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Morfologia Urbana e Desenho Urbano - José Lamas

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TEXfOS UNNERSrrÁRIOS DE CIÊNCIAS SOCIAIS EHUMANAS
 
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MORFOLOGIA URBANA
 
EDESENHO DA CIDADE
 
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José M. Ressano Garcia Lamas 
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FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN 
IUNDAÇAo PAlIA AatNCIA ( A nCNOlOGlA 
I MINISTtRlO DA C1tNCIA EDO ENSINO SUPERIOR 
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2º Volume
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I i "Título: Morfologia Urbana e Desenho da Cidade 
Autor: José Manuel Ressano Garcia Lamas 
Edição: Fundação Calouste Gulbenkian 
Fundação para a Ciência e a Tecnologia 
Tiragem: 2000 exemplares 
Junho 2004 
Impressão e Acabamento: ORGALlmpressores - Porto 
Distribuição: Dinalivro - Distribuidora Nacional de Livros, Lda 
Audil - Distribuição de Livros e Material Audiovisual 
Depósito legal: 215921/04 
ISBN: 972-31-0903-4 
© Fundação Calouste Gulbenkian 
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IFundação para a Ciência e a Tecnologia , 
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PARTE V
 
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CONFIGURAÇAO EMORFOLOGIA
 
DA CIDADE MODERNA
 
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cA arquitectura moderna ~ o estudo de 
um modelo novo de cidade, distinto da 5.1 INTRODUÇÃO - ACIDADE 
tradicional, e começa quando os «artis· 
tas. e os «tknicos. chamados a colabo­ MODERNA 
rar na gestão da cidade p6s.liberal são 
capazes de propor um novo método de I 
trabalho, livre das anteriores divisões Arevolução industrial havia já introduzido as primei­
institucionais (...).• ras grandes modificações estruturais nas cidades. O pe­
ríodo moderno irá produzir uma ruptura radical na estru­
BENEVOLO 
tura, na forma, na organização distributiva e nos conteú­Storia deli'Architettura Moderna 
dos e propósitos da urbanística e da cidade. 
A formulação da «cidade moderna», como todas as 
transformações históricas importantes, processou-se em 
moldes difíceis de sintetizar, compreendendo um grande número de experiências e for­
mulações teóricas que não seguiram um processo linear nem tiveram origem num único 
lugar, tempo ou ambiente cultural. 
Arriscando alguma falta de rigor, designaria por «cidade moderna» o resultado das 
experimentações e formulações teóricas que, na primeira metade do século XX, irão re­
pudiar a cidade tradicional e substituí-Ia por um novo modelo. Após a Segunda Grande 
Guerra e até aos anos sessenta e setenta e com a intensa construção e reconstrução das 
cidades destruídas, esse conjunto de ideias e experimentações irá ter aceitação no es­
calão técnico e administrativo, influenciando definitivamente as realizações e substi­
tuindo rapidamente todos os resíduos do urbanismo formal. 
O ambiente de reconstrução do pós-guerra, que se prolonga até aos anos 
cinquenta-sessenta, detém as condições que permitirão a implementação generalizada 
dos princípios e postulados modernos e demais propostas de transformação da cidade. 
Aavaliação dos resultados dessas propostas só foi possível após a experimentação 
maciça, e menos qualificada, realizada pela «urbanística operacional». 
Aburocracia conformista, mais preocupada com os resultados quantitativos do que 
qualitativos, tornarão o «planeamento operacional» motor de destruição da vida urba­
na e da cidade e farão ressaltar os aspectos mais negativos da cidade moderna. O que 
antes fora polémico, inovador, contributo de grandes mestres com o seu prestígio, esta­
tura cultural e a qualidade do seu desenho, ao ser utilizado indiscriminadamente por 
projedistas menores e na prática rotineira, acabará por gerar a monotonia e a banali­
dade. 
Existem dois períodos que interessa ter presentes para compreender a configuração 
e génese da cidade moderna e a crítica que lhe é produiida. 
O primeiro, essencialmente situado entre as duas guerras, é o período «heróico» 
das formulações teóricas e experimentações, em que os arquitedos «modernos» se lan­
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çam no árduo tarefo de oposição à urbanístico· formo! e na organização da estruturo e 
morfologia da novo cidade. Têm esses arquitectos consciência de viverem uma novo 
era e uma grande fé nos modificações em curso e nos contributos que o tecnologia, os 
ciências, o máquina e os próprios movimentos sociais trarão à cidade. Estavdm tam­
bém convictos de que tonto o urbanístico existente, académico e consagrada, como os 
estruturas urbanos tradicionais não forneciam respostas eficazes aos problemas do sé­
culo XX. 
Énesta etapa que se formulam todos os experiências de destruição e abandono do 
quarteirão, do ruo e até do próprio praça; que em seu lugar se propõem as tipologias 
do torre, do bando e do bloco; que a cidade deixo de se organizar como misturo fun­
cionai para se dividir em zonamentos rígidos; e em que se dó o quebro de integração 
redproca dos vários elementos morfológicos que constituem a estrutura urbano. . 
Sem dúvidá que boa porte dos energias de afirmação do Movimento Moderno per­
tencem também à arquitectura de edifrcios e ao fasdnio e à força que a novo estético 
arquitectónica vai exercer sobre os intelectuais e o público em geral. A urbanística não 
estava só. lo pelo mão do arquitectura e em conjunto com os artes plásticas, num mun­
do em convulsão intelectual e social e onde o despojamento e simplicidade estético en­
tusiasmo e seduz pelo suo cargo de modernidade. 
Asegunda etapa abarca o período desde o fim da Segundo Grande Guerra até aos 
anos setenta. A reconstrucão dos cidades e os tremendos necessidades habitacionais 
(em porte motivados pelo 'guerra, em porte pelo industrialização e demais fenómenos 
sociais) irão precisar de habitações, bairros, novas cidades e reconstrução dos centros 
urbanos, em quantidades e o ritmos nunca antes conhecidos. 
Desde logo, os executivos do reconstrução europeia serão levados o encontrar no 
«urbanístico moderno» o resposta rápida e eficaz paro os seus problemas facilitado pe­
lo ascensão dos arquitectos «modernos» aos cargos de decisão. Éassim que, após um 
período inicial em que o reconstrução na Europa segue tanto o urbanismo «formal» 
como o «moderno», acabará, nos anos cinquenta, por alinhar inteiramente por este úl­
timo. Sucedem-se, então, em ritmo e quantidades até então desconhecidos, bairros, 
grandes conjuntos e cidades novos que desenham as hipóteses da moderna urbanística. 
A vulgarização da morfologia moderno virá o fazer-se sem o brilho dos grandes 
mestres e dos quálidqdes do seu desenho, entregue oarquitectos menos talentosos ou à 
rotina burocrático dos organismos de decisão. Nesta avalanche de planos e projectos 
acabará por se instalar a rotina e o monotonia, porque o próprio sistema facilita o to­
mado de decisões fraccionada por sistemas, remetendo os questões menos arquitectó­
nicás poro os mãos do Administração ou dos engenharias. Einteressante é, por exem­
plo, verificar como em França ou em Portugal o separação do composição urbano por 
sistemas independentes - com preponderância paro o sistema viário - tornará o en­
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5·1 Gropius e Scharoun: o bairro Siemensstadt (Berlim. 1930). Plano. visto de um sector e tipos 
construtivos 
299 
genharia de tráfego motor do planeamento, com os traçados de vias antecedendo os 
traçados urbanos e dando papel condutor aos engenheiros em detrimento dos arqui­
tectos urbanistas (lI. 
Àforça plástica do Movimento Moderno no seu perrodo inicial, sucederá o «sonam­
bulismo» da planiflcação burocrática e administrativa, em que se controlam as quanti­
dades e usos, e pouca acção se concede à forma fIsica e estética das cidades. 
~ neste perlodo, que designaria por URBANrSTICA OPERACIONAL, que se cons­
truirão os grandes conjuntos modernos, cujos resultados irão por sua vez provocar as 
violentas crrticas e reacções dos últimos vinte anos. 
Assim, para compreender o debate dos últimos vinte anos, interessa analisar as mo­
diAcações da forma urbana, desde as primeiras propostas modernas até à banalidade 
da urbanrstica operacional dos anos sessenta. . 
Esta evolução passou por etapas, debates e hipóteses tão diversas como a cidade­
-jardim, a unidade de vizinhança ou o urbanismo anglo-sax6nico, as experiênciasho­
landesas, alemãs e austrracas dos anos vinte-trinta, o racionalismo e funcionalismo da 
Carta de Atenas, as propostas de Le Corbusier, os postulados e condusões dos CIAM, 
e, finalmente, o rol numeroso dos an6nimos repetitivos e das extensões periféricas das 
cidades europeias dos anos cinquenta até aos anos setenta. 
No seu conjunto, existe um denominador comum atoda5 essaS experiências, reali­
zações e formulações te6ricas: a recusa da cidade tradicional, das suas formas e da sua 
con'figuração, e a procura de novos modelos de organização do espaço urbano. A«ci­
dade moderna» acabará por não ter conexões com a cidade tradicional, porque, em 
definitivo, toda a morfologia tradicional será abandonada e dela nada restará. 
Em última análise, o conhecimento das caraderrsticas da cidade moderna é indis­
pensável para, no estirador, se abordar odesenho contemporâneo e consciente aceita­
ção ou repúdio das morfologias que conhecemos da hist6ria da cidade. 
A QUESTÃO DO ALOJAMENTO 
Novas tipologias construtivas - Novas formas urbanas 
A necessidade de fornecer casas a todos em condições de higiene e salubridade e 
permitindo diferentes standards de vida constituem um dos maiores problemas a en­
frentar. O urbanismo moderno é de inrcio um urbanismo habitacional, quer pela im­
portância do alojamento e da área habitacional quer porque estes temas conduzirão 
até à invenção de novas tipologias construtivas: o bloco, a torre, o conjunto. 
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5-2 Unidades habitacionais modernas. 1. Superblocos soviéticos. 2. Superquadras em Brasrlia­
Lúcio Costa, 1958.3. Complexo Pedregulho no Rio de Janeiro - A. E. Reidy, 1947-1952.4. Uni· 
dade residencial Wupperthal atelier 40 - 1966) 
301
 
