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COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Letícia Sangaletti Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB-10/2147 S225c Sangaletti, Leticia. Comunicação e expressão [recurso eletrônico] / Leticia Sangaletti, Laís Virginia Alves Medeiros; [revisão técnica: Laís Virginia Alves Medeiros] . – Porto Alegre: SAGAH 2018. ISBN 978-85-9502-215-7 1. Comunicação. 2. Língua Portuguesa. I. Medeiros, Laís Virginia Alves. II. Título. CDU 81’38 Revisão técnica: Laís Virginia Alves Medeiros Mestra em Letras – Estudos da Linguagem: Teorias do Texto e do Discurso Bacharela em Letras – Habilitação Tradutora: Português e Francês Domínios e gêneros discursivos: definição e funcionalidades Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar os gêneros textuais como atividades de linguagem. Situar os gêneros textuais em domínios discursivos, procurando iden- tificar suas funcionalidades. Utilizar com maior habilidade os gêneros textuais adequados a cada evento comunicativo. Introdução Quando você fala ou escreve, em qualquer situação, está produzindo gêneros textuais. Como são muitos os gêneros textuais existentes no mundo discursivo, é necessário que você treine e analise o maior número possível deles. Assim, poderá ampliar as suas habilidades de leitor e produtor de textos. Neste texto, você vai conhecer os múltiplos gêneros do discurso. Verá como eles se organizam e como funcionam em situações de comunica- ção. Esse é mais um investimento no sentido de compreender a língua como uma atividade de interação, de caráter social, histórico e cognitivo. Domínios e gêneros discursivos Marcuschi (2003) afirma que os domínios discursivos dão origem a discursos específicos e são as grandes esferas da atividade humana em que circulam os textos. Para o teórico, os domínios discursivos são marcados por elementos que representam os discursos institucionais, como o jornalístico, o religioso e o jurídico. Nas palavras do autor (MARCUSCHI, 2003, p. 23-24): Usamos a expressão domínio discursivo para designar uma esfera ou instância de produção discursiva ou de atividade humana. Esses domínios não são textos nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante específi- cos. Do ponto de vista dos domínios, falamos em discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso etc., já que as atividades jurídica, jornalística ou religiosa não abrangem um gênero em particular, mas dão origem a vários deles. Constituem práticas discursivas dentro das quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que, às vezes, lhe são próprios (em certos casos exclusivos) como práticas ou rotinas comunicativas institucionalizadas. Você deve compreender que tais domínios discursivos se formam a partir de um conjunto de textos que servem a certos campos comunicativos e a ramos de atividades sociais, se realizando por meio de gêneros textuais. Para entender melhor, você pode considerar que cada campo social é um domínio e os gêneros são modelos. Desse modo, os gêneros estão no domínio discursivo, e alguns ainda podem fazer parte de mais de um domínio. Marcuschi (2003) também afirma que é preciso ter cuidado para não con- fundir texto e discurso, compreendendo os termos como se tivessem o mesmo significado. Para o teórico, os textos realizam discursos em situações institu- cionais, como situações históricas, situações sociais e situações ideológicas. Assim, gênero e domínio discursivo se acomodam no texto sob determinada forma linguística. Essa forma é o tipo textual. Ele faz parte de um gênero textual, pois responde a um objetivo comunicativo. Além disso, está em uma esfera social da qual o gênero faz parte, conhecida por domínio discursivo. Para definir melhor o gênero textual, Marcuschi (2003) utiliza a ideia de domínio discursivo. Nesse sentido, classifica os gêneros em: científico, jornalístico, religioso, saúde, comercial, industrial, instrucional, jurídico, publicitário, lazer, interpessoal e ficcional. Domínios e gêneros discursivos: definição e funcionalidades160 De acordo com Marcuschi (2003), muitos gêneros são comuns a vários domínios discursivos. Além disso, existem domínios discursivos mais produtivos em diversidades textuais e outros mais resistentes. Para o autor, considerando a relação entre fala e escrita, a possibilidade é de que haja domínios discursivos específicos e mistos. Por exemplo: Como