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1Panorama da AQÜICULTURA, julho/agosto, 2007
42 Panorama da AQÜICULTURA, julho/agosto, 2007
Policultivo de Tilápias e 
Camarões Marinhos
Por: 
Giovanni Lemos de Mello 1,2 e-mail: giovannidemello@gmail.com
Mestre em Aqüicultura
Álvaro Pestana de Farias 2 e-mail: alvaropfarias@gmail.com
Engenheiro de Aqüicultura
1 Associação Catarinense de Criadores de Camarão (ACCC)
2 AQUACONSULT – Aqüicultura e Meio Ambiente
Os Resultados das Primeiras Experiências em Laguna - SC
A safra 2004/2005 da carcinicultura catarinense prometia bater todos os recor-
des de produção, produtividade, geração de empregos e receita. No ano anterior, 
a produção havia superado quatro mil toneladas e o setor profissionalizava-se 
constantemente, através de um forte apoio governamental, deixando otimistas 
produtores, técnicos e as comunidades adjacentes às fazendas.
 No início de novembro de 2004, grande parte dos 1.231,29 hectares 
da região Sul do Estado, distribuídos em 368 viveiros, já estavam povoados 
ou em fase final de preparação para povoamento. Em um sábado de primavera, 
dia 06 de novembro, uma ligação telefônica feita por um funcionário de uma 
fazenda do município de Imaruí, vizinho à Laguna, angustiou os seus proprietários: os camarões de um viveiro 
estavam apresentando um comportamento diferente e preocupante, nadando lentamente pela superfície da água 
e morrendo logo em seguida, nas margens dos viveiros. Naquele momento, iniciavam-se as primeiras mortalidades 
registradas no Brasil causadas pelo Vírus da Síndrome da Mancha Branca (WSSV na sigla em inglês).
 A partir daquele ano, a região Sul de Santa Catarina, principal área de produção de camarões marinhos do 
Estado, com 92 fazendas em operação, testemunhou o surpreendente colapso de sua principal indústria aqüícola. 
Somente no município de Laguna, cerca de 400 postos de trabalho sucumbiram.
 Na safra 2006/2007, que se encerrou em 31 de junho último, apenas três fazendas da região Sul obtiveram 
sucesso na produção de camarões, uma delas, inclusive, vitimada anteriormente pela Mancha Branca, mostrou sinais 
de recuperação, com ótimos resultados técnicos, e é hoje uma luz no final da comporta. No entanto, a produção da 
Região Sul alcançou modestíssimas 59 toneladas de camarões.
 Motivados pelo exemplo equatoriano, onde existem 8.000 hectares de policultivos de tilápia e camarão na 
região de Taura, e também por publicações anteriores da Revista Panorama da AQÜICULTURA, que relatavam expe-
riências promissoras de policultivo de tilápias e camarões no Nordeste do Brasil, alguns produtores catarinenses 
decidiram investir nesta modalidade de produção.
 A AQUACONSULT assessorou tecnicamente o policultivo em três propriedades lagunenses, numa área de 
64,35 hectares, em 20 viveiros. A seguir, relataremos a experiência e os resultados técnico-econômicos da Fazenda 
Modelo, principal propriedade assistida. 
43Panorama da AQÜICULTURA, julho/agosto, 2007
A Fazenda Modelo localiza-se em Laguna, às margens da Lagoa Mirim, uma das três principais lagoas que 
compõem o Complexo Lagunar Sul do Estado de Santa Ca-
tarina, uma área com 20.000 hectares de lagunas costeiras. A 
propriedade possui 24,2 hectares de lâmina de água de cultivo, 
distribuídos em cinco viveiros e um canal de abastecimento, 
também utilizado como berçário na fase de pré-engorda. 
 Nos tempos em que a Fazenda Modelo criava camarões 
em monocultura, lá trabalhavam sete funcionários com carteira 
assinada. Após a Mancha Branca a fazenda não teve opção e 
demitiu-os, reempregando quatro deles um ano depois, em outu-
bro de 2006. A nova rotina de manejo requer um número menor 
de funcionários fixos (40% menos) mas, em contrapartida, as 
despescas demandam uma mão-de-obra temporária de pelo 
menos 20 pessoas, significativamente superior às despescas da 
carcinicultura.
Preparação dos viveiros
O processo de preparação do solo consistiu em duas 
aplicações de calcário (1.000 kg/ha/aplicação), intercaladas 
por um gradeamento.
