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HISTÓRIA HISTÓRIA REGIONAL Eber Mariano Teixeira Thiago Thomaz Garcia http://unar.info/ead2 HISTÓRIA REGIONAL Prof. Ms. Eber Mariano Teixeira Prof. Esp. Thiago Thomaz Garcia 2 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA .............................................................................................. 3 PROGRAMA DA DISCIPLINA ..................................................................................................... 4 UNIDADE 1. CONCEITOS E ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS ......................................... 6 UNIDADE 2. REGIÃO: CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO URBANO E RURAL ............................ 10 UNIDADE 3. O RURAL NO URBANO OU O URBANO NO RURAL? .................................... 13 UNIDADE 4. ECONOMIA, SOCIEDADE E HISTÓRIA REGIONAL .......................................... 17 UNIDADE 5. CIDADE E PATRIMÔNIO – PARTE I ................................................................... 23 UNIDADE 7. CULTURA E IDENTIDADE REGIONAL ................................................................ 30 UNIDADE 8. FRINTEIRAS, TERRITÓRIOS E PODER LOCAL ................................................... 35 UNIDADE 9. O LOCAL E O REGIONAL .................................................................................... 40 UNIDADE 10. UM NOVO CONCEITO PARA O REGIONAL ................................................... 44 UNIDADE 11. HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA: ESTUDOS REGIONAIS – PARTE I ............... 49 UNIDADE 12. HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA – ESTUDOS REGIONAIS – PARTE II ........... 53 UNIDADE 13. REGIÃO: UMA CATEGORIA HISTÓRICA ......................................................... 58 UNIDADE 14. REGIONALISMO HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ........................................... 62 UNIDADE 15. A MICRO HISTÓRIA .......................................................................................... 67 UNIDADE 16. A HISTÓRIA REGIONAL: AINDA NOVOS PARADIGMAS .............................. 71 UNIDADE 17. A NOVA HISTORIOGRAFIA: ESCOLA DOS ANNALES................................... 76 UNIDADE 18. ESCOLA DOS ANNALES: SEGUNDA GERAÇÃO ............................................ 80 UNIDADE 19. HISTÓRIA REGIONAL NA SALA DE AULA – PARTE I .................................... 84 UNIDADE 20. HISTÓRIA REGIONAL NA SALA DE AULA – PARTE II ................................... 88 3 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Esta obra é parte do material didático que dá suporte às suas atividades de autoestudo e autoformação no curso Licenciatura em História na modalidade a distância, pelo Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson - UNAR. Procure conhecer e explorar o máximo possível todo o material disponibilizado para o seu curso. É importante ter consciência de que este é um material básico, especialmente preparado para lhe oferecer uma visão essencial ao estudo do conteúdo de cada unidade proposta sobre História Regional. Portanto, ele não tem o objetivo de ser o único material para pesquisa e estudo. Pelo contrário, durante o decorrer dos textos, o próprio módulo sugerirá outras leituras, apontando onde você poderá encontrar fontes para aprofundar, verticalizar ou trazer outros olhares sobre os assuntos abordados. Então estudante, encare este material como um parceiro de estudo, dialogue com ele, procure as leituras que ele indica, desenvolva as atividades sugeridas e, junto com seus colegas, busque o apoio dos tutores. Bons estudos! Professor Eber Mariano Teixeira 4 PROGRAMA DA DISCIPLINA Ementa Contribuir para uma reflexão mais acurada sobre a História Regional, a fim de fazer emergir os diferentes sujeitos sociais nas formas improvisadas de organizar a sobrevivência material, as lutas, as resistências, as tensões e os conflitos. Neste sentido, o trabalho com a História Regional e local se coloca, hoje, como um campo de reflexão que pode render frutos à produção historiográfica, pois constitui um suporte material ao desenvolvimento de pesquisa a partir de temáticas regionais/locais. O estudo das muitas memórias e histórias em múltiplos lugares se insere num campo da luta política pelo direito à memória, ao buscar fazer leituras diferentes das versões autorizadas/estabelecidas pelos agentes dos poderes instituídos nas cidades/municipalidades. Objetivos ∑ Contribuir na atualização e capacitação do profissional da área de história, partindo de uma integração entre ensino e pesquisa. ∑ Desenvolver um diálogo de modo a formar alunos capacitados ao trabalho como o ensino e a pesquisa histórica em diferentes campos de atuação profissional. Bibliografia Básica FERRO, Marc. História Vigiada. São Paulo: Martins Fontes, 1989. GINZBURG, Carlo. A Micro-História e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. SILVA, Marcos (Org.). República em Migalhas: História Local e Regional. São Paulo: Marco Zero, 1990. 5 Bibliografia Complementar ALMEIDA, Carla Maria Carvalho; OLIVEIRA, Monica Ribeiro. Exercícios de micro- história. Rio de Janeiro: FGV, 2009. BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo (Séculos XV- XVIII). Vol. 3 (O Tempo do Mundo). São Paulo: Martins Fontes, 1996. BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História: Novas Perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. MANIQUE, A.P.; PROENÇA, M. C. Didactica da história: Patrimônio e história local. Lisboa: texto, 1994. MATOS, Alvaro. Primeiras jornadas de história local e regional. Portugal: Colibri, 1994. 6 UNIDADE 1. CONCEITOS E ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo Nesta unidade, propõe-se introduzir o conceito de História Regional na historiografia. É possível compreendermos as proposições enunciadas através de abordagens teóricas, exercícios, reflexões e atividades práticas. ESTUDANDO E REFLETINDO O conceito de região é derivado da palavra latina regere, do radical reg – que expressa a ideia de relações de poder, rei, gerente, regra, dirigir, comandar. Durante o Império Romano, regione, era a denominação que designava uma área que possuía uma administraçao local, mas estava suborinada às ordens centrais de Roma. Desde sua origem, traz em si a conexão entre o particular e o geral, entre o específico e o universal, entre diversidade e unidade. A todo o momento ouvimos alguma referência, perguntas, dúvidas sobre o conceito de região, regional ou local e até mesmo as diferenças regionais. O que é região? Você mora naquela região da cidade? Como foram divididas as regiões do Brasil? Quando, quem e por que fez a divisão? A historiadora Janaína Amado (1990) chama atenção para pensarmos que o ser humano procurou “enquadrar”, classificar os locais, conforme as semelhanças, negando assim aquilo que fugia do convencionado, como aquela região. Nessa concepção, não há lugar para especificidades. No Brasil, em vários momentos, houve o combate às especificidades das diferentes regiões, “em nome da unidade territorial, todos os movimentos de caráter regional eram sufocados, mesmo os que não tinham reivindicações separatistas.” (AMADO, 1990). 7 A primeira divisão do território do Brasil em grandes regiões foi proposta em 1913, para ser usada no ensino de geografia. Os critérios usados para fazê-la foram físicos: levou-se em consideração o relevo, o clima e a vegetação, por exemplo. Não foi à toa! Na época, a natureza era considerada duradoura e as atividades humanas, mutáveis. Fonte: <www.geografiaparatodos.com.br>. Acesso em 02/12/2014. Estas ideias sobre região como divisão meramente natural, deterministas e naturalistas foram perdendo terreno, em detrimento de perspectivas que levavam em Nas primeiras décadas do século 20, início da República, a primeira divisãoregional do Brasil tomou por base as diferenças naturais, na qual, “os olhos dos brasileiros responsáveis pelo ‘desenho’ do território nacional só são capazes de perceber as diferenças das paisagens desenhadas pela natureza”. A idéia de região como algo natural, intocável e indiscutível permaneceu durante bom tempo como predominante em várias áreas do conhecimento, principalmente na História e na Geografia. (Adaptado de AMADO, 1990). 8 conta uma ideia de região feita ou construída antes de tudo por homens e mulheres e, portanto submetida a uma determinada historicidade. A partir de 1980, houve mudanças de pensamentos e começaram a surgir pesquisas direcionadas à história regional. Diversas foram as correntes que se apropriaram do conceito de região, modificando segundo seus pressupostos teórico- metodológicos. Para garantir a permanência e unificação dos habitantes de uma região em torno de alguns princípios supostamente comuns a todos, para obter o progresso, o desenvolvimento, historicamente têm sido construídos discursos de homogeneização e de igualdade de tudo e todos. Nesses discursos, os diferentes ou as diversidades da região são sufocados ou minimizados. Para Barros (2004), "Quando um historiador se propõe a trabalhar dentro do âmbito da História Regional, ele mostra-se interessado em estudar diretamente uma região específica." Ainda segundo o autor, o espaço regional não está relacionado apenas a um recorte administrativo ou geográfico, podendo se reportar a qualquer outro recorte proposto pelo historiador de acordo com o problema a que se propuser a pesquisar. Ele aponta que o interesse central do historiador regional é o estudo deste espaço, ou as relações sociais que se estabelecem dentro dele. Podemos considerar que a história regional, quando trabalhada adequadamente, torna-se um vasto campo para os pesquisadores, pois ela possibilita aos historiadores conhecerem particularidades históricas que, perante a história geral como um todo, seriam ignoradas se não estudadas em partes. O interesse central do historiador regional é estudar especificamente este espaço, ou as relações sociais que se estabelecem dentro deste espaço, mesmo que eventualmente pretenda compará-lo com outros espaços similares ou examinar em algum momento de sua pesquisa a inserção do espaço regional em um universo maior (o espaço nacional, uma rede comercial) (BARROS, 2004, p. 153). 