o campo de análise histórica. Para esses autores, essa multiplicação dos olhares do historiador é a fórmula do sucesso atual da História e, mesmo a História estando “dividida”, com novos focos, o historiador vê crescer o seu campo de estudo e suas formas de vislumbrar o passado. Entre as novas possibilidades apresentadas por esses dois pesquisadores, encontra-se a micro-história italiana, famosa no Brasil devido à grande popularidade de Carlo Ginzburg, um dos principais utilizadores da metodologia e autor de obras como O queijo e os Vermes e Indagações sobre Piero. A micro-história: Trata-se, essencialmente, de um deslocamento de foco da objetiva que aumenta o número e o tipo de dados possíveis, de fazer emergir outras configurações onde aparecem, em toda a sua complexidade, concretamente, as relações sociais e as estratégias individuais e coletivas: considerar as condutas pessoais e os destinos familiares permite, melhor que agregados estatísticos, compreenderem-se as racionalidades específicas que informam os comportamentos de tal ou tal categoria social, muitas vezes nos interstícios de sistemas normativos cuja coerência inexiste (BOUTIER; JULIA, 1998, p. 47-8). Essa escola traz consigo uma discussão sobre o novo uso da documentação histórica e de se acrescentar o uso de novas fontes nas análises históricas. Um dos primeiros trabalhos de Ginzburg com a micro-história foi um tratado sobre o pintor italiano Piero della Francesca, intitulado Indagações sobre Piero: Nesse livro, Ginzburg praticou o método historiográfico que se viu montado até agora. Desenvolveu uma hipótese de pesquisa baseada na tentativa de fazer convergir dados biográficos, estilísticos, iconográficos e sobre a clientela, pesando a contribuição de cada um desses dados no fornecimento de pistas mais seguras para a interpretação histórica das obras de arte (PITTA, 2007, p. 139). Jacques Le Goff (1990, p. 541), em seu livro História e Memória, afirma que existe uma verdadeira revolução documental, pois o interesse da memória coletiva e da história já não se cristaliza exclusivamente sobre os grandes homens, os acontecimentos, a história que avança depressa, a história política, diplomática, militar. Interessa-se 53 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE por todos os homens, suscita uma nova hierarquia mais ou menos implícita dos documentos. Assim, a partir de toda discussão historiográfica, para o historiador atual existe um leque de diferentes fontes históricas. Com esse processo de reflexão iniciado pela falência dos modelos prontos, destacam-se inúmeras possibilidades e as imagens figuram entre elas. Se nos basearmos no dito popular “uma imagem vale mais que mil palavras”, somente aí já teremos temas para pesquisa por muito tempo. Portanto, cada imagem pode ser interpretada de uma maneira diferente, utilizando diversos pressupostos, com o objetivo de elucidar sua recepção na sociedade e analisando as conexões entre o contexto e a imagem, avaliando, assim, tanto as representações que evocam como o universo artístico que as rodeia. Apesar da tendência atual de os historiadores buscarem diversificar seu objeto de estudo, no qual as imagens possibilitam essa busca do novo, Peter Burke ressalta essa atitude, dizendo-nos que é necessário alertar os historiadores para os perigos de se trabalhar com uma evidência visual. São dois os obstáculos mais comuns que o historiador deve enfrentar ao trabalhar com uma imagem: o criador pode estar vivo ou não, e, além disso, os artistas não fazem suas obras para que possam ser testemunhas oculares do passado. É importante que o pesquisador tenha a clareza de que, como todas as pessoas, os artistas também possuem um ponto de vista sobre o mundo em que vivem e trabalham. Nesse contexto, o historiador precisa ter consciência de que essas influências sofridas pelo artista na elaboração de sua obra podem inferir na análise histórica, evitando equívocos. Não podemos esquecer que as imagens herdam de seus criadores sentidos e significados. Em seu livro História e Imagem, Eduardo França Paiva aponta para os problemas de se trabalhar com fontes visuais criadas por pessoas que, além da técnica, possuem inspirações e anseios, condutas e ideologias. A iconografia é certamente uma das fontes mais ricas, que traz embutidas as escolhas do produtor e todo o contexto qual foi concebida, idealizada, forjada ou inventada. Nesse aspecto, ela é uma fonte [...] e, assim como as demais, tem de ser explorada com muito cuidado (PAIVA, 2002, p. 17). Apesar de toda a discussão historiográfica em torno das imagens e sua ascensão ao status de fonte histórica durante muito tempo as imagens foram desconsideradas pelos historiadores e analisadas apenas no campo da arte. Dessa forma, muitas das discussões do mundo da Arte foram trazidas para a História e, como exemplo, temos o campo da representação. Essa interdisciplinaridade possibilita o crescimento da História como disciplina e do historiador como profissional. Nesse contexto, as imagens auxiliam, e muito, no processo do estudo do passado. 