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História medieval oriental A2

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HISTÓRIA MEDIEVAL
ORIENTAL
CAPÍTULO 2 - O PERÍODO DAS
MIGRAÇÕES: BÁRBAROS E SELVAGENS
OU OS OUTROS?
André Szczawlinska Muceniecks
INICIAR 
Introdução
Neste capítulo, vamos estudar o chamado “período das migrações”, durante o qual
as fronteiras do Império Romano na Europa foram redefinidas e o continente
sofreu mudanças demográficas duradouras. Quem foram os bárbaros? Afinal, o
uso do termo é correto ou estamos incorrendo em anacronismo e etnocentrismo
ao empregá-lo? Existiu uma “raça” germânica? Você será apresentado a alguns dos
principais problemas conceituais envolvidos na temática, incluindo as questões
terminológicas e as escolas de pensamento arqueológico. Vamos estudar com
maior profundidade as populações de destaque do período das migrações mais
relevantes para a História Medieval da Europa de Leste: os hunos e os godos. Em
seguida, vamos ter um apanhado geral sobre as locações de outras populações
que migraram no período e se assentaram em outras áreas da Europa e da África.
Por fim, você vai acompanhar o processo de conversão dos germânicos para o
Cristianismo Ariano, durante o governo do Imperador Constâncio II, com o envio
do missionário Wulfilas aos godos. Bons estudos!
2.1 O período das migrações: origens,
hábitos, costumes e cultura das
populações nômades
Para este tópico, vamos apresentar questões que devem permear todo o seu
estudo posterior sobre o assunto, incluindo terminologia, fontes primárias e
problemas metodológicos, seguido da discussão referente às teorias de origem e
uma descrição das principais populações envolvidas no período. Então, para
começar, vamos abordar a origem dos povos nômades.  
2.1.1 A historiografia
Antes de tudo, você deve se familiarizar com o uso do termo “bárbaro”, que na
linguagem contemporânea e de senso comum pode ser usado para se referir tanto
a algo admirável, mas, principalmente, a algo de aspecto selvagem, "sem cultura”.
A origem do termo vem do grego e significa, pelo menos desde os tempos de
Heródoto, aqueles que não falavam a língua grega. Assim, temos que βάρβαροι
(barbaroi) corresponde aos “outros”, aqueles que não compartilham dos
pressupostos culturais greco-romanos. É um significado pejorativo usado em
contraposição a “romano”. Você deve ter em mente que “bárbaro” não é sinônimo
de “germânico”, pois os germânicos foram algumas das populações consideradas
bárbaras pelos autores romanos, mas também devemos adicionar as populações
de outros grupos etno-linguísticos. O historiador francês Ferdinand Lot considera
povos bárbaros aqueles que se opõem à esfera romana e seriam de cinco grupos
específicos: germanos, eslavos, escandinavos, árabes/mouros, mongóis e turcos
(GUERRAS, 1987). É uma divisão espelhada em outros autores como Le Goff (2005),
mas que tem algumas restrições. Para este capítulo, vamos estudar os
germânicos/germanos, especialmente os godos e os hunos, possivelmente
originários de grupos turco-mongólicos.
O termo “germânico”, atualmente usado primariamente com significado etno-
linguístico, já foi usado com frequência nos séculos XIX e XX para representar
pensamentos nacionalistas e racistas, procurando defender o conceito da
existência de uma suposta “raça” superior.
Autores como Lot defendem uma origem céltica para o termo (GUERRAS, 1987),
porém a  mais provável é latina, vindo de germen, que significa “origem”,
“princípio”, e também “germe”, “descendência”, “prole”, e até mesmo “raça”
(DICIONÁRIO DE LATIM-PORTUGUÊS, 2001).
No contexto da Europa Oriental do Medievo, os germânicos terão participação
reduzida, já que na área em questão os eslavos tiveram relevância muito maior. Na
Antiguidade Tardia, entretanto, suas migrações, dentre outros, no Leste da Europa,
serão de extrema relevância na reformatação da Europa como um todo.
A historiografia do século XIX empreendeu um esforço tremendo na busca das
Urheimat, as “terras de origem”, de povos específicos, em particular dos
germânicos.  Note que na maioria das vezes, autores de origens diferentes
atribuirão uma Urheimat diferente, dependendo de sua origem étnica. Grandes
áreas da Europa Central já foram objeto de debate entre historiadores buscando
defender a legitimidade de ocupação de territórios por parte de alemães,
franceses e poloneses  usando como argumento os supostos territórios de origem
de germânicos, célticos e eslavos.
VOCÊ SABIA?
A Arqueologia Histórico-Cultural foi uma escola do século XX que associava os vestígios materiais
escavados pelos arqueólogos com grupos étnicos e territórios específicos e, com isso, explicava a
mudança cultural por meio de migrações em vez de evolução e mudança interna. A escola foi
fundamental nas discussões do século XX na busca das Urheimat dos povos europeus e da
legitimização de pretensões territoriais (TRIGGER, 2004).