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Benevolo e outros autores, num texto famoso (2), resumem a três vectores fundamen­
tais os modelos de pesquisa projectual na cidade moderna: 
• Ainvestigação sobre o alojamento na sua organização e estrutura interna e nas for­
mas de agrupamento em edifícios. Este vector estudará as áreas standard do fogo, a 
sua racionalização e melhor organização distributiva. Simultaneamente, irá conside­
rar o alojamento como a célula-base de organização da cidade e, através dos siste­
mas de agregação desta unidade-base, atingirá as tipologias do bloco, da torre, do 
complexo habitacional, ou ainda, utilizará, em alguns casos, a viven~a unifamiliar. 
• Apesquisa sobre o bairro entendido como a unidade urbana a partir da qual existe 
vida comunitária e social. Esta pesquisa abordará essencialmente .os aspectos quanti­
tativos e distributivos: a dimensão óptima do bairro como unidade de vida urbana e 
a sua organização funcional. Produzirá as múltiplas variantes da «unidade de vizi­
nhança» ou da unidade de habitação de «dimensão eficaz». 
• Ainvestigação sobre a cidade, como unidade urbana de dimensão máxima qu,e ain­
da permite o seu funcionamento como organismo vivo e correctamente organizado. 
Esta pesquisa irá conduzir a realizações como as «cidades-novas», os grands ensem­
b/es e outros conjuntos cuja dimensão não deveria ultrapassar os limiares de um fun­
cionamento eficaz. 
A forma urbana irá decorrer das considerações habitacionais, em detrimento da 
composição de espaços urbanos. O espaço urbano não é considerado como objecto 
de investigação e torna-se no «resíduo» resultante das exigências habitacionais. Explico 
melhor: a partir do alojamento como unidade-base, estruturam-se as tipologias habita­
cionais: o bloco, a banda, a torre, o complexo, a moradia. Estas, por sua vez, 
dispõem-se no terreno em função de necessidades higiénicas, de insolação, de areja­
mento e de acessos. O edifício em lote, esquerdo e direito, oquarteirão e a rua, univer­
salmente utilizados na cidade oitocentista e na urbanística formal, são os principais al­
vos da crítica, pela sua desadequ~ão, às formas de agregação da habitação e a fac­
tores de conforto e salubridade. Os edifícios deixam de pertencer à estrutura superior 
do quarteirão e autonomizam-se. As ruas deixam de pertencer às relações ·físico­
espaciais da cidade e reduzem-se a traçados de circulação e serviço. A.s implantações 
dos edifícios decorr~m das melhores condições para a habitação, e não da posição no 
quarteirão. Etoda a cidade será pensada em função da unidade-base - o alojamento 
- e do seu agrupamento em hierarquias superiores. 
Como se viu, tanto na cidade tradicional como na urbanística formal, o alojamento 
e o edifício de habitação eram determinados pelo lote - portanto gerados pela posi­
ção e implantação previamente determinadas pela forma urbana. 
Na cidade moderna, pelo contrário, será o alojamento e as tipologias da sua agre­
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gação (edifícios, blocos, torres) que determinarão as formas urbanas. Neste caso, oes­
paço entre os edifícios torna-se apenas um espaço residual. ~ o resultado que sobra da 
implantação dos edifícios no terreno. Já não é objecto de desenho urbano. 
Não me alongo mais sobre este assunto, porque esta questão será retomada e de­
senvolvida ao tratar da urbanEstica dos CIAM. Posso concluir que esta ruptura é muito 
grande, .quer em termos conceptuais quer nos resultados morfológicos. 
FUNCIONALISMO E ZONAMENTO 
A simplificação dos problemas 
Alógica do funcionalismo, não sendo nenhuma novidade (desde Vitruvio a Palla­
dio ou a Viollet-de-Duc (3) que existem preocupações funcionalistas), vai exercer grande 
influência na arquitectura e urbanEstica modernas. 
Criticando a cidade oitocentista e novecentista, em que a mistura funcional gerava 
numerosos problemas, a urbanEstica moderna preocupar-se-á obsessivamente pela 
boa arrumação e distribuição dos usos do solo. 
O funcionamento da cidade constituirá um vector fundamental de planeamento. 
Como caso extremo, os postulados da Carla de Atenas obrigariam a isolar, separar e 
arrumar as principais funções na cidade: habitar, trabalhar, lazer (cultura do espfrito e 
do corpo) e as deslocações necessárias ao desempenho destas actividades. 
Alógica funcionalista zoniflca a cidade por funções e determina a concepção urba­
na por sistemas independentes - o sistema de circulações, o sistema habitacional, o sis­
tema de equipamentos, o sistema de trabalho, o sistema do recreio, etc. - sistemas es­
ses que se localizam no território autonomamente, em função de lógicas próprias e de 
problemas espedflcos. Aconsequência deste processo será a autonomização e inde­
pendência física dos vários sistemas entre si, ou seja, os vários elementos que estrutu­
ram a cidade deixarão de se relacionar espacial e formalmente. De tal modo que até a 
representação dos planos autonomizará
cada sistema em desenhos independentes: a 
planta do sistema viário, a planta dos equipamentos, a planta das estruturas verdes, e 
assim por diante. As vias só servem o tráfego; os edifícios servem para conter aloja­
mentos e pessoas e não participam da deflniçãQ do espaço urbano; os equipamentos 
prestam serviços e distribuem-se abstractamente, de acordo com as grelhas e áreas de 
drenagem e assim por diante. Todos estes sistemas não se encontram numa matriz co­
mum que na cidade tradicional era o sistema de espaços urbanos. Este será, de resto, 
um dos aspectos mais profundos da ruptura da cidade moderna com a cidade tradicio­
nal. 
303
 
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Esta maneira de entender a cidade constitui também uma forte simplificação dos 
problemas, tanto na fase conceptual como no estaleiro e na realização da obra. Na fa­
se conceptual, é um claro esquema em «árvore» (~I - e como tal repleto de simplifica­
ções mentais e conceptuais, reduzindo o esforço de integração entre elementos. 
No estaleiro da obra, a simplificação é ainda mais evidente. Exemplifico: conceber 
um edifício relacionado com uma rua inclinada representaria, no mínimo, os complexos 
acertos de cotas de pavimentos, de entradas, de cérceas e relações espaciais e altimé­
tricas, ou seja, uma grande carga de trabalho e minúcia de pormenores. Em contrapar­
tida, no bloco livremente implantado no terreno, o acerto entre as soleiras e a via faz­
-se naturalmente durante a obra, com movimentos de terra, sem grande esforço... 
Seria igualmente mais fácil projectar edifícios com programa repetitivo em todos os 
pisos do que com sobreposição de funções (acertos de estrutura, de áreas, de condutas 
e infra-estruturas, etc.). Também seria mais fácil organizar um bairro só habitacional 
do que com mistura de usos e assim por diante. 
Deste modo, a concepção da forma urbana atingiu por vezes autêntica paranóia, 
como no caso da construção prefabricada, em que as implantações dos edifícios eram 
determinadas por razões de economia e rapidez, através do percurso da grua e sua 
área de acção (SI. 
Na cidade antiga, as diferentes funções misturavam-se e coexistiam no mesmo bair­
ro, no mesmo quarteirão, no mesmo prédio. Nos anos sessenta, ocupar os bairros dos 
edifícios habitacionais com lojas constituía quase uma heresia ou tinha sabor a inova­
ção... 
Convém também notar que estas regras de zonamento funcionalista retirariam às 
cidades a complexidade distributiva e consequentemente a complexidade formal, ge­
rando a monotonia visual e a falta de significação dos espaços. 
Recordo as relações dialécticas entre forma e função e estabeleço o paralelo entre a 
complexidade funcional e a riqueza formal nas antigas cidades. Acidade moderna 
consumirá grandes áreas para bairros habitacionais (tantas vezes dormitórios), sem 
lhes integrar funções significantes e, portanto, sem enriquecimento morfológico. Esta 
questão voltou a colocar-se recentemente, quando o «novo urbanismo» procura a for­
ma sem a correspondente complexidade funcional e significativa. 
A QUESTÃO FUNDIÁRIA 
Parcelamento e solo público 
Na cidade tradicional, o desenho urbano assimila o parcelamento e a divisão ca­
dastrai, separando o solo privado do solo público. A urbanística moderna está associa­
304
 