54 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I Enfim, já não as tomamos como simples “ilustrações”, “figuras”, “gravuras” e “desenhos”, que servem para deixar o texto mais colorido, menos pesado e mais chamativo para o pequeno leitor ou mesmo para o adulto. A iconografia é tomada agora como registro histórico realizado por meio de ícones, de imagens pintadas, desenhadas, impressas ou imaginadas e, ainda, esculpidas, modeladas, talhadas, gravadas em material fotográfico e cinematográfico. São registros com os quais os historiadores e os professores de História devem estabelecer um diálogo contínuo. É preciso saber indagá-los e deles escutar as respostas (PAIVA, 2002, p. 17). Embora as imagens promovam um crescimento no campo documental, é preciso ressaltar que muitos historiadores usam-nas apenas como meras ilustrações do tema que estão pesquisando, evitando empregá-las como fontes primárias. Muitas vezes, quando as colocam no lugar de destaque da pesquisa, cometem erros de análise, simplesmente não as compreendendo ou captando somenteo óbvio do conteúdo que as imagens possuem. Para Roland Barthes, as imagens são portadoras: de uma dupla mensagem: uma codificada (conotação), que remete a um determinado saber cultural e seus significados, e outra não codificada (denotação), cujo caráter analógico pressupõe a capacidade da imagem de reproduzir o real. Como uma imagem é capaz de provocar uma cadeia flutuante de significados entre a linguagem literal denotada e a linguagem simbólica conotada, o conteúdo relativo desses dois elementos varia conforme o tipo de iconografia que estamos analisando. Por exemplo, na obra de arte (um quadro a óleo, uma aquarela, um afresco, [...] etc.), o valor simbólico é sempre o mais forte, uma vez que não há pintura ou desenho sem um estilo próprio do autor (BARTHES apud FELDMAN-BIANCO, 1998, p. 78). A partir dessa afirmação, vemos que não é simples deduzir a mensagem que uma obra artística pode nos transmitir. Nesse sentido, temos a emblemática frase de Picasso ([s.d.]), que diz: “Eu não pinto a guerra porque não sou do tipo de pintor que [...] vai em busca de um tema. Mas, sem dúvida a guerra existe nos meus quadros”. Com isso, fica claro que um evento marcante como a guerra influencia o trabalho do artista mesmo quando este não é sua temática central. Assim, o profissional de história precisa “levar em conta a historicidade de cada pintura (seus múltiplos vínculos com um universo de experiências sociais, incluindo a intervenção ativa da pintura nesse contexto como experiência específica)” (SILVA, 2000, p. 253). Para interpretá-la de forma ampla e, consequentemente, conhecer sua história, é preciso estabelecer um diálogo direto com a fonte. Boutier e Julia complementam, destacando que: 55 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Não pode haver história senão erudita; a coleta metódica dos dados repousa sobre o recurso, [...] a qualidade da produção histórica depende do questionário elaborado pelo historiador; a validade das respostas obtidas remete, para além dos procedimentos empregado, à pertinência da documentação mobilizada em relação às questões propostas (BOUTIER; JULIA, 1998, p. 37-8). Lembrando que o que faz da História uma ciência é o seu compromisso com o real, não o absoluto, mas sim o mais possível e provável sobre um evento que possa ter ocorrido, Hobsbawm, em sua obra Sobre História (1998, p. 8), destaca: Defendo vigorosamente a opinião de que aquilo que os historiadores investigam é real. O ponto do qual os historiadores devem partir, por mais longe dele que possam chegar, é a distinção fundamental e, para eles, absolutamente central, entre fato comprovável e ficção, entre declarações históricas baseadas em evidências e sujeitas à evidenciação e aquelas que não o são. Contudo, o real e a busca pela por compreensão dos fatos podem trazer o passado para os nossos dias, trazer os ecos de uma vida que passou. Segundo uma das teses sobre a História escrita por Walter