9 A história regional sofreu modificações ao longo do tempo, passou de uma situação de descaso para outra de relativo sucesso acadêmico. O desenvolvimento de pesquisas históricas e acadêmicas geraram maior credibilidade às elaborações históricas regionais. Assim, podemos dizer que região é uma categoria espacial que expressa uma especificidade, uma singularidade dentro de uma totalidade, configurando um espaço particular, dentro de uma determinada organização social mais ampla, com a qual se articula”. (BARROS, 2004). BUSCANDO CONHECIMENTO Leia o fragmento retirado do trecho da obra do historiador José Mattoso para ajudá-lo em uma melhor compreensão dos conceitos abordados ao longo desta unidade. A história local e regional deve partir de um estudo da relação entre o homem e o espaço habitado que o rodeia. Necessitando subsistir num determinado território, juntamente com outros habitantes que ali buscam também a subsistência, integra-se num grupo, e este, por sua vez, associa-se a outros grupos, que constituem um conjunto vasto. Os círculos em que o homem se situa vão-se assim alargando até atingirem as fronteiras daqueles que se consideram inimigos ou totalmente desconhecidos. A descrição e o estudo do quadro territorial na história regional e local não são, portanto, como que a enunciação das premissas das quais, depois as consequências de uma causa; são a apresentação de um quadro dos materiais ainda informes que, ao mesmo tempo, envolvem e limitam o homem, lhe fornecem os elementos que depois não só consome, mas também transforma, compõe e recria. MATTOSO, José. “A história regional e local”. In: A escrita da história. Lisboa: Editorial Estampa 1988 p 169 175 10 UNIDADE 2. REGIÃO: CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO URBANO E RURAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo Nesta unidade, convido você para refletir sobre os processos de constituição do espaço urbano e rural, para além de um espaço meramente geográfico, mas, constituídos de fronteiras simbólicas que ordenam as categorias sociais e os grupos sociais em suas mútuas relações. ESTUDANDO E REFLETINDO Como vimos na unidade anterior, muitos são os termos e significações adotados para descrever o conceito de região. Porém, para o estudo da história, tomemos como base os conceitos que não colocam o termo apenas como delimitação de uma área, mas, como as relações sociais históricas que se estabelecem e se constroem dentro de diferentes espaços. Portanto, a importância de refletirmos historicamente sobre a construção dos espaços urbanos e rurais. Nos últimos anos, as pesquisas sobre a cidade tomaram um novo rumo. Hoje os estudiosos têm à disposição um volume muito grande de dados, como registros fiscais, censos, licenças, listas telefônicas e profissionais, além dos mais diversos tipos de livros (paroquiais, de registro civil, entre outros). A pesquisa nos dias atuais tornou-se viável com o auxílio de computadores, capazes de agilizar leituras de inúmeros materiais. O estudo das cidades tem proporcionado o surgimento de equipes interdisciplinares, encarregadas de desenvolver investigação de grande amplitude. Consequentemente, os objetos de pesquisa também se ampliaram, reconstruindo a complexidade da estrutura social, destacando as relações presentes entre os vários segmentos sociais do espaço urbano. A “nova história urbana” possui também a característica de empregar teorias para poder organizar a grande quantidade de material disponível. Vainfas e Cardoso (1997) apontam três núcleos principais de reflexão para os historiadores 11 ficarem atentos sobre as pesquisas em história da cidade e os processos de constituição dos espaços urbanos: (1) as funções da cidade e seu vínculo com o fomento da urbanização; (2) os efeitos da vida urbana sobre os ciclos vitais dos indivíduos, sobre o trabalho e a família; (3) as mudanças espaciais e ecológicas na cidade, provocadas pelo desenvolvimento econômico e social. Desta forma, a urbe torna-se um campo amplo para a pesquisa, pois é um espaço heterogêneo, construído historicamente pelos mais diversos sujeitos que organizam e reorganizam, inventam e reinventam o espaço onde habitam, dotando-o de uma racionalidade própria. De acordo com Petuba (2001), a construção dos conceitos de cidade, urbano e espaço, são noções fundamentais que orientam a pesquisa e o trabalho para que os historiadores interessados comecem a refletir sobre esta temática. Para Toledo (2009), a história local é entendida como uma modalidade de estudos históricos que contribui para a construção dos processos interpretativos sobre como os atores sociais se constituem historicamente em seus modos de viver, situados em espaços socialmente construídos e representados pelo poder político e econômico na forma estrutural de “bairros” e “cidades”. Para isso, metodologicamente, adentra um conjunto de práticas sociais vinculadas a experiências históricas que são trazidas à tona pelas mais diversas fontes. Por meio desta definição, podemos concluir que a cidade torna-se um objeto excepcional de estudo, no qual se destaca o papel das vivências e experiências sociais como definidoras dos espaços de sociabilidade, ou seja, da localidade. A região engloba diversos aspectos e se divide em unidades menores (cidades) que, por sua vez, se subdividem em bairros e comunidade. DEFINIDO CONCEITOSPodemos verificar abaixo a conceituação de algumas dessas unidades pertencentes à região. Lembrando que estas definições são meramente didáticas, para facilitar sua compreensão sobre o capítulo abordado. 12 Região – é propriamente o espaço social construído historicamente, sendo que essa construção histórica estaria ligada muito á cultura do historiador, a idéia de espaço, tempo e história do próprio historiador. (PRIORI, 1994). Cidade – pode ser considerada como a expressão concreta de processos sociais vividos por diferentes sujeitos na forma de um ambiente físico construído sobre o espaço geográfico. Ou seja, a cidade reflete as características de uma sociedade, constituindo um importante local de acumulação de capital. (CORRÊA, 1989). Bairro – pode ser entendido como uma mediação entre o espaço privado (da casa, da família) e o público, entre a vida familiar e as relações societárias mais amplas. De tal forma que o bairro é o locus de uma sociabilidade intermediária, baseada em larga medida no compartilhamento de referenciais espaciais comuns, como o espaço do encontro, construído no nível da vida cotidiana. (RAMOS, 2001). Comunidade – nas condições globalizantes do mundo é que “as pessoas resistem ao processo de individualização e atomização, tendendo a agrupar-se em organizações comunitárias que, ao longo do tempo, geram um sentimento de pertença e, em última análise, em muitos casos, uma identidade cultural, comunal”. (CASTELLS, 1999). Espaço urbano é constituído pela ação dos múltiplos sujeitos que o habitam e por isso mesmo é heterogêneo, está sempre em movimento e constante reelaboração, é de grande importância para compreendermos a relação existente entre o grupo estudado e o próprio fazer-se da cidade. (ARANTES, 1994). BUSCANDO CONHECIMENTO Para aprofundar o conhecimento sobre o conceito região, segue a sugestão de leitura abaixo: BREITBACH, Áurea Corrêa de Miranda. Estudo sobre o conceito de região. Porto Alegre, Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, 1988. 