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Crawley. 
5·3. Adimensõo máximo do cidade moderno. Plantas esquemáticos dos cidades novos inglesas 
do primeiro geraçõo: 1. Stevenage. 2. Crawley. 3. Corby. 4. Harlow. Planto de duas unidades 
residenciais de vizinhança em Hatfield e Crawley 
305
 
da a operações em que o Estado ou a municipalidade detêm Q totalidade do solo (ad­
quirido por compra ou expropriação) e urbanizam sem redivisão fundiária, ou, quanto 
muito, privatizando só o espaço de implantação do edifrcio. 
Nos edifrcios em pilotis, como na Unidade de Habitação de Le Corbusier, este siste­
ma vai ainda mais longe e o próprio solo sob o edifrcio é também solo «público•. 
Ao escalão do bairro, esta questão estende-se à área de intervenção. Intervindo no 
interior de uma propriedade adquirida para o efeito, os arquitectos modernos vão 
preenchê-Ia na totalidadé - e a sua tarefa vai ser facilitada pela .livre disposição dos 
edifícios. Deste modo, a forma do bairro resultará também da forma da parcela. 
Muitas das urbanizações modernas são contidas nos limites da parcela, embora no 
seu interior todo o terreno seja público: Dommerstock, de Gropius (1927-1928); Ro­
m~rstod, de Ernst May (1926); Pessoc, de LeCorbusier (1925), ent~e outros. 
Esta possibilidade de encher facilmente a parcela será posteriormente aproveitada 
até à exaustão tanto por Administrações públicas como por promotores privados, pelas 
vantagens especulativas de rentabilização do solo. 
Este processo abriu a possibilidade de loteamentos independentes, organizados no 
interior de cada propriedade, embora não garantisse a continuidade espacial entre 
parcelas contfguas. Quanto muito, as vias (que podiam ser independentes do construí­
do) assegurariam a continudade dos percursos. 
Aquestão fundiária assume um lugar conceptual, ideológico e político importante. 
Não se trata apenas de dispor edifrcios isolados no terreno (<</e ;eu merveilleux des for­
mes ou solei!») (6) e dar aos habitantes um máximo de solo livre. Trata-se também do es­
tatuto da propriedade relacionada com as ideologias sociais democráticas e socialistas 
e o seu entendimento da cidade. Não é por acaso que o debate nos CIAM é intensa­
mente politizado, sobretudo pelos arquitectos centro-europeus e alemães. Nem é por 
acaso que muitos arquitectos modernos simpatizam ou aderem às ideologias e aos 
recém-criados Estados socialistas, como May, que parte para a URSS a trabalhar nos 
programas de construção. Inicialmente, a «cidade moderna. esteve ligada a uma visão 
ideológica e política da sociedade. Depois, uma tal visão foi recuperada e utilizada in­
distintamente por outros sistemas sociopolíticos. Nos países de economia capitalista 
mais avançados e democráticos, o próprio urbanismo tem sido um processo regulador 
de interesses públicos e privados. 
Por estas razões e durante algum tempo, espíritos menos esclarecidos, ou mais radi­
cais, terão identificado a urbanística formal e os processos de loteamento com os siste­
mas capitalistas, enquanto a urbanística moderna, com a abolição do espaço privado e 
máximo espaço público, seria considerada defensora dos interesses colectivos. Comum 
era também, nos anos trinta-quarenta a rotulação de «socialista. ao urbanista... 
Deste modo, a questão fundiária entronca profundamente na morfologia da cidade 
306
 
moderna, constituindo um dos seus alicerces fundamentais: sem necessidade de lotear, 
com o solo livre de parcelamento, arquitectos e urbanistas tinham facilitada a tarefa de 
dispor os edifícios no terreno, organizando livremente a forma do bairro e da cidade. 
oFASCÍNIO PELOS EDIFÍCIOS ISOLADOS 
AArquitectura Moderna de Joedickle (7), publicada em 1966, fala unicamente de 
edifícios, sendo rara a apresentação de exemplos urbanos. 
Zevi, Gideon ou Benevolo aproximam-se em maior ou menor grau da mesma pers­
pectiva e as suas «Histórias da arquitectura modernal são sobretudo histórias dos cedi­
fícios modernosl - não abordando a arquitectura da cidade. 
O fascínio dos historiadores do Movimento Moderno pela arquitectura de edifícios 
em detrimento da arquitectura da cidade não é apenas estético, e neste campo há que 
reconhecer que a alta qualidade arquitectónica
dos edifícios modernos seria suficiente 
para absorver a atenção da História. Será difícil não admirar a Maison jaou/, a Unité 
d'Habitation, de le Corbusier, o pavilhão de Barcelona, de Mies, o Seagram, de Gro­
pius, e outros edifícios modernos. As suas proporções, estética e rigor de desenho são 
na realidade fascinantes. Mas há que reconhecer que as suas qualidades arquitectóni­
cas necessitam de isolamento para poderem ser apreciadas, e como tal foram projecta­
das. Contribuem para a cidade enquanto objectos interessantes e singulares. 
Aprópria Carta de Atenas faz a apologia do edifício alto e isolado em lugar de des­
taque, que se impõe à paisagem e proporciona ar, sol, vistas e salubridade. 
A morfologia da cidade moderna assentará em colecções de objectos isolados, al­
bergando as suas funções e bem orientados pelo Sol, arejados e afastados uns dos ou­
tros. Não é uma morfologia de espaços urbanos,. de ruas, praças, avenidas, largos, 
mas de volumes e objectos pousados no território. 
Desde logo, estes ingredientes conduzem a exacerbar a pesquisa autónoma do 'ob­
jecto arquitectónico, o qual oferece a cada arquitecto excelentes possibilidades para o 
seu desenho, criatividade e afirmação pessoal, sem os constrangimentos da integração 
urbana. 
Todavia a qualidade arquitectónica de diferentes edifícios isolado~ ou justapostos 
nunca poderia por si só dar forma ao meio urbano. Um conjunto de qualidade, se não 
for integrado num contexto, surge desarticulado e desprovido de verdadeira significa­
ção, tal como um conjunto de belas palavras não chega para construir uma frase. 
O discurso arquitectónico pressupõe a relação dos edifícios com o espaço urbano e o 
seu enquadramento numa estrutura. 
Os historiadores modernos, ao privilegiarem os edifrcios projectados pelos arquitec­
307
 
tos, contribuiriam para aumentar a separação entre arquitectura e urbanística. Sepa­
ração que correspondia à visão que críticos e teóricos detinham da arquitectura e do 
lugar do projecto e do plano na actividade disciplinar. 
Esta questão é também importante para se compreender a situação actual e os seus 
lapsos culturais. 
RUPTURA COM A HISTÓRIA 
Aarquitectura e a urbanística modernas pretenderam também romper com as for­
mas tradicionais de construção dos edifícios e das cidades. Não se tratava apenas de 
estabelecer diferenças de processos construtivos, materiais ou de estilo entre os novos 
projectos e os antigos; mas, antes do mais, construir uma arquitectura diferente, liberta 
e oposta a qualquer continuidade histórica. 
A ruptura com o passado correspondeu a uma visão «moderna» da cultura, mani­
festando-se nos diversos campos artísticos. A própria arte moderna, identificando-se 
como arte abstracta, ou, no sentido menos restritivo, arte não figurativa, opõe-se radi­
calmente às estéticas que a haviam antecedido. O ensino da arquitectura na Bauhaus, 
e de Gropius no seu período americano, exemplificam esta questão. 
Aquestão estética e cultural é também extensiva à urbanística e parece ter obceca­
do os arquitectos modernos. As morfologias tradicionais são também recusadas por ati­
tudes culturais. 
A atitude an'l'i-histórica 'traduz-se no desenho urbano pela recusa de formas com­
prometidas com a cidade antiga e prolonga-se às posições assumidas para com os pró­
prios centros históricos. 
Como escreveu Tafuri: 
«Quer para Le Corbusier quer para Wright - deixando por agora as diferenças 
óbvias que separam as suas concepções globais da cidade moderna - um fenómeno é 
indiscutível: os centros históricos usados como 'peças' da cidade contemporânea, são 
um perigo para a vida. Pode parecer singular essa concepção para quem vive a polé­
mica quotidiana contra o atentado da civilização de consumo às preexistências históri­
cas urbanas e territoriais. Todavia as posições de Le Corbusier e de Wright são sólida­
mente consequentes...»(8) 
Consequentes, mas também com quota parte nas responsabilidades pelos estragos 
causados às antigas cidades nos últimos cinquenta anos, diria eu. 
Certo é que nem sempre o pensamento de Le Corbusier ou de Wright ter6 sido cor­
rectamente entendido. Mas, em última an6lise, produziram uma ideologia anti·histó· 
rica que foi grosseiramente utilizada, com menos escrúpulos e sem dúvida menos quali­
dade. 
308
 
3 
5·4. Edifícios isolados. 1. le Corbusier: a «unidade de habitação» de Marselha. 2. Mies V. 
der Rohe: o Seagram Building. 3. F. L. Wright - O Museu Gugenheim. 
309
 
OS NOVOS MATERIAIS E TECNOLOGIAS 
Todavia a questão não é apenas estética ou cultural. Com o primeiro quartel do sé­
culo XX e até à Segunda Grande Guerra, ocorrem mudanças estruturais na sociedade 
que geram a fé e confiança na época moderna, em termos sociais, morais, técnicos, 
tecnológicos, e nos contributos positivos que essas mudanças trariam para a arquitectu­
ra e a urbanística. 
Uma dessas mudanças é, sem dúvida, o aparecimento e desenvolvimento dos novos 
materiais e tecnologias - ferro, aço, betão armado, vidro, industrialização da constru­
ção, ascensores, etc. -, que permitem construir de outra maneira. Essas possibilidades 
e facilidades inebriam os arquitectos pela ruptura de formas e de escala que possibili­
tam. 
Na Carta de Atenas: 
«Os edifrcios altos, que conquistam a vista, a luz, o ar, espaçados entre si, tornam­
-se as únicas formas correctas de construção moderna.» 
«Até ao século XIX, a arte de construir casas não conhecia senão as paredes mestras 
de pedra ou de tijolo, ou os tabiques de madeira e pavimentos feitos com ripas de fer­
ro (...). 
«No século XIX, um período intermédio registou os ferros perfilados; depois, vie­
ram, enfim, no século XX, as construções homogéneas, todas de aço ou cimento arma­
do. Antes desta inovação, perfeitamente revolucionária na história da construção de 
casas, os construtores não podiam elevar sem perigo um imóvel acima dos seis anda­
res. O tempo presente não conhece estes limites e pode atingir já os sessenta e cinco 
andares (...).• (9) 
Para terminar, diria que a cidade moderna formou-se através de pesquisas concre­
tas em momentos determinados e com certas personalidades que desempenharam um 
papel importante na destruição da morfologia urbana tradicional e na edificação da 
FORMA MODERNA da cidade. 
Para a compreensão deste processo, seleccionei alguns percursos e etapas que me 
parecem essenciais: a cidade-jardim, o impasse e a implantação de Radburn; os 
conceitos-génese e formalização da unidade de vizinhança; as experiências holandesas 
e a reforma do quarteirão; as experiências habitacionais sociais-democratas na Alema­
nha e na Áustria; as teorias dos CIAM e da Carta de Atenas; a personalidade de Le 
Corbusier e as suas teorias. 
310
 