Benjamin; A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido. “A verdade nunca nos escapará” – essa frase de Gottfried Keller caracteriza o ponto exato em que o historicismo se separa do materialismo histórico. Pois irrecuperável é cada imagem do presente que se dirige ao presente, sem que esse presente se sinta visado por ela (BENJAMIN, 1994, p. 224). Para esse autor, o passado só se faz presente como imagem, e a imagem, como inferimos, é portadora de várias mensagens e de várias influências. Assim como ela, o passado se projeta aos nossos dias com diversas interpretações possíveis, e é por meio dessa imagem do que já passou que vamos buscar descobrir a realidade vivida. Para atingir tal objetivo, devemos aplicar as metodologias de utilização da imagem no estudo da História. Peter Burke no seu livro Testemunha Ocular: história e imagem, discute a possibilidade e as alternativas do uso de imagens na pesquisa histórica, apresentando algumas formas de estabelecer uma conversa com as fontes visuais: uma delas é o chamado método iconográfico ou iconológico. Segundo Burke (2004 p. 44-5) o método iconográfico surgiu na escola de Warburg, que ficava na cidade de Hamburgo, antes da ascensão de Hitler (1920-1930) e tem entre seus maiores defensores “Aby Warburg (1866-1929), Fritz Saxl (1890-1948), Erwin Panofsky (1892-1968), e Edgar Wind (1900-1971)”. Esse método está dividido em três níveis. Para ser utilizado de forma eficaz, o conhecimento sobre a cultura onde a imagem foi produzida é fundamental. 56 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I O primeiro desses níveis era a descrição pré-iconográfica, voltada para o “significado natural”, consistindo na identificação de objetos (tais como árvores, prédios, animais e pessoas) e eventos (refeições, batalhas, procissões, etc.). O segundo nível era a análise iconográfica no sentido estrito, voltado para o “significado convencional” (reconhecer uma ceia como a Última Ceia ou uma batalha como a Batalha de Waterloo). O terceiro e principal nível era o da interpretação iconológica, e distinguia-se da iconografia pelo fato de se voltar para o “significado intrínseco”, em outras palavras, “os princípios subjacentes que revelam a atitude básica de uma nação, um período, uma classe, uma crença religiosa ou filosófica”. É nesse nível que as imagens oferecem evidência útil, de fato indispensável, para os historiadores culturais (BURKE, 2004, p. 44). Entretanto, esse método não é infalível, uma vez que ele não se interessa pelo contexto social, não se preocupa em saber qual a finalidade da obra foi feita, menos ainda com a sua aplicação; o método generaliza a situação europeia quanto a um todo, possibilitando anacronismos e falhando em imagens que não possuem alegorias pictóricas. Mesmo assim, apesar de todas essas deficiências, Burke (2004, p. 45) afirma que os estudiosos de História devem utilizar a “iconografia, porém, devem ir além dela. É necessário que eles pratiquem a iconologia de uma forma mais sistemática, o que pode incluir o uso da psicanálise, do estruturalismo e, [...] da teoria da recepção”, este último, juntamente com as análises feministas, faz parte da História Social da Arte. O método psicanalítico proporciona uma análise à luz da teoria freudiana. Segundo alguns pesquisadores da área, Freud deixou em seus últimos escritos sobre a interpretação dos sonhos pistas de como analisar imagens. Essa teoria traz, sobretudo, o inconsciente como produtor. Evidencia também a ligação dos traumas infantis com o processo de criação. O método estruturalista e pós-estruturalista procura estudar a semiologia do quadro. Semiologia ou semiótica é o que podemos chamar de sistema de signos, ou seja, é a interpretação do significado de cada imagem. Para esses pesquisadores, a imagem pertence a um todo maior e ela é feita de vários signos. Então, todos os signos juntos formam a linguagem pela qual se comunicará a imagem. De acordo com o autor, dentro da História Social da Arte, temos, dentre outros, o enfoque feminista e a teoria da recepção. A História Social da Arte, diferentemente do método iconográfico, do psicanalítico e dos estruturalistas, ressalta a ação do contexto social sobre o homem e a mulher. Esse contexto social influenciaria os artistas nas suas composições, e a conjuntura política, social e cultural age diretamente sobre as produções imagéticas. A teoria feminista busca analisar questões relacionadas com estudos de gênero, tanto do artista e do comprador, quanto do financiador etc., trazendo à tona um debate sobre as relações entre o machismoe a produção cultural, buscando analisar o olhar advindo dessa cultura nas composições artísticas. Por sua vez, a teoria da recepção desloca a análise do artista e de sua obra para o público e a relação deste com a obra. Com isso, o efeito da sociedade na imagem é substituído pelo efeito que a imagem causou na sociedade. 