13 UNIDADE 3. O RURAL NO URBANO OU O URBANO NO RURAL? CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Nesta unidade, convido você para refletir sobre os processos de constituição do espaço urbano e rural, para além de um espaço meramente geográfico, mas, constituídos de fronteiras simbólicas que ordenam as categorias sociais e os grupos sociais em suas mútuas relações. ESTUDANDO E REFLETINDO Para você que tem interesse em debruçar sobre os estudos da História Regional refletindo sobre temáticas das vivências no campo, no mundo rural. O desafio contemporâneo é pensar a relação campo-cidade de forma interdependente e não de forma antagônica e dissociada. As novas relações produtivas e sociais aproximam de tal forma o rural e urbano que os dois se completam. Se, de um lado o mundo rural se reinventa e se requalifica mantendo sua ruralidade, isso não significa que haja oposição em relação à cidade. Ao contrário, a convivência, as relações comerciais e culturais, as relações de amizade e parentesco, a mobilidade entre campo e cidade, a relação de interdependência - indicam que não existe qualquer dicotomia campo-cidade, ao contrário, existe uma relação simbiótica que permite uma cooperação mútua entre a cidade e o campo. O campo e a cidade são realidades históricas em transformação tanto em si próprias quanto em suas inter-relações. (WILLIAMS, 1990). É interessante pensar em alguns itens que podem ajudá-lo a problematizar possíveis temáticas de pesquisas históricas da sua região. Dentre estas reflexões destacam-se as seguintes problemáticas para o historiador: ∑ A preocupação do historiador em identificar o processo de migração – a vivência de homens e mulheres que se deslocaram do campo para a cidade; ∑ A dinâmica social que possibilita as permanências, as desistências e as recriações culturais de elementos do campo vistos na cidade; 14 ∑ Problematizar os laços de convivência, os valores e as estratégias de sobrevivência de homens e mulheres que vivem no campo; ∑ Transformações econômicas, políticas, sociais e ambientais sobre o campo. Leia o texto de Raquel Rolnik, que é arquiteta, urbanista, relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada e Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Seus trabalhos vêm sendo utilizados para reflexões de vários pesquisadores no Brasil, inclusive para aqueles que têm interesse em refletir sobre os projetos de história local, o reordenamento dos espaços constitutivos das cidades e os problemas sociais locais. Lixão de “Avenida Brasil”: realidade ou ficção? 27/04/12 Em “Avenida Brasil”, novela do horário nobre da Globo, o público vem acompanhando o drama amoroso de Nina e Jorginho, cujo cenário é um lixão do Rio de Janeiro. Até cena de amor os personagens de Débora Falabella e Cauã Reymond já viveram no local. Seria o lixão de Nina e Jorginho (ou Rita e Batata) ficção ou realidade? Infelizmente, nem mesmo na Cidade Maravilhosa os lixões são ficção de novela. Recentemente foi anunciado o fechamento do lixão do Jardim Gramacho, o maior da América Latina, muito conhecido por conta do documentário “Lixo Extraordinário”. Finalmente a montanha de lixo de 60m de altura que ocupa uma área de 1,3 milhão de metros quadrados sairá da paisagem do Rio de Janeiro, dando fim ao desastre ambiental que vem causando há varias décadas. Durante mais de 30 anos, todo o lixo produzido na capital fluminense e em mais quatro cidades foi jogado ali. Os mais de 1.200 catadores que trabalham no lixão do Jardim Gramacho estão preocupados com o futuro, já que é daquele lugar que eles tiram o seu sustento e de 15 seus familiares. No total, mais de 13 mil pessoas moram na área, que depende economicamente do lixão. Com toda razão, eles esperam que o fechamento só aconteça depois que todos os catadores forem indenizados e as condições de sobrevivência econômica sejam asseguradas. Em São Gonçalo, trabalhadores do lixão de Itaoca, que foi fechado em fevereiro, reclamam não ter recebido a indenização que os catadores do Jardim Gramacho receberão e se encontram em situação pior do que a que tinham quando catavam no lixão: sem casa nem sustento. Em todo o Brasil, do total de 5.565 municípios, mais de 4.400 (80%) ainda têm lixões. Em Brasília, por incrível que pareça, ainda está em funcionamento o lixão da Estrutural, surgido na década de 1960 logo após a inauguração da cidade. Uma das metas da Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída em 2010 pela Lei 12.305, é justamente acabar com os lixões em todas as cidades do país. O prazo estabelecido para isso está perto: é 2014. Os dois casos que eu comentei, no entanto, mostram que o processo de desativação de lixões é complexo, com impactos não apenas ambientais, mas também econômicos e sociais. “Avenida Brasil”, em que pesem as licenças poéticas da vida no lixão e a visão estereotipada do subúrbio carioca, tem ao menos o mérito de deslocar da telinha o 16 entediante mundo repetitivo da zona sul e mostrar uma realidade pouco vista nas novelas. Fonte: https://raquelrolnik.wordpress.com/2012/04/27/lixao-de-avenida-brasil- realidade-ou-ficcao/ Texto complementar: Couto, Ana Magna Silva. Das sobras a indústria da reciclagem: a invenção do lixo na cidade (Uberlândia-MG, 1980-2002). Tese de Doutorado, defendida na PUC-SP, 2006. Disponível na Biblioteca digital da PUC/SP: http://lumen.pucsp.br BUSCANDO CONHECIMENTO SAIBA MAIS! SANTANA, Charles D'Almeida. Fartura e Ventura Camponesas: trabalho, cotidiano e migrações Bahia: 1950-1980. São Paulo: Anablume, 1998. Produzindo fontes orais a partir de entrevistas com homens e mulheres que vivenciaram a perdade suas possibilidades de trabalho no Recôncavo Baiano, Charles Santana surpreende, nas representações presentes nas memórias destes trabalhadores rurais, costumes, valores, tradições - enfim, dimensões de uma cultura popular rural constituída na luta pela sobrevivência na região. Trabalhadores do recôncavo baiano. 17 UNIDADE 4. ECONOMIA, SOCIEDADE E HISTÓRIA REGIONAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Esta unidade tem como objetivo refletir sobre possibilidades de pesquisa histórica com temas relacionados a produção e economia local. Introduzimos uma breve reflexão sobre a historiografia Econômica a partir dos trabalhados da historiadora Alice Canabrava. Para essa unidade disponibilizamos um artigo publicado no Jornal da Unicamp, com reflexões da Tese: “Uma dinastia do capital nacional: a formação da riqueza dos Lacerda Franco e a diversificação da economia cafeeira paulista (1803 a 1897)” do historiador Gustavo Pereira da Silva. ESTUDANDO E REFLETINDO Muitos pesquisadores estão discutindo a história regional com temas voltados aos aspectos econômicos e a produção local. Nesse aspecto a autora Janaina Amado chama atenção para compreensão de algumas características, que delimitam o trabalho da pesquisa regional e as atividades econômicas locais: [...] o estudo regional oferece novas óticas de análise ao estudo de cunho nacional, podendo apresentar todas as questões fundamentais da História como as atividades econômicas, a partir de um ângulo de visão que faz aflorar o específico, o próprio, o particular. A historiografia nacional ressalta as semelhanças, a regional lida com as diferenças e a multiplicidade. (AMADO, 1990, p. 12-13). Os critérios econômicos escolhidos pelos historiadores como temáticas são: cultura agrícola, as zonas canavieiras, cafeeiras, algodoeiras, mineradoras, de pecuárias dentre outras. 18 Historiografia econômica: algumas abordagens a partir da historiadora Alice Canabrava Alice Piffer Canabrava (1911-2003) foi uma mulher de fibra. Ainda menina, rompera com os preceitos recomendados às garotas de sua época. Na maturidade, superou as barreiras do machismo vigente e tornou-se a primeira professora catedrática da Universidade de São Paulo (USP). Foi também diretora da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas (FCEA – hoje, FEA) entre 1954 e 1957. Já aposentada, ascendeu aos títulos de Professora Emérita da faculdade e sócia honorária da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE). Alice nasceu em Araras, interior de São Paulo, em 1911. Destemida, após completar os estudos primários nessa cidade, transferiu-se, acompanhada da irmã, para a capital do estado, onde cursou o ginásio como interna do Colégio Stafford e a Escola Normal Caetano de Campos, a conhecida escola da Praça da República. Após a experiência na cidade grande, regressou ao interior e dedicou-se durante quatro anos ao magistério público primário. A atividade era louvável, porém a privava de seus maiores desejos: realizar estudos em São Paulo e ampliar seus horizontes culturais. Alice Piffer Canabrava apresentou uma obra pioneira dentro da História Econômica, sempre abordando temas que começam nas fontes primárias do escravismo às manufaturas e indústrias, estudos estes que serviram de base e referência para a composição de diversas pesquisas sobre a história econômica. Dentre suas pesquisas estão: O Comércio Português no Rio da Prata (1580- 1640), A Indústria do Açúcar nas Ilhas Inglesas e Francesas do Mar das Antilhas (1697- 1755), O Desenvolvimento da Cultura de Algodão na Província de São Paulo (1861- 1875), obras estas que foram as fundadoras da historiografia moderna econômica do Brasil. O Comércio Português no Rio da Prata (1580-1640) – ampla pesquisa documental e bibliográfica, baseada em fontes primárias impressas de origem espanhola e argentina que toma como tema a história do Brasil e de Portugal. A contribuição deste estudo diz respeito à expansão comercial ocorrida na época descrita e a penetração econômica intensa e ampla, feita pela terra e pelos rios, além de tratar sobre assuntos relacionados 19 à política comercial, os conflitos ocorridos pelas disputas de rotas de navegação no Atlântico e Pacífico. A Indústria do Açúcar nas Ilhas Inglesas e Francesas do Mar das Antilhas (1697- 1755) – A primeira parte da pesquisa traz os fatos históricos relevantes sobre o período estudado, mostrando as origens da lavoura canavieira e da manufatura do açúcar na região das Antilhas. Na segunda parte ela analisa as relações de produção, a evolução dos preços e a concorrência entre os mercados que comercializavam o açúcar. BUSCANDO CONHECIMENTO O texto a seguir faz parte da Tese: “Uma dinastia do capital nacional: a formação da riqueza dos Lacerda Franco e a diversificação da economia cafeeira paulista (1803 a 1897)” do historiador