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Grupo: Georgia Vadalá – R.A.: 820144832; Laís Silva de Santana – R.A.: 81711028; Lizandra Negri da Penha – R.A.: 820130166; Tassielly Spacca – R.A.: 201508571 CASO INTERDISCIPLINAR : FAMÍLIA E SUCESSÕES e DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Alberto e Patrícia se casaram em Milão, em 2004. Ele, italiano, e ela, brasileira. Em maio de 2007, o casal teve seu único filho, Pierluigi, nascido na Itália e devidamente registradono Consulado brasileiro em Milão. Alguns anos depois, em 2013, o casamento se dissolveu pelo divórcio do casal, atribuindo-se guarda compartilhada de Pierluigi. Em 2016, com dificuldades em manter-se na Itália, Patrícia decide voltar ao Brasil, poisrecebera uma boa oferta de emprego. Nesta ocasião, os tribunais italianos atribuíram a guarda ao pai, Alberto, determinando a possibilidade de o menor passar as férias de verão com a mãe, no Brasil, e de pelo menos duas semanas com a mãe quando esta viajasse à Itália para visitar ofilho. Em janeiro de 2020, Patrícia recebe uma ligação de Alberto que, então, comunica à genitora que Pierluigi está se consultando com uma psicóloga, por orientação da escola, uma vez que, aos 13 anos, começou a demonstrar ações e comportamentos que indicavam desconformidade de gênero. Alberto completou dizendo que iria seguir as orientações dos profissionais de saúde e a vontade do menor e, por isso, já estavam sendo agendados exames para preparar Pierluigi para sua transição assim que ele voltasse das férias de verão no Brasil. GRUPO REALIZADOR Patrícia se opõe fortemente ao planejamento de Alberto e diz que quer levar o filho ao médico, no Brasil, para obter outras opiniões. Alberto diz que deve ser feito o melhor para o filho deles e não se opõe a que a mãe faça isso durante o período de férias no Brasil. Então, ainda com quadro pandêmico não controlado, Alberto autoriza a ida de Pierluigiao Brasil de 2 de junho a 16 de agosto de 2020. Patrícia, no entanto, preocupada com as informações que recebera no início do ano e com o comportamento do filho, decide não o mandar de volta na data prevista, mantendo-o noBrasil. Em seguida, leva o menor para um profissional no Brasil a fim de reverter seus trejeitosque demonstram desconformidade de gênero. Inconformado, Alberto aciona a autoridade central italiana para a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças d’A Haia (1980), comunicando a possível retenção do menor no Brasil pela genitora ao Dipartimento per la giustizia minorile edi comunità para solicitar um pedido de cooperação jurídica internacional. O caso ganha as mídias italianas e a imprensa brasileira noticia o fato. Ao receber o pedido, em outubro de 2020, a Autoridade Central Brasileira para a Cooperação Jurídica Internacional (Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF/DRCI/Senajus), órgão do governo federal brasileiro para a mesma convenção, após intervenção do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que teria visitado Patrícia e Pierluigi, nega o retorno. A Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos declarou à imprensa à épocaque o Ministério faria de tudo para proteger a família brasileira e o menor, orientando pelo não retorno do menor, com fundamento na alínea a do art. 13 da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças d’A Haia (1980), uma vez que seria violação dos direitos de guarda proceder a tamanha invasão ao corpo do menor. No entanto, a ACAF, em decisão de janeiro de 2021, justificou o não retorno com fundamento na alínea b do art. 13 da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças d’A Haia (1980) por entender que a pandemia da COVID-19colocava o menor em risco e que seu retorno não seria recomendável até o devido controle do quadro pandêmico ou autorização para sua vacinação. Patrícia, que já havia matriculado o menor na escola aqui no Brasil passa a proibir as visitas de Alberto, que veio ao Brasil para tratar do caso. Inconformado, Alberto contrata advogado para obter prestação jurisdicional quanto ao retorno de seu filho à Itália. 1)Qual é o papel da Conferência da Haia na produção normativa de regras de solução de conflitos de lei no espaço? Discorra sobre seu papel histórico, abrangência multilateral, vocação para harmonização legislativa e a relevância de sua atuação para a prática brasileira. Em um primeiro momento, é válido que se pontue a missão da Conferência de Haia, que diz respeito também ao seu papel na produção normativa de solução de conflitos de lei no espaço. Trabalha-se de forma a reduzir as diferenças e, portanto, eventuais conflitos entre os sistemas jurídicos de cada país. A Convenção de Haia é uma organização intergovernamental permanente com origem em 1893 e seu papel histórico se da principalmente por estabelecer regras busca de solução pacífica de resolução de controvérsias. Acerca da característica da abrangência multilateral, calha destacar o contexto em que se insere de acordo com Celso Lafer (2006, p.2): ‘’Tanto a Primeira quanto a Segunda Conferência de Haia não foram um exercício stricto sensu de poder das grandes potências. Foram regidas pelo princípio igualitário de um voto para cada delegação. Neste sentido, inauguraram um campo novo de possibilidades para o que veio a ser a diplomacia multilateral.’’ A multilateralidade é se dá pela quantidade de Estados membros que a integram, o que faz com que tenha um caráter universal ou regional, dependendo exclusivamente da composição dos sócios. Frisa-se que hoje a Conferência de Haia administra um total de 40 convenções multilaterais. No que tange a harmonização legislativa, outra característica importante, é oportuno trazer à baila o seu papel de consolidação da prática de elaboração e negociações de convenções do direito privado, que cria um elo político necessário, bem como faz prevalecer justamente essa harmonia em inúmeros sistemas legislativos de nações diferentes. A importância para o Brasil é tamanha, que hoje somos é signatários de sete acordos firmados no âmbito da Conferência: Convenção relativa à Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial (1970); Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (1980); Convenção sobre Acesso Internacional à Justiça (1980); Convenção relativa à Proteção de Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional (1993); Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização dos Documentos Públicos Estrangeiros (1961); Convenção relativa à Citação, Intimação e Notificação no Estrangeiro de Documentos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial (1965); Convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família e o Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos (2007). De modo a exemplificar a aplicação no Brasil, é válido destacar o entendimento a seguir: HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA Nº 2610 - EX (2019/0042722-0) RELATOR : MINISTRO PRESIDENTE DO STJ REQUERENTE : N A C REQUERENTE : J M N C ADVOGADOS : VLADIMIR MINA VALADARES DE ALMEIDA - PB012360 GABRIELA LYRA ALMEIDA BORGES FRANÇA - DF056494 CHRISTIANNE SAYONARA DO NASCIMENTO GUIMARAES MINÁ - PB012489 THAIS CAMPOS GOMES - PB026519 REQUERIDO : B N N U DESPACHO Trata-se de pedido de homologação de sentença estrangeira proposta em 13/2/2019 pelos brasileiros N. A. C. e J. M. N. C. A decisão homologanda foi proferida pela Justiça de Guiné Bissau em 5/5/2017 e conferiu aos requerentes a paternidade, via adoção, das gêmeas W. N. U. e W. N. U., naturais do referido país africano. As duas meninas são filhas de BRABÁ N'CUIA NA UAI e de DOMINGAS MÁRIO MBANA, conforme registro de nascimento (fls. 20-22). Aquele faleceu em 13/5/2018, segundo atestado de óbito de fl. 39. É o relatório. Há questões fáticas a serem saneadas.Em primeiro lugar, o Brasil é signatário da Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída na Haia, em 29/5/1993. A convenção foi ratificada pelo Brasil e aprovada como direito interno pelo Decreto 3.087/1999, vigorando aqui a partir de 1º/7/1999. A Convenção tem por escopo, entre outras regras, prever medidas para garantir que as adoções internacionais sejam feitas no interesse superior da criança e com respeito a seus direitos fundamentais, assim como para prevenir o sequestro, a venda ou o tráfico de crianças. A Guiné Bissau, por sua vez, não faz parte dos Estados participantes da Convenção, como se percebe pela página da internet da Confer ência da Haia de Direito Internacional Privado, especificamente no que toca ao instrumento referido. Portanto, a Convenção não rege as adoções entre o Brasil e a Guiné Bissau, embora, enquanto direito interno brasileiro, os princípios e regras da Convenção também norteiem, ao lado do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), os procedimentos de adoção aqui vigentes. Assim, a adoção reconhecida judicialmente na Guiné Bissau seguirá as regras de homologação dessa espécie no Brasil, sobretudo quanto ao requisito de não conter manifesta ofensa à ordem pública (art. 963, VI, do CPC). Em relação às inconsistências fáticas, é desconhecida a real residência ou domicílio do casal adotando, apesar das menções na inicial. Havia informação de que os requerentes estavam residindo em Guiné Bissau desde 2014, atuando como missionários. Contudo, não há nenhum documento a atestar essa residência ou domicílio, tampouco se os requerentes são ou estão de fato casados, embora ostentem o mesmo nome de família (Costa). Não se deixa aqui de observar que se trata de um país africano o de origem das crianças, com as dificuldades notórias relacionadas a essa contingência. Também não se está negligenciando o alto espírito humanitário que pode estar movendo os requerentes. No entanto, a fim de resguardar a segurança nesse tipo de tráfego jurídico e em atendimento a regras internas e externas a que o Brasil se compromete em observar, devem os requerentes, em 90 dias, trazer a seguinte documentação: a) certidão de casamento dos requerentes; e b) comprovante de residência e domicílio do casal. Os documentos produzidos no exterior deverão vir acompanhados de chancela consular brasileira. Publique-se. Brasília, 24 de março de 2020. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Presidente (STJ - HDE: 2610 EX 2019/0042722-0, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Publicação: DJ 26/03/2020) 2) A decisão da Autoridade Central Brasileira - que não autorizou a volta da criança para a Itália - atende os aspectos que caracterizam a cooperação judiciária internacional ? Explique. Não atende e os dispositivos contidos no Decreto nº 3.413/00, que versa a respeito da Convenção que trata dos aspectos civis do sequestro internacional de Crianças, são muito claros quanto a isso. Senão vejamos: Artigo 1° A presente Convenção tem por objetivo: a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visitas existentes num Estado Contratante. Segundo Rosanne Christine Da Silva Bastos Lopes (2010, p. 10): ‘’O objetivo da Convenção é o de retornar a criança, o mais rapidamente possível, à sua situação anterior, garantindo que as questões relativas à sua guarda sejam discutidas no âmbito da jurisdição do seu país de residência habitual. ’’ Ademais, em complemento ao texto legal supra, colaciona-se também o seguinte: Artigo 3º A transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando: a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; Vejamos, não há, no caso narrado, qualquer violação ao direito a guarda no que concerne o genitor de Pierluigi. Sobre as fundamentações utilizadas pela Autoridade Central Brasileira, demos os esclarecer pontualmente: o primeiro deles versa sobre o Art. 13 da convenção, que dispõe acerca da existência de um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável. Ora, não há o que se falar em risco de ordem física ou psíquica, haja vista que Pierluigi justamente se submeteria, sob a guarda de seu genitor, a uma avaliação psicológica prévia a qualquer procedimento médico. Isso significa dizer que a criança estaria amparada pela medicina de modo que qualquer decisão tomada teria respaldo médico e legal. O segundo ponto argumentativo calcou-se na existência da crise pandêmica mundial da Covid-19. Todavia, a falácia se mostra clara quando tomamos as datas: Pierluigi ingressa ao Brasil em agosto de 2021, momento este que o cenário é bastante crítico no pais. Em janeiro de 2021, data da decisão, o Brasil sepultava 22.105 pessoas em decorrência do vírus, número bastante alarmante para que se possa justificar a permanência da criança sob este viés. É claramente possível se falar em Sequestro Internacional de Crianças, afinal, pois após todos os fatos expostos, percebe-se que Pierluigi foi enviado ao Brasil com data de retorno á Itália devidamente acertada e, ao não cumprir com o trato, sua genitora o reteve no pais de forma ilícita, o retirando de seu lar habitual. De forma a colaborar a linha argumentativa aqui exposta, é oportuno destacar o seguinte entendimento (g.n.): AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA. GUARDA PROVISÓRIA NEGADA. AUSÊNCIA DE PROVA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA OU DE RISCO PARA O MENOR. RETENÇÃO DA CRIANÇA EM PAÍS DISTINTO DA RESIDÊNCIA PATERNA. POSSÍVEL VIOLAÇÃO ÀS NORMAS INTERNACIONAIS SOBRE SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS. NECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO E DE ADEQUADA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. DECISÃO VERGASTADA MANTIDA. Da análise do conjunto probatório constata-se que a Recorrente sempre teve conhecimento de que deveria regressar ao país de origem do infante ao final do mês de janeiro de 2015, porém reteve o menor no Chile. Possível violação à Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. A Agravante não logrou colacionar aos autos qualquer prova de que tenha sofrido violência doméstica ou que exista risco para o menor com relação à convivência com a figura paterna. Há necessidade de se oportunizar o contraditório ao Agravado, para fins de adequada instrução processual, a ser realizada no primeiro grau de jurisdição RECURSO NÃO PROVIDO (Classe: Agravo de Instrumento,Número do Processo: 0003346-22.2015.8.05.0000, Relator (a): Joanice Maria Guimarães de Jesus, Terceira Câmara Cível, Publicado em: 05/05/2016 ) (TJ-BA - AI: 00033462220158050000, Relator: Joanice Maria Guimarães de Jesus, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 05/05/2016) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Decreto nº 3.413 de 14 de abril de 2000. Ementa. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 de abril de 2000. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3413.htm. Acesso em: 25/09/2021 DA SILVA BASTOS LOPES, ROSANNE CHRISTINE. SEQÜESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS:: Análise e estudo do caso do menino Sean. [S. l.: s. n.], 2010. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/186335766.pdf. Acesso em: 26 set. 2021. Janeiro ultrapassa dezembro em número de mortes por Covid-19, indicam secretarias de Saúde. G1, BRASIL, p. 10-15, 21 jan. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/01/25/janeiro-ultrapassa-dezembro-em-numero-de-mortes-por-covid-19-indicam-secretarias-de-saude.ghtml. Acesso em: 27 set. 2021. LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: Um Diálogo com o Pensamento de Hannah Arendt. São Paulo, Companhia das Letras, 1988. SILVA, Leonardo Peter. Breves considerações acerca da Convenção de Haia sobre os aspectos civis do seqüestro internacional de crianças à luz do Direito Internacional Privado. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1270, 23 de dezembro de 2006
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