57 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Burke, por fim, argumenta o seguinte: quando as imagens são empregadas na pesquisa histórica, enriquecem e acrescentam muito a análise dos estudos do passado, e que diversas linhas de pesquisa podem utilizá-las delas para compreender melhor como são essas relações entre o objeto de estudo e o tempo. Destaca que, respeitando alguns pontos principais, os historiadores podem recorrer às imagens como excelentes objetos de estudo e fontes de pesquisas. 1. As imagens dão acesso não ao mundo social diretamente, mas sim a visões contemporâneas daquele mundo. [...] Os historiadores não podem dar-se ao luxo de esquecer as tendências opostas dos produtores de imagens para idealizar e satirizar o mundo que o representam. Eles são confrontados com o problema de distinguir entre representações do típico e imagens do excêntrico. 2. O testemunho das imagens necessita ser colocado no “contexto” [...], incluindo as convenções artísticas para representar as crenças (por exemplo) em um determinado lugar e tempo, bem como os interesses do artista e do patrocinador original ou do cliente, e a pretendida função da imagem. 3. Uma série de imagens oferece testemunho mais confiável do que imagens individuais. 4. No caso de imagens, como no caso dos textos, o historiador necessita ler nas entrelinhas, observando os detalhes pequenos, mas significativos – incluindo ausências significativas – usando-os como pistas para informações que os produtores de imagens não sabiam que eles sabiam, ou para suposições que eles não estavam conscientes de possuir (BURKE, 2004, p. 44). Inserido nessa discussão sobre as possibilidades e as dificuldades de se narrar a História a partir das imagens, encontramos o trabalho do historiador Paulo Knauss. O autor defende a importância que as imagens tiveram no desenvolvimento histórico da humanidade, como o surgimento da escrita e dos primeiros vestígios da civilização que chegam até a atualidade por meio da arqueologia e dos desenhos feitos pelas civilizações antigas nas cavernas. Segundo o autor, “a visão vem antes das palavras”, por isso as imagens nos transmitem muito mais informações do que os textos escritos, demonstrando, com isso, o seu poder inerente. Dessa forma, é fundamental para a História entender o processo histórico por meio da aplicação das imagens. De acordo com Knauss, nos anos 1990, institucionalizou-se nos Estados Unidos da América (EUA) uma teoria interdisciplinar que utiliza as imagens para estudar os acontecimentos políticos/sociais/culturais da sociedade, seja ela antiga, ou contemporânea. As escolas que aderiram a esses estudos analisam o que chamamos de cultura visual. É preciso, portanto, considerar duas perspectivas gerais na definição de cultura visual: [...] a primeira entende a cultura visual de modo restrito, na 58 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I medida em que ela corresponde à cultura ocidental, marcada pela hegemonia do pensamento científico [...] ou na medida em que a cultura visual traduz, especificamente, a cultura dos tempos recentes marcados pela imagem virtual e digital, sob o domínio da tecnologia [...]; a segunda perspectiva, que abarca diversos autores, considera que a cultura visual serve para pensar diferentes experiências visuais ao longo da história em diversos tempos e sociedades (KNAUSS, 2006, p. 110). A análise dessa cultura visual abandona o debate sobre a problemática de ser ou não arte, facilitando aos estudiosos o uso das imagens como produtos provenientes de um determinado contexto histórico, que trazem intrinsecamente alguns sinais da época de sua produção, que, para o historiador, é um tesouro a ser analisado e serve para ajudar a explicitar algumas nuances do passado que ainda estão escondidas sobre as tintas dos quadros. Com isso, existe uma tendência de dessacralizar o conceito de Arte e o estatuto artístico. A História como disciplina tem um encontro marcado com as fontes visuais. Esse certamente pode ser um caminho para rever a própria memória disciplinar e, ao mesmo tempo, revalorizar sua própria tradição erudita, ultrapassando as fronteiras do conhecimento