Gustavo Pereira da Silva. Suas considerações sobre a economia e produção local são interessantes para que tenha interesse em debruçar sobre este tema. DNA da riqueza paulista Tese revela como trajetória da família Lacerda Franco forjou a ‘locomotiva do Brasil’ CARMO GALLO NETTO Tese desenvolvida por Gustavo Pereira da Silva junto ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp procura elucidar como se deu a formação, a acumulação e a diversificação da riqueza dos membros da família Lacerda Franco durante o século XIX. Estudando a trajetória desta família, o autor procura desvendar a dinâmica da riqueza paulista no século que antecedeu a transformação da São Paulo do café na 20 capital industrial do Brasil. Para ele, os Lacerda Franco testemunham o que acontecia na província em uma época: “Parti do micro para entender o macro”, diz. A pesquisa documental foi realizada no Arquivo Público do Estado de São Paulo e nos arquivos da Associação Comercial de Santos e das fazendas Montevidéo (Araras/SP) e Paraizo (São Carlos/SP), ambas pertencentes a descendentes da família. Silva recebeu orientação da professora Lígia Maria Osório Silva e contou com financiamento da Fapesp. Criando porcos, gado, cavalos, mulas, produzindo gêneros básicos da alimentação paulista como arroz, feijão, milho – e inclusive cachaça – para o mercado interno, dinastias nacionais chegaram à exportação de açúcar e de café que as levaram à acumulação de capitais que alavancariam os primórdios da indústria paulista, transformando São Paulo na “locomotiva do Brasil”. (...) Na segunda metade do século XIX ocorreu a transição das lavouras paulistas da cana para o café ao longo do Oeste Paulista (região hoje coberta pela via Anhanguera). A elevada demanda internacional da bebida dinamizava economicamente São Paulo no Império e impunha a busca de novas terras, mais distantes de Santos, aumentando os custos de transporte. Simultaneamente, o fim do tráfico negreiro agravou a escassez de mão de obra. As famílias dos produtores paulistas enfrentam esses obstáculos utilizando os capitais, até então acumulados, na construção no Oeste Paulista das ferrovias necessárias, valendo- se da constituição de sociedades anônimas. A imigração europeia subsidiada introduziu o trabalho assalariado e o governo provincial, respondendo a uma demanda da elite cafeeira, encarregava-se de financiar “os intentos orquestrados pelos cafeicultores”, diz o autor do estudo. Também durante a segunda metade do século XIX o associativismo marcou os Lacerda Franco. A riqueza familiar era reorganizada através de matrimônios e de heranças disponibilizando capitais que passaram a ser empregados na formação de sociedades que tinham 21 como característica predominante a preferência pela associação entre familiares. Foi assim que surgiu a Lacerda & Irmãos – sociedade agrícola que produzia café; a J. F. de Lacerda & Cia. – casacomissária e exportadora de café; a Lacerda, Camargo & Cia. – firma industrial que importava e produzia máquinas para outras indústrias; e o Banco União de São Paulo – que, entre seus ativos, contava com uma fábrica têxtil, a atual Votorantim. Essas empresas atendiam à crescente economia cafeeira paulista e às demandas da nova organização social. Exportação e importação A casa comissária era o principal dos empreendimentos dos Lacerda Franco por englobar o maior número de familiares e por se constituir fonte de recursos e expertise aos outros negócios da família. Inicialmente, a casa comercializava diferentes gêneros agrícolas, como café, comprando dos produtores paulistas e vendendo aos exportadores, em geral estrangeiros, no porto de Santos. Mas, simultaneamente, adquiria de importadores bens que revendia a fazendeiros e lojistas que comercializavam esses produtos no varejo. Assim, a comissária atuava como intermediária na exportação agrícola e na importação de bebidas, móveis, sal, cal, vidro, ferro, papel, tintas, enfim tudo que não era produzido no país. Todavia, a casa se distinguiu das congêneres nacionais ao expandir suas atividades tornando-se também uma firma exportadora. Segundo Gustavo, “a J. F. de Lacerda & Cia. merece destaque por englobar atividades exercidas pelos demais empreendimentos porque, como casa exportadora, mantinha laços com firmas estrangeiras que lhe possibilitavam a importação de matérias-primas – como ferro aço e vidro – necessárias a outras empresas do grupo. Além disso, importava máquinas, equipamentos e bens consumidos pela elite”. Para o pesquisador, a elevada lucratividade da casa comissária levou um dos seus membros a participar da constituição do Banco União de São Paulo, em 1890, um dos poucos bancos com o privilégio de emitir moeda no início da República. Outros sócios da empresa fundaram a Lacerda, Camargo & Cia que importava e produzia máquinas no Brasil. Os lucros revertiam para a própria economia paulista ao serem 22 investidos em ações de ferrovias, bancos, empresas de serviços públicos, além de imóveis e novos cafezais. Gustavo Pereira da Silva explica que em um mundo pós-Revolução Industrial a demanda por café por parte dos trabalhadores crescia na mesma proporção que a necessidade de matérias-primas. Nesse mundo novo, aberto às novas possibilidades e à livre iniciativa, o café constituía o estimulante perfeito às novas necessidades do homem moderno, dinâmico e produtivo. O capitalismo industrial que movia as sociedades centrais era o mesmo que engatinhava na ex-colônia portuguesa. Após a Abolição, a formação de um mercado de trabalho e consumidor estabelecia as bases para o capitalismo brasileiro. Para ele, a pujança e diversificação dos investimentos da família Lacerda Franco dão mostras da força do capitalismo nacional no século XIX, na figura dos representantes do grande capital cafeeiro, através de figuras que, apesar terem seus capitais originários da lavoura, embrenharam-se nos mais diversos empreendimentos ligados à produção e comércio, possibilitando a formação de uma riqueza portentosa e diversificada, conforme permitiram apreender as análises dos vários documentos da fazenda Montevidéo e Paraizo, encontrando-se esta última ainda nas mãos dos Lacerda Franco. Sobre a dimensão da riqueza acumulada pelos cafeicultores, o autor lembra que o café tornou-se o primeiro produto da pauta de exportação brasileira por volta de 1830 e só perdeu essa posição depois de 1950, ocupando o primeiro lugar na economia brasileira por cerca de 130 anos. (...) As associações de capitais, familiares ou não, visam à ampliação de mercados e dos domínios econômicos e políticos. Antes isso se fazia com a aquisição de terras e escravos, o concurso das uniões familiares e utilização de heranças. À semelhança da dinastia dos Lacerda Franco na São Paulo do café, ainda hoje, grandes grupos familiares exercem elevado poder na economia nacional. Adaptado de. DNA da riqueza paulista. Jornal da Unicamp. Campinas, 19 a 25 de março de 2012 – ANO XXVI – Nº 520. Acesso em http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/marco2012/ju520_pag03.php# 23 UNIDADE 5. CIDADE E PATRIMÔNIO – PARTE I CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Nesta unidade serão apresentados a problematização dos conceitos cidade e patrimônio, que levará a debater questões como história, memória, passado, preservação e espaços públicos. A partir das considerações dos historiadores Pierre Nora, Cristina Helou Gomide e Maria Célia Paoli, você compreenderá que as políticas patrimoniais têm se aproximado das discussões travadas no âmbito da cultura e incorporado valores que não se restringem somente ao passado colonial ou às formas tradicionais acabadas, definidas. Atualmente, tem-se revisto o próprio conceito de patrimônio aproximando-o, de elementos do cotidiano, constituindo muitas memórias e trazendo outras histórias. ESTUDANDO E REFLETINDO História e Memória: uma breve reflexão para o historiador Muito se fala e se reflete que vivemos numa sociedade marcada pela aceleração do tempo presente, pelo instantâneo, pelo efêmero e pela crescente diminuição de densidade temporal entre os acontecimentos e a sua percepção. É o tempo da aceleração da história que nos leva a um sentimento de ruptura com passado e ao sentimento de que a relação entre o passado e o presente vivido está ficando cada vez mais residual. Neste momento, o tema da memória está cada vez mais em voga, inclusive quando queremos discutir sobre patrimônio. (MENESES, 1992). Lembrar o passado é essencial para a construção de nossas identidades atuais e para as indagações de nosso presente. É a partir do presente que lembramos o passado. Nesse sentido, estamos entendendo a memória como um processo subordinado à dinâmica social e cuja elaboração só ocorre a partir do presente para responder às solicitações do presente. (MENESES, 1992). 