5.2 ACIDADE-JARDIM, O IMPASSE E AIMPLANTAÇÃO
 
DERADBURN 
Podem encontrar-se formas urbanas de baixa densidade e moradias unifamiliares 
nos subúrbios que se formam nos finais do século XIX como alternativa à concentração 
dos centros urbanos e suas deficientes condicões de salubridade. Todavia, e como se
. 
viu (lO), o quadro de relações entre os elementos urbanos mantém-se. 
Amorfologia do subúrbio no século XIX estabelece apenas algumas alternativas à 
morfologia tradicional. As ruputuras só surgirão a partir da cidade-jardim. 
O conceito da «cidade-jardim» forma-se no ambiente britânico do último quartel do 
século XIX, na procura de soluções para o crescimento das grandes cidades, e 
consubstancia-se no livro de Howard, publicado em 1898, Tomorow, a Peacefvl Path 
to Real Reform (11). No texto de Howard, a cidade-jardim constituía um diferente mode­
lo de organização social, económica e territorial. A sua concretização implicaria um 
novo ambiente residencial de baixa densidade com predominância de espaços verdes. 
Howard concretiza as suas ideias em Letchworth (1904), Hampstead (1909) e 
Welwyn
(1919), que deveriam envolver Londres como pólos alternativos de desenvol­
vimento e fixação habitacional. As teorias de Howard e o exemplo destas realizações 
encontram grande sucesso e vão influenciar o urbanismo em numerosos países. 
Howard concretiza as suas ideias em Letchworth (1904)~ Rcimpstead (1909) e 
Welwyn (1919), que deveriam envolver Londres como pólos alternativos de desenvol­
vimento e fixação habitacional. As teorias de Howard e o exemplo destas realizações 
~ncontram grande sucesso e vão influenciar o urbanismo em numerosos países. 
Howard confia as primeiras realizações a dois jovens arquitectos - Raymond Un­
win e B. Parker. O primeiro publicaria os resultados das experiências de Letchworth e 
Hampstead no livro Town Planning in Practice, constitui um verdadeiro manual de com­
posição urbana. Asua estrondosa divulgação contribuirá para a teorização do dese­
nho urbano e também para a divulgação das ideias da cidade-jardim. As teorias de 
Howard e os prinçípios de desenho urbano de Unwin terão importantes repercussões 
no meio intelectual, influenciando o urbanismo do período entre as duas guerras. 
Não posso deixar de sublinhar a distinção entre os conceitos de Howard e as morfo­
logias urbanas utilizadas por Unwin e B. Parker nas três primeiras cidades-jardim, por­
que foi corrente a confusão e identificação de qualquer bairro de baixa densidade com 
espaços verdes com o modelo de cidade pensado por Howard. 
Como alternativa à cidade ir.dl.i~trial, e integração da casa com o campo, a 
311
 
«cidade-jardim. traduzir-se-ia no conjunto de vivendas em largos espaços arborizados. 
Mas isto tudo seria incompleto sem a existência de diferente org"anizaçãosocioeconó­
.
mica. . 
Acidade-jardim teria um ambiente dominado por superfkies arborizadas, planta­
das e ajardinadas que permitiriam o máximo acesso visual e físico a todos 'os espaços. 
Mas Unwin continua a morfologia tradicional, introduzindo-lhe alterações que abrem 
novas pistas e preparam algumas ideias modernas. Antecipando a unidade de vizi­
nhança, Unwin procura constituir pequenas comunidades humanas, pesquisando no­
vas tipologias urbanas como o c/ose, ou o impasse - agrupamento de edifícios­
vivenda que envolvem um terminal que parte da rua. Este sistema obriga à abertura do 
interior do quarteirão, «reinterpretando. o pátio de quinta anglo-saxónico como espa­
ço de convivência e estrutura das construções que o envolvem. As práticas sociais e al­
gumas funções da rua como local de convrvio e de acesso aos edifídos deslocam-se pa­
ra o impasse. A rua, vai tornar-se apenas lugar de circuláção. O impasse ou o c/ase 
cria uma categoria intermédia entre o espaço público da rua e o espaço privadoda ha­
bitação, oferecendo um espaço semipúblico para as relações sociais de «vizinhança•. 
O antigo beco adquire uma significação nobre no acesso às casas, dando tranquili­
dade ao lugar. As habitações deixam de contactar com a rua barulhenta e buliçosa. 
O quarteirão perde a forma fechada e compacta com a criação dos impasses interio­
res. Por economia de terreno, na sua bordadura vão ainda surgir casas unifamiliares 
que se implantam sobre a rua. 
As numerosas experiências de «cidade-jardim., ou bairros residenciais de baixa 
densidade, projectados segundo os modelos de Unwin, farão evoluir as experiências 
de Letchworth, Hampstead e We/wyn. Será, todavia, em Radburn que Stein e Henri 
Wright proporão a total separação entre a circulação de automóveis e de peões e a re­
dução ao mrnimo do logradouro privado em favor de um espaço livre público ou par­
que colectivo no qual se dispõem as habitações agrupadas a duas. Este novo esquema, 
inovador e diferente, adopta a designação de «implantação de Radburn•. 
Acrise económica dos anos trinta não permitiu a conclusão de Radburn.Apenas fi­
cou construrdo um fragmento, de 400 habitações que testaria os prindpios do projecto. 
Stein expôs esses prindpios em cinco pontos: a substituição dos quarteirões por blo­
cos habitacionais, não cortados por vias; a hierarquização das ruas; separação da cir­
culação de peões da circulação automóvel, criando uma rede de caminhos pedonais 
que se cruzam em desnrveis com as ruas; orientação dos espaços principais das casas 
para jardins; criação de faixas de verdura formando um parque ramificado a toda a ci­
dade. Asuperfície dos jardins individuais é reduzida ao mrnimo, em proveito de vastas 
áreas livres para a utilização pública e os desportos. 
O sistema de Radburn resolvia necessidades de difrcil compatibilização: a utilização 
312
 
5·5. Lefchworfh: cidade-jardim. Arq. Louis de Soissons, 1909. Vista aéra em 1960 
313
 
• o 
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HJUSES'ArwaWYN 
·GARDEN·CITY· 
'LAYOUT OF· 
UILDERS . SCHEMES 
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t(.u .,. ti., 
5·6. Barry Porker e Raymond Unwin: We/wyn Garden City. Variações sobre o tema do impasse 
e a fragmentação dos contlnuos construídos (ver também o plano geral, cap. IV,~g. 4.15) 
314
 
5·7. Clarence Stein: plano de Radburn, 1929. Plano geral com indicação das unidades de vizi· 
nhança. Pormenor de um impasse e planta de um grupo de habitações e diagrama esquemática 
da «Implantação de Radbum. 
315 
dos automóveis, permitindo-lhes acesso directo à· habitação mas protegendo os habi­
tantes dos seus perigos e inconvenientes. Assegurava o isolamento na habitação e fa­
vorecia o aproveitamento colectivo de espaços livres e instalações desportivas. 
Por estas razões, parece-me oportuno considerar a cidade-jardim, o impasse ea im­
plantação de Radbun como momentos de ruptura com a cidade tradicional, propondo 
modelos alternativos para a cidade moderna. 
316
 
5.3 A UNIDADE DE VIZINHANÇA: 
A SOCIOLOGIA DESENHA A CIDADE 
Aideia de «unidade de vizinhança» é de extrema singeleza: constatando que as re­
lações sociais entre vizinhos, que existiam nos antigos bairros, tendem a desparecer nas 
novas urbanizações e grandes metrópoles, pretendia-se recriá-Ias através da planifica­
ção urbana. 
Assim, as unidades habitacionais deveriam ser controladas no número de habitan­
tes e extensão territorial, tendo equipamentos e serviços dispostos de tal modo que a 
população estabelecesse espontaneamente relações sociais e comunitárias. 
Ateorização deste conceito tem origem no início do século XX pelos estudos de so­
ciólogos americanos, como Park e Burgess (13), Horton Cooley, Woods e Ward (l4), que 
verificam que o enfraquecimento das ligações sociais nas cidades de rápido crescimen­
to são substituídas por relações indirectas entre os cidadãos. 
Os mesmos autores apoiam-se nos ideais de reconstrução e planificação social e na 
planificação da rede escolar decorrente da extensão do ensino a toda a população. 
Sentem também algum saudosismo pela vida comunitária nas pequenas aldeias ou 
na cidade medieval, confrontada com as grandes cidades do princípio do século XX. 
Nos anos vinte, o americano Clarence Artur Perry, ao estudar as relações entre ha­
bitantes e os equipamentos, apresenta um conjunto de trabalhos sobre a «unidade de 
vizinhança» (l5). Perry parte da convicção de que os principais equipamentos devem 
situar-se próximo das habitações, em terreno que designa de the fami/y neighbour­
hood (16). Acirculação automóvel não deve cortar os acessos aos serviços e perturbar a 
vida comunitária. Perry considera que a vida social se desenvolve graças à utilização 
dos serviços comuns, à sua organização e estrutura, e prevê serviços muito diversifica­
dos: desde a escola primária a lojas, terrenos de jogos e, em zonas mais ricas, a igreja, 
salas de reuniões e de teatro, clube e piscinas. Na unidade de 10 000 habitantes preco­
niza ainda um pequeno museu, teatro e outros edifícios de utilização social. 
Enquanto Perry formulava a sua teoria das unidades de vizinhança, Henry Wright e 
C\arence Stein con,struíam, perto de Nova Iorque,
os conjuntos habitàcionais de Sunny­
side Gardens e Radburn, em que aplicavam princípios semelhantes. Clarence Stein defi­
ne a unidade de vizinhança como «área residencial que deve fornecer locais de habita­
ção para uma população que tem geralmente necessidade de uma escola elementar. A 
sua superfície depende da densidade utilizada. (...) A unidade dê vizinhança deve ser 
delimitada por todos os lados por vias suficientemente largas para permitir ao trânsito 
passar pela unidade sem a atravessar. Deve incluir um sistema de pequenos parques e 
317
 