Atualmente, encara-se com cuidado as explicações de cunho étnico ao se falar de
tribos ou povos germânicos. A tendência acadêmica contemporânea é considerar
a existência de grandes coligações encabeçadas por grupos específicos. Portanto,
nas grandes movimentações de hunos e godos, você deve pensar que, em vez de
povos ou raças definidos, estamos tratando de coligações de caráter multiétnico.
2.1.2 Os autores e as fontes
Ao estudar a história dos povos germânicos e bárbaros, você precisa levar em
consideração um ponto fundamental: diferentemente dos romanos, os povos
bárbaros não deixaram um grande legado de escritos e narrativas. As informações
transmitidas por meio de fontes escritas tradicionais contemporâneas ou
próximas aos eventos foram registradas por autores da esfera cultural romana.
Nos séculos seguintes, por toda a Idade Média e até além, muitos temas do
período foram retransmitidos e reelaborados pelas culturas de línguas
germânicas, como escandinavos e anglo-saxões. Não podemos, portanto, ter um
panorama completo do período das migrações sem recorrer a outras disciplinas,
em particular a Arqueologia, uma vez que as fontes escritas possuem inclinações
muito específicas.
A seguir, vamos conhecer alguns dos principais autores do assunto:
Tácito (ca. 56-117 A.D.): autor do primeiro século do Império Romano,
Tácito será um dos mais influentes de seus historiadores. Na obra De origine
et situ Germanorum (Sobre a origem e situação dos Germânicos), Tácito
apresenta os germânicos como não civilizados, porém nobres, como
espelhos de virtudes romanas idealizadas que os próprios romanos teriam
perdido. Sua descrição dos povos germânicos e vizinhos foi, e ainda é, usada
em conjunto com outras fontes a fim de traçar as fronteiras tribais dos
germânicos antes do período das migrações. Entretanto, sua credibilidade é
muito questionada e muito de seu uso foi de cunho político e ideológico
(MOMIGLIANO, 2004).
Amiano Marcelino (325/333-ca.392-400 A.D.): nascido possivelmente em
Antioquia de Orontes, Amiano referiu-se a si mesmo como um grego
(graecus). Era um pagão tolerante com o Cristianismo que aprovava a fé
cristã, mas reprovava a discórdia entre cristãos arianos e nicenos. Amiano foi
soldado no governo de Constâncio II lutando em campanhas na Gália e na
Pérsia, e na década de 370 residiu em Roma onde escreveria sua obra
histórica, Res Gestae. Em sua obra, a História de Roma de 96 A.D. (Nerva) a 378
A.D. (Adrianópolis), Amiano pretendia dar continuidade à obra de Tácito.
Dela sobraram apenas os livros que contam os eventos ocorridos de 353 a
378 A.D.
Jordanes (séc. VI):  único autor de origem germânica de nossa lista, foi um
burocrata da administração romana na província da Cítia menor. Sua obra
que nos interessa é a Getica ou De origine actibusque Getarum (Sobre as
origens e atos dos Getae), escrita em Constantinopla por volta de 551 A.D.,
que era um sumário da história gótica do godo Cassiodoro (ca.485-585), por
sua vez perdida.
Prisco de Pânio (ca. 410/20-?): acompanhou Teodósio II, de Bizâncio, em
missão diplomática para Átila, o Huno, em 448/9. Sua obra é fragmentária e
influenciou trabalhos subsequentes na história bizantina. Sabe-se que
Prisco escreveu uma História de Bizâncio,em grego, que narrava desde a
unificação dos hunos sob Átila até a subida ao trono do imperador Flávio
Zenão (425-491), dos leônidas. Prisco traz alguns relatos mais íntimos da
vida de Átila e narrativas de sua corte, como uma conversa com um escravo,
banquetes e a morte de Átila na noite do seu casamento.
Procópio de Cesaréia (ca. 500-554): autor da Palestina, acompanhou o
general Belisário durante as guerras do Imperador Justiniano e deixou uma
obra extensa, principalmente de cunho histórico secular, das quais se
destacam Sobre as guerras ou História das guerras, que conta sobre as
guerras travadas por Justiniano contra os persas, vândalos e godos, e
História secreta, também chamada de Anecdota. 
Agora que temos essas informações, vamos ver a seguir os processos envolvidos
na expansão germânica.
2.1.3 A expansão germânica
De posse do conhecimento sobre as discussões metodológica e terminológica,
você já percebeu que situar com certeza e precisão quais são as populações do
período das migrações é tarefa complexa.
As primeiras populações de fala germânica originaram-se de um ramo indo-
europeu no norte da Europa e se consolidaram no primeiro milênio e meio antes
de Cristo na área da atual Dinamarca e do norte da Alemanha. Nos séculos que se
seguiram, estes protogermânicos foram gradualmente se expandindo e suas
divisões internas se consolidando (RAMAT, 1998).
Lembre-se que esse é um processo de séculos, reconstituído principalmente por
meio da Arqueologia e da Linguística. O período das migrações é o momento no
qual os historiadores oferecem contribuições para a compreensão da expansão
germânica. Vamos abordar os três principais ramos germânicos, uma divisão
esquemática e conveniente do ponto de vista linguístico, mas um pouco rígida.
