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HISTÓRIA HISTÓRIA REGIONAL Eber Mariano Teixeira Thiago Thomaz Garcia http://unar.info/ead2 HISTÓRIA REGIONAL Prof. Ms. Eber Mariano Teixeira Prof. Esp. Thiago Thomaz Garcia 2 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA .............................................................................................. 3 PROGRAMA DA DISCIPLINA ..................................................................................................... 4 UNIDADE 1. CONCEITOS E ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS ......................................... 6 UNIDADE 2. REGIÃO: CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO URBANO E RURAL ............................ 10 UNIDADE 3. O RURAL NO URBANO OU O URBANO NO RURAL? .................................... 13 UNIDADE 4. ECONOMIA, SOCIEDADE E HISTÓRIA REGIONAL .......................................... 17 UNIDADE 5. CIDADE E PATRIMÔNIO – PARTE I ................................................................... 23 UNIDADE 7. CULTURA E IDENTIDADE REGIONAL ................................................................ 30 UNIDADE 8. FRINTEIRAS, TERRITÓRIOS E PODER LOCAL ................................................... 35 UNIDADE 9. O LOCAL E O REGIONAL .................................................................................... 40 UNIDADE 10. UM NOVO CONCEITO PARA O REGIONAL ................................................... 44 UNIDADE 11. HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA: ESTUDOS REGIONAIS – PARTE I ............... 49 UNIDADE 12. HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA – ESTUDOS REGIONAIS – PARTE II ........... 53 UNIDADE 13. REGIÃO: UMA CATEGORIA HISTÓRICA ......................................................... 58 UNIDADE 14. REGIONALISMO HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ........................................... 62 UNIDADE 15. A MICRO HISTÓRIA .......................................................................................... 67 UNIDADE 16. A HISTÓRIA REGIONAL: AINDA NOVOS PARADIGMAS .............................. 71 UNIDADE 17. A NOVA HISTORIOGRAFIA: ESCOLA DOS ANNALES................................... 76 UNIDADE 18. ESCOLA DOS ANNALES: SEGUNDA GERAÇÃO ............................................ 80 UNIDADE 19. HISTÓRIA REGIONAL NA SALA DE AULA – PARTE I .................................... 84 UNIDADE 20. HISTÓRIA REGIONAL NA SALA DE AULA – PARTE II ................................... 88 3 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Esta obra é parte do material didático que dá suporte às suas atividades de autoestudo e autoformação no curso Licenciatura em História na modalidade a distância, pelo Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson - UNAR. Procure conhecer e explorar o máximo possível todo o material disponibilizado para o seu curso. É importante ter consciência de que este é um material básico, especialmente preparado para lhe oferecer uma visão essencial ao estudo do conteúdo de cada unidade proposta sobre História Regional. Portanto, ele não tem o objetivo de ser o único material para pesquisa e estudo. Pelo contrário, durante o decorrer dos textos, o próprio módulo sugerirá outras leituras, apontando onde você poderá encontrar fontes para aprofundar, verticalizar ou trazer outros olhares sobre os assuntos abordados. Então estudante, encare este material como um parceiro de estudo, dialogue com ele, procure as leituras que ele indica, desenvolva as atividades sugeridas e, junto com seus colegas, busque o apoio dos tutores. Bons estudos! Professor Eber Mariano Teixeira 4 PROGRAMA DA DISCIPLINA Ementa Contribuir para uma reflexão mais acurada sobre a História Regional, a fim de fazer emergir os diferentes sujeitos sociais nas formas improvisadas de organizar a sobrevivência material, as lutas, as resistências, as tensões e os conflitos. Neste sentido, o trabalho com a História Regional e local se coloca, hoje, como um campo de reflexão que pode render frutos à produção historiográfica, pois constitui um suporte material ao desenvolvimento de pesquisa a partir de temáticas regionais/locais. O estudo das muitas memórias e histórias em múltiplos lugares se insere num campo da luta política pelo direito à memória, ao buscar fazer leituras diferentes das versões autorizadas/estabelecidas pelos agentes dos poderes instituídos nas cidades/municipalidades. Objetivos ∑ Contribuir na atualização e capacitação do profissional da área de história, partindo de uma integração entre ensino e pesquisa. ∑ Desenvolver um diálogo de modo a formar alunos capacitados ao trabalho como o ensino e a pesquisa histórica em diferentes campos de atuação profissional. Bibliografia Básica FERRO, Marc. História Vigiada. São Paulo: Martins Fontes, 1989. GINZBURG, Carlo. A Micro-História e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. SILVA, Marcos (Org.). República em Migalhas: História Local e Regional. São Paulo: Marco Zero, 1990. 5 Bibliografia Complementar ALMEIDA, Carla Maria Carvalho; OLIVEIRA, Monica Ribeiro. Exercícios de micro- história. Rio de Janeiro: FGV, 2009. BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo (Séculos XV- XVIII). Vol. 3 (O Tempo do Mundo). São Paulo: Martins Fontes, 1996. BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História: Novas Perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. MANIQUE, A.P.; PROENÇA, M. C. Didactica da história: Patrimônio e história local. Lisboa: texto, 1994. MATOS, Alvaro. Primeiras jornadas de história local e regional. Portugal: Colibri, 1994. 6 UNIDADE 1. CONCEITOS E ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo Nesta unidade, propõe-se introduzir o conceito de História Regional na historiografia. É possível compreendermos as proposições enunciadas através de abordagens teóricas, exercícios, reflexões e atividades práticas. ESTUDANDO E REFLETINDO O conceito de região é derivado da palavra latina regere, do radical reg – que expressa a ideia de relações de poder, rei, gerente, regra, dirigir, comandar. Durante o Império Romano, regione, era a denominação que designava uma área que possuía uma administraçao local, mas estava suborinada às ordens centrais de Roma. Desde sua origem, traz em si a conexão entre o particular e o geral, entre o específico e o universal, entre diversidade e unidade. A todo o momento ouvimos alguma referência, perguntas, dúvidas sobre o conceito de região, regional ou local e até mesmo as diferenças regionais. O que é região? Você mora naquela região da cidade? Como foram divididas as regiões do Brasil? Quando, quem e por que fez a divisão? A historiadora Janaína Amado (1990) chama atenção para pensarmos que o ser humano procurou “enquadrar”, classificar os locais, conforme as semelhanças, negando assim aquilo que fugia do convencionado, como aquela região. Nessa concepção, não há lugar para especificidades. No Brasil, em vários momentos, houve o combate às especificidades das diferentes regiões, “em nome da unidade territorial, todos os movimentos de caráter regional eram sufocados, mesmo os que não tinham reivindicações separatistas.” (AMADO, 1990). 7 A primeira divisão do território do Brasil em grandes regiões foi proposta em 1913, para ser usada no ensino de geografia. Os critérios usados para fazê-la foram físicos: levou-se em consideração o relevo, o clima e a vegetação, por exemplo. Não foi à toa! Na época, a natureza era considerada duradoura e as atividades humanas, mutáveis. Fonte: <www.geografiaparatodos.com.br>. Acesso em 02/12/2014. Estas ideias sobre região como divisão meramente natural, deterministas e naturalistas foram perdendo terreno, em detrimento de perspectivas que levavam em Nas primeiras décadas do século 20, início da República, a primeira divisãoregional do Brasil tomou por base as diferenças naturais, na qual, “os olhos dos brasileiros responsáveis pelo ‘desenho’ do território nacional só são capazes de perceber as diferenças das paisagens desenhadas pela natureza”. A idéia de região como algo natural, intocável e indiscutível permaneceu durante bom tempo como predominante em várias áreas do conhecimento, principalmente na História e na Geografia. (Adaptado de AMADO, 1990). 8 conta uma ideia de região feita ou construída antes de tudo por homens e mulheres e, portanto submetida a uma determinada historicidade. A partir de 1980, houve mudanças de pensamentos e começaram a surgir pesquisas direcionadas à história regional. Diversas foram as correntes que se apropriaram do conceito de região, modificando segundo seus pressupostos teórico- metodológicos. Para garantir a permanência e unificação dos habitantes de uma região em torno de alguns princípios supostamente comuns a todos, para obter o progresso, o desenvolvimento, historicamente têm sido construídos discursos de homogeneização e de igualdade de tudo e todos. Nesses discursos, os diferentes ou as diversidades da região são sufocados ou minimizados. Para Barros (2004), "Quando um historiador se propõe a trabalhar dentro do âmbito da História Regional, ele mostra-se interessado em estudar diretamente uma região específica." Ainda segundo o autor, o espaço regional não está relacionado apenas a um recorte administrativo ou geográfico, podendo se reportar a qualquer outro recorte proposto pelo historiador de acordo com o problema a que se propuser a pesquisar. Ele aponta que o interesse central do historiador regional é o estudo deste espaço, ou as relações sociais que se estabelecem dentro dele. Podemos considerar que a história regional, quando trabalhada adequadamente, torna-se um vasto campo para os pesquisadores, pois ela possibilita aos historiadores conhecerem particularidades históricas que, perante a história geral como um todo, seriam ignoradas se não estudadas em partes. O interesse central do historiador regional é estudar especificamente este espaço, ou as relações sociais que se estabelecem dentro deste espaço, mesmo que eventualmente pretenda compará-lo com outros espaços similares ou examinar em algum momento de sua pesquisa a inserção do espaço regional em um universo maior (o espaço nacional, uma rede comercial) (BARROS, 2004, p. 153). 9 A história regional sofreu modificações ao longo do tempo, passou de uma situação de descaso para outra de relativo sucesso acadêmico. O desenvolvimento de pesquisas históricas e acadêmicas geraram maior credibilidade às elaborações históricas regionais. Assim, podemos dizer que região é uma categoria espacial que expressa uma especificidade, uma singularidade dentro de uma totalidade, configurando um espaço particular, dentro de uma determinada organização social mais ampla, com a qual se articula”. (BARROS, 2004). BUSCANDO CONHECIMENTO Leia o fragmento retirado do trecho da obra do historiador José Mattoso para ajudá-lo em uma melhor compreensão dos conceitos abordados ao longo desta unidade. A história local e regional deve partir de um estudo da relação entre o homem e o espaço habitado que o rodeia. Necessitando subsistir num determinado território, juntamente com outros habitantes que ali buscam também a subsistência, integra-se num grupo, e este, por sua vez, associa-se a outros grupos, que constituem um conjunto vasto. Os círculos em que o homem se situa vão-se assim alargando até atingirem as fronteiras daqueles que se consideram inimigos ou totalmente desconhecidos. A descrição e o estudo do quadro territorial na história regional e local não são, portanto, como que a enunciação das premissas das quais, depois as consequências de uma causa; são a apresentação de um quadro dos materiais ainda informes que, ao mesmo tempo, envolvem e limitam o homem, lhe fornecem os elementos que depois não só consome, mas também transforma, compõe e recria. MATTOSO, José. “A história regional e local”. In: A escrita da história. Lisboa: Editorial Estampa 1988 p 169 175 10 UNIDADE 2. REGIÃO: CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO URBANO E RURAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo Nesta unidade, convido você para refletir sobre os processos de constituição do espaço urbano e rural, para além de um espaço meramente geográfico, mas, constituídos de fronteiras simbólicas que ordenam as categorias sociais e os grupos sociais em suas mútuas relações. ESTUDANDO E REFLETINDO Como vimos na unidade anterior, muitos são os termos e significações adotados para descrever o conceito de região. Porém, para o estudo da história, tomemos como base os conceitos que não colocam o termo apenas como delimitação de uma área, mas, como as relações sociais históricas que se estabelecem e se constroem dentro de diferentes espaços. Portanto, a importância de refletirmos historicamente sobre a construção dos espaços urbanos e rurais. Nos últimos anos, as pesquisas sobre a cidade tomaram um novo rumo. Hoje os estudiosos têm à disposição um volume muito grande de dados, como registros fiscais, censos, licenças, listas telefônicas e profissionais, além dos mais diversos tipos de livros (paroquiais, de registro civil, entre outros). A pesquisa nos dias atuais tornou-se viável com o auxílio de computadores, capazes de agilizar leituras de inúmeros materiais. O estudo das cidades tem proporcionado o surgimento de equipes interdisciplinares, encarregadas de desenvolver investigação de grande amplitude. Consequentemente, os objetos de pesquisa também se ampliaram, reconstruindo a complexidade da estrutura social, destacando as relações presentes entre os vários segmentos sociais do espaço urbano. A “nova história urbana” possui também a característica de empregar teorias para poder organizar a grande quantidade de material disponível. Vainfas e Cardoso (1997) apontam três núcleos principais de reflexão para os historiadores 11 ficarem atentos sobre as pesquisas em história da cidade e os processos de constituição dos espaços urbanos: (1) as funções da cidade e seu vínculo com o fomento da urbanização; (2) os efeitos da vida urbana sobre os ciclos vitais dos indivíduos, sobre o trabalho e a família; (3) as mudanças espaciais e ecológicas na cidade, provocadas pelo desenvolvimento econômico e social. Desta forma, a urbe torna-se um campo amplo para a pesquisa, pois é um espaço heterogêneo, construído historicamente pelos mais diversos sujeitos que organizam e reorganizam, inventam e reinventam o espaço onde habitam, dotando-o de uma racionalidade própria. De acordo com Petuba (2001), a construção dos conceitos de cidade, urbano e espaço, são noções fundamentais que orientam a pesquisa e o trabalho para que os historiadores interessados comecem a refletir sobre esta temática. Para Toledo (2009), a história local é entendida como uma modalidade de estudos históricos que contribui para a construção dos processos interpretativos sobre como os atores sociais se constituem historicamente em seus modos de viver, situados em espaços socialmente construídos e representados pelo poder político e econômico na forma estrutural de “bairros” e “cidades”. Para isso, metodologicamente, adentra um conjunto de práticas sociais vinculadas a experiências históricas que são trazidas à tona pelas mais diversas fontes. Por meio desta definição, podemos concluir que a cidade torna-se um objeto excepcional de estudo, no qual se destaca o papel das vivências e experiências sociais como definidoras dos espaços de sociabilidade, ou seja, da localidade. A região engloba diversos aspectos e se divide em unidades menores (cidades) que, por sua vez, se subdividem em bairros e comunidade. DEFINIDO CONCEITOSPodemos verificar abaixo a conceituação de algumas dessas unidades pertencentes à região. Lembrando que estas definições são meramente didáticas, para facilitar sua compreensão sobre o capítulo abordado. 12 Região – é propriamente o espaço social construído historicamente, sendo que essa construção histórica estaria ligada muito á cultura do historiador, a idéia de espaço, tempo e história do próprio historiador. (PRIORI, 1994). Cidade – pode ser considerada como a expressão concreta de processos sociais vividos por diferentes sujeitos na forma de um ambiente físico construído sobre o espaço geográfico. Ou seja, a cidade reflete as características de uma sociedade, constituindo um importante local de acumulação de capital. (CORRÊA, 1989). Bairro – pode ser entendido como uma mediação entre o espaço privado (da casa, da família) e o público, entre a vida familiar e as relações societárias mais amplas. De tal forma que o bairro é o locus de uma sociabilidade intermediária, baseada em larga medida no compartilhamento de referenciais espaciais comuns, como o espaço do encontro, construído no nível da vida cotidiana. (RAMOS, 2001). Comunidade – nas condições globalizantes do mundo é que “as pessoas resistem ao processo de individualização e atomização, tendendo a agrupar-se em organizações comunitárias que, ao longo do tempo, geram um sentimento de pertença e, em última análise, em muitos casos, uma identidade cultural, comunal”. (CASTELLS, 1999). Espaço urbano é constituído pela ação dos múltiplos sujeitos que o habitam e por isso mesmo é heterogêneo, está sempre em movimento e constante reelaboração, é de grande importância para compreendermos a relação existente entre o grupo estudado e o próprio fazer-se da cidade. (ARANTES, 1994). BUSCANDO CONHECIMENTO Para aprofundar o conhecimento sobre o conceito região, segue a sugestão de leitura abaixo: BREITBACH, Áurea Corrêa de Miranda. Estudo sobre o conceito de região. Porto Alegre, Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, 1988. 13 UNIDADE 3. O RURAL NO URBANO OU O URBANO NO RURAL? CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Nesta unidade, convido você para refletir sobre os processos de constituição do espaço urbano e rural, para além de um espaço meramente geográfico, mas, constituídos de fronteiras simbólicas que ordenam as categorias sociais e os grupos sociais em suas mútuas relações. ESTUDANDO E REFLETINDO Para você que tem interesse em debruçar sobre os estudos da História Regional refletindo sobre temáticas das vivências no campo, no mundo rural. O desafio contemporâneo é pensar a relação campo-cidade de forma interdependente e não de forma antagônica e dissociada. As novas relações produtivas e sociais aproximam de tal forma o rural e urbano que os dois se completam. Se, de um lado o mundo rural se reinventa e se requalifica mantendo sua ruralidade, isso não significa que haja oposição em relação à cidade. Ao contrário, a convivência, as relações comerciais e culturais, as relações de amizade e parentesco, a mobilidade entre campo e cidade, a relação de interdependência - indicam que não existe qualquer dicotomia campo-cidade, ao contrário, existe uma relação simbiótica que permite uma cooperação mútua entre a cidade e o campo. O campo e a cidade são realidades históricas em transformação tanto em si próprias quanto em suas inter-relações. (WILLIAMS, 1990). É interessante pensar em alguns itens que podem ajudá-lo a problematizar possíveis temáticas de pesquisas históricas da sua região. Dentre estas reflexões destacam-se as seguintes problemáticas para o historiador: ∑ A preocupação do historiador em identificar o processo de migração – a vivência de homens e mulheres que se deslocaram do campo para a cidade; ∑ A dinâmica social que possibilita as permanências, as desistências e as recriações culturais de elementos do campo vistos na cidade; 14 ∑ Problematizar os laços de convivência, os valores e as estratégias de sobrevivência de homens e mulheres que vivem no campo; ∑ Transformações econômicas, políticas, sociais e ambientais sobre o campo. Leia o texto de Raquel Rolnik, que é arquiteta, urbanista, relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada e Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Seus trabalhos vêm sendo utilizados para reflexões de vários pesquisadores no Brasil, inclusive para aqueles que têm interesse em refletir sobre os projetos de história local, o reordenamento dos espaços constitutivos das cidades e os problemas sociais locais. Lixão de “Avenida Brasil”: realidade ou ficção? 