A partir do início de setembro de 2006, a fazenda es-
tava pronta para o enchimento do viveiro-berçário, processo 
mantido em espera por mais de 30 dias, pois a salinidade na 
Lagoa Mirim estava em torno de 25 ppt, considerada alta para 
a espécie de tilápia que seria produzida. Após um período de 
chuvas, a salinidade reduziu-se, chegando a 15 ppt, propician-
do a captação de água.
Paralelamente ao berçário, em novembro, os viveiros 
definitivos foram abastecidos com água para o povoamento dos 
camarões, fato que aconteceu em dezembro. Nenhum dos vivei-
ros foi fertilizado, priorizando-se o surgimento da alimentação 
natural na água e principalmente no solo através de um período 
maior de viveiro alagado (cerca de 35 dias). Levou-se em conta, 
da mesma forma, que o povoamento dos camarões seria feito com 
uma densidade baixa: cinco pós-larvas por metro quadrado. 
Se é que o sucesso na produção teve algum segredo, 
e realmente talvez tenha tido alguns, eis o primeiro deles: o 
controle dos pássaros através de fios colocados sobre toda a 
extensão da área de lâmina de água dos viveiros. O investi-
mento de pouco mais de R$ 700,00 em fios de nylon inibiu a 
ação de pássaros como o biguá, sendo decisivo principalmente 
na alta taxa de sobrevivência da pré-engorda (acima de 93%) 
e também na engorda.
 
Origem dos alevinos, pós-larvas e aclimatação
Os alevinos de tilápia nilótica (Oreochromis niloticus) 
foram adquiridos da Piscicultura Aracanguá, localizada em 
Santo Antônio de Aracanguá (SP), sendo transportados em um 
caminhão, em caixas de transporte com aeração artificial, numa 
viagem que durou cerca de 18 horas. Antes da expedição, o la-
boratório de alevinagem incorporou sais à água doce, ajustando 
a salinidade em 5 ppt. 
O processo de aclimatação na fazenda levou cerca 
de duas horas, mo qual o principal parâmetro ajustado foi 
justamente a salinidade, de 5 para 14 ppt.
As pós-larvas de Litopenaeus vannamei foram pro-
duzidas pelo Laboratório de Camarões Marinhos (LCM) 
da Universidade Federal de Santa Catarina e o processo 
de aclimatação teve práticas similares às realizadas pela 
carcinicultura tradicional. O povoamento foi direto – nos 
viveiros de engorda, em 15 de dezembro de 2006, per-
manecendo por 46 dias em sistema de monocultura até a 
transferência das tilápias. 
Entretanto, com 30 dias de cultivo, os camarões 
apresentaram mortalidade com sintomatologias da Sín-
drome do Vírus da Mancha Branca, sendo a fazenda in-
terditada pelo órgão oficial de defesa sanitária do Estado 
de Santa Catarina (CIDASC). Este processo de interdição, 
todavia, permitiu que a fazenda continuasse sua produção 
normalmente, apenas com restrições quanto às renovações 
de água, o que se caracterizou como uma decisão acertada 
do órgão, tendo em vista os resultados promissores da 
policultura ao final da safra.
Berçários: uma pré-engorda fundamental
A Fazenda Modelo utilizou seu canal de abaste-
cimento de 2,8 hectares para acondicionar os 321.896 
alevinos adquiridos para engorda. De 28 de novembro de 
2006 a 29 de janeiro de 2007, os alevinos de 0,8 gramas 
transformaram-se em juvenis de 67,08 gramas de peso 
médio, sendo a biomassa de 20.183 kg de peixes transfe-
rida para os quatro viveiros de engorda definitivos (18,3 
hectares), através de um processo de seleção dos juvenis, 
Policultivo
Povoamento da Fazenda Modelo - com alevinos de tilápia
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Policultivo
classificados por tamanho através de dois tanques-rede, onde 
as tilápias eram capturadas do berçário através de uma rede 
(60 metros de comprimento) e com auxílio de caixas plásticas 
eram transportadas até a estrutura de seleção, onde se obtinha 
três classes de tamanho: 22, 44 e 75 gramas, sendo as malhas 
dos tanques-rede interno e externo de 2,5 e 3 cm entre nós, 
respectivamente.