O primeiro ramo é o chamado ocidental do qual se originaram as tribos de anglos
e saxões, que se expandiriam para o norte da Germânia e Ilhas Britânicas. O
segundo é o setentrional que originaria os escandinavos, enquanto que no
terceiro ramo temos o oriental dos quais saíram godos, vândalos e outros povos
da antiguidade. O ultimo ramo, o oriental, está extinto e dos dois primeiros
descendem as populações de fala germânica que habitariam a Europa do medievo
até os dias de hoje (RAMAT, 1998; BUNSE, 1983). 
Os movimentos das tribos góticas e vândalas estão no centro da discussão de
arqueólogos. Segundo ideia citada em Jordanes, os godos vieram da “ilha” de
Scandza, que hoje se pressupõe ser a Escandinávia, e teriam migrado para o sul
Figura 1 - Mapa representa a origem e expansão dos germânicos nos primeiros milênios antes de
Cristo. Fonte: HUTTERER, 1975, p. 45.
Báltico até o Mar Negro, onde teriam contato com os povos das estepes. Esses
germânicos orientais foram identificados pelos arqueólogos como a população
principal da chamada “cultura arqueológica de Wielbark” (CHRISTENSEN, 2002).
SO
mo e a interpretação arqueológica
dos godos para a região do Mar Negro foi debatida sob o ponto de vista do nacionalismo entre alemães e
s também sob o ponto de vista da teoria da arqueologia. Arqueólogos soviéticos procuraram explicar a
ueológica de Cherniakhovski, que habitava as estepes da Ucrânia nos séculos II e III, como sendo os
dos eslavos, enquanto a explicação alemã corrente a associava à cultura de Wielbark - portanto, aos godos
tativa de justificar a expansão alemã para o leste (CHERNYKH, 2000 [1995]).
o de migração é coerente com os pressupostos da arqueologia Histórico-Cultural e apenas nas décadas
a 1970 encontraria oposição. Três hipóteses principais ilustram a discussão teórica sobre migração ou
 e outros grupos migrantes germânicos como heruli e gépidas teriam um papel importante na formação
de Cherniakhovski no século IV (HEATHER, 1998);
ras de Wielbark e Cherniakhovski seriam independentes; a última seria um produto genuinamente local,
s culturas das fronteiras romanas;
do norte do Mar Negro fora zona de interação e contato entre diversos grupos étnicos como sármatas,
cios, além de godos e outros migrantes germânicos do norte, tanto produto da fronteira romana como
o de migrações (KULIKOWSKI, 2007; HALSALL, 2007).
mesmo eventos muito distantes no passado, na Antiguidade e no Medievo, podem ser interpretados de
ente, de acordo com as ideologias e os projetos específicos através dos tempos.
Agora, vamos continuar nosso estudo abordando sobre como os povos
germânicos se organizavam e viviam.
2.1.4 Os germânicos e outros povos bárbaros
Como você acha que eram as características dos germânicos? Como já estudamos,
muito do que se tem de escrito sobre esses povos deriva de descrições de
estrangeiros e não pode ser verificado. De início, é necessário destacar que
germânicos são diferentes dos hunos, os povos nômades do leste. Tácito descreve
os germânicos como guerreiros que não habitavam em cidades, tampouco
toleravam conviver em aglomerações, isolando-se em bosques e florestas ou
pequenas aldeias. Suas casas, isoladas entre si, eram construídas de toras de
madeira e não de alvenaria e eles se vestiam com mantos ou peles (LOUTH, 1979).
De fato, muito do que se produziu sobre os germânicos da antiguidade se baseou
nos escritos de Tácito, incluindo as tentativas de se associar as suas descrições de
tribos com culturas arqueológicas da Europa Central e do Leste. Algumas
descrições de Tácito não foram levadas a sério pela historiografia até a descoberta
de achados arqueológicos, como por exemplo, o “nó suevo”, uma forma de
penteado encontrada em guerreiras germânicas e em corpos preservados em
terrenos pantanosos (MOMIGLIANO, 2004).
Pensadores de outros campos de estudo também procuraram explicar como
viviam e pensavam os antigos germanos. Os teóricos da Ciência da Religião e da
Linguística, por exemplo, buscaram explicar a ideologia dos povos de linguagem
Figura 2 - Mapa com a distribuição dos povos germânicos segundo Tácito e em comparação com os
achados arqueológicos. Fonte: RAMAT, 1998 [1993], p. 384.
indo-europeia de forma tripartite. Os indo-europeus conceberiam o mundo por
meio de três funções: a soberana, mágico-religiosa, a guerreira; e a de produção,
fertilidade e fecundidade.
No campo específico dos germânicos, alguns estudiosos foram além e
argumentam que seu diferencial seria uma primazia dada à segunda função, a
guerreira, explicação que foi usada de forma perigosa para justificar
desenvolvimentos durante a Alemanha nazista (GINZBURG, 2009 [1986]).