domínio discursivo específico, você pode tomar como exemplo o religioso, considerando a jaculatória como gênero textual oral, proferido nas missas. Já como domínio misto, você pode pensar no domínio discursivo jornalístico. Ele se realiza em gêneros textuais escritos, como jornais e revistas, e falados, como programas de rádio e televisão. Os gêneros e os domínios discursivos: funcionalidades A seguir, você vai conhecer melhor os domínios discursivos e situar os gêneros textuais em cada um deles, procurando identificar suas funcionalidades. Como você viu, Marcuschi (2003) classificou os domínios em: científico, jornalístico, religioso, saúde, comercial, industrial, instrucional, jurídico, publicitário, lazer, interpessoal e ficcional. Na Tabela 1, você pode observar o quadro sinóptico que traz os domínios e os gêneros textuais nas duas modalidades de uso da língua: oral e escrita. 161Domínios e gêneros discursivos: definição e funcionalidades Domínios discursivos Modalidades de uso da língua Modalidades de uso da língua Escrita Oral Científico Artigos científicos; verbetes de enciclopédias; relatórios científicos; notas de aula; notas de rodapé; diários de campo; teses; dissertações; monografias; glossários; artigos de divulgação científica; tabelas; mapas; gráficos; resumos de artigos de livros; resumos de livros; resumos de conferências; resenhas; comentários; biografias; projetos; solicitações de bolsa; cronogramas de trabalho; organogramas de atividade; monografias de curso; monografias de disciplina; definições; autobiografias; manuais de ensino; bibliografias; fichas catalográficas; memoriais; curricula vitae; pareceres técnicos; verbetes; pareceres sobre teses; pareceres sobre artigos; pareceres sobre projetos; cartas de apresentação; cartas de recomendação; atas de reunião; sumários; índices remissivos; diplomas; índices onomásticos; dicionários; provas de línguas; provas de vestibular; provas de múltipla escolha; diplomas; certificados de especialização, certificados de proficiência, atestados de participação, epígrafes. Conferências; debates; discussões; exposições; comunicações; aulas participativas; aulas expositivas; entrevistas de campo; exames orais; exames finais; seminários de iniciantes; seminários avançados; seminários temáticos; colóquios; provas orais; arguições de teses; arguições de dissertações; entrevistas de seleção de curso; aulas de concursos; aulas em vídeo; aulas pelo rádio; aconselhamentos. Jornalístico Editoriais; notícias; reportagens; notas sociais; artigos de opinião; comentários; jogos; histórias em quadrinhos; palavras cruzadas; crônicas policiais; crônicas esportivas; entrevistas jornalísticas; anúncios classificados; anúncios fúnebres; cartas do leitor; cartas ao leitor; resumos de novelas; reclamações; capas de revistas; expedientes; boletins do tempo; sinopses de novelas; resumos de filmes; cartoons; caricaturas; enquetes; roteiros; erratas; charges; programações semanais; agendas de viagem. Entrevistas jornalísticas; entrevistas televisivas; entrevistas radiofônicas; entrevistas coletivas; notícias de rádio; notícias de televisão; reportagens ao vivo; comentários; discussões; debates; apresentações; programas radiofônicos;boletins do tempo. Religioso Orações; rezas; catecismos; homilias; hagiografias; cânticos religiosos; missais; bulas papais; jaculatórias; penitências; encíclicas papais. Sermões; confissões; rezas; cantorias; orações; lamentações; benzeções; cantos medicinais. Tabela 1. Quadro sinóptico de domínios discursivos e gêneros textuais. (Continua) Domínios e gêneros discursivos: definição e funcionalidades162 Domínios discursivos Modalidades de uso da língua Modalidades de uso da língua Escrita Oral Saúde Receitas médicas; bulas de remédio; pareceres médicos; receitas caseiras; receitas culinárias. Consultas; entrevistas médicas; conselhos médicos. Comercial Rótulos; notas de venda; faturas; notas de compra; classificados; publicidades; comprovantes de pagamento; notas promissórias; notas fiscais; boletos; boletins de preços; logomarcas; comprovantes de renda; cartas comerciais; pareceres de consultoria; formulários de compra; cartas- respostas; comerciais; memorandos; notas de serviço; controles de estoque; controles de venda; bilhetes de avião; bilhetes de ônibus; cartas de representação; certificados de garantia; atestados de qualidade; listas de espera; balanços comerciais; instruções de