Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PSICOLOGIA DA ARTE: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS METODOLÓGICOS Tatiane Superti UEM1 Mariuse Gonçalves da Cruz UEM2 Sonia Mari Shima Barroco – UEM3 Introdução O estudo que apresentamos resulta de pesquisa bibliográfica em desenvolvimento, realizada em grupo de estudo acerca do livro Psicologia da Arte de L. S. Vigotski (1999), atrelada a projeto de pesquisa desenvolvido na Universidade Estadual de Maringá4. Sendo assim, este livro constitui em nossa principal fonte de pesquisa. Neste grupo, composto por mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (UEM) e professores do ensino superior, procuramos compreender as críticas e propostas do autor em relação à psicologia da arte, já em debate em sua época. Temos por pressuposto que a pessoa com ou sem deficiência deve desenvolver-se a ponto de alcançar um estágio de nível cultural, e também de liberdade tal que possa compreender as múltiplas relações entre os fatos, compreender o mundo para além da aparência, ou do modo como ele se nos apresenta fenomenicamente. Desse modo, voltarmo-nos ao estudo das elaborações vigotskianas sobre a arte também revela o pressuposto de que ele entendia que o homem, ontologicamente, é um ser criador e criativo (Barroco, 2007). O livro Psicologia da Arte trata-se de um trabalho apresentado pelo autor como monografia sobre a obra Hamlet, de Shakespeare, constituindo parte dos estudos sobre artes, literatura, crítica e estética aos quais se dedicou de 1915 à 1925. Pelo período em que o elaborou, e pelo seu próprio conteúdo, podemos dizer que Vigotski ainda não havia desenvolvido os estudos sobre a formação social da mente, bem como a relação entre aprendizagem e desenvolvimento em sua forma mais complexa, como apresenta em seus escritos sobre a constituição das funções psicológicas superiores e sobre estas 1 Alunas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – PPI/UEM 2 Alunas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – PPI/UEM 3 Professora do Departamento de Psicologia – DPI/UEM, e do programa de Pós-Graduação em Psicologia – PPI/UEM 4 Projeto Psicologia Histórico-Cultural e Defectología: estudo das contribuições/implicações teórico-metodológicas soviéticas para a apropriação da linguagem verbal por alunos com deficiências e para a constituição das suas subjetividades (UEM, 2009-2013). em pessoas que têm o curso do desenvolvimento diferenciado pelas deficiências (Vigotski 1997, 2000). Entendemos que a teoria de Vigotski não pode ser analisada de forma distanciada do método marxista (materialismo histórico dialético). Por essa perspectiva, temos que a própria necessidade de sua emergência precisa ser levada em conta. O autor não propõe uma nova explicação da psicologia da arte e do desenvolvimento humano desvinculado das condições materiais postas à sua época. Consideramos, pois que a Revolução Russa de Outubro de 1917, dentre outros fatos, não é mero contexto ou fundo para o autor pensar o psiquismo e a arte. Antes, foi figura também. Como uma nova sociedade poderia conceber a vida, a ciência psicológica, a arte, a estética? O que já se punha em debate na sociedade capitalista e na ciência burguesa? Em que uma teoria sobre a constituição do que é propriamente humano no ser poderia revolucionária? Essas indagações devem acompanhar aqueles que se propõem a compreender a visão de homem, sociedade e ciência psicológica que o autor pretende. Nesse sentido, em Psicologia da Arte estão presentes, de forma instigante, complexa, porém ainda inicial se compararmos com as elaborações da década de 1930, em relação às suas contribuições sobre a importância do signo, da linguagem na formação do homem e da necessidade de construção de uma psicologia da arte marxista, e, em conseqüência, consistente metodologicamente. Esse nosso entendimento é corroborado pelo que escreve Leontiev (1970) acerca deste livro. Reconhece a grandeza desta obra em tela, contudo aponta para isso que destacamos ao dizer que: En su líbro, Vigostki no siempre acierta a