A Revista Brathair (2001-2017) é o primeiro periódico acadêmico no Brasil focado no estudo de povos
célticos e germânicos na Antiguidade e Medievo. Trata-se de uma das poucas fontes bibliográficas
acadêmicas em língua portuguesa sobre o assunto. Você pode acessar os trabalhos publicados na
revista pelo site: <http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair
(http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair)> . 
Os germânicos dividiam-se em um sistema de organização tribal, constituído de
pequenas unidades políticas comandadas em um sistema patriarcal, por um líder
carismático. Seu direito era baseado na tradição oral, e a tomada de decisões era
feita de forma democrática, por meio de participação em assembleias. Os chefes
possuíam seus salões nos quais recebiam guerreiros e trovadores. Muitas dessas
características seriam preservadas por séculos por todo o medievo nas sociedades
escandinavas. Você deve ter em mente que muito se idealizou sobre essa suposta
idílica sociedade democrática e igualitária.
VOCÊ QUER LER?
http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair
Várias tribos germânicas tinham conhecimento de alguma forma de escrita como
o emprego de runas, mas eram empregadas em pequenas inscrições, não sendo
usadas para a escrita de documentos longos. A tradição, assim como as leis, era
transmitida principalmente via oral (ELLIOT, 1963 [1959]).
Achados arqueológicos por toda a Europa demonstram que fossem germânicos,
celtas ou eslavos, as populações europeias eram em sua grande maioria
sedentárias, praticando a agricultura desde tempos imemoriais. Faziam parte da
mesma grandefamília linguística indo-europeia compartilhando, ao menos
parcialmente, alguns pressupostos culturais, linguísticos e mesmo ideológicos.
Figura 3 - Reconstrução de uma edificação germânica da Idade do Ferro com teto de turfa em Amrum,
norte da Alemanha. Fonte: Harald Schmidt, Shutterstock, 2018.
No mapa acima, você pode notar um contexto bastante diferente ao estudar as
populações que migrariam das estepes asiáticas, principalmente das famílias
linguística turca, mongólica e altaica.
Figura 4 - Mapa mostra a proposição de migração dos Hunos, Hyung-Nu e povos das estepes rumo à
Europa. Fonte: ÉRDY, 2008. p. 26.
2.2 Os hunos e o Império Romano
Vamos seguir nossos estudos com o contexto das estepes, em particular a chegada
dos hunos à Europa e seu consequente impacto em toda a história do continente. 
2.2.1 Os hunos, origem e historiografia
O avanço dos hunos ocasionou migrações germânicas através da Europa. À
medida que chegavam às estepes euroasiáticas, desalojavam as populações que
ali habitavam, fossem germânicos, eslavos ou iranianos e desencadeavam uma
série de processos consecutivos que fogem ao nosso escopo, como o
desalojamento de outros povos.
Saiba que os hunos são o exemplo máximo do estereótipo de “bárbaro”. As
descrições de Amiano Marcelino e de outros autores romanos são famosas por
denegrir os hunos e não salientar as diferenças com os romanos. 
Marcelino escreveu no livro XXXI de sua História Romana, por exemplo, que os
hunos se reuniam em conselhos montados em seus cavalos, aqueciam a carne que
comiam no próprio lombo dos animais, sentando-se em cima. Os meninos tinham
facas em brasa passadas em seus rostos para evitar o posterior crescimento de
barba (AMMIANUS MARCELLINUS, 1939).
A Res Gestae (AMMIANUS MARCELLINUS, 1911) é um dos relatos em primeira mão mais conhecidos
sobre os hunos. Você pode encontrar a tradução para o inglês em domínio público no site do Projeto
Gutenberg: <http://www.gutenberg.org/ebooks/28587 (http://www.gutenberg.org/ebooks/28587)>. 
Figura 5 - Grupo “Águias de Calata” em demonstração da reconstrução de costumes dos supostos
hunos e antigos húngaros em Cluj-Napoca, Romênia (03/10/2015). Fonte: salajean, Shutterstock,
2018.
VOCÊ QUER LER?
http://www.gutenberg.org/ebooks/28587
Como já apontamos, não podemos confiar completamente nas descrições sobre
os hunos, ainda que possuam elementos da realidade, pois muito do que chegou
até nós é fruto do choque cultural entre mundos diferentes: de um lado o romano,
mediterrâneo e europeu, baseado em Impérios, contrastando com os hunos,
nômades das estepes e de amplos espaços desbravados (KING, 1987).
Desta forma, ainda mais que germânicos, célticos e eslavos, os hunos e os povos
nômades das estepes representam para os romanos o “outro”, o “bárbaro”, em sua
totalidade.
Você pode encontrar diversas tentativas de explicar a origem dos hunos. A
hipótese mais aceita, ainda que não seja unânime e tenha suas dificuldades, os
associa aos Hyung-Nu, que habitaram uma vasta área ao norte da China e da
Mongólia.  Seu governante Modu Chanyu fundara um império que teria durado de
209 a.C. até 93 a.D. (GOLDEN, 2015).