27/04/12 Em “Avenida Brasil”, novela do horário nobre da Globo, o público vem acompanhando o drama amoroso de Nina e Jorginho, cujo cenário é um lixão do Rio de Janeiro. Até cena de amor os personagens de Débora Falabella e Cauã Reymond já viveram no local. Seria o lixão de Nina e Jorginho (ou Rita e Batata) ficção ou realidade? Infelizmente, nem mesmo na Cidade Maravilhosa os lixões são ficção de novela. Recentemente foi anunciado o fechamento do lixão do Jardim Gramacho, o maior da América Latina, muito conhecido por conta do documentário “Lixo Extraordinário”. Finalmente a montanha de lixo de 60m de altura que ocupa uma área de 1,3 milhão de metros quadrados sairá da paisagem do Rio de Janeiro, dando fim ao desastre ambiental que vem causando há varias décadas. Durante mais de 30 anos, todo o lixo produzido na capital fluminense e em mais quatro cidades foi jogado ali. Os mais de 1.200 catadores que trabalham no lixão do Jardim Gramacho estão preocupados com o futuro, já que é daquele lugar que eles tiram o seu sustento e de 15 seus familiares. No total, mais de 13 mil pessoas moram na área, que depende economicamente do lixão. Com toda razão, eles esperam que o fechamento só aconteça depois que todos os catadores forem indenizados e as condições de sobrevivência econômica sejam asseguradas. Em São Gonçalo, trabalhadores do lixão de Itaoca, que foi fechado em fevereiro, reclamam não ter recebido a indenização que os catadores do Jardim Gramacho receberão e se encontram em situação pior do que a que tinham quando catavam no lixão: sem casa nem sustento. Em todo o Brasil, do total de 5.565 municípios, mais de 4.400 (80%) ainda têm lixões. Em Brasília, por incrível que pareça, ainda está em funcionamento o lixão da Estrutural, surgido na década de 1960 logo após a inauguração da cidade. Uma das metas da Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída em 2010 pela Lei 12.305, é justamente acabar com os lixões em todas as cidades do país. O prazo estabelecido para isso está perto: é 2014. Os dois casos que eu comentei, no entanto, mostram que o processo de desativação de lixões é complexo, com impactos não apenas ambientais, mas também econômicos e sociais. “Avenida Brasil”, em que pesem as licenças poéticas da vida no lixão e a visão estereotipada do subúrbio carioca, tem ao menos o mérito de deslocar da telinha o 16 entediante mundo repetitivo da zona sul e mostrar uma realidade pouco vista nas novelas. Fonte: https://raquelrolnik.wordpress.com/2012/04/27/lixao-de-avenida-brasil- realidade-ou-ficcao/ Texto complementar: Couto, Ana Magna Silva. Das sobras a indústria da reciclagem: a invenção do lixo na cidade (Uberlândia-MG, 1980-2002). Tese de Doutorado, defendida na PUC-SP, 2006. Disponível na Biblioteca digital da PUC/SP: http://lumen.pucsp.br BUSCANDO CONHECIMENTO SAIBA MAIS! SANTANA, Charles D'Almeida. Fartura e Ventura Camponesas: trabalho, cotidiano e migrações Bahia: 1950-1980. São Paulo: Anablume, 1998. Produzindo fontes orais a partir de entrevistas com homens e mulheres que vivenciaram a perdade suas possibilidades de trabalho no Recôncavo Baiano, Charles Santana surpreende, nas representações presentes nas memórias destes trabalhadores rurais, costumes, valores, tradições - enfim, dimensões de uma cultura popular rural constituída na luta pela sobrevivência na região. Trabalhadores do recôncavo baiano. 17 UNIDADE 4. ECONOMIA, SOCIEDADE E HISTÓRIA REGIONAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Esta unidade tem como objetivo refletir sobre possibilidades de pesquisa histórica com temas relacionados a produção e economia local. Introduzimos uma breve reflexão sobre a historiografia Econômica a partir dos trabalhados da historiadora Alice Canabrava. Para essa unidade disponibilizamos um artigo publicado no Jornal da Unicamp, com reflexões da Tese: “Uma dinastia do capital nacional: a formação da riqueza dos Lacerda Franco e a diversificação da economia cafeeira paulista (1803 a 1897)” do historiador Gustavo Pereira da Silva. ESTUDANDO E REFLETINDO Muitos pesquisadores estão discutindo a história regional com temas voltados aos aspectos econômicos e a produção local. Nesse aspecto a autora Janaina Amado chama atenção para compreensão de algumas características, que delimitam o trabalho da pesquisa regional e as atividades econômicas locais: [...] o estudo regional oferece novas óticas de análise ao estudo de cunho nacional, podendo apresentar todas as questões fundamentais da História como as atividades econômicas, a partir de um ângulo de visão que faz aflorar o específico, o próprio, o particular. A historiografia nacional ressalta as semelhanças, a regional lida com as diferenças e a multiplicidade. (AMADO, 1990, p. 12-13). Os critérios econômicos escolhidos pelos historiadores como temáticas são: cultura agrícola, as zonas canavieiras, cafeeiras, algodoeiras, mineradoras, de pecuárias dentre outras. 18 Historiografia econômica: algumas abordagens a partir da historiadora Alice Canabrava Alice Piffer Canabrava (1911-2003) foi uma mulher de fibra. Ainda menina, rompera com os preceitos recomendados às garotas de sua época. Na maturidade, superou as barreiras do machismo vigente e tornou-se a primeira professora catedrática da Universidade de São Paulo (USP). Foi também diretora da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas (FCEA – hoje, FEA) entre 1954 e 1957. Já aposentada, ascendeu aos títulos de Professora Emérita da faculdade e sócia honorária da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE). Alice nasceu em Araras, interior de São Paulo, em 1911. Destemida, após completar os estudos primários nessa cidade, transferiu-se, acompanhada da irmã, para a capital do estado, onde cursou o ginásio como interna do Colégio Stafford e a Escola Normal Caetano de Campos, a conhecida escola da Praça da República. Após a experiência na cidade grande, regressou ao interior e dedicou-se durante quatro anos ao magistério público primário. A atividade era louvável, porém a privava de seus maiores desejos: realizar estudos em São Paulo e ampliar seus horizontes culturais. Alice Piffer Canabrava apresentou uma obra pioneira dentro da História Econômica, sempre abordando temas que começam nas fontes primárias do escravismo às manufaturas e indústrias, estudos estes que serviram de base e referência para a composição de diversas pesquisas sobre a história econômica. Dentre suas pesquisas estão: O Comércio Português no Rio da Prata (1580- 1640), A Indústria do Açúcar nas Ilhas Inglesas e Francesas do Mar das Antilhas (1697- 1755), O Desenvolvimento da Cultura de Algodão na Província de São Paulo (1861- 1875), obras estas que foram as fundadoras da historiografia moderna econômica do Brasil. O Comércio Português no Rio da Prata (1580-1640) – ampla pesquisa documental e bibliográfica, baseada em fontes primárias impressas de origem espanhola e argentina que toma como tema a história do Brasil e de Portugal. A contribuição deste estudo diz respeito à expansão comercial ocorrida na época descrita e a penetração econômica intensa e ampla, feita pela terra e pelos rios, além de tratar sobre assuntos relacionados 19 à política comercial, os conflitos ocorridos pelas disputas de rotas de navegação no Atlântico e Pacífico. A Indústria do Açúcar nas Ilhas Inglesas e Francesas do Mar das Antilhas (1697- 1755) – A primeira parte da pesquisa traz os fatos históricos relevantes sobre o período estudado, mostrando as origens da lavoura canavieira e da manufatura do açúcar na região das Antilhas. Na segunda parte ela analisa as relações de produção, a evolução dos preços e a concorrência entre os mercados que comercializavam o açúcar. BUSCANDO CONHECIMENTO O texto a seguir faz parte da Tese: “Uma dinastia do capital nacional: a formação da riqueza dos Lacerda Franco e a diversificação da economia cafeeira paulista (1803 a 1897)” do historiador Gustavo Pereira da Silva. Suas considerações sobre a economia e produção local são interessantes para que tenha interesse em debruçar sobre este tema. DNA da riqueza paulista Tese revela como trajetória da família Lacerda Franco forjou a ‘locomotiva do Brasil’ CARMO GALLO NETTO Tese desenvolvida por Gustavo Pereira da Silva junto ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp procura elucidar como se deu a formação, a acumulação e a diversificação da riqueza dos membros da família Lacerda Franco durante o século XIX. Estudando a trajetória desta família, o autor procura desvendar a dinâmica da riqueza paulista no século que antecedeu a transformação da São Paulo do café na 20 capital industrial do Brasil. Para ele, os Lacerda Franco testemunham o que acontecia na província em uma época: “Parti do micro para entender o macro”, diz. A pesquisa documental foi realizada no Arquivo Público do Estado de São Paulo e nos arquivos da Associação Comercial de Santos e das fazendas Montevidéo (Araras/SP) e Paraizo (São Carlos/SP), ambas pertencentes a descendentes da família. Silva recebeu orientação da professora Lígia Maria Osório Silva e contou com financiamento da Fapesp. Criando porcos, gado, cavalos, mulas, produzindo gêneros básicos da alimentação paulista como arroz, feijão, milho – e inclusive cachaça – para o mercado interno, dinastias nacionais chegaram à exportação de açúcar e de café que as levaram à acumulação de capitais que alavancariam os primórdios da indústria paulista, transformando São Paulo na “locomotiva do Brasil”. (...) Na segunda metade do século XIX ocorreu a transição das lavouras paulistas da cana para o café ao longo do Oeste Paulista (região hoje coberta pela via Anhanguera). A elevada demanda internacional da bebida dinamizava economicamente São Paulo no Império e impunha a busca de novas terras, mais distantes de Santos, aumentando os custos de transporte. Simultaneamente, o fim do tráfico negreiro agravou a escassez de mão de obra. As famílias dos produtores paulistas enfrentam esses obstáculos utilizando os capitais, até então acumulados, na construção no Oeste Paulista das ferrovias necessárias, valendo- se da constituição de sociedades anônimas. A imigração europeia subsidiada introduziu o trabalho assalariado e o governo provincial, respondendo a uma demanda da elite cafeeira, encarregava-se de financiar “os intentos orquestrados pelos cafeicultores”, diz o autor do estudo. Também durante a segunda metade do século XIX o associativismo marcou os Lacerda Franco. A riqueza familiar era reorganizada através de matrimônios e de heranças disponibilizando capitais que passaram a ser empregados na formação de sociedades que tinham 21 como característica predominante a preferência pela associação entre familiares. Foi assim que surgiu a Lacerda & Irmãos – sociedade agrícola que produzia café; a J. F. de Lacerda & Cia. – casacomissária e exportadora de café; a Lacerda, Camargo & Cia. – firma industrial que importava e produzia máquinas para outras indústrias; e o Banco União de São Paulo – que, entre seus ativos, contava com uma fábrica têxtil, a atual Votorantim. Essas empresas atendiam à crescente economia cafeeira paulista e às demandas da nova organização social. Exportação e importação A casa comissária era o principal dos empreendimentos dos Lacerda Franco por englobar o maior número de familiares e por se constituir fonte de recursos e expertise aos outros negócios da família. Inicialmente, a casa comercializava diferentes gêneros agrícolas, como café, comprando dos produtores paulistas e vendendo aos exportadores, em geral estrangeiros, no porto de Santos. Mas, simultaneamente, adquiria de importadores bens que revendia a fazendeiros e lojistas que comercializavam esses produtos no varejo. Assim, a comissária atuava como intermediária na exportação agrícola e na importação de bebidas, móveis, sal, cal, vidro, ferro, papel, tintas, enfim tudo que não era produzido no país. Todavia, a casa se distinguiu das congêneres nacionais ao expandir suas atividades tornando-se também uma firma exportadora. Segundo Gustavo, “a J. F. de Lacerda & Cia. merece destaque por englobar atividades exercidas pelos demais empreendimentos porque, como casa exportadora, mantinha laços com firmas estrangeiras que lhe possibilitavam a importação de matérias-primas – como ferro aço e vidro – necessárias a outras empresas do grupo. Além disso, importava máquinas, equipamentos e bens consumidos pela elite”. Para o pesquisador, a elevada lucratividade da casa comissária levou um dos seus membros a participar da constituição do Banco União de São Paulo, em 1890, um dos poucos bancos com o privilégio de emitir moeda no início da República. Outros sócios da empresa fundaram a Lacerda, Camargo & Cia que importava e produzia máquinas no Brasil. Os lucros revertiam para a própria economia paulista ao serem 22 investidos em ações de ferrovias, bancos, empresas de serviços públicos, além de imóveis e novos cafezais. Gustavo Pereira da Silva explica que em um mundo pós-Revolução Industrial a demanda por café por parte dos trabalhadores crescia na mesma proporção que a necessidade de matérias-primas. Nesse mundo novo, aberto às novas possibilidades e à livre iniciativa, o café constituía o estimulante perfeito às novas necessidades do homem moderno, dinâmico e produtivo. O capitalismo industrial que movia as sociedades centrais era o mesmo que engatinhava na ex-colônia portuguesa. Após a Abolição, a formação de um mercado de trabalho e consumidor estabelecia as bases para o capitalismo brasileiro. Para ele, a pujança e diversificação dos investimentos da família Lacerda Franco dão mostras da força do capitalismo nacional no século XIX, na figura dos representantes do grande capital cafeeiro, através de figuras que, apesar terem seus capitais originários da lavoura, embrenharam-se nos mais diversos empreendimentos ligados à produção e comércio, possibilitando a formação de uma riqueza portentosa e diversificada, conforme permitiram apreender as análises dos vários documentos da fazenda Montevidéo e Paraizo, encontrando-se esta última ainda nas mãos dos Lacerda Franco. Sobre a dimensão da riqueza acumulada pelos cafeicultores, o autor lembra que o café tornou-se o primeiro produto da pauta de exportação brasileira por volta de 1830 e só perdeu essa posição depois de 1950, ocupando o primeiro lugar na economia brasileira por cerca de 130 anos. (...) As associações de capitais, familiares ou não, visam à ampliação de mercados e dos domínios econômicos e políticos. Antes isso se fazia com a aquisição de terras e escravos, o concurso das uniões familiares e utilização de heranças. À semelhança da dinastia dos Lacerda Franco na São Paulo do café, ainda hoje, grandes grupos familiares exercem elevado poder na economia nacional. Adaptado de. DNA da riqueza paulista. Jornal da Unicamp. Campinas, 19 a 25 de março de 2012 – ANO XXVI – Nº 520. Acesso em http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/marco2012/ju520_pag03.php# 23 UNIDADE 5. CIDADE E PATRIMÔNIO – PARTE I CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Nesta unidade serão apresentados a problematização dos conceitos cidade e patrimônio, que levará a debater questões como história, memória, passado, preservação e espaços públicos. A partir das considerações dos historiadores Pierre Nora, Cristina Helou Gomide e Maria Célia Paoli, você compreenderá que as políticas patrimoniais têm se aproximado das discussões travadas no âmbito da cultura e incorporado valores que não se restringem somente ao passado colonial ou às formas tradicionais acabadas, definidas. Atualmente, tem-se revisto o próprio conceito de patrimônio aproximando-o, de elementos do cotidiano, constituindo muitas memórias e trazendo outras histórias. ESTUDANDO E REFLETINDO História e Memória: uma breve reflexão para o historiador Muito se fala e se reflete que vivemos numa sociedade marcada pela aceleração do tempo presente, pelo instantâneo, pelo efêmero e pela crescente diminuição de densidade temporal entre os acontecimentos e a sua percepção. É o tempo da aceleração da história que nos leva a um sentimento de ruptura com passado e ao sentimento de que a relação entre o passado e o presente vivido está ficando cada vez mais residual. Neste momento, o tema da memória está cada vez mais em voga, inclusive quando queremos discutir sobre patrimônio. (MENESES, 1992). Lembrar o passado é essencial para a construção de nossas identidades atuais e para as indagações de nosso presente. É a partir do presente que lembramos o passado. Nesse sentido, estamos entendendo a memória como um processo subordinado à dinâmica social e cuja elaboração só ocorre a partir do presente para responder às solicitações do presente. (MENESES, 1992). 24 De acordo com Nora (1993), memória e história, podem ser considerados termos diferentes, opostos. Segundo o autor a memória é criada a partir de um processo de vivência, conduzida por grupos vivos, portanto: “A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações” (NORA, 1993). Com o qualquer experiência humana, a memória é um campo de luta, de luta política, no qual se confrontam memórias hegemônicas com outras infindáveis memórias produzidas na vida cotidiana por diversos sujeitos sociais, cujas narrativas nos mostram formas de resistências diárias, conquistas, crenças, sonhos e projetos mesmo que ainda não realizados. Não podemos entender memória como um lugar de depósitos informações, um lugar onde se recorda a história. Os sujeitos são múltiplos e experiências vivenciadas por cada um também diversas memórias são tecidas no seio dessa multiplicidade num refazer-se e num embate constante. Segundo Alessandro Portelli (2001) a memória deve ser encarada como história, como “sinal de luta”, como “processo em andamento”. De acordo com Nora: “A história é reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou projeções. A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança no sagrado, a histórialiberta, e a torna sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo” (NORA, 1993). 