encontrar conceptos psicológicos precisos para expressar su pensamiento. En lá época en que se escribio aun no se habían elaborado estos conceptos; aun no se habían creado la teoria de la naturaleza sociohistórica de la psique humana, no se habían superado los elementos de uma actitud reactológica que defendia K. N. Kornílov, tan solo empezaba a esbozarse a rasgos generales la teoria concreto-psicológica de la consciência. Por esta causa, Vigotski expressa a menudo sus pensamientos con palabras que no son suyas. Recurre frecuentemente a lãs citas, incluso de autores cuyos puntos de vista eran basicamente extraños. (p.11) Quando nos voltamos à obra vigotskiana o fazemos em busca de subsídios para explicarmos a formação social da mente em tempos pós-modernos, em tempos de recuo da teoria, de desvalorização das metanarrativas. O momento atual, diferentemente daquele em que o autor escreveu, é de ênfase no que é provisório, no que se apresenta como “espetacular”, no que clama a uma “emocionalidade arrebatadora e instantânea”, de sujeitos que estabelecem vínculos direcionados pelas relações de mercadoria, entre si e com o mundo, e que, comumente, se mostram indiferentes e passivos com o que se passa na sociedade. Longe de pretendermos um juízo moral, consideramos a importância em atentarmos para a arte e para uma psicologia que não relega o desenvolvimento humano a um fatalismo biológico ou a um determinismo social, para mais bem compreendermos esse homem do século XXI que está nas escolas, nos consultórios e em outros espaços, sendo atendido por psicólogos e educadores. Pontos de destaque da obra No tocante ao livro, conforme o método de pesquisa que assume, Vigotski primeiramente analisa as contribuições tanto da estética como da psicologia para, então, propor caminhos para a psicologia da arte. Vigotski coloca que no campo da estética, que é entendida como sinônimo de arte existe duas tendências: 1) as teorias que fazem uso da psicologia para explicar a arte; 2) as teorias que dispensam explicações psicológicas. As primeiras são essencialmente idealistas, voltando-se para explicações metafísicas da natureza da alma envolvida na obra artística. Nestas analisa a teoria estética de influência marxista que se apropria de categorias marxistas, porém não do método histórico-dialético e acaba por concluir que o psiquismo determina as tendências estéticas de cada período. Ao discutir esta teoria, o autor analisa a dicotomia entre indivíduo e sociedade que se encontra tanto na estética quanto na psicologia, ou seja, nestas ciências, mesmo a de denominação marxista, não havia uma concepção de homem constituído socialmente, como síntese das relações sociais e aponta nisto um grave problema metodológico. A segunda tendência das teorias estéticas é de cunho não psicológico, dessa forma prescinde de explicações psicológicas voltando-se ao empirismo para abordar reações estéticas. Assim, o autor considera que os experimentos são primitivos no sentido de tomar as reações como elementares, fruto do organismo biológico. Limite que se coloca por não haver um apoio teórico da psicologia. Podemos considerar que Vigotski entende que a estética inclui em seus aspectos metodológicos a psicologia social, na medida em que esta rompa com a dicotomia entre indivíduo e sociedade e conceba o psiquismo como essencialmente social, na perspectiva do materialismo histórico dialético. Conforme Vigotski (1999, p.02): “O enfoque estético da arte, uma vez que não pretende romper com a sociologia marxista, deve forçosamente ter fundamentação sociopsicológica”. Em se tratando da psicologia que se ocupou da arte, até aquele momento, o autor escreve que, em geral, a preocupação era com a psicologia do criador ou do espectador, sendo assim, em suamaioria, elaborações de orientação idealista. A esse respeito, vale destacarmos que para o autor as contribuições da psicologia daqueles anos eram classificáveis, no que diz respeito ao embasamento filosófico, em idealistas e materialistas. Dentre as idealistas estaria a Psicanálise e a Concepção de Arte como