Engorda
A fase de engorda nos viveiros definitivos iniciou-se em 29 
de janeiro de 2007, com as primeiras transferências das tilápias 
para os viveiros definitivos, onde os camarõessobreviventes já se 
encontravam. A partir deste ponto, teve início o policultivo. Um 
quinto viveiro da fazenda (viveiro 2) foi povoado diretamente 
com 47.197 juvenis adquiridos de uma outra propriedade.
Somente as tilápias foram alimentadas com ração artificial, 
fornecida duas vezes ao dia, de acordo com indicações do fabri-
cante e com ajustes nas tabelas realizados pela AQUACONSULT. 
Os tipos de ração utilizados, de acordo com o tamanho dos péletes 
e porcentagem de proteína, encontram-se na tabela 1.
Após a retirada de 50% do volume da água dos viveiros, 
os camarões iniciam seu percurso rumo à comporta sem que as 
tilápias apareçam na rede de despesca (bagnet). Aliás, as tilápias 
só iniciam sua caminhada em direção à comporta quando restam 
menos de 5% de água no viveiro e, como diz um produtor, “é 
preciso tirar a água da tilápia, e não a tilápia da água”.
No início é um pouco assustador “jogar um viveiro no chão”, 
com 30 ou 40 toneladas de tilápia e esperar que elas saiam com tão 
pouca água, mas é exatamente o que ocorre. Isto vale tanto para 
viveiros construídos em solos arenosos quanto orgânicos.
Podem ser utilizadas redes de arrasto para o auxílio 
na condução dos peixes para a proximidade da comporta de 
despesca, especialmente em viveiros com característica de 
solo arenoso, construídos com tratores de esteira, os quais não 
possuem canais laterais para a condução da água. 
Na Fazenda Modelo, os 153.000 quilos de tilápia foram 
despescados em 85 dias, entre 07 de maio e 30 de julho. Em 
alguns dias, a fazenda chegou a despescar 25.000 quilos em 
8 horas de trabalho, com a participação de 25 funcionários. 
Considerando-se o alto custo de uma despesca (cerca de R$ 
800,00, incluindo diaristas e refeições), é preciso aproveitar 
ao máximo o dia, retirando-se a maior quantidade de peixes 
possível, dentro de um fluxo de despesca organizado.
Tabela 1 – Tabela de alimentação utilizada no policultivo da 
Fazenda Modelo - Laguna - SC
O crescimento médio diário dos peixes pode ser conside-
rado excelente, tendo em vista que no início de maio, passados 
90 dias nesta segunda fase, o peso médio dos cinco viveiros 
da propriedade era superior a 500 gramas. Partindo-se de 67,8 
gramas de peso médio inicial nesta segunda fase, tem-se 4,89 
gramas/dia de incremento médio. O viveiro 3, onde foram 
alojados os peixes pequenos do processo de seleção, também 
apresentou ótimos resultados de crescimento, chegando a um 
peso médio final de 421,51 gramas.
No início de maio, porém, as primeiras massas de ar polar 
chegaram à Santa Catarina, reduzindo as temperaturas da água 
para valores inferiores a 20º C, chegando a um mínimo de 10,5º 
C em algumas manhãs. O peso médio final das tilápias despes-
cadas ao longo dos meses de maio, junho e julho é idêntico 
aos valores das biometrias do início de maio, tendo em vista a 
ausência de crescimento a partir daquele período.
Despescas
Não existe dificuldade na despesca dos camarões e das tilápias 
em policultivo. Pode-se despescar as duas espécies em dias distintos, 
próximos ou não, e a decisão fica a critério do produtor. 
Uso intensivo de mão-de-obra na despesca de tilápias em policultivo
Resultado da despesca na Fazenda Modelo 
46 Panorama da AQÜICULTURA, julho/agosto, 2007
Resultados zootécnicos
Um dado interessante para ser observado na 
tabela 2 é a densidade final dos camarões sobrevi-
ventes, que é muito similar entre todos os viveiros, 
mesmo com densidades iniciais de povoamento 
distintas. 
Avaliando as outras duas fazendas acompa-
nhadas, onde existiram densidades de povoamento 
de até 15 camarões por metro quadrado, fica evi-
dente que a densidade de camarões sobreviventes 
independe da quantidade inicial povoada. Este 
dado é importante para a tomada de decisão na 
hora da escolha da densidade de camarões a ser 
utilizada no policultivo, uma vez que a maior taxa 
de sobrevivência da Fazenda Modelo (viveiro 1 
– 19,6%), foi obtida a partir da menor densidade 
de povoamento inicial: 3,33 camarões por metro 
quadrado (Tabela 3).