estabelecidas. Nesse encontro há um laço a ser fortalecido entre a história da imagem e a história da arte para definir que o conceito de arte é histórico. O olhar sobre a história é capaz de deixar isso claro, mesmo que nossa experiência diante do fato artístico nos conduza a valores extemporâneos (KNAUSS, 2006, p. 115). A imagem como ponto de partida para muitas outras reflexões independe de todos os conhecimentos que a História da Arte possa conter, mas, ao mesmo tempo, tais saberes tornam o trabalho dos historiadores muito mais completo. A partir das décadas finais do século XX, cresceu o número de adeptos do uso das imagens na História, empregando-as para a análise das representações, das permanências e das ausências. Esses retratos da realidade visual servem para que a narrativa histórica tenha um enfoque o mais crítico possível. “De fato, a análise por si só não justifica, tampouco tem interesse. Deve servir a um projeto, é este que vai dar a sua orientação, assim como permitirá elaborar a sua metodologia” (JOLY, 1996, p. 49). É preciso ressaltar que, assim como os documentos escritos, as imagens possuem o seu criador, e, como todos, esse autor também tem suas crenças e seus ideais. Então, a sua produção não possui uma imparcialidade uma vez que somos influenciados e inspirados pelo meio em que vivemos. Apesar da urgência em utilizar as imagens no estudo da História, referenciados por muitos historiadores, ainda são muito poucos os trabalhos que utilizam imagens não somente como fonte, mas como propósito, como problema. A dificuldade em dar conta da especificidade visual da imagem faz com que, muitas vezes, ela seja convertida em tema e tratada como fornecedora de 59 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE informação redutível a um conteúdo verbal. Ou então, considerada como ponte inerte entre as mentes de seus produtores e os observadores, ou mesmo, no geral, entre práticas e representações (MENESES, 2005, p. 40). A imagem é mais que isso. Ela não se encerra em si, faz parte de todo um conjunto de práticas culturais, de uma sociedade complexa na qual as relações modificam-se diariamente. Assim, as imagens não comunicam nada por si só, cabendo ao historiador buscar compreender a obra, levando em consideração o universo no qual ela foi produzida. A primeira decorrência dessa postura é que trabalhar historicamente com imagens obriga, por óbvio, a percorrer o ciclo completo de sua produção, circulação e consumo, a que agora cumpre acrescentar a ação. As imagens não têm sentido em si imanente. Elas contam apenas – já que não passam de artefatos, coisas materiais ou empíricas – com atributos físico-químicos intrínsecos. É a interação social que produz sentidos, mobilizando diferencialmente (no tempo, no espaço, nos lugares e circunstâncias sociais, nos agentes que intervêm) determinados atributos para dar existência social (sensorial) a sentidos e valores e fazê-los atuar. Daí não se poder limitar a tarefa à procura do sentido essencial de umaimagem ou de seus sentidos originais, subordinados às motivações subjetivas do autor, e assim por diante. É necessário tomar a imagem como um enunciado, que só se aprende na fala, em situação. Daí também a importância de retraçar a biografia, a carreira, a trajetória das imagens (MENESES, 2003, p. 28). Ao investigarmos esses indícios do real que permeiam o mundo das imagens, além de nos preocuparmos com o “ponto de vista”, é urgente avaliarmos a técnica empregada e os símbolos que vagam entre o que vemos e entendemos e o que não distinguimos entre real e simbólico. Maria Sylvia Porto Alegre (1998, p. 75) utiliza na epígrafe de seu artigo a seguinte citação de Roland Barthes, “Graças ao que, na imagem, é puramente imagem (e que, na verdade, é muito pouca coisa), podemos passar sem as palavras e continuarmos a nos entender”. Dessa forma, é possível afirmar que as imagens, além de serem compostas do real, possuem um conjunto de práticas culturais, simbólicas, que possibilitam o entendimento do implícito. Resumo Na sua origem latina, a Arte está ligada ao processo de produção, à habilidade técnica. Pode, também, ser concebida como um processo de interpretação do mundo. É difícil definir o conceito de Arte, pois cada período histórico possui diferentes formas de expressão artísticas e culturais. Contudo, é consenso entre os pesquisadores que todos os grupos humanos, desde a Pré-História, produziram algo a que se pode chamar arte. Há unanimidade, ainda, na seguinte questão: ao 60 