montagem; descrições de obras; ordens. Publicidades de feira; publicidades de televisão; publicidades de rádio; refrãos de feira; refrãos de carro de venda de rua. Industrial Instruções de montagem; descrições de obras; códigos de obras; avisos; controles de estoque; atestados de validade; manuais de instrução. Ordens. Jurídico Contratos; leis; regimentos; estatutos; certidões de batismo; certidões de casamento; certidões de óbito; certidões de bons antecedentes; certidões negativas; atestados; certificados; diplomas; normas; regras; pareceres; boletins de ocorrência; editais de convocação; editais de concurso; avisos de licitação; autos de penhora; autos de avaliação; documentos pessoais; requerimentos; autorizações de funcionamento; alvarás de licença; alvarás de soltura; alvarás de prisão; sentenças de condenação; citações criminais; mandados de busca; decretos-lei; medidas provisórias; desmentidos; editais; regulamentos; contratos; advertências. Tomadas de depoimento; arguições; declarações; exortações; depoimentos; inquéritos judiciais; inquéritos policiais; ordens de prisão. Publicitário Propagandas; publicidades; anúncios; cartazes; folhetos; logomarcas; avisos; necrológios; outdoors; inscrições em muros; inscrições em banheiros; placas; endereços postais; endereços eletrônicos; endereços de internet. Publicidades na televisão; publicidades no rádio. Tabela 1. Quadro sinóptico de domínios discursivos e gêneros textuais. (Continuação) 163Domínios e gêneros discursivos: definição e funcionalidades Fonte: Marcuschi (2008). Domínios discursivos Modalidades de uso da língua Modalidades de uso da língua Escrita Oral Lazer Piadas; jogos; adivinhas; histórias em quadrinhos; palavras cruzadas; horóscopos. Fofocas; piadas; adivinhas; jogos teatrais. Interpessoal Cartas pessoais; cartas comerciais; cartas abertas; cartas do leitor; cartas oficiais; cartas-convite; cartões de visita; e-mails; bilhetes; atas; telegramas; memorandos; boletins; relatos; agradecimentos; convites; advertências; informes; diários pessoais; avisos fúnebres; volantes; listas de compras; endereços postais; endereços eletrônicos; autobiografias; formulários; placas; mapas; catálogos; papéis timbrados. Recados; conversações espontâneas; telefonemas; bate- papos virtuais; convites; agradecimentos; advertências; avisos; ameaças; provérbios. Militar Ordens do dia; roteiros de cerimônia oficial; roteiros de formatura; listas de tarefas. Ordens do dia. Ficcional Textos épicos, líricos e dramáticos; poemas; diários; contos; mitos; peças de teatro; lendas; parlendas; fábulas; histórias em quadrinhos; romances; dramas; crônicas; roteiros de filmes. Fábulas; contos; lendas; poemas; declamações; encenações. Tabela 1. Quadro sinóptico de domínios discursivos e gêneros textuais. (Continuação) Como você viu, a lista dos gêneros textuais escritos é bem maior que a dos de fala. Além disso, Marcuschi (2008, p. 196) também chama atenção para algo que ele considera singular, o fato de que “[...] há domínios discursivos mais produtivos em diversidade de formas textuais e outros mais resistentes.”. Domínios e gêneros discursivos: definição e funcionalidades164 Gêneros textuais em situações comunicativas Você certamente já sabe que cada situação comunicativa exige um comporta- mento específico. Por exemplo, não é viável usar o gênero textual propaganda em uma missa, pois o primeiro faz parte do domínio discursivo publicitário e o segundo, do religioso. Portanto, é necessário que o falante/escritor adeque a sua comunicação a cada situação considerando o gênero correto a ser usado e o domínio discursivo. Para que você compreenda melhor, verá a seguir diferentes abordagens a um tema específico, a violência contra a mulher. Observe os exemplos. Trecho de reportagem: Dossiê mulher: maior parte da violência contra a mulher ocorre dentro de casa Companheiros e ex-companheiros, familiares, amigos, conhecidos ou vizinhos foram os responsáveis por 68% dos casos de violência física, 65% da violência psicológica e 38% da violência sexual sofrida por mulheres no estado do Rio de Janeiro em 2016. É o que aponta a 12ª edição do Dossiê Mulher, lançada hoje (7) pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do estado. Pais, padrastos, parentes, conhecidos, amigos e vizinhos também foram acusados de 37% dos estupros de vulneráveis no período. No total, 2.226 meninas de até 14 anos foram vítimas de estupro, o que