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1ª Edição, 2021 Coordenação Editorial Denise Corrêa / Daverson Guimarães Criação Capa Vinicius Schelck Criação Miolo e Diagramação Fernanda Oliveira Produção Gráfica Denise Corrêa / Maristela Carneiro Revisão Ortográfica Marcus Mendonça Produção Digital Loope Editora Catalogação na publicação Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166 N494 Neuroarquitetura: a neurociência no ambiente construído / Vilma Villarouco, Nicole Ferrer, Marie Monique Paiva, et al. – Rio de Janeiro: Rio Books, 2021. Outras autoras Julia Fonseca Ana Paula Guedes Rio de Janeiro: Rio Books, 2021. 256 p., il.; 15,7 X 23 cm ISBN 978-65-87913-47-6 1. Neurociências. 2. Neuroarquitetura. 3. Construção. 4. Espaço urbano. 5. Arquitetura. I. Villarouco, Vilma. II. Ferrer, Nicole. III. Paiva, Marie Monique. IV. Título. CDD 612.8 Índice para catálogo sistemático I. Neurociências : Neuroarquitetura Todos os direitos desta edição são reservados a: Editora Grupo Rio Books. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocopias e gravação) ou arquivada em qualquer sistema de banco de dados sem permissão escrita do titular do editor. Os artigos e as imagens reproduzidas nos textos são de inteira responsabilidade de seus autores. Todos os esforços foram feitos no sentido de se encontrar a fonte dos direitos autorais de todo o material contido nesse livro. Rio Books Rua Valentin da Fonseca 21 / 504 – Sampaio Tel. (21) 99312-7220 CEP 20950-220 Rio de Janeiro – RJ contato@riobooks.com.br www.riobooks.com.br mailto:contato@riobooks.com.br https://www.riobooks.com.br/ Além de um material rico sobre Neuroarquitetura, este livro também é a celebração de uma vida ceifada muito cedo. A Profa. Dra. Vilma Villarouco, uma das autoras deste livro, faleceu no dia 20 de junho de 2021 por Covid-19, deixando-nos este material como um dos últimos projetos de sua brilhante carreira. Vilma deixa um legado importante nos estudos da Ergonomia e da Neuroarquitetura no ambiente construído. A preocupação com o bem-estar da pessoa sempre foi uma questão norteadora em seu trabalho. Com centenas de artigos publicados, dezenas de pesquisas e queridos orientandos em mais de 30 anos de docência na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ela nos deixa a certeza de que devemos pensar em uma arquitetura para pessoas. Mente inquieta, com ideias fervilhando a cada momento, seu entusiasmo estava sempre presente, tudo isso regado de alegria e um sorriso estampado no rosto... é assim que foi e sempre será nossa lembrança! Aprofundando as relações Ergonomia-Arquitetura, vislumbrou na Neurociência o caminho para respostas às suas inquietudes quanto à adequação espacial, tendo como seu principal protagonista o usuário. Não basta projetar um espaço estético e agradável se não atender aos anseios de quem nele habita numa proposição sistêmica homem-ambiente, seja qual for a atividade ali exercida. E assim, a felicidade de poder contribuir para a discussão se materializou aqui nessa obra, que é claro, temos certeza de que seria apenas o início de tantas outras. Somos gratas à Vilma, sobretudo, por ter sido o elo que nos uniu como grupo e frutificou em trocas criativas e intelectuais muito ricas, que buscamos expressar nesta obra. Esperamos que este trabalho sirva para honrar sua memória e sua trajetória profissional e acadêmica. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO: UMA NOVA FORMA DE VER A ARQUITETURA BASES DA NEUROCIÊNCIA SOBRE A NEUROCIÊNCIA E SUAS ESTRUTURAS NOSSOS PROCESSOS COGNITIVOS FORMAS DE VER O CÉREBRO DEFINIÇÕES DA NEUROARQUITETURA SOBRE A NEUROARQUITETURA E SUA FORMA DE PROJETAR PERCEPÇÃO VISUAL E O PROJETO ARQUITETÔNICO NOÇÕES MENTAIS DE ESPACIALIDADE A EXPERIÊNCIA ARQUITETÔNICA NEUROARQUITETURA NA PRÁTICA A NEURO APLICADA AOS AMBIENTES NEUROARQUITETURA EM AMBIENTES RESIDENCIAIS EXPERIÊNCIA DA NEUROCIÊNCIA EM AMBIENTE URBANO UMA NOVA FORMA DE PROJETAR CONCLUSÃO: UM OLHAR PARA O FUTURO FONTES DE FIGURAS REFERÊNCIAS APRESENTAÇÃO Foi com muita alegria que recebemos o convite da Editora Rio Books para produzir esta obra, o que entendemos como uma grande oportunidade para