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I analisar uma obra de arte, podemos reconstruir um momento histórico (roupas, costumes, crenças) sob o ponto de vista daquele que a produziu, sendo a arte fundamental para se compreender a história da humanidade. Vimos que o crítico de arte é um elemento importante no processo de definição de arte, pois é ele quem julga, qualifica e dá a determinados objetos o status de “artístico”. Para termos arte, é necessária a presença do artista, da obra e do observador, sendo que todos esses elementos estão inseridos numa realidade específica e em um determinado mundo. Esse mundo é dotado de um conjunto de significados que se inter-relacionam. Destacamos, nesta unidade, que datar o aparecimento dos primeiros artistas é tarefa extremamente difícil. Somente por volta de 3000 a.C. temos os registros mais antigos das pinturas encontradas nas cavernas. Tais retratos devem ter sido precedidos por inúmeras outras obras que não resistiram à ação do tempo. Podemos apontar que a arte tem o papel de ver e interpretar o mundo e o indivíduo. Dentre as funções atribuídas à obra de arte, devemos considerar a cognição, a percepção, a sensibilidade e o simbolismo. Graça Proença ainda atribui três funções à arte: utilitária, valorizada pela sua finalidade; naturalista, ligada à representação do real; e formalista, associada à forma. É importante que o pesquisador tenha a clareza de que, como todas as pessoas, os artistas também possuem um ponto de vista sobre o mundo em que vivem e trabalham. O historiador precisa ter consciência de que essas influências sofridas pelo artista na elaboração de sua obra podem inferir na análise histórica, evitando, com isso, cometer um equívoco histórico em sua análise. Exercícios Questão 1. Leia o texto e as afirmativas a seguir: O que é Arte? Adriano Villa Arte é tudo aquilo que representa uma estética visual ou emocional. A palavra em si tem origem no latim ars e significa habilidade. E a arte nada mais é do que a habilidade 61 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE de expressar nossos sentimentos ou emoções por meio de pinturas, palavras, música, teatro, cinema etc. Para muitos a arte em si é apenas uma forma de entretenimento, contudo, a arte está muito mais enraizada na humanidade do que muitos imaginam. Foi a arte que proporcionou ao homem a criação de artefatos para auxiliá-los na caça ou nos utensílios necessários para sua sobrevivência. Logicamente, com o tempo, esses utensílios foram se aperfeiçoando e perdendo as suas características artísticas por se tornarem comuns. O papel de qualquer expressão da arte é marcar o seu período de existência, pois, em cada trabalho, o artista exprime aquilo que pensa ou imagina sem deixar de captar a realidade na qual está inserido. Por isso muitos historiadores conseguem datar determinadas peças encontradas em escavações, devido às técnicas utilizadas no material encontrado. Contudo, vale lembrar que cada artista, em sua época, influenciou-se pelo movimento vigente em seu tempo, exprimindo, assim, sua obra e suas características. Os movimentos mais importantes de nossa civilização foram: Arte Cristã Primitiva, Arte Egípcia, Arte Romana, Arte Rupestre, Bauhaus, Classicismo, Modernismo, Fauvismo, Maneirismo, Arte Bizantina, Abstracionismo, Arcadismo, Art Nouveau, Arte Gótica e Grega, Cubismo, Neoclassicismo, Neoconcretismo, Parnasianismo, Pop Art, Tropicalismo, Simbolismo, Romantismo, Renascimento, Realismo, Impressionismo, Barroco, Expressionismo, Dadaísmo etc. Além dos movimentos citados, a arte não possui apenas esse meio para se propagar. Ela também utiliza a tecnologia para estender seu alcance e o chamado para novos artistas. Prova disso são os rádios, televisores e, atualmente, a internet. Esse último meio é bem interessante, pois muitos agentes têm assistido a muitos vídeos do YouTube em busca de novas estrelas. Outros meios artísticos são as fotografias, as danças, o cinema, ou seja, toda expressão em que o ser humano deixa extravasar seus sentimentos. A arte sem os artistas seria apenas um quadro negro sem nada escrito. São os artistas, com sua sensibilidade e sentimentos, que preenchem o vazio com sua beleza, seja com sua voz, com sua música, com sua dança, com suas palavras, com suas pinturas que contam muito mais do que simplesmente o período em que viveram. Pela arte é possível estabelecer alguns parâmetros de existência de uma civilização inteira. Prova disso são as obras egípcias, romanas, etruscas etc. Como pode-se ver, a arte é mais importante do que aparenta ser. Ela não permite apenas nossa exposição, mas pode, também, contar àqueles que virão muito do que vivemos, cada um em seu próprio tempo. Adaptado de: Villa (2015). 