Tabela 3 - Resultados zootécnicos da 
Fazenda Modelo - Laguna - SC
Po
lic
ul
ti
vo
Resultados econômicos
Após duas safras de perdas totais da produção, a Fazenda 
Modelo, a partir de um modelo de produção inovador para a Re-
gião Sul do Brasil, conquistou resultados econômicos positivos 
e promissores. O custo total de produção dos peixes ficou em 
R$ 2,00 por quilo, o que significa que todo camarão despescado 
resultou em lucro líquido para a propriedade. 
Tabela 2 - Densidade de povoamento e sobrevivência das Fazendas 
Modelo, Rollin e, Lima e Duarte
47Panorama da AQÜICULTURA, julho/agosto, 2007
Perspectivas futuras
O uso das tilápias no cultivo do camarão gerou um benefício 
imediato relacionado à sobrevivência de parte da população de cama-
rões, diferentemente do que ocorreu até então na monocultura, onde 
os índices de sobrevivência continuam insignificantes em 97% das 
fazendas da Região Sul de Santa Catarina.
Devido ao seu hábito alimentar e ao possível controle da 
transmissão horizontal do vírus da Mancha Branca realizado pelas 
tilápias, aliado a melhoria na qualidade de água e solo devido à po-
licultura, esta modalidade de cultivo parece desempenhar um papel 
positivo e benéfico para o aumento da sobrevivência dos camarões nos 
viveiros. A perspectiva é que este aumento seja gradativo no tempo, 
ou seja, espera-se já para esta próxima safra índices de sobrevivência 
em torno de 20%.
Com relação à comercialização, é necessário o desenvolvimento 
de um mercado para as tilápias marinhas, salientando as vantagens 
dos peixes serem cultivados em água salobra, que confere aos filés 
características diferenciadas quando comparandos com filés de água 
doce. Alguns restaurantes de Laguna e região já estão incorporando 
aos seus cardápios os filés de “tilápia marinha”.
Apesar das dificuldades na produção e manutenção de estoques 
de peixes durante o inverno catarinense, é preciso pensar na possibi-
lidade das fazendas funcionarem o ano todo, o que além da sustenta-
bilidade social do ponto de vista dos empregos fixos, fica garantido 
também o fornecimento dos filés de peixes por todo o ano, o que é 
condicionante para a abertura de mercados como supermercados, bares, 
restaurantes e hotéis.
Para o aumento do peso médio final dos peixes, é preciso 
pensar na produção de juvenis de tilápia durante o inverno, para que 
em outubro os produtores catarinenses possam dispor de juvenis de 
até 50 gramas para o início dos seus cultivos, o que pode garantir a 
produção de peixes acima de 700 gramas de peso médio, obtendo-se 
filés com peso superior a 120 gramas por unidade, atingindo outro 
patamar de padrão e preço.
Importância da MP do Bem
A aqüicultura brasileira obteve um importante 
incentivo, relacionado à redução nas suas contas de 
energia elétrica, através da MP do Bem, com a resolução 
da ANEEL no 207, de 09 de janeiro de 2006. Em Santa 
Catarina, o custo do kWh para os horários entre 21:30 e 
06:00 h é de R$ 0,09, e durante o período restante, de R$ 
0,27. O uso da energia noturna mostrou-se fundamental 
para o sucesso econômico do negócio, tendo em vista 
que o uso de aeradores (6 HP/ha) e renovação de água é 
indispensável durante as noites, diferentemente do que 
foi inicialmente previsto.
Licenciamento Ambiental
As primeiras experiências com policultivo em Santa 
Catarina foram autorizadas pela Fundação Estadual do Meio 
Ambiente – FATMA, sendo os cultivos experimentais rea-
lizados em cinco fazendas, nos municípios Laguna e Imaruí. 
Atualmente, a Associação Catarinense de Cria-
dores de Camarão (ACCC), numa ação conjunta com a 
EPAGRI, está pleiteando junto ao Conselho Estadual de 
Meio Ambiente (CONSEMA) a criação de uma Instrução 
Normativa (IN) específica para os policultivos em água 
salobra, uma vez que a FATMA – órgão licenciador esta-
dual de Santa Catarina somente licenciará os policultivos 
após a aprovação do CONSEMA.