25 Toda pessoa carrega em si diversas lembranças, seja do seu passado, de sua interação com a sociedade, com grupos ou instituições. É partir dessas conexões que são feitas ao longo da vida que o indivíduo constrói sua memória. Um dos fatores mais importantes, quando falamos em memória é a linguagem. As trocas entre os elementos de um ou mais grupos só é possível através da linguagem. Preservar é uma ação fundamental quando se pensa em memória, e traz à mente o conceito de respeito, proteção, cuidado e zelo. Preservar não é apenas guardar – preservar a memória também significa trabalhar com cadastros, levantamentos, dados estatísticos, registros, inventários, entre outros. A preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural é necessária pois esse patrimônio é o testemunho vivo da herança cultural de gerações passadas que exerce papel fundamental no momento presente e se projeta para o futuro, transmitindo às gerações por vir as referências de um tempo e de um espaço singulares, que jamais serão revividos, mas revisitados, criando a consciência da intercomunicabilidade da história. Compreendendo a memória social, artística e cultural é que se pode perceber e controlar o processo de evolução a que está inevitavelmente exposto o saber e o saber fazer de um povo. (MAIA, 2003) Nessa perspectiva é possível lidar com “memória” e com “patrimônio” entendendo-os como processos em constante formação e como campos de disputas, procurando contribuir sobre questões de cidadania em pauta hoje, que também passam pelo direito à memória. BUSCANDO CONHECIMENTO Como sugestão, segue abaixo o link de um documentário produzido pelo Centro de Documentação da Universidade de Brasília (CEDOC-UnB), Intitulado História e Memória em Construção. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=IzUzUfCh2JK>. Acesso em 15 de janeiro de 2015. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Fkw6pgKHjAE>. Acesso em 16 de janeiro de 2015. 26 UNIDADE 6. CIDADE E PATRIMÔNIO – PARTE II CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Nesta unidade serão apresentados a problematização dos conceitos cidade e patrimônio, que levará a debater questões como história, memória, passado, preservação e espaços públicos. A partir das considerações dos historiadores Pierre Nora, Cristina Helou Gomide e Maria Célia Paoli, você compreenderá que as políticas patrimoniais têm se aproximado das discussões travadas no âmbito da cultura e incorporado valores que não se restringem somente ao passado colonial ou às formas tradicionais acabadas, definidas. Atualmente, tem-se revisto o próprio conceito de patrimônio aproximando-o, de elementos do cotidiano, constituindo muitas memórias e trazendo outras histórias. ESTUDANDO E REFLETINDO Cidade e Patrimônio: pelo direito à memória e à história Para você que tem interesse em problematizar questões sobre patrimônio, imediatamente este tema te levará a debater questões como história, memória, passado, preservação, espaços públicos e cidades. Quando se fala em patrimônio histórico, pensa-se quase sempre em uma imagem congelada do passado. Um passado paralisado em museus cheios de objetos que ali estão para atestar que há uma herança coletiva – cuja função social parece suspeita. Monumentos arquitetônicos e obras de arte espalhadas pela cidade, cuja visibilidade se achata no meio da paisagem urbana. Documentos e material historiográfico que parecem interessar somente a exóticos pesquisadores. (PAOLI,1992). Nos últimos anos os historiadores têm ampliado a noção de “patrimônio histórico” evocando as imagens de um passado vivo: acontecimentos e coisas que merecem ser preservadas porque são coletivamente significativas em sua heterogeneidade. 27 Políticas patrimoniais têm se aproximado das discussões culturais e tentado trazer valores que não se restringem somente ao passado colonial ou às formas tradicionais acabadas, definidas. Atualmente, tem-se revisto o próprio conceito de patrimônio aproximando-o, nas reflexões, de elementos que têm constituído as memórias e a vida das pessoas que residem em lugares históricos. Na própria Constituição da República de 1988, a discussão sobre o alargamento da noção de patrimônio se faz presente. No Título VIII (Capítulo III/Seção II) Da cultura. O Artigo 216 destaca o patrimônio cultural, incluindo nas formas de vigilância e preservação dos bens culturais a participação de comunidades locais: Etimologicamente, ‘patrimônio’ vem do latim patrimonium e está associado à ideia de uma propriedade herdada do pai ou de ouro ancestral. No contexto das narrativas nacionalistas de preservação histórica do Brasil, a palavra é usada para significar uma determinada espécie de propriedade nacional’. [...] a ‘propriedade’ é o que define a pessoa. Em outras palavras, sou um indivíduo, no sentido moderno do termo, na medida em que sou proprietário de algum bem. Assim, as nações modernas, que são ‘indivíduos coletivos’ ou ‘coleções de indivíduos’[“...] individualizam-se ao assumirem suas propriedades, particularmente, suas propriedades culturais, seus ‘patrimônios’”. Ver GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda – os discursos do patrimônio cultural Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Ministério da Cultura - IPHAN, 2002, p. 78-79 Art. 216. Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; VI – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico ecológico e científico. 28 O conceito patrimônio possui diversas abordagens, dentre elas podemos destacar algumas visões algumas perspectivas que dividem didaticamente a noção para facilitar a compreensão: A Unesco define como Patrimônio Cultural Imaterial " as práticas, representações, expressões conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural." O Patrimônio Imaterial é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. O Patrimônio Material com base em legislações específicas é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza nos quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Eles estão divididos em bens imóveis como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; e móveis comocoleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos. BUSCANDO CONHECIMENTO Para a historiadora Cristina Helou Gomide em seu trabalho: Antiga Vila Boa de Goiás – experiências e memórias na/da cidade patrimônio, estudou este tema e tratou a noção de patrimônio mais do que uma temática de estudo; é uma problemática social, vivido e construído ao longo do tempo, enquadrando certas cidades em padrões semelhantes de exposição. Dentro desses padrões, lugares, sujeitos, valores e imagens são colocados em destaque, realimentando forças hegemônicas na própria cidade, numa articulação entre valores culturais, interesses políticos, tendências de mercado e formas midiáticas de comunicação social. (GOMIDE, 2007). Em seus estudos destacou o trabalho sobre patrimônio através de usos de 29 folders do poder público para divulgar a cidade, as festas e a região. De acordo com a historiadora é significativo levar em conta que interesses políticos que envolvem a preservação de uma história local e seu papel de destaque na configuração de espaços considerados de importância patrimonial na cidade, forjando imagens que alimentam imaginário de cidade histórica. Os folders trazem um diálogo com o tempo, com valores, expressões e sentimentos preservação e noções de patrimônio articulando presente-passado e possibilidades futuras. Valorizando práticas artesanais e pessoas com visibilidade pública que compõem uma história mais recente, tendências patrimoniais se expressam nesses materiais que servem de fontes para os historiadores. Também a imprensa ocupa um papel fundamental na divulgação de conceitos que cristalizam no imaginário popular. A imprensa, aborda valores patrimoniais, constrói narrativa realimentada de valores patrimoniais sobre determinados lugares, projetos e interesses (GOMIDE, 2007). Cabe a você prezado (a) historiador (a) ter a sensibilidade e perceber estas problemáticas na sua cidade e região. 30 UNIDADE 7. CULTURA E IDENTIDADE REGIONAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Nesta unidade, estudaremos o conceito de cultura a partir das reflexões de Raymond Williams: a cultura e a identidade regional e como esses dois fatores contribuem para o desenvolvimento da sociedade. Abordaremos, ainda, um pouco do regionalismo paulista, os costumes, o processo de urbanização dessa região e como ela influencia os demais estados. ESTUDANDO E REFLETINDO Cultura: reflexões e conceitos Entende-se o conceito de cultura como o de Raymond Williams, que vai além da classificação geral das “artes”, religião, crenças, instituições e prática de significados e valores alcançando o significado do termo como um processo social constitutivo, que cria “modos de vida” específicos e diferentes e não podemos dissociar cultura da produção da vida material, porque ela é produzida pelos homens por meio de seu trabalho e nas relações que estabelecem entre si na sociedade. (WILLIAMS,1979). Nesse sentido, a cultura abrange diferentes aspectos da vida: costumes, valores, língua, conhecimentos, símbolos, comportamento seja ele social, econômico ou político, formas de tomar decisões e de exercer o poder. Segundo Claxton (1994) a cultura também abrange uma interpretação global da natureza, constituindo um sistema totalizante para compreensão e transformação do Nessa concepção, a compreensão do significado de cultura não está separada da esfera da vida cotidiana. As complexas relações que os homens estabelecem em sociedade estão materializadas na produção cultural que, segundo Williams, encontram-se entrelaçadas entre os sistemas de decisão, de comunicação, de aprendizagem, de manutenção, de geração e criação. (WILLIAMS, 1979). 31 mundo, e estabelecendo, por outro lado, relações sistemáticas entre todos os aspectos da vida humana, todas as expressões produtivas das comunidades, sejam elas tecnológicas, econômicas, artísticas ou domésticas. Figura: Personagens típicos de cada região do Brasil Fonte: http://www.mundodastribos.com/folclore-brasileiro-tudo-que-voce-quer-saber.html A identidade cultural na pós-modernidade Natural de Kingston – Jamaica, nascido em 03 de fevereiro de 1932, Stuart Hall, vive na Grã-Bretanha desde 1951. Estudou como um bolsista Rhodes no Merton College, na Universidade de Oxford, onde obteve o seu mestrado. Nos anos 1950, após ter trabalhado na Universities and Left Review, juntou-se a E. P. Thompson, Raymond Williams e outros para fundar a revista New Left Review, sua carreira deslanchou após ser coautor com Paddy Whannel “The popular arts” em 1964. Hall sempre trata em seus textos questões que envolvem identidade, estudos culturais, mídia, relações de poder, preconceito racial. E nesta obra A identidade cultural na pós-modernidade, que possui seis capítulos, que vão tratar, ao decorrer da obra, da famosa "crise de identidade" e o que ela é e como ela surgiu O autor já no inicio da obra aponta que a identidade não possui padrão, ela não é 32 única, mesmo que se estabeleça uma unidade a ela, a identidade não é fixa, ela muda de acordo com nossas identificações no decorrer da historia. É as conexões que a globalização proporciona, em que transforma aquela sociedade considerada fixa, para uma sociedade em constante mudança, descentrada, da mesma forma como os sujeitos, não tendo um centro, mas vários centros de poder. Não existe identidade única, pois ela é composta por várias outras, só temos a impressão de ser única por sermos dominados pelo exercício de um poder cultural, que estabelece as identidades nacionais como unificadas. Dessa forma, com a globalização que atua de maneira ofensiva sobre as identidades culturais, por integrar as comunidades, os discursos nelas existentes, não estabelecendo fronteiras, desintegrando os padrões, formando identidades hibridas e às vezes reforçando identidades locais que resistem a essa globalização. Contudo, podemos ter identidades compartilhadas, a medida que as migrações populacionais crescem, as culturas vão sendo deslocadas dos seus tempos, territórios, historias e tradições, se tornando pluralizada, sendo possível escolher minha identidade, pois no país em que estou posso provar da culinária, participar da religião, ter uma roupa, entre outros, que fazem parte de outro país, outra identidade, outra cultura 33 HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomás Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro DP&A, 2006. Leia mais em: http://www.webartigos.com/artigos/a-identidade-cultural-na- posmodernidade/89167/#ixzz1xRvACDgY Identidade cultural ou identidades culturais? “A identidade cultural é um conjunto vivo de relações sociais e patrimônios simbólicos historicamente compartilhados que estabelecem a comunhão de determinados valores entre os membros de uma sociedade. Sendo um conceito de trânsito intenso e tamanha complexidade, podemos compreender a constituição de uma identidade em manifestações que podem envolver um amplo número de situações que vão desde a fala até a participação em certos eventos.” (SOUSA, 2012). Durante muito tempo, a ideia de uma identidade cultural não foi devidamente problematizada no campo das ciências humanas. Com o desenvolvimento das sociedades modernas, muitos teóricos tiveram grande preocupação em apontar o enorme “perigo” que o avanço das transformações tecnológicas, econômicas e políticas poderiam oferecer a determinados grupos sociais. Nesse âmbito, principalmente os folcloristas defendiam a preservação de certas práticas e tradições. (SOUSA, 2012). Por outro lado, algumas recentes teorias culturais desenvolvidas no campo das ciências humanasdesempenharam o papel inovador de questionar o próprio conceito de identidade cultural. De acordo com essa nova corrente, muito em voga com o desenvolvimento da globalização, a identidade cultural não pode ser vista como sendo um conjunto de valores fixos e imutáveis que definem o indivíduo e a coletividade da qual ele faz parte. (SOUSA, 2012). De acordo com Rainer Souza (2012), um dos mais conhecidos exemplos dessa nova tendência que pensa a questão das identidades pode ser encontrada na obra do pesquisador Nestor Garcia Canclini. Em vários de seus escritos, este pensador tem a recorrente preocupação de analisar diversas situações nas quais mostra que a cultura e as identidades não podem ser pensadas como um patrimônio a ser preservado. Longe disso, ele assinala que o intercâmbio e a modificação são caminhos que orientam a formulação e a construção das identidades. 34 Com esses referenciais, antigos problemas que organizavam os estudos culturais perdem a sua força para uma visão de natureza mais ampla e flexível. Para Rainer Souza, (2012) a antiga dicotomia que propunha a cisão entre “cultura popular” e “cultura erudita”, por exemplo, deixa de legitimar a ordenação das identidades por meio de pressupostos que atestavam a presença de esferas culturais intocáveis em uma mesma sociedade. Além disso, outras investigações cumpriram o papel de questionar profundamente o clássico conceito de aculturação. Partindo dessas novas noções de identidade, antigos temas relacionados à cultura que aparentavam completo esgotamento ganharam um novo fôlego interpretativo. Quanto à identidade cultural dos brasileiros, ela vai muito além das relações interpessoais sendo representadas também pelas características físicas, comidas típicas, vestuário, festas, a paixão pelo futebol, o uso de pronomes e demais costumes de um povo. BUSCANDO CONHECIMENTO Documentário - TV Escola Pluralidade Cultural Quem são eles Índios no Brasil. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=7MBH2qRQVzk>. Acesso em 19 de janeiro de 2015. As identidades passaram a ser trabalhadas com definições menos rígidas. Diversos estudos vão contra a ideia de que uma população deve abraçar a sua cultura e garantir todas as formas possíveis de cristalizá-la. “Dessa forma, presenciamos a abertura de novas possibilidades de entender o comportamento do homem com seu mundo”. (SOUSA, 2012). 35 UNIDADE 8. FRINTEIRAS, TERRITÓRIOS E PODER LOCAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Nesta unidade, serão estudados os conceitos de fronteiras, mandonismo, identidades e territorialidades e como estes termos se relacionam e estão posicionados na produção da historiográfica. A partir do diálogo interdisciplinar estabelecido com historiadores, urbanistas, sociólogos, é possivel identificarmos alguns elementos para pensarmos na produção de pesquisas em história regional. ESTUDANDO E REFLETINDO Território e Poder Local: possibilidades de pesquisa na história regional Muito já se estudou sobre o coronelismo e o mandonismo local na história do Brasil. As relações de poder locais e regionais constituídas no final do século XIX e início do século XX , como se sabe, se sustentaram sobre o controle de um chefe oligárquico, comumente chamado de coronel. As bases agrárias da economia garantiam esse controle, também favorecido pelas relações pactuadas com o centro político nacional que mantinham, reciprocamente, a reedição periódica deste poder. (AMARAL, 2007). Hoje, tais relações estão permeadas de novos atores e componentes políticos e econômicos, como a expansão da industrialização e a migração para os centros urbanos. Mas, basta observar os cenários políticos regionais para vermos presentes e atuantes representantes do mandonismo local. Eleições são ainda definidas pela troca de favores e pelas ameaças de retaliação. Não cabe aqui um aprofundamento desta discussão, mas apenas situar esse dado para que se discuta como isso ainda repercute sobre o ensino dos conteúdos regionais e locais. (AMARAL, 2007). Por outro lado, o conceito de território tem retornado muito importante para as políticas públicas nas diferentes escalas de poder. Para Milton Santos: 36 Por território entende-se geralmente a extensão apropriada e usada. (...) O uso do território pode ser definido pela implantação de infraestruturas, para as quais estamos igualmente utilizando a denominação sistemas de engenharia, mas também pelo dinamismo da economia e da sociedade. São os movimentos da população, a distribuição da agricultura, da indústria e dos serviços, o arcabouço normativo, incluídas a legislação civil, fiscal e financeira, que, juntamente com o alcance e a extensão da cidadania, configuram as funções do novo espaço geográfico. (Santos; Silveira, 2003). Moraes (2003) relaciona o poder ao território: Um espaço de exercício de um poder, o qual no mundo moderno se apresenta como um poder basicamente centralizado no Estado. Trata-se, portanto, da área de manifestação de uma soberania estatal, delimitada pela jurisdição de uma dada legislação e de uma autoridade. O território é, assim, qualificado pelo domínio político de uma porção da superfície terrestre. (Moraes, 2003 p. 23) Giddens (1998) define o poder como o uso de recursos, de qualquer natureza para assegurar resultados. O poder pode ser entendido como uma ação ou intervenção de que um agente é capaz ou também pode ser definido como a capacidade de um ser humano em intervir e transformar o curso natural dos acontecimentos. A produção do espaço, o território nacional, espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que se instalam: estradas, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários, auto- estradas e rotas aéreas, etc. É, portanto um espaço material - natural - no qual se inscrevem os atos das gerações, das classes, dos poderes políticos como produtores de objetos e de realidades duráveis (não só as coisas, os produtos, os utensílios e as mercadorias) (Lefebvre, 1978). Raffestin (1993) afirma que a apropriação do espaço e a territorialização é consequência da ação conduzida por um ator coletivo, resulta no fato de que o Estado, a empresa ou outras organizações organizam o território através da implantação de novos recortes e ligações. Desenvolvimento territorial 37 Raffestin (1993) descreve a territorialidade como: A territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do “vivido” territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens “vivem”, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas. Quer se trate de relações existenciais ou produtivistas, todas são relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais. (Raffestin, 1993, p. 46) Partindo dessa definição, o desenvolvimento de micro e macro localidades ou regiões por meio de mudanças estruturais, sociais, políticas e econômicas consistem no desenvolvimento territorial. Fronteiras e Espaços: breve discussão dos conceitos Segundo Jones (1959), as limes, nome que deram às fronteiras, designavam originalmente o caminho ao longo do limite de uma propriedade. Anos depois esse termo passou a ser usado pelos militares para designar uma estrada fortificada em zona de fronteira e tempos depois significava apenas zona de fronteira. Para alguns historiadores que possuem como objeto de estudo temas relacionados às experiências de moradores em praças, bairros, guetos, tem problematizado o conceito de território como uma categoria de análise que permitepensar os espaços em termos de identidades, já que neles grupos e sujeitos, através de suas relações sociais e experiências de vida, imprimem marcas, histórias e memórias que lhes permitem viver um sentimento de pertencimento e ao mesmo tempo de reconhecimento nesses lugares. In: ROLNICK, Raquel. História Urbana: História na Cidade? In: FERNANDES, Ana e GOMES Marco Aurélio de Filgueiras (orgs). Cidade e História. Modernização das cidades brasileiras nos séculos XIX XX. Salvador: UFBA, 1992.p. 27-29. 