Quanto à linguagem, as tentativas de explicação e associação etno-linguística se
baseiam principalmente em nomes próprios (em torno de 33) encontrados nas
fontes.  Possíveis vinculações com povos turco-altaicos, mongólicos e urálicos
foram apontadas (PRITSAK, 1982), mas também termos eslávicos (strava) e
germânicos. O nome “Attila”, por exemplo, é vinculado à origem gótica, vindo de
Attar (pai) no diminutivo, e significando “paizinho” (WOLFRAM, 1990), ainda que
Pristak (1982) afirme uma origem danubiana-búlgara para o nome, com
significado de “governante do mundo/oceano”.
É possível que a maior parte da confederação dos hunos falava alguma variante do
gótico, que seria uma língua franca para os povos do leste da Europa, e a
incorporação de termos eslavos e germânicos reafirma o caráter multiétnico da
confederação (WOLFRAM, 1990).
Podemos dividir o estudo dos hunos em seus contatos com os romanos e pelo que
transparece principalmente nas fontes escritas (sécs. I-VI A.D.) em duas fases
principais: a fase descentralizada, e a fase sob Átila, ainda com um período
intermediário entre elas.
2.2.2 A fase descentralizada
Na fase descentralizada, os hunos são mencionados esporadicamente nas fontes e
aparentam não ter uma direção única. É possível que o desmoronamento do
império Hyung Nu ao leste da Ásia tenha conexão com a migração dos hunos para
oeste, mas há dificuldades para se encaixar as datas dos eventos.
Sabe-se que na década de 90 os hunos são avistados perto do Mar Cáspio, sendo
mencionados perto do Cáucaso por volta de 150. Após isso, o que se tem com
maior certeza são os eventos referentes às suas disputas com os godos e outros
povos do leste da Europa. Na década de 370, os alanos são conquistados, e em 376
eclode a grande guerra entre os godos e os hunos, que resultou na divisão dos
godos entre visigodos e ostrogodos.
Já na década de 380, alguns hunos são feitos federados e aliados na região da
Panônia, mas na década seguinte passam a efetuar ataques ao Império. Entre 400
e 412, desponta o líder Uldin e no mesmo período os hunos atacam tribos
germânicas da Europa. Em 405 e 406, por exemplo, registra-se o cruzamento do
Reno por vândalos e suevos, provavelmente fugindo dos hunos. Finalmente, nos
anos de 409 e 410, tem o registro de grupos diferentes de hunos lutando a favor e
contra Roma, como federados e inimigos.
2.2.3 Sob Átila: a confederação
A história dos hunos mudará com Átila. Nascido em 400, filho de Rua, o líder huno
foi dado como refém para o Império Romano do Ocidente em 415, a fim de
cimentar a paz com os romanos. Ali, o jovem aprendeu a língua e os costumes de
seus captores. Voltando para os hunos em 420, foi apenas em 434 que Átila
governaria as tribos hunas em conjunto com seu irmão Bleda. Átila assina um
tratado de paz com o Império a Oriente em Margus, no ano de 435, que será
quebrado em 443, ocasião na qual os romanos são vencidos.
Em 445, Átila é capaz de governar os hunos sozinho, unificar todas as tribos e
formar uma grande confederação que incluía os povos derrotados, como os godos.
Após alguns ataques aos romanos, em 450 se inicia a tentativa de Átila de
conquistar o Ocidente.
Honoria, irmã do imperador Valentiniano II (419-455) do Ocidente, fora prometida
em casamento por seu irmão ao senador Herculano. Não desejando tal
casamento, Honoria teria mandado um pedido de ajuda, juntamente com um
anel, para Átila, que decidiu interpretar o envio como um pedido de casamento e,
assim, pediu metade do Império como dote, usando o episódio como pretexto
para sua conquista.
O ápice dos conflitos entre hunos e romanos se deu no ano de 451 quando, após
uma série de batalhas na Gália que envolveram hunos, romanos e aliados
bárbaros nos dois lados, ocorreu a derrota de Átila na Batalha dos Campos
Cataláunicos. O general Flávio Aécio, aliado a Teodorico I (rei de 418-451), dos
visigodos, foi capaz de derrotar Átila e sua coligação, que contava também com
godos do ramo ostrogodo.
Átila ainda tentaria uma invasão infrutífera no norte da Itália em 452, e no ano
seguinte morreria após seu banquete de casamento com a goda Ildico. Prisco de
Pânio narra que Átila em sua em sua noite de núpcias teria bebido em demasia,
sofrera de uma hemorragia nasal que o levara a sufocar e morrer. O episódio é um
exemplo da ressonância que os contatos entre hunos e as populações germânicas
terão por todo o medievo.
A minissérie Átila – o Huno (COCHRAN, 2001) apresenta no elenco celebridades como Tim Curry e Gerard
Butler no papel principal.  Apesar da visão hollywoodiana dos eventos e dos anacronismos que
usualmente acompanham produções dessa monta, é uma indicação recente a tratar da subida de Átila
ao poder e a unificação húnica.