24 De acordo com Nora (1993), memória e história, podem ser considerados termos diferentes, opostos. Segundo o autor a memória é criada a partir de um processo de vivência, conduzida por grupos vivos, portanto: “A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações” (NORA, 1993). Com o qualquer experiência humana, a memória é um campo de luta, de luta política, no qual se confrontam memórias hegemônicas com outras infindáveis memórias produzidas na vida cotidiana por diversos sujeitos sociais, cujas narrativas nos mostram formas de resistências diárias, conquistas, crenças, sonhos e projetos mesmo que ainda não realizados. Não podemos entender memória como um lugar de depósitos informações, um lugar onde se recorda a história. Os sujeitos são múltiplos e experiências vivenciadas por cada um também diversas memórias são tecidas no seio dessa multiplicidade num refazer-se e num embate constante. Segundo Alessandro Portelli (2001) a memória deve ser encarada como história, como “sinal de luta”, como “processo em andamento”. De acordo com Nora: “A história é reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou projeções. A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança no sagrado, a histórialiberta, e a torna sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo” (NORA, 1993). 25 Toda pessoa carrega em si diversas lembranças, seja do seu passado, de sua interação com a sociedade, com grupos ou instituições. É partir dessas conexões que são feitas ao longo da vida que o indivíduo constrói sua memória. Um dos fatores mais importantes, quando falamos em memória é a linguagem. As trocas entre os elementos de um ou mais grupos só é possível através da linguagem. Preservar é uma ação fundamental quando se pensa em memória, e traz à mente o conceito de respeito, proteção, cuidado e zelo. Preservar não é apenas guardar – preservar a memória também significa trabalhar com cadastros, levantamentos, dados estatísticos, registros, inventários, entre outros. A preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural é necessária pois esse patrimônio é o testemunho vivo da herança cultural de gerações passadas que exerce papel fundamental no momento presente e se projeta para o futuro, transmitindo às gerações por vir as referências de um tempo e de um espaço singulares, que jamais serão revividos, mas revisitados, criando a consciência da intercomunicabilidade da história. Compreendendo a memória social, artística e cultural é que se pode perceber e controlar o processo de evolução a que está inevitavelmente exposto o saber e o saber fazer de um povo. (MAIA, 2003) Nessa perspectiva é possível lidar com “memória” e com “patrimônio” entendendo-os como processos em constante formação e como campos de disputas, procurando contribuir sobre questões de cidadania em pauta hoje, que também passam pelo direito à memória. BUSCANDO CONHECIMENTO Como sugestão, segue abaixo o link de um documentário produzido pelo Centro de Documentação da Universidade de Brasília (CEDOC-UnB), Intitulado História e Memória em Construção. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=IzUzUfCh2JK>. Acesso em 15 de janeiro de 2015. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Fkw6pgKHjAE>. Acesso em 16 de janeiro de 2015. 26 UNIDADE 6. CIDADE E PATRIMÔNIO – PARTE II CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Nesta unidade serão apresentados a problematização dos conceitos cidade e patrimônio, que levará a debater questões como história, memória, passado, preservação e espaços públicos. A partir das considerações dos historiadores Pierre Nora, Cristina Helou Gomide e Maria Célia Paoli, você compreenderá que as políticas patrimoniais têm se aproximado das discussões travadas no âmbito da cultura e incorporado valores que não se restringem somente ao passado colonial ou às formas tradicionais acabadas, definidas. Atualmente, tem-se revisto o próprio conceito de patrimônio aproximando-o, de elementos do cotidiano, constituindo muitas memórias e trazendo outras histórias. ESTUDANDO E REFLETINDO Cidade e Patrimônio: pelo direito à memória e à história Para você que tem interesse em problematizar questões sobre patrimônio, imediatamente este tema te levará a debater questões como história, memória, passado, preservação, espaços públicos e cidades. Quando se fala em patrimônio histórico, pensa-se quase sempre em uma imagem congelada do passado. Um passado paralisado em museus cheios de objetos que ali estão para atestar que há uma herança coletiva – cuja função social parece suspeita. Monumentos arquitetônicos e obras de arte espalhadas pela cidade, cuja visibilidade se achata no meio da paisagem urbana. Documentos e material historiográfico que parecem interessar somente a exóticos pesquisadores. (PAOLI,1992). Nos últimos anos os historiadores têm ampliado a noção de “patrimônio histórico” evocando as imagens de um passado vivo: acontecimentos e coisas que merecem ser preservadas porque são coletivamente significativas em sua heterogeneidade. 27 Políticas patrimoniais têm se aproximado das discussões culturais e tentado trazer valores que não se restringem somente ao passado colonial ou às formas tradicionais acabadas, definidas. Atualmente, tem-se revisto o próprio conceito de patrimônio aproximando-o, nas reflexões, de elementos que têm constituído as memórias e a vida das pessoas que residem em lugares históricos. Na própria Constituição da República de 1988, a discussão sobre o alargamento da noção de patrimônio se faz presente. No Título VIII (Capítulo III/Seção II) Da cultura. O Artigo 216 destaca o patrimônio cultural, incluindo nas formas de vigilância e preservação dos bens culturais a participação de comunidades locais: Etimologicamente, ‘patrimônio’ vem do latim patrimonium e está associado à ideia de uma propriedade herdada do pai ou de ouro ancestral. No contexto das narrativas nacionalistas de preservação histórica do Brasil, a palavra é usada para significar uma determinada espécie de propriedade nacional’. [...] a ‘propriedade’ é o que define a pessoa. Em outras palavras, sou um indivíduo, no sentido moderno do termo, na medida em que sou proprietário de algum bem. Assim, as nações modernas, que são ‘indivíduos coletivos’ ou ‘coleções de indivíduos’[“...] individualizam-se ao assumirem suas propriedades, particularmente, suas propriedades culturais, seus ‘patrimônios’”. Ver GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda – os discursos do patrimônio cultural Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Ministério da Cultura - IPHAN, 2002, p. 78-79 Art. 216. Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; VI – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico ecológico e científico. 28 O conceito patrimônio possui diversas abordagens, dentre elas podemos destacar algumas visões algumas perspectivas que dividem didaticamente a noção para facilitar a compreensão: A Unesco define como Patrimônio Cultural Imaterial " as práticas, representações, expressões conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural." O Patrimônio Imaterial é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. O Patrimônio Material com base em legislações específicas é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza nos quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Eles estão divididos em bens imóveis como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; e móveis comocoleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos. BUSCANDO CONHECIMENTO Para a historiadora Cristina Helou Gomide em seu trabalho: Antiga Vila Boa de Goiás – experiências e memórias na/da cidade patrimônio, estudou este tema e tratou a noção de patrimônio mais do que uma temática de estudo; é uma problemática social, vivido e construído ao longo do tempo, enquadrando certas cidades em padrões semelhantes de exposição. Dentro desses padrões, lugares, sujeitos, valores e imagens são colocados em destaque, realimentando forças hegemônicas na própria cidade, numa articulação entre valores culturais, interesses políticos, tendências de mercado e formas midiáticas de comunicação social. (GOMIDE, 2007). Em seus estudos destacou o trabalho sobre patrimônio através de usos de 29 folders do poder público para divulgar a cidade, as festas e a região. De acordo com a historiadora é significativo levar em conta que interesses políticos que envolvem a preservação de uma história local e seu papel de destaque na configuração de espaços considerados de importância patrimonial na cidade, forjando imagens que alimentam imaginário de cidade histórica. Os folders trazem um diálogo com o tempo, com valores, expressões e sentimentos preservação e noções de patrimônio articulando presente-passado e possibilidades futuras. Valorizando práticas artesanais e pessoas com visibilidade pública que compõem uma história mais recente, tendências patrimoniais se expressam nesses materiais que servem de fontes para os historiadores. Também a imprensa ocupa um papel fundamental na divulgação de conceitos que cristalizam no imaginário popular. A imprensa, aborda valores patrimoniais, constrói narrativa realimentada de valores patrimoniais sobre determinados lugares, projetos e interesses (GOMIDE, 2007). Cabe a você prezado (a) historiador (a) ter a sensibilidade e perceber estas problemáticas na sua cidade e região. 