Policultivo
A perspectiva para a próxima safraé a redução 
do custo de produção para R$ 1,90/kg, e a venda de 
peixes acima de 600 gramas a R$ 2,20, o que signifi-
cará R$ 0,30/kg de lucro líquido, além da produção de 
camarões. A taxa interna de retorno (TIR) do negócio 
deverá ficar em 25%.
Tabela 4 - Principais classes de custo 
com suas respectivas porcentagens de 
incidência no custo total
Camarões despescados na Fazenda Modelo com peso médio de 27gramas
49Panorama da AQÜICULTURA, julho/agosto, 2007
Uma Realidade Equatoriana em 2007
Por: 
Rodolfo Luis Petersen - PhD 
Coordenador do Projeto TILAG-UNISUL
e-mail: rodolfopetersen@hotmail.com
Policultivo de Tilápia + Camarão Marinho
Das 23.100 toneladas de filés frescos de tilápia 
importados pelos EUA em 2006, 10.900 toneladas 
(47%) foram provenientes do Equador. Curiosamen-
te, a quase totalidade desse peixe, foi cultivada 
em viveiros onde também são cultivados camarões, 
num sistema de policultivo que permitiu ao Equador 
liderar as remessas de filés frescos para os EUA, o 
maior mercado consumidor deste produto. O êxito 
do sistema praticado pelos produtores equatorianos 
é um dos focos do Projeto TILAG-UNISUL, recente-
mente aprovado pela FINEP, SEBRAE e SEAP, e que 
visa promover ações para reativar a aqüicultura na 
região de Laguna, em Santa Catarina, devastada pela 
presença do vírus da mancha branca, o mesmo que 
também devastou a carcinicultura equatoriana, anos 
atrás. Uma viagem de prospecção tecnológica ao 
Equador acaba de ser realizada pelo biólogo Rodolfo 
Luis Petersen, Coordenador do TILAG –UNISUL, que 
faz, a seguir, um breve relato da sua experência.
N o Equador, o cultivo da tilápia como um negócio rentável nasceu a partir da surgimento do Vírus da Mancha Branca, 
que afetou a produção de camarões marinhos e paralisou grande 
parte da infra-estrutura existente - viveiros, laboratórios e 
fábricas de alimentos balanceados. Atualmente a tilapicultura 
equatoriana está limitada ao policultivo com o camarão branco 
(Litopenaeus vannamei), utilizando a infra-estrutura existente 
e décadas de experiência em aqüicultura industrial.
Sistema trifásico
Atualmente existe no Equador um forte interesse em 
linhagens de nilótica (linhagens negras como são chamadas por 
lá) como a Chitralada e a GIFT. O fato é que a tilápia vermelha 
resiste muito bem a ataques bacterianos e parasitos, já que é 
mais resistente a salinidades acima de 20‰. Entretanto, a sua 
taxa de crescimento é marcadamente inferior. Todas as empresas 
visitadas estão cruzando as linhagens vermelhas com linhagens 
negras para tentar incrementar a baixa taxa de crescimento das 
tilápias vermelhas. 
O sistema praticamente comum de cultivo consiste em um 
sistema trifásico, utilizando alevinos com peso médio entre 1 e 2 gramas, 
não sendo usada energia para aeração nas fases 2 e 3 (Tabela 1).
As três empresas visitadas trabalhavam com o sistema 
trifásico. Uma delas, entretanto, estava revendo a possibilidade 
de trabalhar com linhagens negras (Chitralada ou GIFT) em 
áreas de baixa salinidade, utilizando um sistema de duas 
fases: a primeira até 150 gramas e a segunda até o tamanho 
de abate. Isto se deve ao fato das linhagens negras serem bem 
mais susceptíveis nas transferências de indivíduos maiores, 
na média de 300 gramas. 
A premissa principal do policultivo da tilápia com o camarão 
é conseguir um equilibro entre a quantidade de tilápia e a quantidade 
de camarão a povoar. No sistema de cultivo com muita tilápia (2/
m2) e pouco camarão (2-4/m2) existe o risco de não alimentar bem 
a tilápia e aumentar consideravelmente a probabilidade de perder o 
camarão por causa da predação. Todos os produtores entrevistados 
no Equador me asseguraram que a tilápia come o camarão vivo, 
dependendo de sua disponibilidade de alimento de fácil captura, ou 
seja, a ração. Por outro lado, quando existe pouca tilápia (menos de 
1/m2) e muito camarão (10/m2) é desencadeado um retardo na taxa 
de crescimento do camarão, por falta de ração. Outro fato muito 
importante é que, para obterem resultados econômicos satisfatórios, 
os produtores não se descuidam e nem esquecem por um só momento 
que a tilápia é o animal principal do policultivo. 