Fontes germânicas e escandinavas se inspirarão nos eventos e personagens
atribuindo ressonâncias diversas. Uma das mais conhecidas reelaborações está na
Edda Poética,coletânea de poemas no Antigo Nórdico que, apesar de fixada por
escrito por volta dos séculos XII-XIII, contém tradição oral dos séculos anteriores.
No poema Atlakviða, Atli, personagem inspirado em Átila, casa-se com Guðrún, ao
invés de Ildico, sendo ela responsável pela morte de sua família. Para se vingar de
Atli, Guðrún mata os filhos que teve com ele, serve-os em refeição, revela o
ocorrido e queima o salão no qual Atli se encontra, matando-o (LARRINGTON,
2008).
Após Átila, os hunos não foram capazes de manter a coligação e em 454, na
Batalha de Nedao, uma coligação de tribos germânicas os enfrentam e encerra o
domínio huno no Ocidente. 
VOCÊ QUER VER?
2.3 Os Reinos Germânicos: ostrogodos
e visigodos, vândalos, burgúndios,
francos, anglos e saxões
Nosso próximo item de estudo é um panorama dos grupos germânicos no período
das migrações, com uma ênfase especial aos godos. Os grupos que migraram para
a Europa Ocidental, em meio ao processo de declínio e queda do Império Romano
no Ocidente, serão os responsáveis por criar reinos mistos, dando continuidade ao
legado romano no continente. 
2.3.1 Os godos
Os godos são o povo germânico de maior relevância para o estudo não apenas da
História Medieval Oriental, mas também do Ocidente. Vimos a discussão sobre
suas origens que está diretamente ligada às discussões historiográficas e
arqueológicas sobre as migrações germânicas para o sul da Europa.  A esta altura,
você deve cruzar as informações estudadas até então, que incluem a discussão
historiográfica e a apresentação dos hunos, a fim de compreender o papel dos
godos no contexto da Antiguidade Tardia.
As migrações góticas para o sul da Europa são registradas pelos autores romanos,
principalmente Jordanes, por volta de 267-69. As próximas informações escritas
de maior relevância são o governo do rei Ermanarico e as guerras travadas contra
os hunos.
Ermanarico (Ermanaricus) foi o rei godo que se suicidou em 376, após ser derrotado pelos hunos. Seu
reino pode ter abrangido do Mar Báltico até o Mar Negro, e seu nome foi imortalizado na literatura épica
dos povos de línguas germânicas, aparecendo em obras medievais escandinavas (como Jọrmunrekr ),
no continente (como Ermenrîch) e na Inglaterra anglo-saxã (como Eormenric). A temática da guerra entre
os godos e os hunos será um dos temas mais recontados por todo o norte europeu até os tempos da
primeira modernidade.
VOCÊ O CONHECE?
A historiografia contemporânea usa com frequência a divisão entre visigodos e
ostrogodos, mas que oferece alguns problemas historiográficos e só pode ser
empregada após os séculos IV e V (WOLFRAM, 1990). Até o período de Ermanarico,
os godos estavam reunidos em diversas tribos e dois grupos principais, os
Greuthingi e Thervingi. O uso desses termos não é constatado nas fontes após 400
A.D. A dualidade entre godos de leste, “ostrogodos”, e “visigodos” será mantida
nominalmente e nos caminhos diferentes que as tribos seguirão após as guerras
contra os hunos. Vamos conhecer quem são e algumas características de
ostrogodos e visigodos.
Os greuthingi, “povos da estepe”: habitantes do leste do Dniepr serão
identificados por Jordanes (livro VI) como os ostrogodos. A partícula “ostro” é
similar ao germânico austr, que significa “leste”. Após a guerra com os hunos,
foram derrotados e entram para a coligação húnica, libertando-se apenas em 454,
após a Batalha de Nedao, na qual unidos com os Gépidas derrotaram os hunos. Os
ostrogodos seriam foederati (federados) do Império a partir de 454. Sob o governo
de Teodorico, o Grande (454-526), iniciado em 493, conquistaram a Itália
governada por Odoacro, por sua vez, o conquistador e oficial responsável pela
queda de Roma em 476.
Teodorico apoiou a igreja cristã ariana, tomou a Itália e Ravena de Odoacro e
aproximou-se dos demais godos (visigodos) tentando uma reunificação. Chegou a
governar a Itália e parte dos Balcãs, mantendo uma espécie de suserania sobre
parte da Gália e da Península Ibérica. Aqui vale se atentar que este Teodorico não é
o rei visigodo que enfrentou os hunos na Batalha dos Campos Catalaúnicos. O
reino ostrogodo seria encerrado nas guerras góticas. 
VOCÊ SABIA?
As guerras góticas travadas entre o reino ostrogodo da Itália e os romanos sob Justiniano
duraram quase duas décadas (535-554) e possuem duas fases: na primeira (535-540), os romanos
retomaram a cidade de Ravena e parte da Itália; na segunda (541-553), os ostrogodos retomaram a
Itália, mas foram finalmente derrotados em 552. Seus principais resultados foram a exaustão de
recursos bizantinos, o empobrecimento da Itália e a destruição dos ostrogodos.