áreas recreativas. Deve ser arranjada com um sistema espacial de vias destinadas a fa­
cilitar a circulação no interior, desencorajando -o trânsito de passagem.• (17) 
Pora Queen Carpenter, ou Ruth Glass, «a unidade de vizinhança. é, antes do mais, 
um conceito sociológico: ca unidade de vizinhança é uma área na qual os residentes se 
conhecem pessoalmente e têm o hábHo de se visitar, trocar objectos ou serviços e reali­
zar coisas em conjunto. ~ um grupo territorial no qual os membros se encontram em ter­
reno conhecido, no seio da sua área própria, para desenvolver actividades sociais pri­
márias e contactos sociais espontâneos ou organizados.• (tS) 
Não resisto a lembrar que Cerdá, em Barcelona, havia pensado na relação entre as 
áreas de habitação e os equipamentos como meio de estabelecer igualdade nas opor­
tunidades sociais e na vida de bairro. Tanto no plano de Barcelona como na Teoria Ge­
neral de la Urbanización, a distribuição dos equipamentos era já presente. E, em parte 
por isso, Cerdá rompe com o quarteirão paro aumentar o espaço colectivo. 
Pese embora a diferença de culturas, espaço e tempo entre a Catalunha da segun­
da metade do século XIX e a América do primeiro quartel do século XX, estas questões 
reflectem idêntica consciência dos problemas sociol6gicos e comunitários nas cidades. 
Aos autores que teorizaram os conceitos de «unidade de vizinhança., interessavam 
mais as questões sociais e a organização funcional da cidade (dimensão quantitativa e 
extensão da unidade habitacional, o posicionamento e distribuição dos equipamentos e 
percursos), secundarizando as referências dos traçados aos espaços e à forma urbana. 
Ateoria da «unidade de vizinhança., quer pela clareza dos conceitos, quer pelos 
resultados das primeiras experimentações, conheceu um inegável sucesso e influenciou 
a organização das áreas habitacionais, a partir dos anos vinte. A reconstrução habita­
cional do pós-guerra provocou um intenso debate sobre a organização habitacional, 
dando enorme importância aos modelos de funcionamento e organização. A necessi­
dade de estabelecer comunidades com populações novas e desenraizadas dominou a 
cena urbanística. Os urbanistas de todos os países e em qualquer sistema político­
ideológico ou económico-social acabam por aderir aos conceitos da unidade de vizi­
nhança e utilizá-los indiscriminadamente. Tanto assim que Gibberd afirma que «o prin­
dpio da unidade de vizinhança se adapta a qualquer plano urbanístico. Éum princípio 
universal cuja validade social e espacial poderá ser comprovada em qualquer situação, 
criando um ambiente agradável, cómodo e identificável fisicamente (19)•• 
Aorganização por unidades de vizinhança, ou unidades habitacionais, foi um dos 
principais instrumentos de planificação da cidade moderna e influenciou também reali­
zações que se reclamavam de tradição urbana. Enquanto, na cidade moderna, a uni­
dade de vizinhança se torna o motor da organização e desenho da área habitacional, 
na urbanística formal é um processo mais ténue de organização funcional e social. Aca­
baria, na urbanística operacional dos anos cinquenta-sessenta por se tornar determi­
318
 
2 
3 
.... - ""'111 4W;-..; ... ..; ..... 
5·8. Unidade de vizinhança. 1. Plano teórico de EGS Elliot. 2. Modelo esquemótico, segundo 
C. A. Perry. 3. Plano de uma U.V. desenhada por Perry, em 1929. Unidade de vizinhança em 
HotField (Grã-Bretanha) 
319
 
nante na organização urbana. Por este processo, a sociologia comandava o desenho 
da cidade. 
Duas grandes correntes vão perfilhar a utilização dos conceitos de unidade de vizi­
nhança: . 
1.	 A corrente de raiz anglo-saxónica centra-se essendalmenfe nas pesquisas do 
modelo sociológico de comunidade habitadonal, do qual deriva o model6 espa­
cial que lhe corresponde. 
2.	 Outra corrente, mais ligada ao racionalismo europeu e a Le Corbusier, parte 
das tipologias arquitect6nicas e procura o modelo edificado que seja simultanea­
mente unidade habitacional e integre os correspondentes equipamentos. 
Aprimeira corrente informa e orienta as realizações do Plano da Grande Londres, a 
partir de 1944-1945, e as cidades novas inglesas da primeira (1947-58) e da segunda ge­
rações (1958-1965). No Plano da Grande Londres, de Patrick Abercombrie, a «unidade de 
vizinhança» é o elemento-base e prindpio elementar de toda a organização urbana e do 
planeamento da cidade. 
Este modelo anglo-saxónico interliga-se às baixas densidades e à' ideia de «cidade­
-jardim». Aunidade de vizinhança é um «bairro» habitadonal, separado das vias por zo­
nas verdes e com o centro de equipamentos no interior. 
Na segunda corrente, incluiria as realizações do racionalismo europeu, com a unité 
d'habitation de Le Corbusier em primeiro lugar, e outras semelhantes: as superquadras em 
BrasRia, os Dom Komplex soviéticos, Alton Estate (GeL) em Inglaterra, Lalce Meadows 
(SOM), em Chicago, etc. Esta corrente utiliza as possibilidades de construção de edifícios 
em altura. No modelo mediterrânico de Le Corbusier a unidade habitacional é um grande 
edifício inspirado nas utopias sociais (falanstérios) ou no grande navio (/e paquebot), pro­
curando integrar o maior número de serviços no seu interior. Na «cidade radiosa», cada 
edifício constitui, de certo modo, uma «unidade de vizinhança». 
Ambas as correntes consideram o alojamento como a unidade de base que, agrupada 
e integrando equipamentos e serviços, constituir6 a unidade habitacional. Ambas as cor­
rentes supõem que a vida social ou colectiva se polariza essencialmente nos equipame~tos 
e serviços, e, como tal, pode ser planrncada a partir dos parâmetros urbanísticos. 
Na sua abstracção e segurança «científica», a unidade de vizinhança constituía um prin­
cípio sedutor, com ~s vantagens da universalidade. Universalidade e clareza que desde lo­
go fascinou planeadores e urbanistas, como a fórmula m6gica de constituir comunidades 
de habitantes no seu bairro e resolver o funcionamento da cidade. 
O conceito de unidade de vizinhança dominou quatro décadas de urbanismo, como 
processo simples (ou melhor simplista) de ordenar a expansão urbana, permitindo o 
crescimento em «cacho de uva» por agregação de unidades aut6nomas em unidades 
maiores, e assim sucessivamente. 
320 
2
 
5-9. «Unidades de vizinhaça»: 1. Dom Komplex soviético (casa comum). Arq.os Barch e Vladimi­
rof, 1929.2. Superquadros em Brasília - Lúcio Casta, 1957.3. Roehompton - plana de Hubert 
Bennet, G. L. c., 1952-1955. 4. Loke Meodows em Chicago - Arq. S. O. M. 
321 
Por este caminho, a urbanrs~ca secundarizava o desenho urbano e sacrificava a morfo~ 
logia urbana ao funcionamento da cidade. O esquema conceptual da «unidade de vizi~ 
nhança» foi notável abstracção da complexidade urbana. Asua u1ilização sistemática iria 
rapidamente criar a reflexão, e, logicamente, as primeiras reacções. 
Após alguns anos de experimentação «ao vivo» dos conceitos da unidade de vizinhan· 
ça, verificQva-se que a ambicionada vida social não ~nha sido conseguida, nem tal proces­
so implicava ne<:essariamente o bem-estar e sa~sfação dos habitantes. 
O fracasso resukava de dois aspectos: o primeiro, da própria desagregação dos con· 
ceitos u~lizados, ficcmdo clara a impossibilidade de impor a con~tuição de grupos sociais 
através do planeamento.
As relações sociais nas cidades tendem a matrizes mais alargadas 
e complexas que a proximidade dentro do bairro; os transportes e as comunicações alar­
gam os horizontes dessas relações, onde também pesam outros meios de comunicação, co­
mo a rádio, a televisão, etc; o segundo é a desadequação das formas urbanas utilizadas, 
que impossibilitavam a evolução, integrando outras funções, nomeadamente postos de tra­
balho no terciário, a pequena indústria e o artesanato. 
Estas duas críticas resumem os aspectos neg~vos da unidade de vizinhança. 
Nos anos sessenta, as crr~cas teóricas de Alexander (20) ou de Jane Jacobs (21) e novas 
realizações como Hook e Cumbernauld iniciam o progressivo abandono da unidade de vi­
zinhanca até aos nossos dias., 
Permaneceriam, todavia, alguns métodos de planificação dos equipamentos em meio 
urbano, como processo racionalizado, lógico e económico de igualizar a oferta e o acesso 
aos serviços pora toda a população. Grelhas de equipamentos, áreas de drenagem, 
distçmcias-Iimite, etc., são hoje técnicas pacíficas e clássicas de planificação urbana que 
provaram ser compatíveis com o desenho da cidade. Verificou-se também que parte das 
teorias da unidade de vizinhança foram u~lizados pela urbanrs~ca formal (como no plano 
de Rio de Janeiro, de Agache, ou do bairro de Alvalade, de Faria da Costa), sendo com­
patíveis com as preocupações morfológicas. 
Acrr~ca da cidade moderna'revelaria também os absurdos da aplicação indiscrilTlina~ 
da dos conceitos de «unidade de vizinhaça». Para fazer cidode e, para lhe dar forma, é 
preciso muito mais que relações abstractas entre população, equipamentos e serviços. Ale­
xander, de resto, é quem primeiro teria percebido esta questão (22). 
Hoje, poder~s~ia sorrir com condescendência da boa-fé das gerações de urbanistas 
que acreditaram que a vida social e comunitária pudesse ser criada do es~rador 
para a cidade... Asociologia revelou não saber desenhar a cidade e, por mais válidos que 
sejam os seus pressupostos, não chegam para constituir verdadeiro espaço urbano. 
Mas interessa ter presente os aspectos das relações equipamentos-população que ain­
da hoje devem ser usadas no desenho da cidade. 
322
 