Conhecimento. E dentre a perspectiva materialista estaria a concepção de Arte como Procedimento. Em sua análise, expõe que a psicanálise entende a arte como fruto dos desejos inconscientes, ou seja, da sexualidade infantil, porém a forma como a arte expressa tais desejos é deformada, assim como nos sonhos, servindo, então à sublimação. Isso é possível de ser observado na análise de S. Freud, sobre o quadro de Leonardo da Vinci, Mona Lisa (1503-1507). Nela, argumenta sobre aspectos psíquicos inconscientes do pintor (Barroco, 2007). A Arte como Conhecimento, por sua vez, procura investigar o processo intelectual que a obra artística suscita. Para tanto, o livro faz uma abordagem bastante reflexiva e conta com a psicologia sensualista, norteada pelos princípios da lógica formal de estímulo-resposta e entendimento de homem enquanto organismo biológico. A respeito da psicologia sensualista, vale expormos que ela parte do seguinte ponto: a base da vida intelectual é constituída pelas sensações. Esta teoria do conhecimento nasce no auge do período iluminista (séc. XVIII), com Étienne Bonnot de Condillac (1984/1754), filósofo francês inicialmente discípulo de F. Bacon e de J. Locke. Sendo ele o defensor e criador da doutrina denominada sensualismo. No seu Traité des Sensations, de 1754, defende o princípio de que todas as idéias provêm dos sentidos, o conhecimento é uma interação com mundo, ou seja da experiência de cada http://pt.wikipedia.org/wiki/Francis_Bacon_(fil%C3%B3sofo) http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Locke http://pt.wikipedia.org/wiki/1754 http://pt.wikipedia.org/wiki/Ideia http://pt.wikipedia.org/wiki/Sensa%C3%A7%C3%A3o um com o seu meio. O ser sensível nasce da experiência e da imitação vivenciada por cada um e quanto maior e intensa esta vivência mais seria ampliado o campo das sensações. Ao se ampliar o campo das sensações aumentaria também a necessidade de se buscar novas, ou renová-las e assim sucessivamente. A sensibilidade seria maior ou menor de acordo com estas experiências, e através da educação dos órgãos dos sentido seria possível o desenvolvimento do espírito humano. As sensações são a fonte de pensamento, de forma que propõe o estudo de cada órgão dos sentidos separadamente: tato, olfato, audição, visão; e com o aprimoramento dos sentidos e através da percepção da vida se alcançaria a consciência. Entende-se que os sentidos são importantes para a compreensão da Arte, é através de seus estímulos que o fruir da arte é possível, e é através deles que podemos avançar em uma metodologia educativa. Mas não podemos entender o conhecimento e a psicologia da arte apenas do ponto de vista biológico, sensualista, pois segundo Vigotski: (...) a Arte só poderá ser objeto de estudo científico quando for considerada como uma das funções vitais da sociedade em relação permanente com todos os outros campos da vida social e no seu condicionamento histórico completo”. Assim a aplicação da psicologia sensualista nos mostra um caminho e contribui para o entendimento da Arte, mas não apresenta consistência suficiente para o entendimento de uma psicologia da arte materialista, por não considerar os sentidos, além de reações biológicas, como uma elaboração socialmente construída. (Vigotski, 1999, p.11) Entender a abordagem psicológica da Arte, na referência citada do livro Psicologia da Arte requer o apoio de outros autores e também o entendimento do contexto social que o mesmo foi escrito. Já em suas primeiras páginas, somos alertados para o fato de que se busca um entendimento do que seria o objeto de estudo da psicologia da arte, é posto a questão sobre a necessidade de uma metodologia que corresponda ao pensamento histórico cultural, adequado para o entendimento de uma psicologia da arte. Levanta a situação da contribuição que os leitores teriam na construção de uma metodologia acerca do objeto de estudo da psicologia da arte, e assim delega aos leitores que possivelmente somente ao término dos estudos do livro, isso seria possível. Teríamos que aguardar os próprios resultados finais