compartilhar nossos conhecimentos em neurociência e arquitetura, além dos resultados de alguns de nossos trabalhos. Há algum tempo temos estudado, pesquisado e implementado conceitos e técnicas das neurociências nos trabalhos desenvolvidos no nosso Grupo de Pesquisa em Ergonomia Aplicada ao Ambiente Construído, em que os estudos da percepção ambiental sempre ocuparam uma posição de destaque. Entendemos que da mesma forma que o ambiente construído é transformado pelo ser humano, também o espaço pode afetar consideravelmente as pessoas em múltiplas dimensões. Os estudos científicos das últimas décadas cada vez mais fortalecem a importância da arquitetura na saúde humana, tanto física quanto mental, muito mais do que os próprios projetistas imaginavam. Habitamos o espaço, seja ele uma sala, seja um edifício, seja uma rua, seja uma cidade. Viver é interagir constantemente com variados estímulos ambientais que guiam nossas emoções, pensamentos e comportamentos. Desde a forma das coisas até elementos que podem parecer um detalhe – como padrões, luz, cor, sons e texturas –, os espaços nos afetam constantemente, sem sequer percebermos que isso está acontecendo. Como isso acontece? Por que isso acontece? Com esses questionamentos em mente, avançamos nossos estudos em busca de respostas, aprofundando-nos nas questões da mente frente ao ambiente construído e sentindo a necessidade de um maior entendimento acerca de como as pessoas percebem os ambientes, de como eles as impactam, e de como essa relação mútua acontece. Não seria possível esse mergulho na cognição e percepção humanas sem a apropriação dos conhecimentos da neurociência. Esse foi o pano de fundo do cenário que uniu quatro arquitetas, autoras deste livro, em uma sala de aula do curso de Pós- graduação em Neurociências Multiprofissional, estudando neurofisiologia, neuroanatomia, circuitos neurais, neuroquímica, cognição, processamento de imagens e emoções, mergulhando nas memórias e nas neurométricas, dentre tantas outras disciplinas desafiadoras para pessoas da área da arquitetura. Três de nós carregamos a experiência e o foco da academia, das pesquisas apresentadas e debatidas em congressos científicos nacionais e internacionais, das teses e dissertações, das discussões teórico-metodológicas próprias do ambiente universitário, tudo mesclado também com produções projetuais. Mas há também nesse grupo uma profissional do mercado da arquitetura, que traz em sua vivência as nuances do atendimento ao cliente, da busca do entendimento dos desejos, de necessidades e aspirações daqueles que procuram seu trabalho e que muito cedo despertou para a inserção da neurociência nos seus projetos. Foi a necessidade de aprofundar nossos conhecimentos para a prática da neurociência aplicada à arquitetura que nos uniu, tanto nos estudos quanto na parceria para a produção deste livro. E a equipe já estava muito boa, mas ficou ainda mais completa e especializada quando uma psicóloga com mestrado em neurociências, estudiosa da interseção entre a sua área de especialização e os estudos dos ambientes, foi incorporada ao grupo, trazendo enormes contribuições. O resultado da união dessas cinco mulheres está apresentado neste livro, dividido em três sessões cujos capítulos são agrupados por similaridade de temáticas. Introduzimos a obra estabelecendo relações entre a arquitetura, a psicologia ambiental e a neurociência. Percorremos uma trajetória da evolução destes estudos, com a incorporação de nossas reflexões e alguns materiais de autores que têm colaborado na construção do conhecimento na área, por meio de publicações na literatura especializada. A Seção 1 traz em seu capítulo Sobre a Neurociência e Suas Estruturas as bases da neurociência, objetivando nos posicionar em relação a sua forma de pensar, além deesclarecer termos e procedimentos, recursos teóricos e metodológicos para o estudo do cérebro. Tentamos desmistificar o funcionamento do sistema nervoso – tanto em sua totalidade quanto em partes –, assunto tão alheio ao vocabulário arquitetônico conhecido. No capítulo Nossos Processos Cognitivos, debruçamo-nos sobre as questões da cognição: atenção, percepção, aprendizado, memória, consciência