38 O conceito de fronteira parte de duas ideias centrais, segundo Silva (2001): - Expansão de povos ou sistemas sobre território adjacente, compreendendo, inicialmente, operações de guerra e controle militar; - Consolidação do processo de apropriação de territórios através da colonização das terras conquistadas, fazendo uso do expediente de distribuição de terras entre a população vencedora; Ambos são reencontrados em outros lugares e outros tempos, um dos casos mais famosos foi a expansão para o oeste nos Estados Unidos do século XIX. O conceito de fronteira está diretamente ligado a assuntos imperiais e militares e também a processos territoriais como colonização, interação e povoamento. Segundo Freitas (2012) Diversas vezes a expressão limite é confundida com fronteira, no entanto, essa corresponde a toda extensão da linha limite de um país (exemplo fronteira entre Argentina e Brasil). Todo país que possui litoral detém parte do território em áreas marinhas até certo ponto do oceano, denominada de fronteira marítima. O objetivo de definir limites é para identificar onde começa e onde termina um território. Essas delimitações são firmadas por meio de acordos e contratos que definem onde começa, por exemplo, uma cidade; como as linhas de divisão são imaginárias, é muito comum utilizar como ponto de referência alguns elementos naturais, como rios, montanhas, entre outros. A fronteira é: “à primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferentes razões são diferentes entre si (...) a um só tempo é o lugar de descoberta do outro, e de desencontro. O desencontro e o conflito decorrentes das diferentes concepções de vida e visões de mundo de cada um (...). O desencontro nas fronteiras é o desencontro de temporalidades históricas.” A fronteira está, portanto, nos homens. 39 A ideia é não conceber o espaço de forma estática, pois longe de ser um cenário fixo, pois nos espaços, territórios, nas fronteiras se desenrolam as histórias, devem ser vistos como construção histórica reinventada por múltiplas temporalidades. É imprescindível estudar as relações dos homens e mulheres não num cenário, mas com um cenário também fluido, instável, histórico, como resultante momentâneo de posições e relações entre os agentes. Conforme Albuquerque (2008, p. 71-72): Podemos dizer que hoje estamos diante de uma nova forma de se relacionar com e perceber os espaços, que é da ordem da relação, que é da ordem do posicionamento. O posicionamento é definido pelas relações de vizinhança, de aproximação, de convivência de coextensão, de coabitação, de conflito, de tensão, de afrontamento, entre diversos pontos ou elementos, formando séries, organogramas, redes, reticulados, tramas.[...] Cada atividade humana carrega em si uma dimensão espacial que a ela pertence e por ela é definida. (ALBUQUERQUE, 2008) BUSCANDO CONHECIMENTO As fronteiras, identidades e territorialidades se fazem e desfazem ao sabor de suas relações, e estes conceitos se constituem, portanto, em locus privilegiados da análise do historiador. As fronteiras, as identidades espaciais, os territórios, os lugares passam a ser pensados como tendo sido definidos a partir de contendas, de conflitos, sendo frutos de relações que se estabeleceram entre diferentes agentes e agências em um dado momento histórico, sendo, portanto, passíveis de dissolução, desconstrução, sempre que as relações sociais que os engendraram sejam modificadas, que os saberes que os puseram de pé sejam desmontados e que as relações de poder que os sustentaram sofram deslocamentos. (ALBUQUERQUE, 2008) 40 UNIDADE 9. O LOCAL E O REGIONAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Refletir e sobre as diferenças entre o local e o regional. ESTUDANDO E REFLETINDO Até o século XVIII, no mundo inteiro as regiões constituíam “países”, no sentido de que elas eram não apenas a unidade apropriada para o estudo das sociedades, mas porque elas eram, de fato, os habitats dos homens e mulheres pré-modernos. Para a quase totalidade das populações comuns da Antiguidade, da Idade Média e da Idade Moderna – que trabalhavam, comiam e dormiam, procuravam cônjuges e geravam filhos, elaboravam saberes variados e realizavam festas e ritos numerosos -, a faina diária transcorria em limites espaciais estreitos, no interior de círculos cujos raios alcançavam pequena distância percorrida em um ou dois dias de marcha a pé ou a cavalo. Assim, os reinos, impérios e países pré-modernos eram justa-posiçoes de regiões que conservavam alto grau de autonomia econômica, social e cultural. Cada uma das regiões era dotada de hábitos e costumes específicos, possuía suas próprias normas de convívio e formas de hierarquia social, empregava técnicas e instrumentos diversos. Cada região pouco sabia do que se passava na outra. Material e ideologicamente, a identidade dos homens dessas sociedades pré-modernas se assentava no conjunto de aldeias e de regiões onde desenrolavam suas limitadas experiências. A centralidade do “local” e do “regional” é exemplo, portanto, de uma estrutura que moldou a via social por milênios, seja no Egito faraônico ou na França dos Bourbon. Todavia, a partir dos séculos XV e XVI, as barreiras espaciais começaram a ser progressivamente destruídas, promovendo o desencravamento de muitas regiões. A irradiação planetária do domínio europeu fez surgir a “verdadeira história universal” e colocou as escalas nacional e internacional no topo das preocupações dos 41 historiadores. A expansão da modernidade, do Estado, do capitalismo e das filosofias universalistas (típicas do renascimento e do Iluminismo) tentou pôr fim às singularidades e autonomias das antigas regiões. O ataque à independência da fortaleza regional é o trabalho contínuo da modernidade. O regional e o global na modernidade O deslocamento da posição destacada que as regiões ocupavam na vida das pessoas está associado ao desenvolvimento da economia global. Entre os séculos XV e XVII, as grandes navegações e o sistema colonial conectaram organicamente a Europa, a América e o litoral africano, ao mesmo tempo em que ampliaram os intercâmbios comerciais com a Ásia. A expansão da economia de mercado no continente europeu foi suficiente para gerar forças unificadoras/ integradoras no seu interior. Vastas redes de comerciantes surgiram para distribuir os grandes carregamentos vindos da América e da Ásia. Grandes companhias de comércio e de financistas começaram a atuar em toda a Europa e nas colônias ultramarinas. Dessa forma, processos de abertura e assimilação de novas influências (hábitos, gostos, técnicas, ideias, valores) aproximaram e aplainaram as diferenças regionais. Outro vetor que contribuiu decisivamente para esmaecer o colorido intenso dos mosaicos regionais foi a constituição/ consolidação do Estado moderno. Desde o final da Idade Média, um processo histórico complexo logrou a eliminação de centenas de casas principescas, que cederam lugar a algumas dezenas de dezenas de Estados. As trajetórias dos Estados modernos alimentaram impulsos homogeneizadores. Afinal, no plano interno, essas novas formas de dominação combateram sem trégua os particularismos e buscaram alcançar a condição de lugar principal aoredor do qual se organizam as identidades e as lealdades individuais e coletivas. O Estado moderno investiu no “nacional” em detrimento do grupo de parentesco, da comunidade local e da organização religiosa. A batalha do estado contra os regionalismos alcançou o ápice com o nacionalismo político dos séculos XIX e XX. Lançando mão de um trabalho sobre a memória, a partir da manipulação de referenciais e símbolos históricos, o Estado moderno forjou a ideia de “nação” e, por conseguinte, alcançou significativa uniformidade dos comportamentos das pessoas no interior de seus territórios. 42 O Estado moderno. Fonte: <http://www.webquestfacil.com.br/webquest.php?pg=processo&wq=4237>. Acesso em 15/12/2014. Assim, por exemplo, o Estado criou bandeira, hinos, festas cívicas, moedas com efígies de heróis e governantes, animais e monumentos característicos do país e, sobretudo, difundiu uma história e um idioma oficiais ensinados com diligência numa rede crescente de escolas fundamentais públicas. Com estes e diversos outros recursos, o Estado moderno tornou mais uniformes os hábitos, costumes, valores, crenças e ideias de seus habitantes, independentemente das regiões de onde eles provinham. Um terceiro vetor que concorreu para dissolver a importância do “regional” e do “local” como foco da vida dos grupos e indivíduos foi o Iluminismo, movimento intelectual do século XVIII. As novas ideias iluministas apostaram firmemente na uniformização das sociedades, como resultante da marcha da história sob escudo do progresso material, científico e moral da humanidade. Para os iluministas, todos os povos e todas as partes da Terra, num futuro não muito longínquo e a despeito das especificidades sociais e das crises históricas, convergiriam para padrões muito similares de instituições econômicas, políticas e culturais. No andamento do século XIX, tanto os pensadores europeus conservadores quanto os de esquerda acreditavam que as diferenças entre os povos e as regiões diminuiriam continuamente. Todos os espaços do mapa ficariam preenchidos com indústrias, cidades, campos de energia, 43 minas sob a terra, redes de estradas, meios de comunicação, monumentos grandiosos e invenções maravilhosas. No século XX, a corrente principal dos marxistas acreditou que a modernização capitalista de tipo anglo-saxão abarcaria todo o planeta, porque corresponderia a uma transformação histórica não só inevitável como iminente. Para esses marxistas, as diferenças culturais seriam manifestações superficiais de forças econômicas, que desapareceriam ou encolheriam até a insignificância, por causa do avanço do conhecimento e da tecnologia. Entretanto, aos observadores atentos da história as duas últimas décadas do século XX e dos acontecimentos do início do terceiro milênio, fica claro qie o planeta não caminha no sentido de ser libertado das originalidades regionais e locais. É verdade que a globalização afeta cada quilômetro quadrado da superfície terrestre, aumentando a pressão sobre as culturas tradicionais e sobre as regiões. A compressão do espaço-tempo que a globalização produz tem o efeito de tornar cada canto do mundo muito parecido com os demais, porque difunde os mesmos valores e comportamentos, torna as comunicações instantâneas, da visibilidade a um conjunto restrito de marcas, sons e imagens, induzindo em milhões de pessoas um gosto padrão, mas também é verdade que isso ocorre de maneira desigual. Os impactos da globalização não desencadeiam processos iguais no Brasil e na China, no interior mineiro ou na metrópole paulista. Enfim, o regional continua sendo importante. BUSCANDO CONHECIMENTO Segue o link para o texto “A história local e regional: dimensões possíveis para os estudos histórico-educacionais” de autoria do pesquisador Carlos Henrique de Carvalho. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/che/article/view/273/281>. Acesso em 20 de janeiro de 2015. 44 UNIDADE 10. UM NOVO CONCEITO PARA O REGIONAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Aprofundar e problematizar o conceito regional (regionalismo). ESTUDANDO E REFLETINDO O desenvolvimento do capitalismo provoca inevitáveis transformações. Ao se expandir, o capitalismo encontra espaços com peculiaridades sociais, políticas e culturais diante das quais precisa adaptar-se para lograr sua implantação. Flexível, o capitalismo assume, por conseguinte, colorações diversas sobre a superfície do planeta, conservando e/ou dando novos significados a certos aspectos das culturas e dos espaços nacionais, regionais e locais. Assim, o capitalismo japonês não é inteiramente igual ao capitalismo norte-americano, nem este coincide perfeitamente com o capitalismo francês. Essas diferenças se manifestam tanto na cultura e nas instituições quanto no espaço. Uma lógica complexa de uniformização versus diferenciação é a marca da globalização capitalista. De modo mais preciso, há homogeneização do espaço capitalista, mas ela ocorre no interior e através da reorganização dos espaços regionais. O que se observa é, portanto, a resistência do “regional” e do “local”, porque certas diferenças não desaparecem. Mais do que isso: as pessoas e os grupos sociais, submetidos às tensões da “sociedade global” – os riscos ecológicos, o medo (do desemprego, do terrorismo, da competição), o individualismo exagerado, as frustrações do consumismo, etc. -, sinalizam para uma “perda de direção”. Questionam a realidade, refletem sobre a “perda de história”, reexaminam suas experiências de vida. Enfim, são assaltadas pela inquietação relativa à identidade. A globalização, ao deslocar antigas certezas e filiações, exige que os indivíduos e as nações repensem suas identidades. Neste momento, reaparecem as regiões, de mãos dadas com a revalorização da memória. Ao olharem ao redor, as pessoas buscam encontrar elementos de continuidade, alguma quantidade de símbolos de permanência, certo legado do 45 passado. Sem essas referências, tudo se torna insuportavelmente fugido, transitório, sem sentido. O “lugar” e a “região” respondem a demandas individuais e coletivas por segurança, continuidade histórica e pertencimento a algum tipo de comunidade de destino. Para novamente se sentirem sujeitos, as pessoas querem “voltar a viver em lugares”, entendidos como espaços concretos tecidos por relações sociais que conformam cotidianamente suas experiências individuais. Principalmente nas grandes metrópoles, justamente os pontos mais afetados pelo vetor da homogeneização capitalista, mais e mais gente busca especificidades, algo que seja querido, práticas e “cantinhos” que sejam seus, de seus vizinhos e amigos, experiências pessoais e comunitárias para rememorar e criar identidades. Almejam conhecer e reconhecer o espaço onde vivem, pertencer a ele e apropriar-se dele, na medida exata em que participam das redes de significados e sentidos que a vida ali gera, no trajeto da história. Mais e mais pessoas querem ver a cidade ou o campo como espaço para realizar sua vida interior, na moldura de uma paisagem multifacetada, rica e diversa, que é muito mais do que simples terreno dominado por mercadorias e fluxos organizados pelo relógio e pelo desejo do lucro. Como decorrência desse desejo, as diferenças entre as regiões e as especificidades dos lugares destacam-se, investidas de novas significações. Os vestígios do passado, as ruínas, os monumentos, os museus, recebem atenção especial. Crescem as exigências por novas narrativas e interpretações da história local e regional. Para os que lidam com a História, especialmente os professores, cabe a tarefa difícil de ajudar as pessoas a enxergarem que a marca do avanço do capitalismo pelo planeta é a sua enorme plasticidade. O capitalismo cresce em muitas variedades, porque se ajusta às crenças religiosas, relações familiares,características geográficas e tradições regionais e locais nas quais se incorpora. Logo, as regiões não desaparecerão, embora o seu destino seja o de nunca mais desfrutar da grande autonomia que tiveram nos tempos pré-modernos. Essa tendência de as pessoas buscarem raízes, fontes de identidade e segurança psicológica, mobilizando elementos do espaço sócio histórico, aumenta a responsabilidade dos profissionais da História ao mesmo tempo que estimula a 46 produção de estudos históricos regionais e locais e valoriza a abordagem regional em sala de aula. BUSCANDO CONHECIMENTO Leia esta resenha sobre a obra do historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior, “A Invenção do Nordeste e outras artes” (Cortez Editora, 2006), escrita pelo jornalista Gutenberg, coordenador de comunicação dos municípios da Bahia, A partir deste texto, propomos algumas questões. Vivemos um momento de desidentificação com a memória nacional e regional. O livro de Durval Muniz de Albuquerque Júnior, “A Invenção do Nordeste e outras artes” (Cortez Editora, 2006) é uma boa prova disso. O trabalho de pesquisa para a realização do doutorado em História na Unicamp, defendido em 1994, apresenta o surgimento de um recorte espacial, de um lugar imaginário e real no mapa do Brasil, que todos nós conhecemos profundamente, não importa de que maneira, mas que nunca pudemos imaginar com uma existência tão recente. Fonte:<http://blogdogutemberg.blogspot.com.br/2009/03/invencao-do-nordeste-3.html>. Acesso em 10/12/2014 47 E falar do Nordeste é inventariar os muitos estereótipos e mitos que emergiram com o próprio espaço físico reconhecido no mapa composto por alguns estados e cidades. É mobilizar todo o universo de imagens negativas e positivas, socialmente reconhecidas e consagradas, que criaram a própria ideia de Nordeste. Este trabalho de pesquisa aprofundado desconstrói os discursos que deram visibilidade e que tornaram dizível a região nordestina. O que o livro interroga não é apenas por que o Nordeste e o nordestino são discriminados, marginalizados e estereotipados pela produção cultural do país e pelos habitantes de outras áreas, mas também investiga por que há quase 90 anos dizemos que somos discriminados com tanta seriedade e indignação. Em sua conclusão, Durval Muniz escreveu que o Nordeste é uma invenção recente na história brasileira, se gestou no cruzamento de uma série de práticas regionalizantes, motivadas pelas condições particulares com que se defrontam as províncias do Norte, no momento em que o dispositivo da nacionalidade, que passa a funcionar entre nós, após a Independência, coloca como tarefa, para os grupos dirigentes do país, a necessidade de se construir a nação. “O Nordeste é, portanto, filho da modernidade, mas é filho reacionário, maquinaria imagético-discursiva gestada para conter o processo de desterritorialização por que passavam os grupos sociais desta área, provocada pela subordinação a outra área do país que se modernizava rapidamente: o Sul”. “O Nordeste, na verdade, está em toda parte desta região, do país, e em lugar nenhum, porque ele é uma cristalização de estereótipos que são subjetivados como característicos do ser nordestino e do Nordeste. Estereótipos que são operativos, positivos, que instituem uma verdade que se impõem de tal forma, que oblitera a multiplicidade das imagens e das falas regionais, em nome de um feixe limitado de imagens e falas-clichês, que são repetidas, seja pelos meios de comunicação, pelas artes, seja pelos próprios habitantes de outras áreas do país e da própria região”. Assim a obra de Muniz questiona esta representação regional e a prisão dos discursos a este dispositivo de força que a sustentou e a sustenta. “É preciso fugir do discurso da súplica ou da denúncia da miséria; é preciso novas vozes e novos olhares que compliquem esta região, que mostrem suas segmentações, as cumplicidades 48 sociais dos vencedores com a situação presente deste espaço. Se o Nordeste foi inventado para ser este espaço de barragem da mudança, da modernidade, é preciso destruí-lo para poder dar lugar a novas espacialidades de poder e de saber.” 