30 UNIDADE 7. CULTURA E IDENTIDADE REGIONAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Nesta unidade, estudaremos o conceito de cultura a partir das reflexões de Raymond Williams: a cultura e a identidade regional e como esses dois fatores contribuem para o desenvolvimento da sociedade. Abordaremos, ainda, um pouco do regionalismo paulista, os costumes, o processo de urbanização dessa região e como ela influencia os demais estados. ESTUDANDO E REFLETINDO Cultura: reflexões e conceitos Entende-se o conceito de cultura como o de Raymond Williams, que vai além da classificação geral das “artes”, religião, crenças, instituições e prática de significados e valores alcançando o significado do termo como um processo social constitutivo, que cria “modos de vida” específicos e diferentes e não podemos dissociar cultura da produção da vida material, porque ela é produzida pelos homens por meio de seu trabalho e nas relações que estabelecem entre si na sociedade. (WILLIAMS,1979). Nesse sentido, a cultura abrange diferentes aspectos da vida: costumes, valores, língua, conhecimentos, símbolos, comportamento seja ele social, econômico ou político, formas de tomar decisões e de exercer o poder. Segundo Claxton (1994) a cultura também abrange uma interpretação global da natureza, constituindo um sistema totalizante para compreensão e transformação do Nessa concepção, a compreensão do significado de cultura não está separada da esfera da vida cotidiana. As complexas relações que os homens estabelecem em sociedade estão materializadas na produção cultural que, segundo Williams, encontram-se entrelaçadas entre os sistemas de decisão, de comunicação, de aprendizagem, de manutenção, de geração e criação. (WILLIAMS, 1979). 31 mundo, e estabelecendo, por outro lado, relações sistemáticas entre todos os aspectos da vida humana, todas as expressões produtivas das comunidades, sejam elas tecnológicas, econômicas, artísticas ou domésticas. Figura: Personagens típicos de cada região do Brasil Fonte: http://www.mundodastribos.com/folclore-brasileiro-tudo-que-voce-quer-saber.html A identidade cultural na pós-modernidade Natural de Kingston – Jamaica, nascido em 03 de fevereiro de 1932, Stuart Hall, vive na Grã-Bretanha desde 1951. Estudou como um bolsista Rhodes no Merton College, na Universidade de Oxford, onde obteve o seu mestrado. Nos anos 1950, após ter trabalhado na Universities and Left Review, juntou-se a E. P. Thompson, Raymond Williams e outros para fundar a revista New Left Review, sua carreira deslanchou após ser coautor com Paddy Whannel “The popular arts” em 1964. Hall sempre trata em seus textos questões que envolvem identidade, estudos culturais, mídia, relações de poder, preconceito racial. E nesta obra A identidade cultural na pós-modernidade, que possui seis capítulos, que vão tratar, ao decorrer da obra, da famosa "crise de identidade" e o que ela é e como ela surgiu O autor já no inicio da obra aponta que a identidade não possui padrão, ela não é 32 única, mesmo que se estabeleça uma unidade a ela, a identidade não é fixa, ela muda de acordo com nossas identificações no decorrer da historia. É as conexões que a globalização proporciona, em que transforma aquela sociedade considerada fixa, para uma sociedade em constante mudança, descentrada, da mesma forma como os sujeitos, não tendo um centro, mas vários centros de poder. Não existe identidade única, pois ela é composta por várias outras, só temos a impressão de ser única por sermos dominados pelo exercício de um poder cultural, que estabelece as identidades nacionais como unificadas. Dessa forma, com a globalização que atua de maneira ofensiva sobre as identidades culturais, por integrar as comunidades, os discursos nelas existentes, não estabelecendo fronteiras, desintegrando os padrões, formando identidades hibridas e às vezes reforçando identidades locais que resistem a essa globalização. Contudo, podemos ter identidades compartilhadas, a medida que as migrações populacionais crescem, as culturas vão sendo deslocadas dos seus tempos, territórios, historias e tradições, se tornando pluralizada, sendo possível escolher minha identidade, pois no país em que estou posso provar da culinária, participar da religião, ter uma roupa, entre outros, que fazem parte de outro país, outra identidade, outra cultura 33 HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomás Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro DP&A, 2006. Leia mais em: http://www.webartigos.com/artigos/a-identidade-cultural-na- posmodernidade/89167/#ixzz1xRvACDgY Identidade cultural ou identidades culturais? “A identidade cultural é um conjunto vivo de relações sociais e patrimônios simbólicos historicamente compartilhados que estabelecem a comunhão de determinados valores entre os membros de uma sociedade. Sendo um conceito de trânsito intenso e tamanha complexidade, podemos compreender a constituição de uma identidade em manifestações que podem envolver um amplo número de situações que vão desde a fala até a participação em certos eventos.” (SOUSA, 2012). Durante muito tempo, a ideia de uma identidade cultural não foi devidamente problematizada no campo das ciências humanas. Com o desenvolvimento das sociedades modernas, muitos teóricos tiveram grande preocupação em apontar o enorme “perigo” que o avanço das transformações tecnológicas, econômicas e políticas poderiam oferecer a determinados grupos sociais. Nesse âmbito, principalmente os folcloristas defendiam a preservação de certas práticas e tradições. (SOUSA, 2012). Por outro lado, algumas recentes teorias culturais desenvolvidas no campo das ciências humanasdesempenharam o papel inovador de questionar o próprio conceito de identidade cultural. De acordo com essa nova corrente, muito em voga com o desenvolvimento da globalização, a identidade cultural não pode ser vista como sendo um conjunto de valores fixos e imutáveis que definem o indivíduo e a coletividade da qual ele faz parte. (SOUSA, 2012). De acordo com Rainer Souza (2012), um dos mais conhecidos exemplos dessa nova tendência que pensa a questão das identidades pode ser encontrada na obra do pesquisador Nestor Garcia Canclini. Em vários de seus escritos, este pensador tem a recorrente preocupação de analisar diversas situações nas quais mostra que a cultura e as identidades não podem ser pensadas como um patrimônio a ser preservado. Longe disso, ele assinala que o intercâmbio e a modificação são caminhos que orientam a formulação e a construção das identidades. 34 Com esses referenciais, antigos problemas que organizavam os estudos culturais perdem a sua força para uma visão de natureza mais ampla e flexível. Para Rainer Souza, (2012) a antiga dicotomia que propunha a cisão entre “cultura popular” e “cultura erudita”, por exemplo, deixa de legitimar a ordenação das identidades por meio de pressupostos que atestavam a presença de esferas culturais intocáveis em uma mesma sociedade. Além disso, outras investigações cumpriram o papel de questionar profundamente o clássico conceito de aculturação. Partindo dessas novas noções de identidade, antigos temas relacionados à cultura que aparentavam completo esgotamento ganharam um novo fôlego interpretativo. Quanto à identidade cultural dos brasileiros, ela vai muito além das relações interpessoais sendo representadas também pelas características físicas, comidas típicas, vestuário, festas, a paixão pelo futebol, o uso de pronomes e demais costumes de um povo. BUSCANDO CONHECIMENTO Documentário - TV Escola Pluralidade Cultural Quem são eles Índios no Brasil. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=7MBH2qRQVzk>. Acesso em 19 de janeiro de 2015. As identidades passaram a ser trabalhadas com definições menos rígidas. Diversos estudos vão contra a ideia de que uma população deve abraçar a sua cultura e garantir todas as formas possíveis de cristalizá-la. “Dessa forma, presenciamos a abertura de novas possibilidades de entender o comportamento do homem com seu mundo”. (SOUSA, 2012). 35 UNIDADE 8. FRINTEIRAS, TERRITÓRIOS E PODER LOCAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Nesta unidade, serão estudados os conceitos de fronteiras, mandonismo, identidades e territorialidades e como estes termos se relacionam e estão posicionados na produção da historiográfica. A partir do diálogo interdisciplinar estabelecido com historiadores, urbanistas, sociólogos, é possivel identificarmos alguns elementos para pensarmos na produção de pesquisas em história regional. ESTUDANDO E REFLETINDO Território e Poder Local: possibilidades de pesquisa na história regional Muito já se estudou sobre o coronelismo e o mandonismo local na história do Brasil. As relações de poder locais e regionais constituídas no final do século XIX e início do século XX , como se sabe, se sustentaram sobre o controle de um chefe oligárquico, comumente chamado de coronel. As bases agrárias da economia garantiam esse controle, também favorecido pelas relações pactuadas com o centro político nacional que mantinham, reciprocamente, a reedição periódica deste poder. (AMARAL, 2007). Hoje, tais relações estão permeadas de novos atores e componentes políticos e econômicos, como a expansão da industrialização e a migração para os centros urbanos. Mas, basta observar os cenários políticos regionais para vermos presentes e atuantes representantes do mandonismo local. Eleições são ainda definidas pela troca de favores e pelas ameaças de retaliação. Não cabe aqui um aprofundamento desta discussão, mas apenas situar esse dado para que se discuta como isso ainda repercute sobre o ensino dos conteúdos regionais e locais. (AMARAL, 2007). Por outro lado, o conceito de território tem retornado muito importante para as políticas públicas nas diferentes escalas de poder. Para Milton Santos: 36 Por território entende-se geralmente a extensão apropriada e usada. (...) O uso do território pode