corresponde a 55,5% dos registros desse crime. Mais de 60% dos estupros e dos crimes de lesão corporal dolosa e 40% das tentativas de homicídio contra as mulheres ocorreram dentro de casa. Para a coordenadora dos conselhos comunitários de Segurança e orga- nizadora do Dossiê Mulher, major Cláudia de Moraes, os dados mostram que, ao contrário da ideia de que o lar é um local seguro para mulheres e o ambiente urbano é perigoso, é justamente dentro de casa que ocorre boa parte da violência contra a mulher. ‘Sempre foi difundido para as mulheres que a casa é o ambiente das mulheres, onde elas estariam seguras, e a rua seria o ambiente inseguro para as mulheres. Mas, na verdade, isso não é o que se mostra. O ambiente doméstico se mostra um ambiente ameaçador para algumas mulheres’, comenta Cláudia. De acordo com ela, o fato de a vítima, em muitos casos, conhecer o agressor faz com que muitas não denunciem o crime. Além disso, Cláudia chama atenção para as consequências da violência psicológica. 165Domínios e gêneros discursivos: definição e funcionalidades ‘O que a gente mostra no dossiê é uma parte dessa violência, de algumas pessoas que conseguem romper esse silêncio, que conseguem entender que a relação que elas estão vivendo é uma relação de violência. Não só violência física, como violência psicológica, que é muito perversa. A violência psicológica pode, muitas vezes, levar uma mulher ao suicídio. O lado mais perverso disso é que, por vezes, você não consegue associar a causa de um suicídio a uma violência que ela sofreu antes’. Cláudia reitera que a vítima nunca é a culpada pela agressão que sofreu e que é necessário uma mudança cultural para que os números da violência contra a mulher diminuam. ‘No geral, teve uma pequena redução nos registros dos delitos, mas pode-se dizer que os números estão estáveis. A maioria é na capital, mas acontece também no interior e não há registro, precisa mudar a cultura. As mulheres merecem e têm direito a desfrutar do espaçopúblico como qualquer cidadão. Quando a mulher não se sente à vontade, quando pensa duas vezes antes de sair de casa que roupa ela vai usar, em que lugar ela vai, onde vai sentar para beber ou conversar. Porque ela tem que fazer isso? Isso não é natural e se a gente não estranhar isso, dificilmente vai mudar. É preciso conversar sobre assédio, sobre a dificuldade de circulação da mulher no espaço público e no ambiente de trabalho, que é muito sério também, porque tem a ameaça da demissão. (NITAHARA, 2017) Aqui, há o gênero textual notícia, que faz parte do domínio discursivo jorna- lístico. O texto está publicado em um site de jornalismo online e traz entrevistas e dados oficiais sobre o tema. Além disso, está escrito na linguagem padrão. O tema pode ser observado em outros domínios discursivos, como o jurídico. Observe; Trecho da Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (BRASIL, 2006): Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Con- venção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a se- guinte Lei: Domínios e gêneros discursivos: definição e funcionalidades166 TÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orien- tação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Nesse caso, o tema da violência contra a mulher foi transformado em lei. Está, então, no domínio discursivo jurídico. O assunto pode aparecer também em anúncios e campanhas publicitárias, como você pode ver nas Figuras 1 e 2. 167Domínios e gêneros discursivos: definição e funcionalidades Figura 1. Campanha de Carnaval da ONU Mulheres. Fonte: Nações Unidas (2015). Figura 2. Campanha do jornal Estadão. Fonte: Redação Portal IMPRENSA (2016). Domínios e gêneros discursivos: definição e funcionalidades168 Entre outras formas de abordar o mesmo tema em domínios discursivos diferentes, você pode considerar o domínio ficcional. Por exemplo, há obras fílmicas e literárias que tratam do tema da violência contra a mulher. Uma dessas obras é o filme Vidas Partidas (2016), que conta a história de uma mulher vítima de violência doméstica desde a primeira agressão do marido até a separação, a denúncia e a briga pela guarda das filhas. Outro exemplo é o conto “A língua do P”, publicado em 1974, de Clarice Lispector, como você pode observar a seguir. Trecho do conto “A língua do P”, de Clarice Lispector (1998): [...] De repente percebeu: eles falavam com perfeição a língua do ‘p’. Assim: — Vopocê