5.4 AS EXPERIÊNCIAS HABITACIONAIS HOLANDESAS:
 
A REFORMA DO QUARTEIRÃO 
Aurbanfstica holandesa na primeira metade do século XX é marcada por objectivos 
progressistas e meios fora do comum para a época: preocupações sociais; construção 
maciça de alojamentos; produção em série; planeamento a longo prazo; municipaliza­
ção do solo (231. 
Em paralelo desenvolve-se intensa pesquisa que incide sobre o alojamento, os edifí­
cios e o quarteirão, o qual vai sendo progressivamente modificado até dele nada res­
tar. 
Este será um dos processos mais importantes de evolução da morfologia urbana em 
direcção à «cidade moderna». 
Amesterdão atinge, no infcio do século XX, um grande crescimento demográfico, 
motivado pelo desenvolvimento econ6mico, pelo comércio com as colónias e pelos efei­
tos da industrialização. Esse crescimento demográfico vai de par com uma situação 
ca6tica no campo habitacional. 
Uma tal situação s6 poderia ser resolvida com forte intervenção dos poderes públi­
cos e municipais, que, a partir de 1896, iniciam os processos de construção de habita­
ção social, travagem da especulação imobiliária, compra sistemática de terrenos e es­
tabelecimento de renda resolúvel. Estas medidas culminam, em 1901, com a lei da ha­
bitação e a concessão de créditos financeiros para que os munidpios com mais de 
10 000 habitantes possam estabelecer os seus planos, expropriar as zonas de aloja­
mento degradadas e insalubres, comprar terrenos e construir directamente ou através 
de associações e de cooperativas. Adicionam-se a este quadro os problemas pr6prios 
da construção na Holanda, nos terrenos conquistados às águas, de cotas inferiores ao 
nível do mar, necessitando de técnicas sofisticadas e minuciosas. Todas estas questões 
exigiram, desde logo, serviços técnicos competentes e criaram uma mentalidade de for­
te controlo técnico nas realizações urbanfsticas. 
Neste contexto, são realizados os planos de extensão de Amesterdão e de outras ci­
dades holandesas ~ construídas expansões habitacionais que a um tempo permitem o 
saneamento dos antigos centros insalubres e a fixação dos excedentes demográficos 
decorrentes da industrialização e desenvolvimento econ6mico. 
Basicamente, são utilizadas duas tipologias urbanas: a da «cidade-jardim», que se­
gue o modelo anglo-sax6nico desenhado por Unwin, e a da cidade tradicional, com 
traçado regular e quarteirões, os quais vão evoluindo progressivamente em cada reali­
zação. 
323 
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5-' O. Urbanlstica habitacional holandesa. De Klerk: bairro de Spoarndammerbuurt - Amester· 
dão, 1913. Planta do bairro com o intervenção de De Klerk: pormenor de 3 quarteirões e do 
quarteirão com o escola no interior. Visto do ângulo, o abertura do quarteirão 
324 
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5·11. J. J. P. OUD: bairro de Tusschendijken, 1920·1923. Plano geral mostrando as aberturas 
nos quarteirões. Perspectivas do espaço urbano de um interior de um quarteir60 com 
espaços colectivos 
325 
Organiza-se um sistema urbano principal, de grandes traçados, e um sistema secun~ 
dário, com perspectivas cortadas voluntariamente e suportando os equipamentos co~ 
ledivos. A malha determinada pela sobreposição dos dois sistemas acusa tanto o ca~ 
rácter local como o geral e principal dos vários espaços. 
Em Amesterdão, os quarteirões do plano de Ber/age não são unidades autónomas, 
mas sim o resultado do sistema viário e das malhas urbanas. A rua ou a praça concen~ 
tram a unidade de tratamento arquitectónico, admitindo que um mesmo quarteirão, 
reúna edifícios projectados diferentemente como resultado das características de cada 
rua que o margina. O quarteirão é um instrumento de organização dos edifícios na 
malha viária, articulando três ordens de elementos: 
- os lados e os ângulos (gavetos); 
- a borda (exterior); 
- o centro (interior) (24). 
Os ângulos merecem um tratamento particular, quer arquitectónico quer fundiário. 
Arquitectónico, porque acusam o seu posicionamento em aspectos particulares de tex­
tura, ritmo e volume; fundiário, porque a porcela do gaveto coloca problemas de ihJmi· 
nação e privacidade que obrigam à pesquisa de novas sóluções. 
No centro do quarteirão, processam-se evoluções mais significativas: na tradição 
holandesa, as habitações de rés-do-chão, directamente abertas para a rua, são pro­
longadas por um pequeno jardim nas traseiras. 
Numa primeira fase, é criada uma rua de serviço permitindo acesso pelo interior 
do quarteirão aos logradouros-jardins privados. Um arco ou passagem coberta liga es~ 
sa rua às ruas públicas. 
Num segundo tempo, a dimensão dos jardins-Iogradouros privados diminui, au­
mentando a largura da rua interior, que se transforma em espaço semicolectivo, terre­
no de jogos de crianças ou jardim. . 
Aevolução deste modelo transforma o interior' do quarteirão de logradouro priva~ 
do em espaço colectivo. Mais tarde, será também acessível da rua, chegando a acolher 
equipamentos: a biblioteca, como em Cooperatiehot, a escola ou outros serviços. O in­
terior do quarteirão torna-se assim um espaço ou pátio público. 
Apartir de 19,30, esta evolução atinge o seu limite, quando um dos lados do quar­
teirão desaparece. O interior prolonga directa e visivelmente a rua e torna-se um espa­
ço verde público. Aforma do quarteirão reduz-se a um simples U. 
Apartir desta forma, chega-se posteriormente à destruição do quarteirão: o espaço 
rectangular entre quatro ruas é ocupado por blocos paralelos ou por um único bloco 
(de alojamentos ou de ateliers
de artistas como em Zoinerdikstraad - 1934), desapare­
cendo a identificação com o quarteirão. 
326 
5-12. J. J. P. OUD: bairro Kiefhock. Roterdom, 1925. Visto aéreo e planto gerol 
327
 
5-13. C. Von Eesteren: Plano de Amesterdão: 1934. Perspectivas aéreos do porte norte 
328
 
Em sucessivas etapas e numa evolução contínua, processa-se a reforma do quartei­
rão até ao bloco habitacional. 
Algumas observações são pertinentes sobre a evolução do quarteirão holandês. Em 
primeiro lugar, não se estabelecem rupturas nos momentos de realização da cidade 
entre o plano do bairro e o projecto dos edifícios. O requinte dos projectos, a sua inte­
gração e prolongamento das intenções do plano, permitiram obter um resultado final 
extremamente elaborado e de grande qualidade. Constituem entre 1914 e 1930 a evo­
lucão de um urbanismo de raiz tradicional sem renúncia aos modelos de referência,
. 
apontando uma via reformista que consegue manter as virtudes da cidade tradicional e 
fornecer respostas aos novos problemas de espaço, saneomento, circulação e equipa­
mentos da cidade do século XX. Mas atingem os limites dessa evolução quando o ali­
nhamento da Holanda pelo Movimento Moderno vem interromper essas experiências. 
Durante quase vinte anos foi a Holanda modelo de referência, e as experiências reali­
zadas iriam constituir também suporte das propostas dos CIAM e do urbanística moder­
na: no conteúdo social de forte intervenção pública na resolução habitacional, munici­
palização do solo, privilegiando o espaço colectivo público, em detrimento do espaço 
privado; na transformação das formas urbanas tradicionais com a subversão do quar­
teirão. 
Ao tornar acessível à utilização pública uma quantidade apreciável de solo que, na 
cidade tradicional, era privado e quase invisível, procedia-se à revisão da cidade oito­
centista burguesa (de grande privatização do espaço), reformando um dos seus princi­
pais elementos morfológicos - o quarteirão - e abrindo o caminho à morfologia ur­
bana moderna. 
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5-14. Ernst May em Frankfurt. Esquema ilustrando a evolução do quarteirão urbano, publicado 
no Das Neue Frankfurt em 1930. Capa do n. o 45 do mesmo jornal. Plano das expansões residen­
ciais do outro lado do vale do rio Nida. Em negro, a parte já construrda anteriormente, e a trace­
jado a parte projectada por Ernst May 
330 
5.s EXPERIÊNCIAS HABITACIONAIS NA EUROPA
 