ser definido pela implantação de infraestruturas, para as quais estamos igualmente utilizando a denominação sistemas de engenharia, mas também pelo dinamismo da economia e da sociedade. São os movimentos da população, a distribuição da agricultura, da indústria e dos serviços, o arcabouço normativo, incluídas a legislação civil, fiscal e financeira, que, juntamente com o alcance e a extensão da cidadania, configuram as funções do novo espaço geográfico. (Santos; Silveira, 2003). Moraes (2003) relaciona o poder ao território: Um espaço de exercício de um poder, o qual no mundo moderno se apresenta como um poder basicamente centralizado no Estado. Trata-se, portanto, da área de manifestação de uma soberania estatal, delimitada pela jurisdição de uma dada legislação e de uma autoridade. O território é, assim, qualificado pelo domínio político de uma porção da superfície terrestre. (Moraes, 2003 p. 23) Giddens (1998) define o poder como o uso de recursos, de qualquer natureza para assegurar resultados. O poder pode ser entendido como uma ação ou intervenção de que um agente é capaz ou também pode ser definido como a capacidade de um ser humano em intervir e transformar o curso natural dos acontecimentos. A produção do espaço, o território nacional, espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que se instalam: estradas, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários, auto- estradas e rotas aéreas, etc. É, portanto um espaço material - natural - no qual se inscrevem os atos das gerações, das classes, dos poderes políticos como produtores de objetos e de realidades duráveis (não só as coisas, os produtos, os utensílios e as mercadorias) (Lefebvre, 1978). Raffestin (1993) afirma que a apropriação do espaço e a territorialização é consequência da ação conduzida por um ator coletivo, resulta no fato de que o Estado, a empresa ou outras organizações organizam o território através da implantação de novos recortes e ligações. Desenvolvimento territorial 37 Raffestin (1993) descreve a territorialidade como: A territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do “vivido” territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens “vivem”, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas. Quer se trate de relações existenciais ou produtivistas, todas são relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais. (Raffestin, 1993, p. 46) Partindo dessa definição, o desenvolvimento de micro e macro localidades ou regiões por meio de mudanças estruturais, sociais, políticas e econômicas consistem no desenvolvimento territorial. Fronteiras e Espaços: breve discussão dos conceitos Segundo Jones (1959), as limes, nome que deram às fronteiras, designavam originalmente o caminho ao longo do limite de uma propriedade. Anos depois esse termo passou a ser usado pelos militares para designar uma estrada fortificada em zona de fronteira e tempos depois significava apenas zona de fronteira. Para alguns historiadores que possuem como objeto de estudo temas relacionados às experiências de moradores em praças, bairros, guetos, tem problematizado o conceito de território como uma categoria de análise que permitepensar os espaços em termos de identidades, já que neles grupos e sujeitos, através de suas relações sociais e experiências de vida, imprimem marcas, histórias e memórias que lhes permitem viver um sentimento de pertencimento e ao mesmo tempo de reconhecimento nesses lugares. In: ROLNICK, Raquel. História Urbana: História na Cidade? In: FERNANDES, Ana e GOMES Marco Aurélio de Filgueiras (orgs). Cidade e História. Modernização das cidades brasileiras nos séculos XIX XX. Salvador: UFBA, 1992.p. 27-29. 38 O conceito de fronteira parte de duas ideias centrais, segundo Silva (2001): - Expansão de povos ou sistemas sobre território adjacente, compreendendo, inicialmente, operações de guerra e controle militar; - Consolidação do processo de apropriação de territórios através da colonização das terras conquistadas, fazendo uso do expediente de distribuição de terras entre a população vencedora; Ambos são reencontrados em outros lugares e outros tempos, um dos casos mais famosos foi a expansão para o oeste nos Estados Unidos do século XIX. O conceito de fronteira está diretamente ligado a assuntos imperiais e militares e também a processos territoriais como colonização, interação e povoamento. Segundo Freitas (2012) Diversas vezes a expressão limite é confundida com fronteira, no entanto, essa corresponde a toda extensão da linha limite de um país (exemplo fronteira entre Argentina e Brasil). Todo país que possui litoral detém parte do território em áreas marinhas até certo ponto do oceano, denominada de fronteira marítima. O objetivo de definir limites é para identificar onde começa e onde termina um território. Essas delimitações são firmadas por meio de acordos e contratos que definem onde começa, por exemplo, uma cidade; como as linhas de divisão são imaginárias, é muito comum utilizar como ponto de referência alguns elementos naturais, como rios, montanhas, entre outros. A fronteira é: “à primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferentes razões são diferentes entre si (...) a um só tempo é o lugar de descoberta do outro, e de desencontro. O desencontro e o conflito decorrentes das diferentes concepções de vida e visões de mundo de cada um (...). O desencontro nas fronteiras é o desencontro de temporalidades históricas.” A fronteira está, portanto, nos homens. 39 A ideia é não conceber o espaço de forma estática, pois longe de ser um cenário fixo, pois nos espaços, territórios, nas fronteiras se desenrolam as histórias, devem ser vistos como construção histórica reinventada por múltiplas temporalidades. É imprescindível estudar as relações dos homens e mulheres não num cenário, mas com um cenário também fluido, instável, histórico, como resultante momentâneo de posições e relações entre os agentes. Conforme Albuquerque (2008, p. 71-72): Podemos dizer que hoje estamos diante de uma nova forma de se relacionar com e perceber os espaços, que é da ordem da relação, que é da ordem do posicionamento. O posicionamento é definido pelas relações de vizinhança, de aproximação, de convivência de coextensão, de coabitação, de conflito, de tensão, de afrontamento, entre diversos pontos ou elementos, formando séries, organogramas, redes, reticulados, tramas.[...] Cada atividade humana carrega em si uma dimensão espacial que a ela pertence e por ela é definida. (ALBUQUERQUE, 2008) BUSCANDO CONHECIMENTO As fronteiras, identidades e territorialidades se fazem e desfazem ao sabor de suas relações, e estes conceitos se constituem, portanto, em locus privilegiados da análise do historiador. As fronteiras, as identidades espaciais, os territórios, os lugares passam a ser pensados como tendo sido definidos a partir de contendas, de conflitos, sendo frutos de relações que se estabeleceram entre diferentes agentes e agências em um dado momento histórico, sendo, portanto, passíveis de dissolução, desconstrução, sempre que as relações sociais que os engendraram sejam modificadas, que os saberes que os puseram de pé sejam desmontados e que as relações de poder que os sustentaram sofram deslocamentos. (ALBUQUERQUE, 2008) 40 UNIDADE 9. O LOCAL E O REGIONAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Refletir e sobre as diferenças entre o local e o regional. ESTUDANDO E REFLETINDO Até o século XVIII, no mundo inteiro as regiões constituíam “países”, no sentido de que elas eram não apenas a unidade apropriada para o estudo das sociedades, mas porque elas eram, de fato, os habitats dos homens e mulheres pré-modernos. Para a quase totalidade das populações comuns da Antiguidade, da Idade Média e da Idade Moderna – que trabalhavam, comiam e dormiam, procuravam cônjuges e geravam filhos, elaboravam saberes variados e realizavam festas e ritos numerosos -, a faina diária transcorria em limites espaciais estreitos, no interior de círculos cujos raios alcançavam pequena distância percorrida em um ou dois dias de marcha a pé ou a cavalo. Assim, os reinos, impérios e países pré-modernos eram justa-posiçoes de regiões que conservavam alto grau de autonomia econômica, social e cultural. Cada uma das regiões era dotada de hábitos e costumes específicos, possuía suas próprias normas de convívio e formas de hierarquia social, empregava técnicas e instrumentos diversos. Cada região pouco sabia do que se passava na outra. Material e ideologicamente, a identidade dos homens dessas sociedades pré-modernas se assentava no conjunto de aldeias e de regiões onde desenrolavam suas limitadas experiências. A centralidade do “local” e do “regional” é exemplo, portanto, de uma estrutura que moldou a via social por milênios, seja no Egito faraônico ou na França dos Bourbon. Todavia, a partir dos séculos XV e XVI, as barreiras espaciais começaram a ser progressivamente destruídas, promovendo o desencravamento de muitas regiões. A irradiação planetária do domínio europeu fez surgir a “verdadeira história universal” e colocou as escalas nacional e internacional no topo das preocupações dos 41 historiadores. A expansão da modernidade, do Estado, do capitalismo e das filosofias universalistas (típicas do renascimento e do Iluminismo) tentou pôr fim às singularidades e autonomias das antigas regiões. O ataque à