reperaparoupou napa mopoçapa boponipitapa? — Jápá vipi tupudopo. Épé linpindapa. Espestápá nopo papapopo. Queriam dizer: você reparou na moça bonita? Já vi tudo. É linda. Está no papo. Cidinha fingiu não entender: entender seria perigoso demais. A lin- guagem era aquela que usava, quando criança, para se defender dos adultos. Os dois continuaram: — Queperopo cupurrapar apa mopoçapa. Epe vopocêpê? — Tampambémpém. Vapaipi serper nopo tupunelpel. Queriam dizer que iam currá-la no túnel…O que fazer? Cidinha não sabia e tremia de medo. Ela mal se conhecia. Aliás nunca se conhecera por dentro. Quanto a conhecer os outros, aí e que piorava. Me socorre, Virgem Maria! Me socorre! Me socorre! — Sepe repesispistirpir popodepemospos mapatarpar epelapa. Se resistisse podiam matá-la. Era assim então. — Compom umpum pupunhalpal. Epe roupoubarpar epelapa. Matá-la com um punhal. E podiam roubá-la. [...] Na pequena estação pintada de azul e rosa estava uma jovem com uma maleta. Olhou para Cidinha com desprezo. Subiu no trem e este partiu. Cidinha não sabia como se explicar ao polícia. A língua do ‘p’ não tinha explicação. Foi levada ao xadrez e lá fichada. Chamaram-na dos piores nomes. E ficou na cela por três dias. Deixavam-na fumar. Fumava como uma louca, tragando, pisando o cigarro no chão de cimento. Tinha uma barata gorda se arrastando no chão. Afinal deixaram-na partir. Tomou o próximo trem para o Rio. Ti- nha lavado a cara, não era mais prostituta. O que a preocupava era o seguinte: quando os dois homens haviam falado em currá- 169Domínios e gêneros discursivos: definição e funcionalidades -la, tinha tido vontade de ser currada. Era uma descarada. Epe so- poupu upumapa puputapa. Era o que descobrira. Cabisbaixa. Chegou ao Rio exausta. Foi para um hotel barato. Viu logo que havia perdido o avião. No aeroporto comprou a passagem. E andava pelas ruas de Copacabana, desgraçada ela, desgraçada Copacabana. Pois foi na esquina da rua Figueiredo Magalhães que viu a banca de jornal. E pendurado ali o jornal ‘O Dia’. Não saberia dizer por que comprou. Em manchete negra estava escrito: ‘Moça currada e assassinada no trem’. Tremeu toda. Acontecera, então. E com a moça que a desprezara. Pôs-se a chorar na rua. Jogou fora o maldito jornal. Não queria saber dos detalhes. Pensou: — Épé. Opo despestipinopo épé impimplaplacápávelpel. O destino é implacável. Como você pôde perceber nos exemplos que acabou de ver, em cada domí- nio discursivo se usa uma linguagem que se adapta à situação comunicativa. Domínios e gêneros discursivos: definição e funcionalidades170 BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Brasília, DF, 2006. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 13 nov. 2017. DEMETRIUS, L. (Org.). Os cem melhores poetas brasileiros do século. [S.l.: s.n.], 2016. Disponível em: <https://goo.gl/EnEvGC>. Acesso em: 13 nov. 2017. JOAQUIM. Incentive alguém a ler! Curitiba: Blog do Joaquim, 2012. Disponível em: <https://joaquimlivraria.wordpress.com/tag/campanhas-de-incentivo-a-leitura/>. Acesso em: 13 nov. 2017. LISPECTOR, C. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. Gêneros textuais e ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. 3. ed. São Paulo: Parábola, 2008. NAÇÕES UNIDAS. Campanha da ONU Mulheres pede carnaval sem violência femi- nina. New York: ONU, 2015. Disponível em: <http://www.unmultimedia.org/radio/ portuguese/2015/02/campanha-da-onu-mulheres-pede-carnaval-sem-violencia- -feminina/#.WgkKqmhSzIU>. Acesso em: 13 nov. 2017. NITAHARA, A. Dossiê mulher: maior parte da violência contra a mulher ocorre dentro de casa. Brasília, DF: Agência Brasil, 2017. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc. com.br/geral/noticia/2017-08/dossie-mulher-maior-parte-da-violencia-contra-mulher--ocorre-dentro-de-casa>. Acesso em: 12 nov. 2017. REDAÇÃO PORTAL IMPRENSA. “Estadão” denuncia violência contra o público feminino no Dia Internacional da Mulher. São Paulo: Portal IMPRENSA, 2016. Disponível em: <http://portalimprensa.com.br/cdm/caderno+de+midia/76395/estadao+denunc ia+violencia+contra+o+publico+feminino+no+dia+internacional+da+mulher>. Acesso em: 13 nov. 2017. VIDAS partidas. Direção: Marcos Schechtman. Produção: Naura Schneider e Flavio Tambelini. Roteiro: José Carvalho. Barueri: Europa Filmes, 2016. 1 DVD. 171Domínios e gêneros discursivos: definição e funcionalidades Conteúdo:
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