CENTRAL - AS SIEDLUNGEN E AS HOFF
 
ERNST MAY EM FRANKFURT E AS SIEDLUNGEN RACIONALISTAS 
Ap6s a Primeira Grande Guerra, a Alemanha debate-se com uma forte crise econó­
mica s6 invertida a partir dos anos vinte. Desse período, até à ascensão do fascismo e 
início da Segunda Guerra, as condições históricas e socioecon6micas permitem uma 
forte experimentação no campo urbanfstico, arquitectónico e habitacic:mal, com a reali­
zação de planos para as principais cidades e a construção maciça de habitação social. 
Apolítica dos Governos sociais-democratas permitiu conjugar a produção de habi­
tação com a experimentação de novas teorias, nos programas urbanístico-habita­
cionais. Os casos de Berlim e sobretudo Frankfurt são os mais significativos, concreti­
zando concretizando os ideais dos arquitectos modernos: controlo urbanístico, indus­
trialização da construção, a produção de alojamentos sociais, e grande sintonia entre 
arquitectura, gestão e políticas urbanísticas municipais. 
Em Franlcfurt, Ernst May é chamado para a direcção dos serviços de construção muni­
cipais. May assume o comando das operações com apoio incondicional do Município, rea­
lizando um vasto conjunto de tarefas, desde a preparação do plano aos projectos dos bair­
ros de habitação popular e à direcção da empresa municipal de construção. A municipali­
dade de Franlcfurt dota-se dos instrumentos técnicos e fundiários necessários: aquisição de 
solos, elaboração de planos e projectos, concretização de indústrias de prefabricação, fi­
nanciamento das operações, gestão e política fundiária mais adequada, até, finalmente, à 
informação do público através da Comunicação Social. 
Entre 1925 e 1930, são construídas cerca de 15000 habitações, num conjunto de 
bairros (siedlungen), em actuações fragmentadas, mas coerentes. 
Aformação dos arquitectos chamados ligada ao Movimento Moderno, bem como 
as orientações definidas por May tornam Frankfurt campo de experimentação de no­
vas formas de agr~gação dos alojamentos e de novas formas de organização dos teci­
dos residenciais. 
Num artigo publicado em 1930 na revista criada por May para informação da po­
pulação - Das Neue Frankfurt (25) -, o próprio May esquematiza a evolução do quar­
teirão desde a cidade tradicional até às experiências de Frankfurt. Nesses quatro dese­
nhos, May traça a «hist6ria» do tecido urbano até 1930: os edifícios em barras parale­
las representam a conclusão do processo de evolução do quarteirão. 
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5-15. Ernst May: 1. 5iedlung Wesfhausen - cadastro actual. Pormenor do plano com o organi· 
zação do espaço. Corto esquemático e visto aéreo. 2. E. May: 5iedlung Niederrad - plano e vis­
to do interior do quarteirão, com o logradouro colectivo 
332 
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SiedJung. HeJJerof 
5-16. Siedlungen em Frankfurt: Siedlung Praunheim, 1930. Arq.os E. May e H. Bõhmi E. Kauf­
mano. Planta e duas vistas. Siedlung Riedhof West, 1927-1930. Arq.os E. May, F. Roeckle. Sie­
dlung Hel1erof, 1929-1931. Arq.° Mart Stam 
333
 
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Para May, esta evolução dá-se, numa primeira fase, com a libertação do interior do 
quarteirão, que passa a espaço público ou semicolectivo. Numa segunda fase, rompe­
se a continuidade da bordadura, embora se mantenha a superfície de construção. Nu­
ma terceira fase, a densidade baixa e dois lados do quarteirão são suprimidos. Ficam 
duas filas de edifícios paralelos entre si e com as ruas, e tendo duas fachadas: o princi­
pal, pública, sobre a rua; a traseira, mais privada~ sobre o interior do quarteirão. 
Ainda subsistem logradouros privados, adstritos ao rés-do-chão dos edifícios, o que 
posteriormente virá a ser abandonado em proveito de jardins e espaços púb1icos. 
Mais alguns «progressos» e os edifícios abandonarão a direcção das ruas, passando 
a orientar-se pelo movimento solar na planta livre. 
As realizações de May serão interrompidas pela crise económica e a ascensão dos 
nazis ao poder, que encerrariam a Bauhaus. 
Énos CIAM que os arquitectos alemães transmitirão as suas experiências, influen­
ciando o pensamento urbanístico e a morfologia da cidade moderna. 
AS HOFF NA ÁUSTRIA 
o conjunto Karl Marxi-foff, projectado por Karl Elm em 1927, é a hoff mais conheci­
da, quer pelas suas vicissitudes (25) quer pela sua dimensão. Num total de 15 hectares,. 
os blocos residenciais ocupam 18% do solo, com 1382 habitações e 5000 habitantes. 
As hoff foram conjuntos de habitação social promovidos pelo Estado social-democrata 
austríaco nos anos vinte (26). Particularmente em Viena, localizaram-se em zonas de expan­
são e intersticiais a áreas construídas. Asua dimensão corresponde a uma unidade resi­
dencial que permita a vida comunitária e o funcionamento de equipamentos. 
As hoff estabelecem um modo particular de ruptura com a morfologia do quartei­
rão. Ocupam áreas que ficaram livres, completam e rematam zonas parcialmente 
construídas, articulam traçados já delineados. As formas propostas decorrem do urba­
nismo tradicional, mas, como instrumentos de uma política habitacional socialista, im­
plicam a apropriação colectiva do solo e a eliminQção
do loteamento. O interior do 
quarteirão torna-se logradouro colectivo, lugar de equipamentos, espaço livre ou verde. 
Em técnicas e materiais de construção, não propõem grandes inovaçÕes. Já no que 
se refere ao dese'nho urbano, afastam-se do sistema de quarteirões repetitivos, optan­
do por uma unidade física com relativa autonomia social e comunitária. Atrevo-me a 
avançar a hipótese de as hoff constituirem uma etapa intermédia entre a ideia de fa­
lanstério ou familistério dos utópicos socialistas e a unidade de habitação de Le Corbu­
sier. Em última análise, constituem mais um contributo para a solução do problema ha­
bitacional com um modelo próprio. 
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5·17. C. Ehn: Karl Marx Haf, Viena, 1927. Planto, alçados da porte principal e vista 
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5-18. 1. Walter Gropius: bairro Dommerstock, 1928 - Korlshuhe. 2. L. Hilberseimer: proposta
 
para Berlim, 1930. 3. A. Klein: bairro Bod Durrenberg, 1930
 
336
 
2 
5.6 A CIDADE DOS CIAM E DA CARTA DE ATENAS 
A URBANíSTICA DOS CIAM 
o concurso para a Sociedade das Nações, em 1928, e a exposição de arquitectura 
de Stuttgart, em 1929, permitiram verificar a semelhança de métodos e objectivos com 
que muitos arquitectos trabalham em diferentes parses. A ideia de aglutinar esta identi­
dade numa associação profissional nasce em 1928, no castelo de La Sarraz, com a pri­
meira reunião dos arquitectos que comungam dos ideais modernos. 
Assim se formam os Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna (CIAM), 
que vão promover e publicitar as ideias da arquitectura e da urbanfstica modernas, 
-
rcom o objectivo de «comparar periodicamente as experiências, a fim de aprofundar os 
problemas tratados e apresentar ao público as soluções encontradas» (27). 
Desde La Sarraz, até 1959, em Watterloo (28), durante trinta anos, realizam-se onze 
congressos, que são marcas importantes na configuração da «cidade moderna». 
Como nota Benevolo, as discussões havidas nos CIAM tiveram duas vertentes: «a in­
terna, polémica, apaixonada, tantas vezes contraditória, e que envolveu os diversos 
arquitectos intervenientes, reflectindo as suas diferentes tendências, sensibilidades, po­
sições e contradições; e a exterior, para conhecimento público e divulgação dos ideais 
comuns, portanto, clara na exposição e no conteúdo, mas necessariamente redutora, 
porque consensual» (29). 
Ésobre esta vertente, ou seja, as conclusões, recomendações e textos produzidos, 
que se pode realizar o balqnço dos CIAM - porque é essa a parte mais conhecida e 
pela qual as propostas modernas mais influenciaram a arquitectura e o urbanismo. 
Para os CIAM, a nova urbanfstica não poderia reduzir-se à melhoria técnica da ur­
banfstica corrente, mas constituir uma alternativa com inspiração ideológica e polftica 
distinta. 
Na sua produção teórica, os trabalhos dos CIAM passaram por três fases. Aprimei­
ra, de 1928 a 1933, incluiu os Congressos de Frankfurt (II) e Bruxelas (III), e tratou so­
bretudo os problemas habitacionais, ampliando progressivamente o campo de estudo. 
Asegunda fase, entre 1933 e 1947, é fortemente influenciada por Le Corbusier. Éno 
Congresso de 1933, recorde-se, que terá sido redigida a Cartaâe Atenas. Neste pedo­
do são abordadas as questões do planeamento urbano sob uma óptica funcionalista. 
Éo perlodo que mais influência terá na urbanfstica e na organização das cidades. 
Aterceira fase tendeu a ultrapassar a abstracta «cidade funcional», apontando a 
necessidade de um ambiente físico que satisfazesse as necessidades emocionais e mate­
337
 