independência da fortaleza regional é o trabalho contínuo da modernidade. O regional e o global na modernidade O deslocamento da posição destacada que as regiões ocupavam na vida das pessoas está associado ao desenvolvimento da economia global. Entre os séculos XV e XVII, as grandes navegações e o sistema colonial conectaram organicamente a Europa, a América e o litoral africano, ao mesmo tempo em que ampliaram os intercâmbios comerciais com a Ásia. A expansão da economia de mercado no continente europeu foi suficiente para gerar forças unificadoras/ integradoras no seu interior. Vastas redes de comerciantes surgiram para distribuir os grandes carregamentos vindos da América e da Ásia. Grandes companhias de comércio e de financistas começaram a atuar em toda a Europa e nas colônias ultramarinas. Dessa forma, processos de abertura e assimilação de novas influências (hábitos, gostos, técnicas, ideias, valores) aproximaram e aplainaram as diferenças regionais. Outro vetor que contribuiu decisivamente para esmaecer o colorido intenso dos mosaicos regionais foi a constituição/ consolidação do Estado moderno. Desde o final da Idade Média, um processo histórico complexo logrou a eliminação de centenas de casas principescas, que cederam lugar a algumas dezenas de dezenas de Estados. As trajetórias dos Estados modernos alimentaram impulsos homogeneizadores. Afinal, no plano interno, essas novas formas de dominação combateram sem trégua os particularismos e buscaram alcançar a condição de lugar principal aoredor do qual se organizam as identidades e as lealdades individuais e coletivas. O Estado moderno investiu no “nacional” em detrimento do grupo de parentesco, da comunidade local e da organização religiosa. A batalha do estado contra os regionalismos alcançou o ápice com o nacionalismo político dos séculos XIX e XX. Lançando mão de um trabalho sobre a memória, a partir da manipulação de referenciais e símbolos históricos, o Estado moderno forjou a ideia de “nação” e, por conseguinte, alcançou significativa uniformidade dos comportamentos das pessoas no interior de seus territórios. 42 O Estado moderno. Fonte: <http://www.webquestfacil.com.br/webquest.php?pg=processo&wq=4237>. Acesso em 15/12/2014. Assim, por exemplo, o Estado criou bandeira, hinos, festas cívicas, moedas com efígies de heróis e governantes, animais e monumentos característicos do país e, sobretudo, difundiu uma história e um idioma oficiais ensinados com diligência numa rede crescente de escolas fundamentais públicas. Com estes e diversos outros recursos, o Estado moderno tornou mais uniformes os hábitos, costumes, valores, crenças e ideias de seus habitantes, independentemente das regiões de onde eles provinham. Um terceiro vetor que concorreu para dissolver a importância do “regional” e do “local” como foco da vida dos grupos e indivíduos foi o Iluminismo, movimento intelectual do século XVIII. As novas ideias iluministas apostaram firmemente na uniformização das sociedades, como resultante da marcha da história sob escudo do progresso material, científico e moral da humanidade. Para os iluministas, todos os povos e todas as partes da Terra, num futuro não muito longínquo e a despeito das especificidades sociais e das crises históricas, convergiriam para padrões muito similares de instituições econômicas, políticas e culturais. No andamento do século XIX, tanto os pensadores europeus conservadores quanto os de esquerda acreditavam que as diferenças entre os povos e as regiões diminuiriam continuamente. Todos os espaços do mapa ficariam preenchidos com indústrias, cidades, campos de energia, 43 minas sob a terra, redes de estradas, meios de comunicação, monumentos grandiosos e invenções maravilhosas. No século XX, a corrente principal dos marxistas acreditou que a modernização capitalista de tipo anglo-saxão abarcaria todo o planeta, porque corresponderia a uma transformação histórica não só inevitável como iminente. Para esses marxistas, as diferenças culturais seriam manifestações superficiais de forças econômicas, que desapareceriam ou encolheriam até a insignificância, por causa do avanço do conhecimento e da tecnologia. Entretanto, aos observadores atentos da história as duas últimas décadas do século XX e dos acontecimentos do início do terceiro milênio, fica claro qie o planeta não caminha no sentido de ser libertado das originalidades regionais e locais. É verdade que a globalização afeta cada quilômetro quadrado da superfície terrestre, aumentando a pressão sobre as culturas tradicionais e sobre as regiões. A compressão do espaço-tempo que a globalização produz tem o efeito de tornar cada canto do mundo muito parecido com os demais, porque difunde os mesmos valores e comportamentos, torna as comunicações instantâneas, da visibilidade a um conjunto restrito de marcas, sons e imagens, induzindo em milhões de pessoas um gosto padrão, mas também é verdade que isso ocorre de maneira desigual. Os impactos da globalização não desencadeiam processos iguais no Brasil e na China, no interior mineiro ou na metrópole paulista. Enfim, o regional continua sendo importante. BUSCANDO CONHECIMENTO Segue o link para o texto “A história local e regional: dimensões possíveis para os estudos histórico-educacionais” de autoria do pesquisador Carlos Henrique de Carvalho. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/che/article/view/273/281>. Acesso em 20 de janeiro de 2015. 44 UNIDADE 10. UM NOVO CONCEITO PARA O REGIONAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Aprofundar e problematizar o conceito regional (regionalismo). ESTUDANDO E REFLETINDO O desenvolvimento do capitalismo provoca inevitáveis transformações. Ao se expandir, o capitalismo encontra espaços com peculiaridades sociais, políticas e culturais diante das quais precisa adaptar-se para lograr sua implantação. Flexível, o capitalismo assume, por conseguinte, colorações diversas sobre a superfície do planeta, conservando e/ou dando novos significados a certos aspectos das culturas e dos espaços nacionais, regionais e locais. Assim, o capitalismo japonês não é inteiramente igual ao capitalismo norte-americano, nem este coincide perfeitamente com o capitalismo francês. Essas diferenças se manifestam tanto na cultura e nas instituições quanto no espaço. Uma lógica complexa de uniformização versus diferenciação é a marca da globalização capitalista. De modo mais preciso, há homogeneização do espaço capitalista, mas ela ocorre no interior e através da reorganização dos espaços regionais. O que se observa é, portanto, a resistência do “regional” e do “local”, porque certas diferenças não desaparecem. Mais do que isso: as pessoas e os grupos sociais, submetidos às tensões da “sociedade global” – os riscos ecológicos, o medo (do desemprego, do terrorismo, da competição), o individualismo exagerado, as frustrações do consumismo, etc. -, sinalizam para uma “perda de direção”. Questionam a realidade, refletem sobre a “perda de história”, reexaminam suas experiências de vida. Enfim, são assaltadas pela inquietação relativa à identidade. A globalização, ao deslocar antigas certezas e filiações, exige que os indivíduos e as nações repensem suas identidades. Neste momento, reaparecem as regiões, de mãos dadas com a revalorização da memória. Ao olharem ao redor, as pessoas buscam encontrar elementos de continuidade, alguma quantidade de símbolos de permanência, certo legado do 45 passado. Sem essas referências, tudo se torna insuportavelmente fugido, transitório, sem sentido. O “lugar” e a “região” respondem a demandas individuais e coletivas por segurança, continuidade histórica e pertencimento a algum tipo de comunidade de destino. Para novamente se sentirem sujeitos, as pessoas querem “voltar a viver em lugares”, entendidos como espaços concretos tecidos por relações sociais que conformam cotidianamente suas experiências individuais. Principalmente nas grandes metrópoles, justamente os pontos mais afetados pelo vetor da homogeneização capitalista, mais e mais gente busca especificidades, algo que seja querido, práticas e “cantinhos” que sejam seus, de seus vizinhos e amigos, experiências pessoais e comunitárias para rememorar e criar identidades. Almejam conhecer e reconhecer o espaço onde vivem, pertencer a ele e apropriar-se dele, na medida exata em que participam das redes de significados e sentidos que a vida ali gera, no trajeto da história. Mais e mais pessoas querem ver a cidade ou o campo como espaço para realizar sua vida interior, na moldura de uma paisagem multifacetada, rica e diversa, que é muito mais do que simples terreno dominado por mercadorias e fluxos organizados pelo relógio e pelo desejo do lucro. Como decorrência desse desejo, as diferenças entre as regiões e as especificidades dos lugares destacam-se, investidas de novas significações. Os vestígios do passado, as ruínas, os monumentos, os museus, recebem atenção especial. Crescem as exigências por novas narrativas e interpretações da história local e regional. Para os que lidam com a História, especialmente os professores, cabe a tarefa difícil de ajudar as pessoas a enxergarem que a marca do avanço do capitalismo pelo planeta é a sua enorme plasticidade. O capitalismo cresce em muitas variedades, porque se ajusta às crenças religiosas, relações familiares,
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