62 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I I – Uma das funções do texto O que é Arte?, de Adriano Villa, é conceituar a arte, que, em sua origem latina, significa “uma forma de entretenimento”. II – Em seu contato com a arte, o homem, em uma visão histórica, criou os artefatos para auxiliá-lo em sua própria sobrevivência. Desde o início dessa criação – e no decorrer dos tempos –, esses utensílios foram vistos como criação artística. III – A arte existe graças aos artistas que lhe dão voz. Estes, com sensibilidade e sentimentos, preenchem o vazio do “quadro negro sem nada escrito”. É correto o que se afirma em: A) II e III, apenas. B) I e III, apenas. C) I e II, apenas. D) III, apenas. E) II, apenas. Resposta correta: alternativa D. Análise das afirmativas. I – Afirmativa incorreta. Justificativa: a arte, do latim ars, significa “habilidade”. A arte é a habilidade de expressar os nossos sentimentos e as nossas emoções. II – Afirmativa incorreta. Justificativa: com a passagem do tempo, os artefatos criados pelo homem perderam as suas características artísticas. III – Afirmativa correta. Justificativa: os artistas, com suas criações, constroem, concretizam a arte. A arte só existe, portanto, na materialidadecriada pelas mentes criadoras. 63 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE Questão 2. Leia o texto e as afirmações a seguir. Carlo Ginzburg Antonio Gasparetto Junior Carlo Ginzburg formou-se em História e passou a lecionar na Universidade de Bolonha, na Itália. Mas logo o italiano mudou-se para a América, onde passou a lecionar nas universidades de Harvard, Yale, Princeton e Califórnia. Nesta última, Carlo Ginzburg ocupou, durante duas décadas, a cadeira de Renascimento Italiano no Departamento de História. Sua atividade em Los Angeles começou no ano de 1988 e, na metade da primeira década do século XXI, o italiano regressou ao seu país de origem para lecionar cultura europeia na mesma Escola Normal Superior de Pisa onde teve sua formação. Carlo Ginzburg está entre os intelectuais mais notáveis da Itália e seus livros já foram traduzidos para 15 línguas. Estando entre os pioneiros, tornou-se um dos principais nomes da Micro-história, escola historiográfica que reduz a escala de observação e dá notoriedade a fatos relevantes que são ignorados dentro de um contexto construído de forma generalizadora, além de utilizar como recurso documental uma série de fontes que não eram consideradas pela história tradicional. A publicação do livro Os Andarilhos do Bem rendeu a Carlo Ginzburg grande reconhecimento ao analisar crenças religiosas populares no início da Idade Moderna, enfocando-se em uma comunidade camponesa do século XVI e utilizando como fontes processos inquisitoriais. Entretanto o grande sucesso, que o tornou mundialmente conhecido, foi o livro de 1976 chamado O Queijo e os Vermes. Nessa obra, aborda a vida de um camponês italiano, conhecido como Menocchio, que é considerado herege e perseguido pela Inquisição. Além dos já citados, ganham destaque ainda os seguintes livros: História Noturna (1991), Mitos, Emblemas e Sinais (1989) e Olhos de Madeira (2001). Seus textos e a metodologia inovadora de pesquisa baseada no aprofundamento da vida de um indivíduo ou de uma comunidade para revelar detalhes de uma época renderam-lhe vários prêmios, com destaque para o Prêmio Antonio Feltrinelli, em 2005, em razão de sua contribuição para a ciência histórica, e o Prêmio Balzan, em 2010, como personalidade das artes e da cultura. Carlo Ginzburg é membro honorário da Academia Americana de Artes e Ciências e é colaborador de importantes revistas das Ciências Humanas, tais como: Past and Present, Annales e Quaderni Storici. Adaptado de: Gasparetto Junior ([s.d.]). I – A Micro-história rompe com a história tradicional ao utilizar como recurso documental uma série de fontes que esta não considerava. 64 HI ST - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 9/ 03 /2 01 6 Unidade I II – A Micro-história delimita a escala de observação e dá relevância a fatos que, normalmente, são ignorados em um contexto generalizador. III – Na Universidade de Yale, Carlo Ginsburg ocupou a cadeira de Renascimento Italiano no Departamento de História. É correto o que se afirma apenas em: A) II. B) III. C) I e II. D) II e III. E) I e III. Resolução desta questão na plataforma.