riais do homem. O VIII Congresso aborda o tema do «coração da cidade» e questiona 
jó a eficócia das formas urbanas modernas, desenterrando a validade dos espaços da 
cidade tradicional e iniciando a crítica do racionalismo e do funcionalismo. 
Os CIAM «morrem» no penúltimo congresso, em 1956, em Dubrovnik, com o apa­
recimento do grupo TEAM X(30), cuja consagração seró confirmada em 1959, em Wa­
terloo, noutra reunião que encerraró definitivamente o ciclo CIAM. 
Apartir deste período, a pr6pria concepção da cidade moderna entraró em crise, 
enquanto pela Europa do pós-guerra se reconstroem as cidades e grandes conjuntos 
ao gosto da urbanística operacional. 
AS UNIDADES DE COMPOSIÇÃO DA CIDADE MODERNA 
Aquestõo da habitação é o problema maior e domina a ,arquitectura e a urbanísti­
ca no período entre as duas guerras e mais fortemente a partir de 1945. 
Éatravés da pesquisa habitacional que são experimentados as novas morfologias e 
tipologias urbanas. Das experiências holandesas às siedlungen alemãs e até à «cida­
de-jardim», a organização do alojamento e da sua agregação, bem como a higiene, a 
salubridade e os problemas sociQis vão dominar as preocupações dos arquitectos. 
Écom o tema O alojamento para o nível mfnimo de vida, que Ernst May intervém 
no II CIAM, em 1929 (31), trazendo os resultados das experiências em Frankfurt. 
Construir para o maior número a menores custos obriga a reduzir ao mínimo asu­
perfície do alojamento, proporcionando a repartição do investimento público pelo 
maior número de habitantes. Esta pesquisa parte das necessidades socioecon6micas ­
dar casa a toda a população - e coloca a habitação no centro das preocupações da 
urbanística, considerando o alojamento como a célula-base da organização da cidade. 
Éo facto de as classes menos favorecidas não poderem pagar uma caso sem a inter­
venção do Estado que obriga a pensar o alojamento como um problema de mínimos, 
dado que qualquer acréscimo «supérfluo» se traduziria em maior iniustiça social. 
Na mesma ordem de ideias, o edifício é definido pelo modo de agregação dos alo­
jamentos, ou seja, as tipologias residenciais decorrem de combinações na vertical ou 
na horizontal, ~ntre elementos de ligação e serviços comuns: entradas, galerias de 
circulação, escadas, elevadores, condutas de infra-estrutura, que permitem a produ­
ção de tipologias bem precisas: edifícios unifamiliares em banda, habitàção colectiva, 
em galeria, isolados, altos ou baixos, torre, bloco ou complexo residencial, etc. 
De igual modo, os gastos gerais com terreno, ruas e infra-estruturas devem-se redu­
zir ao mínimo - conduzindo as questões da tipologia edificada para o problema do 
bairro, com forte dependência da economia. 
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5-19. 1. Evolução comparativo dos formas
urbanas tradicionais até às modernos, segundo An­
toine Prieur, in Habitafion Collective et Urbanísme. Artigo publicado na ArchitechJre d'Au­
jourcl'huí, n.o 16, 1947. 2. Confronto entre uma composição tradicional e uma composição mo­
derna num bairro residencial, segundo o Volckers, ín WohnbouFibel, 1931 
339
 
Éo alojamento que organiza o edifício, e a agregação de edifrcios que forma con­
juntos habitacionais num processo de colagens sucessivas. 
«Casas altas, médias ou baixasb, é a questão de Gropius, em Bruxelas, no III Con­
gresso 132), passando da tipologia da edificação para a forma do bairro. 
ÉGropius quem traz para a discussão as regras de implantação e afastamento dos 
edifícios e as suas relações com a altura e a densidade habitacional, que ficariam céle­
bres na hist6ria. Aquestão posta por Gropius é analisada nas suas implicações econ6­
micas e sociais. Investiga qual o número 6ptimo de andares dos edifrcios como um pro­
blema econ6mico, que poderia variar, mas limitado no ponto em que o excedente de 
custos deixasse de ser compensado pela libertação do solo e economia de terreno e 
infra-estruturas. A morfologia urbana é assim determinada pela questão do alojamento. 
Anos mais tarde, em 1967, a unidade de habitação de Moshe Sofdie, em Mon­
tréal (33), atingirá as hip6teses-limite deste raciodnio, gerando o complexo de células 
habitacionais agrupadas em cacho, sem qualquer intervenção na forma do bairro. 
Como se vê, a metodologia da concepção moderna da cidade é completamente di­
ferente. Na cidade tradicional, a dimensão e a organização do alojamento resultavam 
da forma do edifício, e este da forma do lote e da sua posição no quarteirão. Para o ur­
banismo moderno, a célula habitacional é o elemento-base de formacão da cidade.
. 
Agrupa-se para constituir edifícios (tipologias construtivas), e estes agrupam-se para 
formar bairros, numa relação unívoca. O agrupamento de células habitacionais deter­
mina a forma do edifício, e o agrupamento de edifícios determina a forma do bairro. 
As relações estabelecidas na cidade tradicional entre lote, quarteirão e cidade são 
substituídas pela relação entre alojamento, edifício, bairro, cidade. 
Amorfologia urbana moderna resulta, também da crítica à cidade tradicional, me­
nosprezando o potencial dos espaços urbanos na vida colectiva e na organização dos 
edifícios. 
S6 já no final dos CIAM, Alison, Peter Smithson e Van Eyck, questionando as quatro 
categorias funcionalistas da Carta de Atenas, escreviam: «(...)A rua curta e estreita do 
bairro miserável triunfa onde uma redistribuição espaçosa fracassa.» (34) Era o início da 
crise da morfologia urbana moderna, mas os arquitectos não estavam ainda em condi­
ções de desenhar ruas ou formas tradicionais - apenas podiam estabelecer críticas 
te6ricas e questionar os seus pr6prios dogmasl 
O escalão seguinte do debate sobre a cidade centra-se sobre a dimensão e estrutu­
ra da unidade habitacional que permita formas de vida social e colectiva elementares. 
Para os arquitectos modernos, a vida colectiva resultava fundamentalmente das re­
lações quantitativas e distributivas entre habitação e equipamentos, estabelecidas por 
uma grelha abstracta que, aplicada à cidade, produziria o seu bom funcionamento. 
As diferentes actividades como o trabalho, a indústria, os escrit6rios, os grandes 
340
 
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5·20. 1, Walter Gropius: Diagrama ilustrando o questão: «casos unifomiliares, edifícios médios 
ou blocos altos., apresentado nos CIAM, em 1930. Desenvolvimento de um terreno rectangular 
com filos paralelos de blocos de diferentes alturas, relacionando o superfrcie, o insolação, ovisto, 
a distância 00 bloco vizinho e a libertação de solo. 2. le Corbusier: desenhos ilustrando o comi· 
nho percorrido pelo urbanismo e os formos do cidade, ;n Maneira de Pensar o Urbanismo 
341
 
equipamentos e outras funções são exclurdas do tecido residencial, sendo assim retira­
dos à cidade factores de complexidade funcional, ambiental e visual. A cidade passa a 
dividir-se nas quatro áreas elementares: trabalho, lazer, circulação e habitação. 
Aausência parcial, sobretudo nos primeiros CIAM e na redacção da Carla de Ate­
nas dos arquitectos anglo-sax6nicos e a presença maciça de alemães, franceses e medi­
terrânicos contribuirá para um certo afastamento das pesquisas da unidade de vizi­
nhança, em favor do bairro. Esta questão poderá explicar as poucas referências de do­
cumentos como a Carla de Atenas à unidade de vizinhança e, pelo contrário, a insistên­
cia na «unidade de habitação de grandeza eficaz., influenciada por Le Corbusier. 
De resto, as realizações habitacionais efectuadas pelos arquitectos dos CIAM estão 
confinadas à parcela fundiária, com a qual é tantas vezes identificado o bairro. Em 
Dammerstock, Gropius cria o bairro sobre a parcela fundiária, e o mesmo sucede em 
numerosas outras experiências da época (351. 
Aterceira preocupação dos CIAM refere-se à dimensão máxima da cidade. Preo­
cupação antiga, nascida ao tempo da revolução industrial e da convicção de que os males 
urbanos advêm da excessiva dimensão das metr6poles, e que se havia expressado em três 
vertentes: as comunidades dos ut6picos socialistas, como Fourrier, Owen ou Godin; as ci­
dades auto-suficientes dos higienistas, como Buckingham ou Richardson; e os modelos ur­
banos como a vil/e industrieI/e, de Garnier, ou a «cidade-jardimlt, de Howard. 
Adimensão máxima da cidade terá sido difrcil de sistematizar nos CIAM, quer pela 
ausência de experiências concretas (excepto na Holanda) onde se verificasse esta ques­
tão pudesse ser verificada quer pelas posições divergentes assumidas pelos participan­
tes. Estes não se encontravam envolvidos em experiências concretas de planeamento' 
urbanrstico nem directamente ligados à gestão urbana. Conheciam a desordem das ci­
dades e estavam aptos a enunciar os prindpios de organização e funcionalidade que a 
corrigissem. Não eram urbanistas no sentido da palavra, e ainda menos na sua prática 
profissional. Quem se ocupava do urbanismo e do planeamento ainda eram os arqui­
tectos oriundos das escolas de urbanismo, cultivadores da morfologia urbana tradi­
cional. ~ neste contexto que o IV Congresso examina trinta e três cidades existentes, 
e não trinta e três experiências de planeamento, e conclui com a Carla de Atenas, do­
cumento abstracto, generalista e universal. S6 no p6s-guerra, as experiências de re­
construção das cidades europeias e a polrtica das «cidades novas. permitirá testar o 
controlo da dimensão da cidade. Esse controlo não ultrapassa as preocupações quanti­
tativas e distributivas, incidindo sobre o número de habitantes e os seus equipamentos, 
e não sobre a cidade como estrutura frsica. A problemática da dimensão máxima da ci­
dade resulta também da consciência dos perigos e contradições geradas pelo agrupa­
mento de unidades habitacionais ultrapassando os limiares admissrveis de adição em 
«árvorelt (361. 
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5·21. Le Corbusier: Lo Ville Radieuse. Dois painéis apresentados no Congresso CIAM de 1930 ­
os Redents e o confronto entre o cidade tradicional e os novos propostos urbanos 
343 
Como é evidente, esta metodologia nunca poderia ser conduzida ao infinito, tendo 
implfcito o seu controlo num patamar superior. Mas deveria também corrigir a cidade

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