de nossa pesquisa. Considera-se, então, os fatos e leis anteriormente estabelecidos, os sistemas, métodos e procedimentos diversos, para a verificação dos resultados do nosso estudo. A necessidade de uma idéia que unifique os princípios metodológicos apresenta- se como condição para uma sistemática de estudo, os psicólogos elaboraram incompletamente e de maneira fragmentada apenas algumas questões acerca da teoria da arte. Vejamos quais elementos podem se considerar para o entendimento das metodologias e teorias psicológicas da arte de forma sistematizada. Na discussão sobre a Arte como Conhecimento, Vigotski (1999, pg.31) aponta que: Só podem ser objeto de nosso estudo aquelas teorias psicológicas da arte que, em primeiro lugar, tenham constituído um mínimo de teoria sistematizada acabada e, em segundo, estejam no mesmo plano com o estudo que estamos empreendendo. De outra forma teremos que enfrentar apenas aquelas teorias psicológicas que estão apoiadas no método objetivamente analítico, isto é que centram sua atenção na análise objetiva da própria obra de arte tem sua atenção na análise objetiva da própria obra de arte e a partir desta análise recriam a psicologia que corresponde a tal obra. A abordagem mais comum e difundida ao enfocar a arte é a visão da arte como conhecimento, sendo desenvolvido pela escola de Potiebnyá5, que lhe serviu de princípio fundamental para seus estudos; esta mesma visão da arte como conhecimento um pouco modificada, aproxima-se da visão da arte na Antiguidade, cuja idéia era da arte como sabedoria e cuja função era de pregar lição de moral e servir de guia para as pessoas. Ressaltamos que o importante nesta teoria é a análise que traz entre a atividade o desenvolvimento da linguagem e a arte. Pela complexidade da análise lingüística, dos significados embutidos nas palavras, e para chegarmos a uma compreensão do fenômeno psicológico da arte vejamos o que nos coloca Vigostski (1999, p. 32): Em cada palavra, neste sistema psicológico de lingüística identificamos, três elementos básicos: primeiro a forma sonora externa, segundo, a imagem ou forma interna e terceiro, o significado. Ai se denomina forma interna o significado 5 “Para os simbolistas Potiebnyá e seu discípulo Biéli, o símbolo ou a imagem da linguagem poética não se restringe ao nível sincrônico, possui um elemento diacrônico, isto é, assinala a primazia histórica. As conclusões de Potiebnyá, em relação à teoria simbolista da linguagem poética, são totalmente diversas às dos futuristas que autonomizaram a palavra das relações com outros fenômenos ou com realidades que ela reflete” (NAMURA, 2003 p.168 ). etimológico mais aproximado da palavra, através da qual ele adquire a possibilidade de significar o conteúdo nela inserido (...). O sentido das palavras pode ter cunho apenas psicológico, chegando-se a seu significado através de percursos diversos na elaboração do pensamento. Assim a forma interna e o significado de uma palavra pode dar a idéia do conteúdo nela inserido, e a diferença entre algumas palavras pode ser apenas psicológica. Assim Vigotiski, (1999, p.33), afirma que Potiebnyá foi brilhante, ao dizer: “A forma interna de cada uma dessas palavras orienta de modo diferente o pensamento...”. Encontra-se nesta articulação com as palavras, os mesmos processos psicológicos da percepção e criação de uma obra de arte, segundo ainda Potiebnyá:“Os mesmos elementos, [...] são encontrados sem dificuldade na obra de arte, se raciocinarmos assim: Uma estátua de mármore (forma externa) de uma mulher com uma espada e uma balança (forma interna), representando a justiça (conteúdo).” Na obra de arte não estão dissociados a imagem, a estrutura e o conteúdo (idéia). Destas análises, é possível desenhar os mecanismos dos processos psicológicos para a Obra de Arte. A emoção que a arte promove poderá ter uma natureza que passa pelo processo intelectual e também cognitivo. Conclui-se que sendo a Arte um modo singular de conhecimento e fruição, ela desperta no espectador as mesmas emoções que se observa em uma descoberta