49 UNIDADE 11. HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA: ESTUDOS REGIONAIS – PARTE I CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Propiciar conhecimentos sobre a historiografia brasileira e discutir a sua contribuição para o “fazer” histórico na contemporaneidade. ESTUDANDO E REFLETINDO Vale a pena apresentar uma breve trajetória dos estudos históricos regionais no país, ainda que seja para mostrar o que não convêm mais fazer nesse campo hoje. E também para indicar algumas diretrizes que devem nortear o trabalho (no ensino e na pesquisa) daqueles que se interessam pela história regional. Durante o século XIX e boa parte do século XX, os estudos históricos regionais foram feitos sobre a poderosa influência do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB) e seus parceiros provinciais e/ou estaduais. Nesse período, viveu-se o auge da corografias, escritas quase sempre por membros dos institutos históricos, pessoas bem situadas nas hierarquias sociais e políticas de suas épocas. As corografias eram monografias municipais e regionais, que misturavam história, tradição e memória coletiva. Pode-se atribuir a corografia, a definição de estudo ou descrição geográfica de um país, região, província ou município, as suas características mais notáveis. Esses trabalhos tomavam como fundamento espaços bem recortados politicamente, que eram estudados em si mesmos. O relacionamento do “nacional” com o “regional” e o “local” era reduzido à descrição de impactos de grandes acontecimentos da história do país nos espaços subnacionais. A narrativa, a seleção e o encadeamento dos fatos, a referencia recorrente a determinados tipos de personagens, tudo isso objetivava mostrar que a região é o resultado do protagonismo de figuras extraordinárias. Muitas vezes, os corógrafos tenderam a considerar as regiões e seus 50 povos como dotados de características definidas e abundantes, configurando um contexto histórico imutável. As corografias alcançaram padrão formal estereotipado. Traziam descrições fisiográficas das regiões, exposições da fauna e da flora, inventários dos recursos naturais. Em seguida, havia relato das atividades econômicas; por último, os autores das corografias elaboravam efemérides e pequenas biografias de pessoas destacadas da história regional ou local. Para escrever as corografias, os autores baseavam-se, livre de crítica, nas informações orais obtidas de “testemunhas” de episódios do passado ou originárias da tradição coletiva ou dos grupos familiares. O mapa de Araxá traz ilustrações de dois serviços urbanos diretamente relacionados às idéias de progresso e civilização: a eletricidade (representações da sub-estação de energia e da usina hidrelétrica) e a salubridade da água (representação do sistema de captação de água potável). Fonte: <http://www.ichs.ufop.br/conifes/anais/CMS/cms1105.htm>. Acesso em: 05/01/2015. O conjunto de corografias do período mencionado possuía defeitos graves. O primeiro deles é a frágil ou inexistente articulação entre geografia e história; outro era o modo como elas relacionavam as dimensões “micro” e “macroespaciais”. Um terceiro defeito era o viés conclusivo em forma de laudo das narrativas, antes de tudo exercício 51 de exaltação dos feitos das elites regionais e locais. Por último, cite-se o fato de que as corografias eram concebidas como instrumentos para fazer despertar o amor ao passado e o patriotismo. Apesar de suas evidentes limitações, as corografias forneceram, até pelo menos a década de 1960, os moldes e os elementos informativos para a elaboração de material didático usado nas escolas das localidades e regiõesbrasileiras, quando não foram, elas próprias, os textos de consulta direta das crianças nas aulas sobre história local e regional. Nas décadas de 1960 e 1970, quando o grosso da produção historiográfica brasileira já ocorria no âmbito da universidade, assistiu-se ao embaralhamento do nacional e do regional. A Universidade de São Paulo (USP) lançou uma corrente de pesquisas históricas, atualizadas e rigorosas (teoria e método), abordando principalmente aspectos da história paulista. A hegemonia econômica e acadêmica de São Paulo possibilitou a identificação de sua história com a história do Brasil mais recente. Ainda hoje nos livros didáticos empregados no s ensinos fundamental e médio, a trajetória republicana brasileira é examinada à luz do “modelo paulista”. São Paulo torna-se o Brasil quando o assunto é café, imigração, industrialização, trabalho e conflito social urbano, movimentos sindicais e populares, vida metropolitana, vanguardas artísticas etc. Se São Paulo assumia toda e qualquer positividade contida na ideia do Brasil moderno, urbano e industrial, nas outras partes do pais frequentemente os estudos regionais adotaram uma perspectiva da negatividade, da falta, da carência deste ou daquele elemento que marcaria a distância em relação ao êxito paulista. O “espelho São Paulo” era o instrumento por meio do qual as diversas regiões brasileiras deveriam buscar a autocompreensão e ação transformadora. A partir da década de 1980, o pleno funcionamento de cursos de pós- graduação fora de São Paulo permitiu corrigir distorções resultantes da generalização, para todo Brasil, da trajetória paulista e alimentou nova onda de estudos regionais, assentada em bases mais adequadas do que as antigas corografias. No interior dos programas de pós-graduação em História, os estudantes ampliaram o trabalho com temas e acervos documentais regionais, preocupando-se com a construção de bancos de dados variados e com a “história ao microscópio”, conforme a conhecida expressão 52 de Pierre Goubert, renomado historiador francês, autor de obras clássicas sobre a demografia, a economia, a sociedade e a cultura de antigas regiões da França. Desenvolveu-se, portanto, nas novas gerações de historiadores brasileiros o apreço pelas conexões intrincadas e oblíquas entre o regional, o local e o nacional, em que o elemento espacial ganha relevância, ombreando-se ao tempo. BUSCANDO CONHECIMENTO Segue link com a etimologia e o significado das palavras corografia e topografia, bem como em que situações se devem utilizar cada uma delas. Disponível em: <http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=25428>. Acesso em 19 de janeiro de 2015. 53 ESTADO: O Estado é uma instituição que cria parâmetro e administra uma nação, politicamente organizada pela existência de uma lei máxima – constituição e dirigida por um governo. NAÇÃO: é a sociedade que compartilha um destino comum e logra ou tem condições de dotar-se de um estado tendo como principais objetivos a segurança ou autonomia nacional e o desenvolvimento econômico (Bresser Pereira). UNIDADE 12. HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA – ESTUDOS REGIONAIS – PARTE II CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Propiciar conhecimentos sobre a historiografia brasileira e discutir a sua contribuição para o fazer histórico na contemporaneidade. ESTUDANDO E REFLETINDO Historiografia Brasileira e o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil IHGB. Na Europa, o pensar a história passa a articular-se em torno do problema da questão nacional. No Brasil, os historiadores brasileiros também estão inseridos nesta preocupação e não conseguem escapar incólumes acerca dessa nova perspectiva historiográfica. Portanto, o historiador, no Brasil, no século XIX, colocava-se no papel de pensar a origem da nação, ao mesmo tempo em que tentava incutir nas elites dirigentes uma memória comum que servisse como elemento aglutinador do território considerado parte do Estado brasileiro. Todavia, para os primeiros historiadores, ao contrário de seus pares na Europa, a nação brasileira era constituída tanto pelo Estado como pela Nação. Os historiadores europeus, em meio a inúmeras nações trans-nacionais, disputas e guerras, muitas de cunho étnico, viam a necessidade de diferenciar a noção de Estado e de Nação. Diferentemente, os historiadores brasileiros, ao não diferenciarem os conceitos de Estado e Nação, colocavam a própria forma deste Estado - monárquico - como uma particularidade da identidade da nação. 54 Na verdade, essa defesa da monarquia revela o temor causado pelas repúblicas vizinhas, que se desfragmentava, em inúmeras repúblicas. Ao erigir a memória da monarquia atrelada à própria memória da nação, qualquer outra forma de governo era vista como o outro, representado muitas vezes pela figura do não civilizado, que deveria ser evitado. Essa primeira perspectiva historiográfica concebia a Nação brasileira como a portadora do processo civilizatório no Novo mundo, o que também explica a exagerada ênfase nos valores da cultura branca, na constituição do panteão de heróis nacionais e na memória nacional que, então, começava a delinear- se. A ideia de criar um Instituto Histórico que buscasse definir uma identidade nacional, segundo Guimarães, partiu primeiramente da Sociedade Auxiliadora da Indústria, SAIN, que buscava estabelecer uma ordem dentro do território nacional, com vistas a buscar uma forma de viabilizar, efetivamente, a existência de uma totalidade “Brasil”. Segundo o autor, inicialmente, o objetivo do IHGB era o de coletar e publicar documentos relevantes à história do Brasil e o incentivo ao ensino público da ciência História em todo o território nacional. Os membros do IHGB concebiam a história numa narrativa linear, presos ainda a uma concepção de história marcada pela noção de progresso. Desta forma, os historiadores do IHGB, buscavam explicitar essa linha dedutiva nos grandes acontecimentos da Nação brasileira, pois, “coincidindo com a estabilização do poder central monárquico e de seu projeto político centralizador. Escrever a história brasileira, no contexto de atuação de um Estado iluminado, esclarecido e civilizador, constituía-se o empenho, para o qual se concentram os esforços do Instituto Histórico. Assim, torna-se claro a preocupação de tais historiadores em enfatizar as “raízes” europeias – ou raízes “civilizadas” - e a importância dada por estes historiadores à presença do homem branco, enquanto agente da civilização, este, o responsável pelo processo civilizatório da nação. Nessa perspectiva, somente o homem branco poderia ser genuinamente brasileiro. Vale dizer que esse argumento criou uma acirrada disputa entre os historiadores do século XIX com a literatura daquele período, pois a última, veiculava a imagem do indígena como portador de uma certa “brasilidade”. A leitura da história compreendida por esta 55 primeira produção historiográfica tinha como projeto inserir a ideia de civilização e progresso à gênese da identidade brasileira, para Guimarães, “a Nação, cujo retrato o instituto se propõe traçar, deve, portanto, surgir como desdobramento nos trópicos, de uma civilização branca e europeia.” A afirmação de uma influência francesa, na constituição do IHGB, foi motivada, segundo Guimarães, pela necessidade do IGHB de atrelar-se a instituições de pesquisa históricas francesas, em busca de uma legitimidade metodológica. Afirma o autor que o Institut Historique de Paris fornecia os parâmetros de trabalho historiográfico do IHGB. Além disso, a presença francesa corroborava e legitimava a tese de que o Brasil e seus homens brancos teriam o papel civilizador no Novo Mundo. Além disso, o projeto de constituição de uma identidade nacional permeava o temor das classes dirigentes brasileiras, em repetir, no Brasil, aquilo que haviaacontecido nas repúblicas vizinhas que se desmembraram em disputas sangrentas. Os políticos, comprometidos com o processo de consolidação de uma monarquia constitucional num Estado forte centralizado, concordavam que era preciso criar na população laços efetivos que propiciasse coesão cultural suficiente para afastar os famigerados separatistas. Assim, pode-se afirmar que o apoio concebido ao IGHB pelo o Estado demonstra que as elites que governam o país reconheceram a história como um meio indispensável, para forjar esta desejosa nacionalidade. Não é de se espantar que o Instituto Histórico tenha sido inaugurado e sediado no Rio de Janeiro, capital do Império, a partir do qual seriam fundados outros institutos nas províncias, diretamente subordinados aos princípios formulados na capital do Império, onde deveriam somar-se todos os conhecimentos do Brasil. Porém, aproximando-se da posição dos literatos que defendiam a apreensão de símbolos nativos da América, para engendrarem tais símbolos numa “essencialidade brasileira”. Para Von Martius, os indígenas mereciam um estudo cuidadoso, pois poderiam fornecer uma gama de mitos para a constituição da nacionalidade. O branco, para Von Martius, logicamente, ainda deveria ser alvo prioritário, pois o mesmo carregava consigo a bandeira da civilização; o negro, no entanto, não tinha um papel preponderante, pois o negro neste momento era visto como um símbolo do passado. 56 O meio, pelo qual o empreendimento de constituição da história da Nação é produzido e tornado público, é a revista trimestral publicada pelo IHGB. Os principais temas tornam claro quais eram os objetivos dos historiadores, destacando-se, neste momento: a problemática indígena, as viagens científicas pelo território brasileiro e o debate da história regional. Segundo Guimarães (1988), o debate acerca da problemática indígena gira em torno da busca da integração física do território brasileiro e a discussão relativa às origens da Nação. Portanto, explicitar a origem do indígena era essencial, tanto pela questão de produzir um saber que se erigisse como memória e assim ser integrado à memória coletiva da nação, estes estudos também obedeciam aos interesses do Estado brasileiro que pretendia estender o seu controle aos mais longínquos povoados do território. A jovem monarquia que ansiava construir a sua identidade, a partir da construção de uma memória também entendia que inserir as populações indígenas fronteiriças em sua esfera cultural significava não só a inserção, muitas vezes de forma arbitrária, desses povoados a uma memória oficial, mas também um controle estatal mais preciso sobre o espaço físico da “nação”. O que também explica o foco privilegiado dado pelo IGHB, no mesmo período, dirigido aos relatos de viagens e exploração através do território brasileiro. Essa situação nos leva a crer que a Monarquia tinha plena consciência que para a constituição da identidade nacional de uma Nação é igualmente importante estabelecer a sua imagem física, e claro, integrando a esta imagem os elementos - entre outros -, continentalidade e riquezas naturais inumeráveis, que tornaria o Brasil o eterno país do futuro. BUSCANDO CONHECIMENTO Historiografia Brasileira e o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil IHGB. Os objetivos da instituição, estabelecidos no Art. 1º do Estatuto de 1838, são mantidos até a atualidade, adaptados às conjunturas nacionais e internacionais, de que é o primordial, "coligir, metodizar, publicar ou arquivar os documentos necessários para a História e a Geografia do Brasil...", hoje alargadas em leque abarcando as demais Ciências Sociais. 57 Disponível em: < http://www.ihgb.org.br/>. Acesso em 19 de janeiro de 2015. 