Sistema de recirculação com área de oxigenação
51Panorama da AQÜICULTURA, julho/agosto, 2007
Policultivo
Os camarões
As pós-larvas de camarão são recebidas nas fazendas no 
estádio variando de PL12 a PL18 e é realizado um cultivo intensivo 
com densidades variando entre 150 e 500 m/2, até o camarão atingir 
um peso médio entre 1,0 e 1,5 gramas, momento que é povoado 
o tanque de policultivo. De forma geral, os juvenis de camarão 
são povoados antes da tilápia mais não é regra absoluta e vai 
depender da logística de despescas e povoamentos. Se tiver que 
povoar o camarão na seqüência do peixe, se recomenda realizar a 
atividade em horário noturno e em locais do tanque que a tilápia 
não acostuma freqüentar. Nas transferências de todas as fases se 
realiza o trabalho de separação de tamanhos através do uso de 
malhas de rede de diferente abertura. 
 Dependendo da empresa, em grandes viveiros, a tilápia é 
cercada com o auxilio de tratores que puxam as redes pelos taludes 
laterais. Outro sistema muito curioso consiste em “arrear” as tilápias 
batendo tocos de madeira na superfície da água sendo acurraladas 
em um dos cantos do tanques. Esta operação é realizada por um 
número que varia de 6 a 8 operários, os quais entram na água 
independentemente do nível do viveiro. Um viveiro de 17 hectares, 
por exemplo, é despescado completamente em uma semana. 
O camarão é despescado pela comporta durante o período noturno 
geralmente na fase final da despesca da tilápia. É importante ressaltar 
que no Equador o peso médio da tilápia despescada é de 900 gramas.
menor peso médio. Após as larvas passarem pelo período 
de 28 dias de reversão sexual, são engordadas em sistemas 
intensivos com fortes trocas de água, ou, dependendo da 
empresa, em sistemas heterotróficos em flocos bacterianos. 
Todas, porém, povoam seus alevinos na Fase 1 de pré-cria 
da engorda com pesos médios entre 1 e 2 gramas. 
Manejo e qualidade de água
Uma das grandes tendências observadas é o uso de 
bactérias probióticas e sistemas heterotróficos com flocos 
bacterianos (usada pelo Grupo Modicorp), e de sistemas de 
recirculação com ou sem uso de probióticos. Neste aspecto 
temos que destacar que a qualidade da água do Golfo de 
Guayaquil está muito comprometida, tanto pelo impacto da 
cidade, como pela aqüicultura na região. De forma geral ficou 
muito claro que o uso de probióticos supera imensamente ao 
sistema aberto, fundamentalmente na prevenção ao ataque de 
bactérias patogênicas. 
Outro fator em comum enfatizado pelas empresas é a 
variação estacional da salinidade como fator de estresse nas etapas 
tanto de engorda como de produção de alevinos, o que justifica 
os sistemas de recirculação. As vantagens e desvantagens dos 
sistemas utilizados são apontadas pelos técnicos na tabela 2.
Produção de alevinos
Das três empresas visitadas uma possuía 
o sistema de produção de alevinos com o uso 
de incubação artificial e duas com o sistema de 
captura de nuvens. A densidade de manutenção de 
reprodutores é de um indivíduo por metro quadrado, 
com uma relação fêmea macho de 3: 1. No caso 
da empresa que utiliza a incubação artificial os 
reprodutores eram colocados em tanques de terra 
de 200 m2. Já as empresas que utilizam o sistema 
de captura de larvas, os tanques de reprodutores 
possuem uma área variando entre 500 e 1000 m2. 
O sistema de reversão sexual é realizado em duas 
fases de 14 dias cada, em tanques de concreto 
redondos e retangulares variando entre 15 e 30 
toneladas. A densidade de cultivo na Fase 1 varia 
entre 60 e 100 larvas/litro e na Fase 2 entre 50 e 60 
larvas por litro. Entre uma fase e outra, é realizada 
a separação de classes de tamanho eliminando a de 
No Brasil, o projeto TILAG-UNISUL contempla um 
estudo do desempenho zootécnico de diferentes linhagens, entre 
elas a GIFT,Nilótica não selecionada e uma linhagem de tilápia 
vermelha mantida durante varias gerações na Piscicultura Panamá, 
no sul de Santa Catarina, bem como dos híbridos intra-específicos, 
caracterizados geneticamente e zootecnicamente. Espera-se que 
dessa forma seja possível em breve colocar a disposição do produtor 
um produto diferenciado e competitivo tecnicamente.