científica; porém ela difere da ciência pelo método, pela forma como é vivenciada. Na vertente materialista, encontramos a Arte como Procedimento, a qual visa analisar a forma da obra de arte. Dessa forma, considera a maneira como o material artístico é disposto, incluindo sons e significado, na composição da forma externa. Psicologicamente o que se interessa é a percepção que a forma suscita, porém não das leis psicológicas que a integra, mas do significado de cada objeto contido na forma. Interessa recuperar a vivência de tal objeto, remeter o expectador diretamente ao objeto concreto por meio do significado. Vigostki coloca que esta concepção pretende dispensar explicações psicológicas, mas as utiliza para tratar de percepção numa aproximação com a reflexologia e psicologia sensualista. Fica evidente que para Vigotski a estética e a psicologia necessitam de reorientação metodológica para abordarem seus objetos de forma cientificamente consistente. Assim, a estética necessita de pressupostos da psicologia e esta não responde, com os métodos que se fez até o início do século XX, a demanda da arte. Nesta perspectiva, enfatiza a necessidade de superar o subjetivismo recorrente nas teorias psicológicas analisadas, como também a compreensão fragmentada de indivíduo e sociedade. Coloca ainda a carência de análise psicossocial como empecilho para o avanço da estética e da psicologia. A superação de tais pontos na psicologia seria dada pela orientação no método materialista histórico dialético, que entende o homem formado na relação com as condições históricas, fruto da ação dos homens na produção da vida. Este princípio contém também a unidade dialética entre indivíduo e sociedade, de forma que o psiquismo é entendido como determinado pela sociedade. A relação entre psicologia e arte deve seguir a mesma orientação, assim o autor aponta que o método da psicologia da arte deve ser objetivo-analítico: “(...) da forma da obra de arte, passando pela análise funcional dos seus elementos e da estrutura, para a recriação da resposta estética e o estabelecimento das suas leis gerais” (Vigotski, 1999, p.27). Conforme o autor, o método indicado para a psicologia da arte deve contemplar análise da forma artística, considerando os elementos de sua estrutura e conteúdo, para apreender as leis psicológicas nela contida. Arte e Desenvolvimento Humano Além do exposto, para Vigotski o problema enfrentado pela Psicologia da Arte era metodológico, ou seja, os métodos utilizados até então não garantia uma análise objetiva da arte que contemplasse a relação entre indivíduo e sociedade de forma dialética. O autor encontra no idealismo e no mecanicismo, presentes na estética e na psicologia da época, os entraves para a construção da Psicologia da Arte. Como superação coloca que a análise da obra de arte deve partir de sua forma, dos elementos que constituem seus contornos, sua estrutura. No entanto, tal forma não é fruto livre da consciência ou inconsciente do criador, mas segue a determinadas leis estéticas, criadas pelos homens na vida em sociedade, ou seja, a forma é determinada socialmente. Seguindo este caminho, a análise deve partir da forma para alcançar a síntese psicológica. Partindo disso, podemos entender que para se obter a forma artística foi necessário uma atividade humana transformadora da matéria prima, esta recebeu novas características constituindo-se como arte, conforme as leis estéticas da sociedade. Em tal atividade humana transformadora, o homem imprimiu no material a síntese psicológica utilizada para seu feitio. Embora não se fixe nisso, é pensamos ser possível considerar que o autor concebe a arte enquanto trabalho. Na perspectiva do materialismo histórico dialético, trabalho é atividade vital humana. Por meio dela, os homens criam as condições para sua existência, transformando a natureza. Ao criar as condições para a sobrevivência, produzem instrumentos, linguagem e relações sociais. Nestes produtos estão impressas, em suas estruturas e significado, as característica humanas. Este processo é chamado de objetivação, no