  Os thervingi, “povos da floresta”: habitavam o oeste do Dniepr e seriam
identificados como os “vesi” e, posteriormente, como visigodos. O nome apareceu
pela primeira em 291 no Panegyrici Latini XI 17.1, panegírico, isto é, um discurso em
honra ao imperador. Vesi está ligado ao termo germânico para “oeste”. Por ocasião
da derrota para os hunos em 376, os godos do oeste pediram asilo para os
romanos e a permissão para cruzar o Danúbio. A má recepção a qual foram
submetidos eclodiu na batalha de Adrianopla, em 378, na qual dois terços do
exército romano foram dizimados. Os visigodos receberiam status de foederati nas
províncias dos Balcãs, mas em 395, seu rei Alarico atacaria a Trácia. Foederati do
Oriente, os visigodos de Alarico atacaram o Ocidente em diversas ocasiões entre
397 a 408, chegando a sitiar e, por fim, saquear Roma no ano de 410. Os visigodos
migrariam para a Gália como foederati do Ocidente em 418, com autorização do
imperador Honório, que os usou para recuperar muitos territórios perdidos com a
migração de vândalos, alanos e suevos fugindo dos hunos. Como vimos, os
visigodos teriam participação fundamental na derrota de Átila, em 451. No século
seguinte, estabeleceriam um reino da metade da Gália meridional e Hispânia,
expulsando os vândalos que ali se encontravam para o norte da África. O reino
visigodo na Hispânia duraria até o século VIII quando foi conquistado pelos
islâmicos entre 711 a 718.
Bom, até agora você teve a oportunidade de estudar mais de perto as tribos dos
godos. Ainda há outros povos germânicos que você precisa conhecer, ainda que
em menor detalhe, por isso vamos a eles.  
2.3.2 Outras tribos germânicas
Além dos povos que já apresentamos, é importante conhecer os registros e
destinos finais de outras tribos germânicas do ocidente. 
Vândalos: mencionados nas fontes a partir do século II, provavelmente
habitavam a área da Silésia, na Polônia atual, por volta do século II A.D. São
comumente identificados com a cultura arqueológica de Przeworsk.
Segundo as fontes, os vândalos receberam a permissão de residir na
Panônia em 330, sob Constantino. Por volta do ano 400, no entanto, fugiriam
para o oeste, tentando escapar do avanço de hunos, alanos e suevos. As
fontes registram sua travessia do Reno em 406 e consequente entrada na
Figura 6 - Broches em formato de águia pertencentes ao reino visigodo; o símbolo de duas águias,
representando os godos a oeste e leste, é frequentemente encontrado em achados arqueológicos.
Fonte: Juan Aunion, Shutterstock, 2018.
Gália, e o cruzamento dos Pireneus, chegando à Hispânia, em 409. Em 429,
sob o comando de Genseric, os vândalos cruzaram o Estreito de Gibraltar e
chegaram à África, onde sitiariam Cartago no ano de 430. Já em 439,
estabeleceram um reino que incluía as ilhas da Sicília, Córsega, Sardenha,
Malta e Baleares. Os vândalos chegariam a saquear Roma em 455 e seriam
derrotados em definitivo por Justianiano, em 533. O sítio de Cartago pelos
vândalos, em 430, teve uma consequência trágica para a História: após três
meses de seu início, morreria ali Santo Agostinho então com 75 anos de
idade. O uso do termo “vândalo” é um exemplo eloquente de circunstância
parecida ao emprego de “bárbaro”, mas amplificado, e ao mesmo tempo,
destituído de qualquer aspecto benéfico ou admirável.
Lombardos, ou langobardi, do latim “de barba longa”, originaram-se
provavelmente do sul da Escandinávia.Invadiram o norte da Península
Itálica no século VI após as Guerras Góticas, permanecendo ali até sua
derrota pelos francos, no século VIII. No momento de conquista da Itália
parte considerável dos lombardos era arianos.
Anglos, saxões e jutas: originários da região que compreende atualmente o
norte da Alemanha e Dinamarca são listados por autores do medievo, como
Saxo Grammaticus e Geoffrey de Monmouth, como ancestrais dos ingleses,
dinamarqueses e dos saxões (LE GOFF, 2005).
Os francos: de todos os reinos germânicos, o de maior relevância na Europa
Ocidental será o dos francos. Gregório de Tours (séc.VI) cita a Panônia como
local de origem dos francos, mas possivelmente eles derivaram da junção de
grupos menores que habitavam o vale do Rio Reno. Após o século IV, o
Imperador Juliano os torna foederati do Império, concedendo-lhes parte da
Gália. Desde então, os francos colaboraram decisivamente na proteção do
Império tendo enfrentado outras populações que o ameaçavam, como os
vândalos na primeira década do século V e participado efetivamente na
derrota de Átila, o Huno.