58 UNIDADE 13. REGIÃO: UMA CATEGORIA HISTÓRICA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Aprofundar a compreensão do conceito história regional através das dinâmicas históricas de um determinado espaço e na diferenciação de áreas. ESTUDANDO E REFLETINDO Nesta unidade chegou o momento de caracterizar melhor o que é História regional. Não se trata simplesmente da História que lida com pequenas porções de um país: uma área determinada pela geografia física (por exemplo, a Amazônia ou o semi- árido), um estado ou um município. História Regional é aquela que toma o espaço como terreno de estudo, que enxerga as dinâmicas históricas no espaço e através do espaço, obrigando o historiador a lidar com os processos de diferenciação de áreas. A História Regional é a que vê o lugar, a região e o território como a natureza da sociedade e da história, e não apenas como o palco imóvel onde a vida acontece. Ela é História Econômica, Social, Demográfica, Cultural, Política, etc., referida ao conceito chave de região. Os temas e os problemas da História Regional são os mesmos da História, idênticos. Na verdade, a História Regional constitui uma abordagem específica, uma proposta de estudo da experiência de grupos sociais historicamente vinculados a uma base territorial. Os “historiadores regionalistas” trabalham com regiões e localidades não porque afirmam a dicotomia entre o geral e o particular. Fazem isso porque questionam e criticam as narrativas e interpretações históricas dominantes e as crônicas triunfalistas do progresso, seus pressupostos e implicações político – identitárias. Existe uma longa, complexa e muito interessante discussão na Geografia sobre o conceito de região, que os profissionais da história devem conhecer. Desse debate, algumas evidências destacam-se. Em primeiro lugar, a região – um determinado recorte da superfície terrestre – é espaço natural, político, técnico e cultural. Em 59 segundo lugar, para pensar a região é necessário ultrapassar o puro dado material, a paisagem natural, na direção do espaço vivido. Por si sós, relevo, clima, vegetação, hidrografia e ecossistemas não são suficientes para definir uma região, porque é preciso saber como seus habitantes se vêem, estabelecem relações entre si e com os “forasteiros”, quais sentimentos nutrem pelo espaço que historicamente ocuparam e construíram. Em terceiro lugar, a região precisa ser vista como totalidade aberta e em movimento, atravessada por fluxos de energia, matérias (como água, sedimentos, partículas trazidas pelos ventos, resíduos de atividades humanas, etc.), bens, ideias, interesses, poderes, seres vivos. O recorte regional deve ser pensado de forma dinâmica, sem perder de vista a existência de processos que implicam no contínuo reajustamento das “fronteiras”. Em quarto lugar, o recorte da região precisa levar em conta a totalidade do espaço segmentado a definir o nível em que se fracionará o espaço (o problema de escala), bem como as variáveis que presidirão o fracionamento do espaço. Por exemplo, há estudos que requerem que o Brasil seja dividido de acordo com critérios político administrativo: capitanias, províncias, estados comarcas. Outros exigema adoção de recortes baseados em critérios econômicos: zona açucareira nordestina, área de mineração aurífera e diamantífera, zona da pecuária gaúcha etc. Existem muitas outras possibilidades. Observe abaixo: 60 Para os profissionais da história, o importante é que o procedimento de regionalização não produza anacronismo, confusão. Para pensar e regionalizar o espaço construído por sociedades do passado é preciso levar a sério a historicidade das formações espaciais. Devem ser reunidos dados contemporâneos, isto é, “de época”, sobre a produção e percepção do espaço, que foram gerados pelas pessoas componentes da sociedade que se quer investigar. Os possíveis recortes – que muito provavelmente serão diferentes das regiões administrativas, de planejamento ou econômicas de hoje, empregadas pelos técnicos governamentais – não devem ter a pretensão de alcançar elevada precisãoe limites rígidos. Certa dose de flexibilidade na regionalização é necessária, em razão do fato de que o historiador frequentemente lida com fontes possuidoras de lacunas, imprecisas e com base de dados pouco sistemáticas. Dessa forma, os profissionais da História precisam abandonar o apego aos recortes oficiais, baseados numa territorialidade meramente política (estados, municípios, etc.). Mais do que linhas de um mapa político ou características fisiográficas, são as redes de relações sociais e alguma forma consciência de pertencimento que indicam a existência dinâmica das regiões. As regiões e os lugares são tensionados pelo embate entre o “tempo do mundo” e o “tempo dos lugares”, segundo a formulação de Fernand Braudel. O tempo do mundo remete à noção de um tempo uniforme, comum a todos os espaços. É o tempo da modernidade, imposto às regiões e aos lugares a partir dos “centros irradiadores” da história global, que coloca em sincronia as áreas plenamente inseridas no movimento de expansão do capitalismo. Para Braudel, o tempo do mundo repercute nos espaços marginais, porém não se realiza neles em toda a sua potencialidade. Já o tempo dos lugares se refere ao tempo realmente vivido pelas inúmeras localidades, um tempo específico, relacionado a experiências distintas às dos pólos hegemônicos em um mesmo momento histórico. A noção de tempo dos lugares indica que, na história, sempre há muitos tempos sociais que convivem na realidade do mundo e do país. Compreender esse jogo intrincado de tempo do mundo e tempo dos lugares, em uma determinada base territorial, é a tarefa do “historiador regionalista”. 61 BUSCANDO CONHECIMENTO A seguir temos a introdução de um artigo sobre o conceito região. Para ler o artigo na íntegra acesse o link indicado. A região em Milton Santos é concebida, em princípio, como funcional em relação ao modo de produção global, que dá sentido à sua realidade interna. Isso não significa que cada região não tenha suas particularidades. Pelo contrário, no desenvolvimento de sua obra, Milton Santos chega ao conceito de lugar, que abrange tanto um espaço de determinações externas quanto um espaço de solidariedade, de vivências internas. Região e lugar se identificam na cidade, onde há o encontro e o desencontro de múltiplos vetores da modernidade, no teatro das ações humanas. Desse modo, na cidade, Milton Santos se encontra com a dialética do global e do local, com a totalidade das relações socioespaciais construída no movimento que não omite a relevância das particularidades do lugar ou da região. Disponível em: <http://www.uff.br/geographia/ojs/index.php/geographia/article/viewArticle/268>. Acesso em 21 de janeiro de 2015. 62 UNIDADE 14. REGIONALISMO HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Compreender as características elementares da história local e regional na historiografia brasileira. ESTUDANDO E REFLETINDO Nesta unidade temos o estudo do artigo abaixo. DOMINGOS, Juliete Rosa; LIMA, Adilson Carlos de. A inserção da historia local e regional na historiografia e sua abordagem em sala de aula. In: X CONGRESSO DE EDUCAÇÃO DO NORTE PIONEIRO Jacarezinho. 2010. Anais. ..UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná – Centro de Ciências Humanas e da Educação e Centro de Letras Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2010. ISSN – 18083579. p. 107 – 117.1 O LOCAL E O REGIONAL NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA No Brasil a historiografia local e regional ainda tem sido caracterizada pelo seu diletantismo. Diferente de outros países europeus, como a França, Espanha, Alemanha, nossa história local e regional ainda tem um longo caminho pela frente para se desenvolver e tomar forma mais consolidada, encarnada, enquanto campo de pesquisa. A posição ocupada pela historia local na Europa é descrita por Silvio Correa: A relação entre história local e historiografia nacional na Europa também assume contornos no caso da América Latina, pois a história local européia é majoritariamente escrita por profissionais, enquanto a latino-americana tem o diletantismo como predominância. Além disso, o diálogo entre 1 Disponível em: <http://www.cj.uenp.edu.br/files/Eventos/congressoeducacao/2010/08.pdf>. Acesso em 08/01/2015. 63 amadores e profissionais europeus da historia local tem gerado bons resultados em que, não raro, os primeiros recebem suporte teórico metodológico dos segundos em troca de informações ou fontes, ás vezes inéditas (CORREA, 2003, p.11). Os motivos que colocam essa historiografia numa posição marginal, tem sido, primeiramente, o fato de ser ainda um campo recente em relação aos países citados anteriormente. As pesquisas voltadas para o local e o regional começaram a se desenvolver, como a pensamos hoje, apenas a partir da década de 70 e 80. Os fatores que contribuíram foram vários, dos quais podemos sublinhar a multiplicação dos cursos de pós-graduação que começam a surgir juntamente com uma “demanda” em se conhecer as particularidades fora das abordagens que orbitavam em torno da historiografia paulista, carioca, mineira, ou gaúcha. A larga produção de monografias que também surge nesse contexto contribui bastante. Soma-se a tudo isso a transformação que o próprio conceito de “região” sofreu dentro da geografia. Porém, apesar de um solo fértil, as dificuldades são tamanhas. A preservação e organização dos materiais, dos documentos históricos se apresentam de forma bastante precária, dificultando o trabalho do pesquisador. Essa dificuldade é perceptível em vários relatos de pesquisadores da história local e regional, como nos relata Janaina Amado sobre uma de suas investigações: A esse respeito, lembro-me de um episódio ocorrido durante uma pesquisa em um cartório situado em Porangatu, interior de Goiás. Temendo que eu estivesse ali em busca de dados referentes a uma enorme e recente grilagem de terras realizada (ao que se sabe, com a colaboração dos proprietários do Cartório), a encarregada não me permitiu, de modo algum, consultar a documentação [...] (AMADO, 1990, p.12). Essa dificuldade encontrada pela pesquisadora ainda está presente nos trabalhos mais recentes. É visível que muitas pessoas ou instituições se denominam donas das fontes, colocando o pesquisador numa posição de recuo, pois a utilização do poder é sempre frequente quando existe receio de que a divulgação de alguns dados possa pôr em risco e prejudicar os interesses desses grupos, e de comprometer sua imagem. A pesquisadora ainda aponta para outras dificuldades 64 presentes no caminho do historiador da história local, como o pequeno apoio financeiro, a carência de bibliografia básica e a dificuldade em publicar os trabalhos. Podemos somar a tudo isso a dificuldade também em termos de teorias e metodologias, que carecem de uma definição mais precisa. Mesmo com tanta dificuldade, os trabalhos vêm sendo produzidos e enfrentando os desafios. As universidades têm aberto espaço para as pesquisas na área e estimulado esses estudos através de linhas pesquisas específicas sobre local e regional. Essa mudança que vem ocorrendo no campo da historiografia brasileira, onde se propõe diferentes abordagens de forma mais crítica, tem testado a validade e a credibilidade das macro abordagens. Enfatizar uma pesquisa como de cunho regional tornou-se importante, mesmo havendo questionamentos sobre tal ênfase, pois se toda história pode ser considerada regional, essa “totalidade da história” não tem ultrapassado os limites dos centros administrativos, políticos e econômicos do país. Dessa forma, quando falamos em história local e regional, estamos falando também, e principalmente, das localidades e regiões que estão esquecidas ou mesmo desconhecidas, pela historiografia.É nesse sentido que devemos pensar a importância do estudo sobre o local e o regional, pelas suas análises transformadoras e inovadoras, como reforça Janaina Amado: A historiografia regional tem ainda a capacidade de apresentar o concreto o cotidiano, o ser humano historicamente determinado, de fazer a ponte entre o individual e o social. Por isso, quando emerge das regiões economicamente mais pobres, muitas vezes ela consegue também retratar a História dos marginalizados, identificando-se com a chamada “História popular” ou “História dos vencidos” (AMADO, 1990, p.13). Essas renovações no campo da historiografia, que a tem caracterizado como heterogênea, tem suas raízes já no inicio do século XX, com as contestações sobre a metodologia positivista e metódica, pelos historiadores dos Annales. A História Nova que vai conquistando seus espaços, vai abrindo um leque pluralizado de temáticas e de abordagens. A linearidade cronológica que caracterizava a historiografia tradicional vai sendo transformada num “saco de pancada”, pelos “novos 65 historiadores”. Esse contexto não é um momento de transformação apenas no campo da história, diversas áreas do conhecimento têm seu referencial teórico- metodologico repensado. A geografia não fica atrás e assume um ponto importante nessa configuração que, conforme Le Goff: “[...] a geografia foi umas das primeiras ciências humanas a se renovar graças ao desenvolvimento da geografia humana” (1995). Le Goff ressalta também a influência dos geógrafos dessa geografia humana sobre os ícones da história nova, Lucien Febvre, Marc Bloch e Fernand Braudel. A partir então dessa aproximação, já no século passado, tornou-se perceptível a contribuição do diálogo entre a história e a geografia. E como já definimos anteriormente, com a geografia “crítica”, “humana”. O diálogo apresenta como destaque dois instrumentos específicos de cada área, que num processo dialético resulta numa aparente dependência entre esses instrumentos, o tempo e o espaço. A história conversa ainda com diversas outras ciências que vão construindo seu espaço nesse momento, como a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia, entre outras. Essa interdisciplinaridade permite também produtivas análises sobre o local e o regional. No Brasil, apesar dessa renovação ter começado tarde a se estabelecer em solo firme, já tem, no mínimo, despertado o olhar do historiador para a importância de se estudar, conhecer e compreender as diferenças culturais existentes em nosso país, e até mesmo dentro de nossa própria região ou ainda no local onde moramos. No entanto, a diferenciação entre homogeneidade e heterogeneidade deve ser feita de forma coerente, pois, se as macro-abordagens tendem a homogeneizar culturas diferentes, a história local, dependendo da metodologia, pode fazer o mesmo. Isso ocorre quando o autor da história local se confunde com a própria fonte. No caso de ter sido testemunha ocular de fatos e acontecimentos considerados de relevância histórica, o historiador diletante pode correr o risco de confundir sua biografia com a história da comunidade local (CORREA, 2003, p.14). Esse equívoco tem sido constante na historiografia local. Apesar de toda crítica que vem sendo feita e dos debates nos meios acadêmicos, a subjetividade e o 66 empirismo ainda assombram as produções na área. E esse tem sido um dos principais motivos da marginalização do local dentro da historiografia brasileira. O outro caráter da historiografia local e regional tem sido aquele que carrega consigo uma ideologia, através do interesse de grupos que ocupam o poder. Essa vertente é bastante visível na historiografia sul-rio-grandense, aliás, a que mais tem chamado a atenção dos críticos e uma das mais presentes em artigos sobre historiografia local regional. Essa ideologia é transmitida pelo grupo de intelectuais, que Gramsci denomina de “intelectuais orgânicos” (GRAMSCI, 1979, p.3), e Sandra Pesavento reforça em defini-los como “um grupo funcional que tem por tarefa teorizar, tornar coerentes e difundir os valores e as idéias da classe dominante por todo o corpo social” (PESAVENTO,1990, p. 73). A relação assumida entre a história e a legitimação da hegemonia e do poder apresenta-se de forma escancarada, e segundo Pesavento: Nesse sentido, pode-se dizer que a história foi sempre um dos campos preferidos de recrutamento desta categoria de intelectuais defensores do sistema, uma vez que se desincumbe da tarefa de resgatar para a classe dominante um passado que a enobreça, pleno de atos de bravura e honradez, aos quais no presente ela dá continuidade (PESAVENTO, 1990, p.73). O desafio maior do pesquisador nessa área, então, parece ser o de enfraquecer essas tendências, enfrentar as dificuldades apresentadas e a marginalização da proposta da história local e regional. Isso significa ainda a demanda de uma profissionalização na produção historiográfica em local e regional. BUSCANDO CONHECIMENTO Milton Santos foi um dos maiores geógrafos da história do pensamento geográfico. Acesse o link abaixo e conheça um pouco mais sobre sua vasta atuação acadêmica. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/geografia/milton-santos.htm>. Acesso em 21 de janeiro de 2015. 67 UNIDADE 15. A MICRO HISTÓRIA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Propiciar conhecimentos sobre a micro história, sustentada por uma base discursiva baseada no relato. ESTUDANDO E REFLETINDO A Micro História Uma figura ímpar na historiografia contemporânea, ligada à história cultural e que faz parte de nosso trabalho é Carlo Ginzburg. Para um historiador, a palavra investigar é a peça chave do manual de um curioso. Mas, primeiramente, vamos abordar uma série de questões para discernir sobre o significado do termo: "investigar". O que é importante para o historiador em sua vida cotidiana de trabalho? Essa indagação nos remete ao fundamento científico de uma prática e a como pensar a questão da cientificidade dentro de uma tese. Uma referência que sempre resulta atrativo e proveitoso é recorrer ao que chamamos de paradigma do "investigador”. Um de seus pontos básicos de pesquisa parte do princípio do paradigma indiciário Neste, o foco de interesse está na forma de operar de determinadas práticas ou disciplinas, como, por exemplo, na crítica da arte para atribuir autorias disputadas (Morelli); ou no método detetivesco, para achar provas (Sherlock Holmes); ou na psicanálise, para detectar os sintomas da psique profunda (Freud). Com isso, estamos observando que os três exemplos são ligados à prática médica, peça chave para o paradigma indiciário. Dessa forma, pode-se afirmar que a sintomatologia médica é presente e manifesta. A história e a medicina se coadunam como práticas baseadas em testemunhos indiretos, observações indiciárias e inferências conjecturais. Carlo Ginzburg procura assinalar em seus estudos indiciários que a história é a disciplina do concreto, é o método nuclear de suas operações, como a abdução. Em contraposição está o propósito de uma macro história que é o estabelecimento de regras que permitem explicar o processo histórico. O problema 68 que se apresenta é a distinta natureza das leis históricas, em relação às leis das ciências naturais. Ginzburg é o primeiro que nos propõe conhecer a natureza das hipóteses na perspectiva do conhecimento histórico. Vale dizer que, neste caso, a postura do caráter dedutivo ou indutivo está na relação do historiador com seu material de pesquisa, ou seja, o pesquisador interage com o objeto. A micro história é o centro da atenção para Ginzburg. Para ele, é tal análise que tende a se sustentar, quando documentos excepcionais são vistos, estudados e levados para um objeto excepcional de acordo com um olhar analítico ou interpretativo. A sua observação se faz quando “areconstrução analítica (...) tornou-se necessária, a fim de podermos reconstruir a fisionomia, parcialmente obscurecida, de sua cultura e contexto social no qual ela se moldou” (Ginzburg, 198, p.12). A história cultural está presente como parte de um rico método em Ginzburg. Ele observa que qualquer vestígio de uma realidade cultural necessita de um critério crível de verificação que permite evitar que exageremos, portanto, Ginzburg enfrenta- se com a documentação “heterogênea”, frente a qual propõe novos instrumentos de análise, apropriando-se de um modelo inferencial, a abdução. É neste ponto que a micro história “cultural” de Ginzburg se separa da história das mentalidades. Todavia, devemos frisar que a mentalidade se refere ao que existe de menos individual e deixa claro que se liga a um contexto social de que faz depender a compreensão global, geral, dos casos estudados. A cultura que Ginzburg estuda, ao contrário, é singular, mas desprende-se de um contexto de mentalidade. A base de sua proposta metodológica de trabalho sustenta-se numa forma discursiva baseada no relato. Seu êxito prende-se, entre outras coisas, à forma narrativa, dando base em que se confronta a saturação da “história científica”. Carlo Ginzburg defende seu método, compelindo que a história é uma disciplina baseada no procedimento da argumentação. Sua força, neste caso, reside na convicção e no argumento de que é a presença física no lugar dos fatos, ao modo do historiador clássico grego, é uma testemunha direta do que acontecia. 