Tabela 2 - Vantagens e desvantagens apontadas pelos técnicos na discussão do uso de cada 
sistema na produção de alevinos
Tabela 1 - Sistema trifásico de policultivo tilápia-camarão
53Panorama da AQÜICULTURA, julho/agosto, 2007
Policultivo
Controle de predação por pássaros
Todas as empresas, e independentemente de linha genética 
(vermelha ou preta), utilizam redes anti-pássaros para a Fase 1 de 
pré-cria, até os 70 gramas. O custo desse “sistema de telhado” no 
Equador é de US$ 3.500/hectare. 
Comercialização
As despescas da tilápia são realizadas de forma parcial e as 
tilápias são levadas vivas até a processadora em veículos-tanque com 
capacidade para transportar 4,5 toneladas por viagem. Chegando 
na processadora, as tilápias são descarregadas e mantidas vivas em 
tanques de concreto, abastecidos com aeração suplementar. 
As despescas são realizadas de forma parcial com grandes 
arrastos com redes puxadas por tratores da beira dos viveiros. 
Os peixes são divididos em grupos de cinco toneladas, para 
serem colocados nos veículos-tanque e levados para a empresa 
processadora.
De modo geral o processamento da tilápia no Equador 
consiste nos seguintes passos: descabeçamento e sangria 
(máquina); retirada das escamas (máquina); lavagem e filetagem 
(pessoal especializado remunerado por peso processado); retirada 
da pele (máquina); toalete e controle de qualidade - retirada final 
de espinhos e cortes no dorso posterior do filé; resfriamento rápido 
a –20 C (sem congelar); embalagem em caixas próprias para a 
comercialização e, transporte para o aeroporto. 
Na ocasião da viagem, visitei uma planta processadora com 
capacidade de 30 toneladas dia, quando trabalham 24 horas por 
dia. Lá vão recebendo o que chamam de “cápsula”, que consiste 
em uma carga de 4,5 toneladas viva. A logística com a fazenda 
tem que ser quase perfeita entre uma remessa e outra e, de forma 
geral, as tilápias ficam cercadas na fazenda na espera do transporte. 
O controle de qualidade é extremadamente rigoroso: se a tilápia 
chegar “baleada” em Guayaquil, será filetada para o mercado 
interno. Para o mercado norte-americano, os peixes têm que chegar à 
processadora em excelente estado e totalmente vivos. O rendimento 
médio do processamento é de 30 %, com pouca variação entre 29 
e 31 %. Maiores rendimentos podem ser obtidos, mas com perda 
significativa de qualidade. 
A maior parte da tilápia equatoriana é comercializada por 
um grande grupo do setor, com a marca “Tropical”. Este grupo 
possui escritórios em Miami e distribui diretamente a tilápia a 
supermercados e restaurantes americanos, evitando o custo de 
distribuição e terceirização desse serviço. 
Sanidade
Todas as empresas possuem laboratório de controle 
sanitário para a observação de doenças bacterianas e parasitarias 
com possibilidade de realizar observações microscópicas de 
diferentes tecidos como brânquias e intestino. Alem disso, têm a 
possibilidade de realizar cultivos dos principais grupos de bactérias 
patogênicas como Pseudomonas, Flexibacter e Streptococus para 
sua identificação e tratamento.
O autor agradece a empresa Guabi, especialmente ao Sr. João Manoel Cordeiro Alves 
por acreditar no potencial do Projeto Tilag e à empresa Prilabsa Ltda, acreditando 
que as parcerias entre empresas, governo, universidades e produtores, podem tornar 
realidade o desafio de reativar a economia da região de Laguna, SC. 
Redes anti-pássaros utilizadas para a Fase 1 de pré-cria
Tilápia em espera para ser transportada á planta de processamento
A c i m a : s i s t e m a s 
he t e r o t r ó f i c o s d e 
flocos bacterianos para 
alevinos
 Ao lado: tanques de 
probióticos em fase final 
de repicagem para serem 
inoculados nos tanques 
de cultivo.

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