qual o homem objetiva sua atividade em produtos materiais ou simbólicos. O processo de objetivação é complementado pelo processo de apropriação, no qual o homem, por meio do trabalho, se apropria das objetivações já realizadas pela humanidade. Nestes processos que se encontra a explicação de gênero humano como síntese das características humanas, pois estas se encontram nas objetivações e ao se apropriar delas o homem se humaniza, transformando-se subjetivamente. Ou seja, as funções mentais são objetivadas e por meio da atividade os homens se apropriam delas. (Duarte, 1999, p. 27-52) Destacamos que o processo de objetivação-apropriação transforma a ação do homem na realidade por ser uma ação mediada que implica em transformação psíquica e impõe novas necessidades, além das de sobrevivência. Neste sentido podemos entender a arte, conforme indica Vigotski, como objetivação que traria na sua forma às funções psicológicas contidas na atividade que a gerou. E satisfaz necessidades essencialmente humanas, como fruto de apropriações anteriores e liberdade em relação a necessidades orgânicas. Por ser tipicamente humana, a arte representa características do gênero humano e por isso Vigostki afirma que sua forma contém a síntese psicológica, não se referindo ao artista ou ao expectador, mas a humanidade contida na obra artística. Barroco (2007) nos leva a compreender que a Arte possibilita entrar em contato com a genericidade humana, desenvolver consciência de pertencimento ao gênero, explicitar a historicidade que dá as condições do individuo reproduzir-se e criar novos meios para sua existência. O que é possível por conta do caráter de mediação que a arte implica entre o indivíduo e gênero humano. Entendendo a arte como objetivação e por isso mediação entre indivíduo e sociedade cabe estendermos esta lógica para o desenvolvimento psicológico ontogenético do homem. O desenvolvimento individual do psiquismo depende das apropriações que o sujeito realiza, na medida em que atua no mundo, tomando pra si as conquistas do gênero humano, constrói as funções psicológicas. Assim, a arte é uma objetivação que ao ser apropriada reproduz no homem as características humanas que encarna, possibilitando desenvolvimento psicológico. No entanto esta apropriação da arte, da linguagem, ou dos objetos em geral não se dá de forma direta, porém também mediada. O mundo real, imediato, do homem, que mais do que tudo determina sua vida, é um mundo transformado e criado pela atividade humana. Todavia, ele não é dado imediatamente ao indivíduo, enquanto mundo de objetos sociais, de objetos encarnando aptidões humanas formadas no decurso do desenvolvimento da prática sócio-histórica; enquanto tal, apresenta-se a cada individuo como um problema a se resolver. (Leontiev, 2004, p. 178) A apropriação é mediada pelas relações sociais. Estas vão inserir o homem na atividade com os objetos e com a linguagem. Ao nascer o homem depara-se com uma realidade humanizada deixada pelas gerações anteriores, conforme estabelecerelações com os homens entra em contato com os objetos e o legado cultural, apropriando-se dele. Observamos que as relações sociais são também objetivações fruto da atividade humana coletiva para produzir os meios de vida. O desenvolvimento psicológico individual ocorre, então, pelo processo de apropriação mediado pelas relações sociais. Esta mediação pode ser intencional ou espontânea. A mediação intencional é aquele planejada com fins de promover desenvolvimento, como exemplo a ação pedagógica do professor. Já a espontânea são aquela circunscrita ao cotidiano, as atividades práticas do dia a dia, como exemplo a interação entre duas crianças em uma brincadeira. Cada tipo de mediação possibilita um nível de aprendizagem e desenvolvimento. Vigostski em seus estudos posteriores ao livro Psicologia da Arte, afirma que os conteúdos científicos são efetivamente desenvolvidos, por conta de seu caráter abstrato, com a sistematização do ensino escolar, sendo imprescindível a mediação do professor para o pleno desenvolvimento das funções