69 O problema do investigador da idade moderna recente e da idade média é a ausência de uma documentação suficiente. A opinião metodológica de Ginzburg adquire sentido aqui, pois uma das fontes escassas outorga maior valor à documentação nominal que fala da cultura das classes populares. O problema é como remontar-se desde informação secundária até uma realidade mais complexa, afinal, se a história é abdutiva, a solução é desenvolver mais habilmente esse paradigma indiciário que permite ler os rastros mudos, formando uma sequência narrativa. BUSCANDO CONHECIMENTO Dando sequência aos nossos estudos, temos agora uma reflexão acerca da influência da micro história. Texto produzido pelo historiador Leandro Vilar2 A influência da micro história A micro história surgiu nos anos 70 com dois historiadores italianos, Carlo Ginzburg e Giovanni Levi. Os dois historiadores passariam a ser conhecidos no mundo a partir da abordagem de pesquisa e estudo, posteriormente chamada micro história. Aqui é importante ressalvar que a micro história é uma abordagem, uma metodologia de estudo e não uma área de estudo como a história política, social, econômica, etc. No início, tal metodologia foi confundida com a história das mentalidades, estudos de cultura material, história cultural, história descritiva, etc. Porém, o certo é que a micro história é uma metodologia de estudo que visa estudar acontecimentos em um recorte temporal de curta duração, ao mesmo tempo aprofundar a pesquisa o máximo que for 2 Disponível em: <http://seguindopassoshistoria.blogspot.com.br/2013/11/a-escola-dos-annales- legados.html>. Acesso em 29 de julho de 2014. 70 possível, pois uma das críticas que estes historiadores fizeram, era que os estudos históricos estavam "superficiais", exploravam pouco as possibilidades, assim como, certos fatos só poderiam ser conhecidos a partir de uma análise mais meticulosa, daí Burke [2009] referir-se a micro história como "um estudo da História sob a lente do microscópio". Burke também dá três motivos para o surgimento da micro história: “A micro historia foi uma reação contra um certo estilo de história social que seguia o modelo da história econômica, empregando métodos quantitativos e descrevendo tendências gerais, sem atribuir muita importância à variedade ou à especificidade das culturas locais". (BURKE, 2009, p. 61). "A micro história foi uma reação ao encontro com a antropologia. Os antropólogos ofereciam um modelo alternativo, a ampliação do estudo de caso onde havia espaço para a cultura, para a liberdade em relação ao determinismo social e econômico, e para os indivíduos, rostos na multidão. O microscópio era uma alternativa atraente para o telescópio, permitindo que as experiências concretas, individuais ou locais, reingressassem na história". (BURKE, 2009, p. 61). "A micro história era uma reação à crescente desilusão com a chamada 'narrativa grandiosa' do progresso, da ascensão da moderna civilização ocidental, pela Grécia e Roma antigas, a Cristandade, Renascença, Reforma, Revolução Científica, Iluminismo, Revolução Francesa e Industrial. Essa história triunfalista passava por cima das realizações e contribuições de muitas outras culturas, para não falar dos grupos sociais do Ocidente que não haviam participado dos movimentos acima mencionados". (BURKE, 2001, p. 62). 71 UNIDADE 16. A HISTÓRIA REGIONAL: AINDA NOVOS PARADIGMAS CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Desenvolver conhecimentos sobre a história cultural. Após estudarmos e conhecermos um pouco a respeito da Terceira geração dos Annales e do nascimento de novos paradigmas em Michel Foucault e Carlo Ginzburg, vamos agora completar nossos estudos com a História cultural, entendida como um novo paradigma a ser estudado. ESTUDANDO E REFLETINDO História Cultural Procuremos, antes de tudo, determo-nos em como os homens do passado se compreendiam, como eles constituíam sua totalidade e sua própria história. Esse fato tornou-se uma nova missão para os historiadores da Nova História, principalmente, no que diz respeito aos aspectos da cultura. Aqui, o pretérito passou a ser visto como um feixe de práticas discursivas, como uma sucessão de versões que se sobrepunham umas às outras, numa regressão quase infinita. Os objetos, antes inscritos e recortados de uma história social, fragmentaram-se e dissolveram-se no difuso território da indeterminação. 72 A própria dimensão do cultural ganhou novos contornos: o modo de expressão e de auto elaboração de grupos sociais, no correr da história, tornou-se problema de conflitos, de lutas, de possíveis não equivalentes. A cultura passou a ser vista como uma dimensão mais viva da prática humana diária. Assim, a história cultural pôde ser geralmente redefinida, como um estudo dos processos e práticas das quais se constrói um sentido e se forjam os significantes do mundo social e mental. Além disso, a história cultural é centrada, por sua vez no estudo das práticas e representações sociais, sem que aí se percam de vista, porém, as relações do cultural com certo social e de ambos, o cultural e o social, com a linguagem (FALCON, 2004, p. 81). A história cultural aponta para uma antropologia social, cujo sentido busca compreender, historicamente, como determinados fenômenos culturais de uma formação social específica se construíram, foram aceitos ou impostos. Nesse processo de compreensão, é mister considerar se a produção e a assimilação dos fenômenos ocorreram de forma consciente ou não, se foram consideradas as múltiplas relações que estão presentes na produção das estruturas sociais . Para Duby um dos problemas da história cultural e um dos obstáculos para a elaboração de sistemas conceituais adequados decorre da elucidação das relações entre esse movimento criador que arrasta a evolução de uma cultura e as estruturas profundas (DUBY, 1989, p.126). Quando falamos em história cultural, estamos dizendo que é “algo que tem a ver muito mais com uma ideia plural de cultura do que propriamente com a sua idealização genérica” (Falcon, 2004, p.81). Podemos dizer que, nos últimos anos, a história cultural e social tem abandonado os espaços das chamadas “grandesnarrativas” ou os esquemas estruturalistas, sejam o de inspiração marxista ou de “longue durée”, da escola dos Annales, a favor de estudos mais focalizados, ou a “micro história”, no que enfatizam a contingência e autonomia das formas culturais. A História cultural em Chartier 73 Roger Chartier, talvez, seja o historiador, mais citado entre nós, a dispor de um modelo específico de história cultural. Roger Chartier lançou, no número de comemoração dos sessenta anos da revista Annales, um artigo em que defendia a investigação das representações como caminho para a renovação da história das mentalidades ou da História Cultural, como preferiu denominar (Chartier,1991). Ao mencionar este viés historiográfico como aquele que teria por objetivo “identificar o modo como em diversos lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler” (1991, p.16/17), propõe uma abordagem peculiar do campo social que tomaria forma pelo viés do cultural. Dessa maneira, podemos nos inteirar que o cultural seria visto como o terreno de união entre os diversos sistemas simbólicos de uma sociedade historicamente identificada, cujos produtos e práticas sociais seriam encarados como sistemas de signos, ou de representações, a partir dos quais se poderiam compreender tanto os aspectos comunicacionais dos fatos tomados como objetos de atenção, no sentido de repertórios culturais dominados e postos em funcionamento efetivo, em graus variáveis, por formações sociais afins, quanto à formação dos aspectos de dominação consensual histórica, simbolicamente construída e aceita como verdadeira e, consequentemente, naturalizada. A chave para podermos entender a cultura é estarmos dispostos a compreender, a partir dos bens culturais, como determinadas formações sociais, em suas práticas efetivas, forneceram suas identidades e suas diferenças, tanto de uma forma deliberada e ostensiva quanto de uma maneira não-consciente. É nesse sentido que Chartier aponta que os grupos modelam deles próprios ou dos outros, (...) a história cultural que pode regressar utilmente ao social, já que faz incidir a sua atenção sobre as estratégias que determinam posições e relações e que atribuem a cada classe, grupo ou meio um ‘ser-apreendido’ constitutivo da sua identidade (CHATIER, 1991, p. 23). Ressalte-se que, com Peter Burke, deparamo-nos com novas tendências da história cultural, o que nos conduz a afirmar que não é nada fácil falar sobre cultura e sobre história cultural, já que tudo hoje parece impregnado e medido pela cultura. A 74 "cultura" transformou-se na categoria-chave para a compreensão do mundo contemporâneo e até os níveis ideológicos devem ser desemaranhados de seu modo primário de representação que é cultural. O tema da história cultural está em estreita relação com os modos de estudo sobre o imaginário e a representação. Uma noção ampla de cultura e central a nova história. O estado, em grupos sociais e ate mesmo o sexo ou a sociedade em si são considerados como culturalmente construídos. Contudo, se utilizam o termo em sentido amplo, temos, pelo menos, que nos perguntar o que não deve ser considerado como cultura? (BURKE, 1992, p.22). Os novos estudos de história cultural revelam-nos um tipo de comportamento e condutas sociais, até agora muito pouco investigados, ante a dificuldade que existe em explicar fenômenos mentais de longa duração, com resistências culturais construídas ao longo de muitos anos de imposição de corpos dirigentes e círculos dominantes, o que se segue é que a “história cultural se propõe observar no passado, entre os movimentos de conjunto de uma civilização, os mecanismos de produção de objetos culturais” (Duby,1989,p.126). Como os historiadores da cultura dizem, é demasiado complexo fixar regras de comportamento para o conjunto de uma comunidade. Deve-se reconhecer que é importante submeter investigações coletivas ao filtro da relatividade das circunstâncias concretas e pessoais. Um dos pressupostos tradicionais dos historiadores era a inocência da fonte, ou seja, o historiador deveria localizar fontes, explicá-las, analisá-las, pois essas fontes vinham dadas de uma forma inocente, no sentido de que, em si mesmas, não eram o fruto de uma criação. Possivelmente, a mudança mais importante na historiografia e que marca a história cultural nos últimos anos se localiza precisamente na consideração das próprias fontes como fatos criativos, uma vez que, são também, o fruto de uma construção. Nesse sentido, o meio, a mensagem e a própria difusão podem ser considerados construções humanas. Portanto, ao se estudar um arquivo, uma carta, ou a ordem de uma biblioteca, não os considera-los apenas dados, mas elementos a serem analisados organicamente, no contexto em que foram produzidos. O estar dentro da história cultural é ser parte integrante daquilo que se entende como a mais Nova História. 75 BUSCANDO CONHECIMENTO Em entrevista, Peter Burke, um dos historiadores mais renomados do mundo, comenta a função do historiador no século XXI. Segue o link. Disponível em: <http://redeglobo.globo.com/globouniversidade/noticia/2013/08/em- entrevista-peter-burke-comenta-funcao-do-historiador-no-seculo-xxi.html>. Acesso em 22 de janeiro de 2015. 76 UNIDADE 17. A NOVA HISTORIOGRAFIA: ESCOLA DOS ANNALES CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Propiciar conhecimentos sobre a origem da Escola dos Annales e a sua visão do regional. ESTUDANDO E REFLETINDO Fonte: <http://www.pianetalibri.com/capitalismo-e-civilta-materiale.html> Acesso em 23 de julho de 2014. 77 Os Annales: Início de Uma Nova Historiografia O princípio da Escola dos Annales está ligado, basicamente, em contraposição à Escola Positivista. A sua emergência está na busca de uma nova tendência em seus escritos e isso começou a ser feito nas duas primeiras décadas do século XX. Contudo, existe uma história que se faz presente nesse período e antecede a famosa revista Les Annales d´ Histoire Économique et Sociale em 1929. Em 1900, o filósofo Henri Berr propõe a criação da chamada “Revista de Síntese", num modo de reagir contra a chamada "escola metódica". Nesse caminho, vários intelectuais que não congregavam as ideias de erudição da escola positivista vão se alinhar, entre eles, os historiadores Lucien Febvre e Marc Bloch. Para Lucien Febvre e Marc Bloch já era tempo de dar uma nova dimensão, um novo caminho para a história. Fundam, assim, a chamada Revista Les Annales d´ Histoire Économique et Sociale, no ano de 1929. O que tinham basicamente em mente era proporcionar uma interdisciplinaridade e ligar as ciências humanas em seus vários momentos de pesquisa e análise. A preocupação da Revista dos Annales está em fugir das linhas da erudição pressuposta pela "escola metódica" e também do viés político. Ao contrário, ela quer uma acentuação maior em relação ao acontecimento e a chamada “longa duração". A sua atenção se detém para uma história que não seja basicamente política, mas com viés econômico, geográfico, sociológico, psicológico. O intuito dos Annales centra-se em ligar fortemente a história a outras ciências. É com esse objetivo e a nova tendência que uma nova historiografia surge (nouvelle histoire). Ela associa-se á École des Annales e a Revista Annales: ecónomies, societés, civilisations. A Nouvelle Histoire pode ser definida como uma posição de análise das estruturas. Podemos entender uma nova historiografia que não se particulariza agora no efeito data, mas nos aspectos que tangem toda forma de estrutura. Um dos filhos da geração dos Annales é Fernand Braudel, com quem se inaugura a segunda fase. Para esse historiador, dentro do mundo dos Annales inscreve- se a "História de Longa Duração". Mas como podemos definir melhor isso, entender essa “longaduração”? Para Braudel, a história particulariza-se pelo sentido de superfície; a história dos acontecimentos numa visão positivista; a outra também 78 conhecida como meia encosta, que é uma história conjuntural, lenta; em num plano mais profundo, uma de longa duração, uma história de décadas, séculos. O tempo histórico é modificado pela Nouvelle Histoire. As ciências sociais adquirem um novo estágio e forma de ver o tempo. Agora, a história vê uma nova dimensão de tempo e junto uma análise dita progressiva, contínua que leva junto de si uma observação mais global dos acontecimentos sem ser puramente cronológica. A história, agora, não está sozinha. Conta com o auxílio das ciências sociais. Sofre com isso uma guinada no campo de métodos e técnicas próprias. O que é a documentação, nesse momento, para o historiador? Qual o seu significado para essa historiografia? Para José Carlos Reis, Os documentos se referem à vida cotidiana das massas anônimas, à sua vida produtiva, à sua vida comercial, ao seu consumo, às suas crenças, às suas diversas formas de vida social. (REIS, 1994, p. 126) A nova história agora vê a documentação de forma diferente, quando comparada aos demais os momentos, são lados, vieses. A documentação não é mais oficial, mas arqueológica, arquitetural, pictográfica, iconográfica (grafites), fotográfica (imagens), cinematográfica, história oral, ou seja, constitui-se de todo tipo de documentação possível que represente a presença social do homem em meio a uma civilização. As fontes agora gritam junto aos documentos. A nouvelle histoire tem em mente um tempo que seja múltiplo, de diversas fases, caminhos dentro do mesmo. História de uma cultura, da moda, da sexualidade, do beijo, enfim, multifaces num único olhar, sem a existência de um tempo apenas frio e progressivo. O tempo não é cronologicamente linear, como os positivistas. Os Annales reviram, agora, o fator tempo para uma nova atenção ao cotidiano dos homens e da sociedade. BUSCANDO CONHECIMENTO O vídeo indicado abaixo aborda os principais conceitos de história, a relação da história com tempo, memória e narrativa e as principais concepções históricas: positivismo, marxismo, annales e nova história. 79 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=fNIZkaYzTeU> Acesso em 23 de julho de 2014. Para aprofundar os conceitos discutidos nesta unidade acesse o link abaixo. O texto proposto busca refletir acerca das transformações teórico-metodológicas pelas quais o conhecimento histórico passou com o desenvolvimento e a atuação da Escola dos Annales. Disponível em: < http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=professores&id=53> Acesso em 23 de julho de 2014. 80 UNIDADE 18. ESCOLA DOS ANNALES: SEGUNDA GERAÇÃO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Propiciar conhecimentos sobre a segunda geração da Escola dos Annales e a sua visão do regional. ESTUDANDO E REFLETINDO A Segunda Geração dos Annales Uma ênfase maior deve ser dada inicialmente a Fernand Braudel. O seu sentido de trabalho historiográfico, agora, reveste-se de um determinado período da história, pauta-se nele e em seu interior, busca todos os pontos possíveis de análise, em que o homem era incluso. Agora é a figura dos homens, de uma sociedade que se faz por ela e plenamente em sua pluralidade de ações. Chega até ao ambiente de uma geo-história. Fernand Braudel foi um historiador de destaque do século XX e importante membro da Escola dos Annales. Nascido na França em Luméville-em-Ornois no dia 24 de agosto de 1902, formou-se em História pela importante Universidade de Sorbonne. A partir de 1933, integrou o grupo de intelectuais franceses que colaborou na organização da Universidade de São Paulo, na qual exerceu o cargo de Professor entre os anos de 1935 e 1937. Foi também administrador da Maison de Sciences de l’Homme e diretor da Revista dos Annales. Fernand Braudel introduzindo significativas mudanças nos métodos historiográficos tradicionais e mudando a perspectiva do tema político com 81 aspectos mais amplos, como a economia da região. Sua brilhante carreira se encerrou na cidade de Cluses, quando faleceu no dia 27 de novembro de 1985. Mas, ainda assim, outras cinco obras suas foram publicadas após a morte. Fonte: <http://www.infoescola.com/biografias/fernand-braudel/> Acesso em 23 de julho de 2014. Gostaria de salientar que uma segunda geração dos annales nasce. Porém, o foco pela busca incessante da interdisciplinaridade continua sendo propósito dos annales. Nesse processo, a geografia toma um espaço social importante. Um dos clássicos da Escola dos Annales é o livro “O Mediterrâneo”, de Fernad Braudel. Sua intenção está em procurar descrever uma geo-história da região do mediterrâneo, ao longo de um processo. Braudel assume a direção da revista, após a morte de Febvre. Ao seu lado, novos historiadores vão aparecer como Le Goff, Emanoel Roy, Marc Ferro. No fundo, Braudel irá renovar a Revista, buscando com mais veemência uma boa relação com as demais ciências sociais. Nesta segunda geração, a ênfase em estudos econômicos vem ao encontro da história. As ideias de Marx com Ernest Labrousse despontam como alternativa para projetar esses estudos econômicos. O quantitativo começa a ter uma dimensão maior, ao serem vistos e buscados documentos relativos à história demográfica, que fará parte da história cultural. Cresce, assim, a relação entre as demais ciências sociais e a história, a partir desse momento, passa a ser analisada como fenômeno serial e local. Essa é a segunda geração dos Annales: demográfica, interdisciplinar, regional e serial. Constrói-se uma realidade histórica de espaços, permanece o intuito e a prática da interdisciplinaridade tão exacerbada por Fevbre. Outra importante ajuda foi à inovação no conceito de tempo, que para ele é movido entre a distinção de curta e longa duração, ou seja, os eventos históricos, podem se dar em larga ou restrita dimensão temporal. Neste caso, outro conceito é capital, a noção de estruturas, que interage no transcorrer desses eventos com a categoria temporal. Segundo Peter Burke (1997, p. 55), Braudel realiza um movimento de “combinar um estudo da longa duração com o de uma complexa interação entre o meio, a economia, a sociedade, a política, a cultura e os acontecimentos”. 