Com isso, temos um panorama sobre quem são e de onde vieram os povos
germânicos. 
Por fim, vamos estudar a questão de suas conversões para o Cristianismo. 
Figura 7 - Mapa mostra as migrações dos povos germânicos, hunos e outros bárbaros nos séculos V-
VI. Fonte: DOWLEY, 2010, p. 82.
2.4 Wulfilas e a propagação do
Arianismo
Nosso próximo passo é conhecer o papel de Wulfilas, missionário enviado aos
godos na divulgação do Cristianismo Ariano em meio às tribos germânicas. Vamos
compreender as circunstâncias peculiares que tais missões se deram em meio às
controvérsias religiosas do Império Romano de Oriente. Dessas especificidades
temos como resultado a adoção do Arianismo pela grande maioria dos povos
germânicos.
2.4.1 Wulfilas e o Arianismo entre os godos
Wulfilas nasceu por volta de 311 e faleceu em 383. As fontes sobre sua vida
discordam entre si, mas há registros escritos por autores arianos com destaque
para a Carta de Auxentio (ca.400), e fragmentos da Historia Eclesiástica de
Filostórgio (ca.425-433). Das fontes nicenas, merecem menção as Histórias
Eclesiásticas de Sócrates Escolástico (ca.439), que pretende ser uma continuação
de Eusébio de Cesareia; de Sozomeno (ca.440-443), e de Teodoreto (ca.449)
(SIVAN, 1996). 
Os pais de Wulfilas eram gregos da Capadócia e foram escravizados pelos godos
por volta de 264. Não se sabe se Wulfilas foi escravo por nascimento ou foi feito tal
durante a infância. Sabe-se, no entanto, que por volta de 340, ele foi consagrado
bispo e enviado no ano seguinte pelo imperador Constâncio II (317-361) para de
evangelizar os godos. Você deve se lembrar de que Constâncio era um imperador
ariano e o período que estamos tratando está exatamente entre os anos de conflito
entre a fé nicena e ariana, ou seja, entre os Concílios de Niceia (325) e de
Constantinopla I (381) (MATTHEWS; HEATHER, 1991).
Wulfilas migraria em 348 com um grupo de convertidos godos para a Moésia, onde
traduziria a Bíblia para a língua gótica. Segundo as fontes nicenas, apenas em 360
se daria a conversão de Wulfilas para o Arianismo, a fim de escapar de perseguição
religiosa. No entanto, o impacto de sua obra e a grande difusão do Arianismo entre
os povos germânicos colocam essa informação em dúvida. 
A Bíblia de Wulfilas foi baseada numa tradução da Septuaginta e é o único
testemunho extenso da língua germânica oriental. Restam alguns fragmentos dos
evangelhos de Mateus e João em códices que datam do século VI ao VIII. Para essa
obra, Wulfilas criou um alfabeto baseado em letras gregas unciais com algumas
adições, como o ‘F’ do latim e o ‘H’ para representar alguns sons guturais. Wulfilas
procurou conscientemente evitar o uso de letras rúnicas com a intenção de cortar
conexões com o paganismo germânico (MATTHEWS; HEATHER, 1991). 
2.4.2 A propagação final do Cristianismo Niceno entre os
germânicos
Após a obra de Wulfilas e as migrações dos godos, o Arianismo foi difundido por
quase todas as tribos germânicas, com a notável exceção dos francos, que se
mantiveram pagãos até a adoção do Cristianismo Niceno em 496, com o rei
Clóvis. Os visigodos, já na Hispânia, adotaram a fé nicena em 587 sob o governo de
Recaredo I. Já os lombardos, apenas em 653 com o rei Ariperto I.
Os processos que levaram à cristianização de anglos, saxões e jutas seguem
caminhos bastante distintos e fogem do nosso objetivo de estudo.  Assim
finalizamos esse conteúdo. Pudemos problematizar o uso do termo “bárbaro”,
compreendendo o período das migrações dos povos europeus durante o medievo.
 
Síntese
Encerramos o capítulo e vimos os conceitos referentes aos povos bárbaros,
principalmente os germânicos e das estepes, desde a discussão historiográfica e
terminológica até sua relação com o Império Romano a Ocidente e Oriente.
Abordamos também a conversão dos germânicos para o Cristianismo Ariano. 
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
entender que “bárbaro” significa “o outro" nos mundos greco-romanos,
implicando uma designação pejorativa;
assimilar que entre os povos bárbaros encontram-se populações de vários
ramos linguísticos e etnicidades, dos quais destacam-se povos germânicos
(godos, francos, vândalos, anglos, saxões, jutas, lombardos, dentre outros),
hunos, eslávicos e alanos;
conhecer os povos bárbaros de maior impacto para o estudo da História
Medieval: os godos e os hunos;
atentar ao fato de que o estudo dos povos germânicos está envolvido em
discussões nacionalistas e ideológicas;
compreender, por meio do trabalho do missionário Wulfilas, que o
Cristianismo Ariano foi levado para os godos, propagando-se dali para
outros povos germânicos.
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