psicológicas no indivíduo. Da mesma forma entendemos a apropriação da arte, esta necessita de mediação intencional para promover desenvolvimento no sujeito. Tal mediação pode seguir o caminho apontado por Vigotski de maneira a possibilitar a apropriação da forma artística e a reprodução no sujeito das funções psicológicas que ela encerra. Também com esta mediação que se possibilita o encontro entre o indivíduo e o gênero humano, na medida em que por meio da forma da obra de arte, fique explicito esta relação contida em sua gênese na obra. Assim, os sentidos estéticos e de gênero são construídos e socialmente condicionada. A arte como legado histórico do gênero humano, toma proporção de propriedade privada na sociedade capitalista. Nesta não apenas os meios de produção são de propriedade da classe dominante, como também a produção cultural e a artística. De maneira que tal produção assume função de mercadoria, sendo propriedade privada de quem pagou por ela, preço que não tem valor artístico, mas de troca diante das relações capitalistas. Com isso, a obra assume função social de mercadoria, elemento indispensável para acúmulo de capital. Enquanto mercadoria a arte não promove desenvolvimento humano, mas participa da reprodução da dinâmica da sociedade capitalista. Este fato, não quer dizer que a obra deixa de ser uma objetivação, mas que foi tomada pelo modo de produção capitalista e utilizada para manutenção da sociedade de classes. Nesta sociedade o legado artístico não é objetivação disponibilizado a todos, porém propriedade privada. Assim, a classe trabalhadora, proprietária apenas de sua força de trabalho, não possui condições materiais de se apropriar da arte. Tal condição limita o desenvolvimento humano, na medida em que este depende das apropriações que o sujeito realiza. Estas considerações apontam que a sociedade capitalista não favorece o desenvolvimento do indivíduo na medida em que transformam em mercadorias as objetivações do gênero humano. Considerações Finais Ao analisar as contribuições da estética e da arte de seu tempo, Vigotski indicou o caminho metodológico para a psicologia da arte. Esta deveria ser orientada pelo materialismo histórico dialético, contemplando análise objetiva da obra artística, pois nesta está impressa uma determinada síntese psicológica. Tal consideração é possível a partir da perspectiva de produção artística como trabalho, sendo a arte objetivação e mediação entre indivíduo e gênero humano. Esta mediação se efetiva com o processo de apropriação. Assim a arte é atividade tipicamente dos homens, contendo a potencialidade de reproduzir no indivíduo características humanas, transformando os sujeitos e a realidade que estão inseridos. No entanto para promover desenvolvimento, em sua apropriação a arte deve ser mediada por relações sociais planejadas, cujo objetivo é promover aprendizagem a cerca da forma da obra de arte, na qual está encarnada a história da humanidade. Porém a sociedade capitalista transforma as obras artísticas em mercadorias, condicionando o desenvolvimento psicológico ao pertencimento de classe. Referencias BARROCO, S.M.S. (2007) Psicologia Educacional e Arte: uma leitura histórico-cultural da figura humana. Maringá: Eduem. LEONTIEV, A.L. (2004) Desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Centauro. NAMURA, R.M. (2003) O sentido do sentido em Vygostsky: aproximação com a estética e a ontologia do ser social de Lukács. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica. NEWTON, D. (1999) A individualidade para si: Contribuição a uma teoria histórico- social da formação do indivíduo. Campinas: Autores Associados. VYGOTSKY, L. S. (1999) Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes. VIGOTSKII, L. S. (1998) La imaginación y el arte en la infancia. 4. ed. Madrid: Akal. VYGOTSKI, L. S. (1997) Obras escogidas: fundamentos de defectología. Tomo V. Trad. Julio Guilhermo Blanck. Madrid: Visor Dist. S. A. VYGOTSKI, L. S. (2000) Obras escogidas: problemas del desarrollo de la psique. Tomo III. Trad. Lydia Kuper. Madrid: Visor.
Compartilhar