82 Todos esses ares sedimentados por um domínio que se tem sobre sua forma em relação a seus discípulos. Sobre seu amparo a história discorre com outros conhecimentos, narra a história quantitativa serial, regional, demográfica, entre outras. Uma visão do todo, uma história global é proposta, mesmo que Braudel destine suas inquietações para o problema da liberdade individual. Seriam as coletividades coadjuvantes de sua escrita? A Escola dos Annales tem na sua história o marco de uma “revolução” historiográfica francesa (BURKE, 1997). O início do século XX tem suas particularidades, os Annales são, portanto frutos de seu tempo. Seus maiores subsídios consistem no implemento da história-problema, da ampliação das fontes, do enquadramento da história como “ciência humana e social”, através de uma relação interdisciplinar, porém tudo isso motivado ainda por um ideal de metodologia científica. Ideal esse que se diferencia da filosofia da história do século XIX e do advento do saber histórico com o positivismo. A história produz leis? Qual a função do historiador? A história é feita apenas de acontecimentos políticos, de heróis e tratados? Se contrário a esses fundamentos pode ser o grande aporte dos Annales. Se na primeira geração temos uma função de conhecimento (Febvre/Bloch) e na segunda geração a individualização da liderança, isso de forma alguma retira da revista e/ou da escola da grandezae importância dessa revolução no conhecimento histórico. “A historiografia jamais será a mesma” e nisto Peter Burke tem razão. BUSCANDO CONHECIMENTO Agora que você já teve uma breve ideia sobre o assunto, que tal ler alguns textos sobre a temática? TEXTO 1 Já foi sugerido que a expansão do campo do historiador implica o repensar da explicação histórica, uma vez que as tendências culturais e sociais não podem se analisadas da mesma maneira que os acontecimentos políticos. Elas requerem mais explicação estrutural. Quer gostem, que não, os historiadores estão tendo de se 83 preocupar com questões que por muito tempo interessam a sociólogos e a outros cientistas sociais. Quem são os verdadeiros agentes na história, os indivíduos ou os grupos? Será que eles podem resistir com sucesso as pressões das estruturas sociais, políticas ou culturais? São essas estruturas meramente restrições a liberdade de ação, ou permitem aos agentes realizarem mais escolhas? BURKE, P. A escrita da História – Novas perspectivas. São Paulo. Ed. UNESP,1991. TEXTO 2 “A volta mais importante e a da história política. Aqui também, embora a Escola dos Annales tenha tido razão em combater uma história política superficial a fatual de visão curta, uma história da política no sentido politiqueiro do termo, e preciso construir uma história do político que seja uma história do poder sob todos os seus aspectos, nem todos os políticos, uma história que inclua notadamente o simbólico e o imaginário.” Le Goff, J. A história nova. Introdução. São Paulo: Martins Fontes, 1978. 84 UNIDADE 19. HISTÓRIA REGIONAL NA SALA DE AULA – PARTE I CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Oferecer a você, estudante de um curso de licenciatura, subsídios para o trabalho em sala de aula com a história regional. ESTUDANDO E REFLETINDO No mundo globalizado a forma do local e do regional fazerem face ao global é através da revalorização de sua cultura e de seu ambiente. Esse fato transforma a História Regional e Local num artigo de primeira necessidade. Por outro lado, no campo da historiografia, a História Regional e Local tem incentivado a busca de explicação das sociedades nas suas múltiplas determinações e complexidades e tem proporcionado ocasião para testar generalizações da História Geral, por meio da redução da escala das investigações. Goubert assinalou ainda que a prática cautelosa da História Regional e Local, mas do que destruir concepções gerais equivocadas, porém arraigadas em tantos livros didáticos e discursos, tem a virtude de descobrir novos problemas e hipóteses. Tudo isso justifica que a História Regional e Local adentre as salas de aula em todos os níveis de ensino, mesmo que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) privilegiem o estudo histórico das localidades (bairros, cidades, municípios) e das regiões (estados) nas séries iniciais do ensino fundamental. Não se trata de tarefa fácil. Os professores de história estão sabidamente sobrecarregados e enfrentam, frequentemente, condições de trabalho adversas nas escolas brasileiras. Na maioria dos municípios e estados são raros os estudos históricos de boa qualidade sobre aspectos das trajetórias locais e regionais. Quando existem, há dificuldades para cessá-los. Mas os professores não podem desanimar. Precisam ampliar suas leituras, prestar mais atenção às especificidades locais e regionais, visitar museus e arquivos existentes nas áreas onde residem, acumular informações diversas sobre suas localidades, municípios, regiões e estados, procurar saber o que se está pesquisando nas universidades mais próximas. Sem dúvida, é mais trabalho. Todavia, 85 esse trabalho não tem que ser realizado de uma só vez. Os professores de História, para levar às salas de aula a História Regional e Local, terão que virar pesquisadores. Ensino e pesquisa, teoria e prática terão que ser definitivamente associados, respeitando-se, é claro, as situações concretas vividas pelos profissionais da História. O que não se poderá fazer é ficar de braços cruzados, à de alguma universidade ou algum pesquisador consagrado produzir material didático suficiente para atender as demandas dos professores espalhados pelo Brasil, pais de dimensões continentais multifacetadas. Análise de corografias, memórias e sites Em praticamente cada município e estado brasileiros pode ser encontrado certo número de textos memorialísticos ou corográficos, escritos geralmente nos séculos XIX e XX. O professor pode selecionar esses textos e submetê-los aos seus estudantes, no todo ou parcialmente. A partir de um roteiro mais aberto de leitura, promover na sala de aula discussão sobre objetivos e procedimentos utilizados pelos autores das memórias e corografias, incluindo os critérios para seleção dos fatos narrados, as características das interpretações propostas (por exemplo, o papel da natureza e dos líderes na história), as representações contidas nesses textos sobre os lugares e as regiões abordadas, as características das populações, das relações sociais e das práticas culturais assinaladas pelos autores. O professor pode chamar a atenção dos estudantes para as fontes empregadas na elaboração das memórias e corografias, falar sobre seus vieses e limitações, bem como desafiar os estudantes a indicar coisas (fatos, pessoas, grupos sociais e processos) que são deixadas de fora dos referidos textos. E convidar a turma a pensar sobre as implicações desses “ocultamentos” na compreensão do passado da região ou do lugar. Trabalho similar pode ser realizado com os sites de prefeituras, governos estaduais e organizações civis, colocando-se o foco da análise sobre os conteúdos relacionados ao modo como eles apresentam a história, o patrimônio cultural e os “atrativos turísticos” que os municípios e os estados possuem. 86 Crítica dos textos da “Macro-História” Nas cidades e nos estados onde há acúmulo de estudos históricos modernos, acessíveis graças ao maior dinamismo do mercado editorial, o professor pode emprega-los para pedir aos estudantes que critiquem as informações e interpretações presentes nos livros didáticos e obras de síntese de História do Brasil disponíveis na biblioteca escolar. Mais precisamente, os estudantes poderão ser colocados para verificar incongruências entre os livros didáticos e os resultados das pesquisas históricas recentes, guiados pelo professor. Estabelecer quadros comparativos entre as imagens da região que resultam da leitura dos livros didáticos, das obras de síntese e das pesquisas recentes. Na mesma linha, outra atividade que o professor poderá propor para os estudantes é identificar e analisar os conjuntos de imagens que as pessoas escolarizadas da região, os políticos, artistas, intelectuais e jornalistas, que são “formadores de opinião” possuem, seja por meio da leitura e interpretação de textos, das obras artísticas e dos discursos dessas pessoas, seja entrevistando-as. Ao lidar com as representações sobre a região presentes nas falas desses “formadores de opinião”, os estudantes serão desafiados a pensar sobre as origens delas e suas possíveis relações com o que há nos livros de História. Com sorte, os estudantes poderão 87 identificar alguns equívocos e generalizações indevidas sobre o Brasil e sua região ao fazerem esse tipo de trabalho com os resultados da pesquisa mais recente. Além disso, esse trabalho tem a vantagem de mostrar que a escrita da História muda, possibilitando discutir as razões e as consequências político culturais desse fenômeno. BUSCANDO CONHECIMENTO Para reforçar o conteúdo proposto nesta unidade, segue resumo e link para leitura do artigo “História Regional em Sala de Aula”. A proposta do projeto de pesquisa é o incentivo da prática do Ensino de História queinclua a História Regional e a formação de material paradidático que possa servir de apoio para essa prática. Neste breve texto procuramos expor a possibilidade e a contribuição do Ensino de História Regional, levando-se em conta a reflexão sobre a conjuntura educacional na qual o ensino de história está inserido e a própria concepção de História que o professor tem sobre sua disciplina. Disponível em: <http://www.encontro2012.rj.anpuh.org/resources/anais/15/1338434591_ARQUIVO_His toriaRegionalemSaladeAula.pdf>. Acesso em 22 de janeiro de 2015. 88 UNIDADE 20. HISTÓRIA REGIONAL NA SALA DE AULA – PARTE II CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos Oferecer a você, estudante de um curso de licenciatura, subsídios para o trabalho em sala de aula com a história regional. ESTUDANDO E REFLETINDO Observação direta de sobrevivências e permanências Professor e estudantes podem planejar e realizar trabalhos de campo, isto é, percorrer sua cidade ou região com olhos e ouvidos atentos. Assim poderão encontrar elementos indicativos de permanências e sobrevivências seculares, observáveis diretamente, que configuram realidades de longa duração, capazes de ensejar a iluminação recíproca de passado e presente. Tais sobrevivências podem ser atividades econômicas, relações sociais e práticas culturais marcadas por enorme longevidade, que ainda conservam parte expressiva de sua “lógica antiga”: construções, equipamentos, utensílios, comidas, brinquedos, remédios, modos de fazer, de celebrar e de pensar. Professor e estudantes devem fazer o registro iconográfico dessas sobrevivências e colher depoimentos orais a respeito delas. De volta à sala de aula, debater as influencias dessas “formas arcaicas” sobre o cotidiano das populações, suas interações com a cultura moderada e as razões pelas quais essas tradições encontram- se ameaçadas nas localidades e regiões onde residem os estudantes e o professor. Esse tipo de trabalho favorece a compreensão das dinâmicas históricas, levando os estudantes a perceber que a história é trama complexa de permanências e mudanças. O trabalho de campo, ao possibilitar a leitura mais atenta do universo cultural dos estudantes, abre oportunidade para que eles identifiquem componentes dos vários tempos de sua construção, participando, assim, da relação dialógica entre a situação atual do local ou da região e o seu passado. O que acaba por problematizar a 89 identidade dos estudantes, fazendo-os refletir sobre o legado do passado, o que dele desejam conservar, transformar ou simplesmente abandonar. Leitura da literatura regional e de relatos de viajantes Escritores produziram e continuam produzindo obras com fortes traços regionais, que lançam luz sobre aspectos das histórias de diversas regiões brasileiras. Autores como Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e Jorge Amado fornecem retratos instigantes do povo, dos costumes, da vida social e política, das paisagens e dos problemas de partes do país. Essas obras constituem, portanto, recursos fundamentais para a abordagem da História Regional, de preferência no âmbito de projetos de ensino integrados com outras disciplinas (Língua e Literatura, Geografia, Sociologia). Como várias dessas obras geraram filmes ou séries de tv, o professor pode contar com esse material para dinamizar ainda mais suas abordagens da História Regional. As premissas fundamentais que devem nortear o trabalho são duas: (1) a literatura e os filmes são obras de ficção – e não a reprodução fiel e verdadeira do passado; (2) a arte não constitui mero “reflexo” dos contextos sócio- históricos nos quais foi produzida, porque há uma autonomia própria do fazer artístico, em todo lugar e época. Com essas ressalvas, o professor criativo encontrará muitas formas de falar de História Regional servindo-se da literatura. O mesmo pode ser feito com os relatos de viagem. Muitas regiões e lugares do Brasil foram visitados, desde o século XVIII, por viajantes ilustrados estrangeiros e nacionais. Gente como Euclides da Cunha ou o francês Auguste de Saint-Hilaire, para citar somente dois nomes. Os relatos deixados por esses viajantes costumam conter muitas informações, descrições e comentários sobre as áreas por eles visitadas, suas companhias, suas economias, padrões sociais e modos da vida cotidiana. Ao trabalhar com esses relatos, as gravuras e os mapas que os acompanham, os estudantes encontram uma via de acesso ao passado. Para vastas áreas interioranas do Brasil, eles constituem, não raro, as únicas narrativas que falam de épocas passadas. Esses relatos são fontes importantes que os estudantes devem conhecer e criticar. O docente deve chamar atenção dos estudantes para as dificuldades dos viajantes entenderem a lógica das relações sociais e culturais das áreas que visitaram. Apontar a fome do “exótico” e 90 do “pitoresco” que marcou seus escritos, discutindo com os estudantes como essa inclinação distorce a compreensão histórica dos locais e regiões. BUSCANDO CONHECIMENTO Caminho de Goyazes3 Fonte: <https://santarosadeviterbo.wordpress.com/2013/10/13/caminho-de-goyazes/>. Acesso em 14/01/2015. O Caminho de Goyazes foi uma estrada aberta no leste e nordeste do Estado de São Paulo por bandeirantes paulistas para chegarem à Capitânia de Goyaz, onde hoje fica os estados de Goiás e Tocantins, no centro-oeste brasileiro. Por volta de 1720 foram encontradas minas de ouro na região recém- conquistadas do centro do Brasil, desviando a atenção dos bandeirantes paulistas da Capitânia das Minas Gerais para a Capitânia de Goyaz. 3 Publicado por Leandro Queiroz em 13 de outubro de 2013 em Geopolítica. Disponível em: <https://santarosadeviterbo.wordpress.com/2013/10/13/caminho-de-goyazes/>. Acesso em 15 de janeiro de 2015. 91 Então foi aberto o caminho na meio Mata Atlântica que cobria o leste e nordeste paulista rumo ao centro-oeste brasileiro, utilizada pelos bandeirantes para chegar às minas de ouro. O caminho saía de São Paulo, passava pelas atuais cidades de Jundiaí, Campinas, Mogi Mirim, Casa Branca, Tambaú, Cajuru, Altinópolis, Batatais, Patrocínio Paulista, Franca e Ituverava, até chegar ao Rio Grande, de onde seguia rumo à Capitânia de Goyaz. Esse caminho passou a ser utilizado também por tropeiros e posseiros, que também desejavam encontrar as minas goianas. Mas muitos deles não chegavam ao seu destino ou se perderam e ficavam às margens do caminho, onde tomam posse das terras formando fazendas e vilarejos, que futuramente transformariam nas cidades da região. Com aumento do movimento de pessoas, esse trajeto passou a ser conhecido como Caminho de Goyazes, pois ia rumo à Capitânia de Goyaz, criada em 1978, desmembrada da Capitânia de São Paulo, e ganharia status de estrada. O Caminho de Goyazes foi fundamental para o povoamento do nordeste do Estado de São Paulo e consequentemente, o nascimento da cidade de Santa Rosa de Viterbo. O botânico, naturalista e viajante francês Auguste de Saint-Hilaire percorreu o Caminho de Goyazes no início do século XIX e deixou vários relatos no seu livro “Viagem à província de São Paulo”. Seguindo boa parte do trajeto foi construída a Rodovia Anhanguera, mas ainda há esteios no meio das matas por onde os tropeiros transitavam na época do Caminho de Goyazes. 92 Fonte: < https://santarosadeviterbo.wordpress.com/2013/10/13/caminho-de-goyazes/>. Acesso em 14/01/2015. HISTÓRIA HISTÓRIA REGIONAL Eber Mariano Teixeira Thiago Thomaz Garcia http://unar.info/ead2 Av. Ernani Lacerda de Oliveira, 100 Bairro: Pq. Santa Cândida CEP: 13603-112 Araras / SP (19) 3321-8000 ead@unar.edu.br Rua Américo Gomes da Costa, 52 / 60 Bairro: São Miguel Paulista CEP: 08010-112 São Paulo / SP (11) 2031-6901eadsp@unar.edu.br www.unar.edu.br 0800-772-8030 POLOS EAD http://www.unar.edu.br http://unar.info/ead2 http://www.unar.edu.br http://www.unar.edu.br Capa História Regional - Robson APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA PROGRAMA DA DISCIPLINA UNIDADE 1. CONCEITOS E ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS UNIDADE 2. REGIÃO: CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO URBANO E RURAL UNIDADE 3. O RURAL NO URBANO OU O URBANO NO RURAL? Lixão de “Avenida Brasil”: realidade ou ficção? Fonte: https://raquelrolnik.wordpress.com/2012/04/27/lixao-de-avenida-brasil-realidade-ou-ficcao/ Texto complementar: Couto, Ana Magna Silva. Das sobras a indústria da reciclagem: a invenção do lixo na cidade (Uberlândia-MG, 1980-2002). Tese de Doutorado, defendida na PUC-SP, 2006. Disponível na Biblioteca digital da PUC/SP: http://lumen.pucsp.br UNIDADE 4. ECONOMIA, SOCIEDADE E HISTÓRIA REGIONAL UNIDADE 5. CIDADE E PATRIMÔNIO – PARTE I UNIDADE 7. CULTURA E IDENTIDADE REGIONAL UNIDADE 8. FRINTEIRAS, TERRITÓRIOS E PODER LOCAL UNIDADE 9. O LOCAL E O REGIONAL Segue o link para o texto “A história local e regional: dimensões possíveis para os estudos histórico-educacionais” de autoria do pesquisador Carlos Henrique de Carvalho. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/che/article/view/273/281>. Acesso em 20 de janeiro de 2015. UNIDADE 10. UM NOVO CONCEITO PARA O REGIONAL UNIDADE 11. HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA: ESTUDOS REGIONAIS – PARTE I UNIDADE 12. HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA – ESTUDOS REGIONAIS – PARTE II UNIDADE 13. REGIÃO: UMA CATEGORIA HISTÓRICA UNIDADE 14. REGIONALISMO HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA UNIDADE 15. A MICRO HISTÓRIA UNIDADE 16. A HISTÓRIA REGIONAL: AINDA NOVOS PARADIGMAS UNIDADE 17. A NOVA HISTORIOGRAFIA: ESCOLA DOS ANNALES UNIDADE 18. ESCOLA DOS ANNALES: SEGUNDA GERAÇÃO UNIDADE 19. HISTÓRIA REGIONAL NA SALA DE AULA – PARTE I UNIDADE 20. HISTÓRIA REGIONAL NA SALA DE AULA – PARTE II Capa