e emoções. Esses processos são extremamente importantes para o entendimento da interação ambiente-cérebro e se conectam diretamente com o sistema sensitivo humano: visão, audição, tato, olfato, paladar, interocepção e propriocepção. Essa seção encerra com o capítulo Formas de Ver o Cérebro, o qual nos põe em contato com as neurométricas e técnicas de neuroimagem. Elas permitem visualizar o sistema nervoso, ou parte dele, seja para identificar estruturas ou funções em imagens estáticas, seja para enxergar os movimentos cerebrais em tempo real. Objetivamos aqui criar um panorama dos conceitos básicos da neurociência. Sem saber nomear as estruturas do corpo humano e suas relações com o funcionamento das reações cognitivas e fisiológicas frente ao ambiente, não estaríamos falando de neurociência quando aplicada à arquitetura. A Seção 2 começa com o capítulo Sobre a Neuroarquitetura e Sua Forma de Projetar, o qual introduz a neurociência aplicada à arquitetura e essa nova forma de projetar. Estabelecem-se relações entre mente, meio e comportamento, fazendo uma ponte com as dimensões das emoções, percepção, cognição e psicologia ambiental, a fim de posicionar a neurociência em sua aplicação na arquitetura. O capítulo Percepção Visual e o Projeto Arquitetônico desta seção aborda em detalhes a percepção visual, uma vez que a visão é considerada hoje o principal sentido usado para entender os estímulos ambientais. Nele tratamos de luz, cores, movimentos, percepção da forma e utilizamos uma linguagem neurocientífica mais simplificada para explicar os processos de formação da imagem e das sensações por ela transmitida. O capítulo Noções Mentais de Espacialidade chega com as noções de espacialidade, traçando um paralelo entre arquitetura e percepção humana. Será abordada nele a análise da forma, apresentando a perspectiva dos estudos da psicologia experimental da Gestalt. O capítulo A Experiência Arquitetônica finaliza a Seção 2, com foco na experiência arquitetônica, relacionada às estruturas cerebrais da percepção ambiental: navegação espacial, simbologias e emoções, com exemplificações a partir de edifícios emblemáticos da arquitetura. O capítulo trata ainda do projeto da vivência no ambiente construído e sua relação com o bem-estar das pessoas, em um texto que combina teoria e prática arquitetônica, e desperta o desejo de saber mais sobre cheios e vazios, luz e sombra, proporções e percepções, ferramentas do fazer projetual. Essa seção foi pensada para apresentar de forma didática uma evolução da complexidade do espaço: a bidimensionalidade da imagem, com a percepção visual; a tridimensionalidade do ambiente, com a percepção espacial; e a inserção da quarta dimensão na experiência humana, a progressão temporal. A Seção 3 vem trazendo experiências práticas. Começa no capítulo A Neuro aplicada aos Ambientes com o resgate de publicações que mostram relatos em periódicos científicos especializados e de alto impacto, e que abordam trabalhos desenvolvidos em centros de pesquisas internacionais. Apresenta- se aqui como a neurociência tem sido utilizada para o entendimento das reações do cérebro frente a características de ambientes construídos. Na sequência, os próximos dois capítulos foram dedicados a apresentar pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa em Ergonomia Aplicada ao Ambiente Construído, como forma de exemplificar algumas coisas que já se sabe, mas, principalmente, o muito que ainda é necessário explorar quanto à aplicação da neurociência na arquitetura. No capítulo Neuroarquitetura em Ambientes Residenciais, apresentamos uma pesquisa que trata da neuroarquitetura em ambientes residenciais. O trabalho avaliou salas residenciais de pessoas idosas, utilizando a conjugação da realidade virtual imersiva (RVi) com a eletroencefalografia (EEG). O objetivo foi identificar ativações cerebrais para as variáveis de valência emocional, atenção e memória no grupo pesquisado. No capítulo A Experiência da Neurociência em Ambiente Urbano, uma experiência desenvolvida no Nordeste brasileiro, onde princípios, teorias e técnicas da neurociência são aplicados em uma pesquisa na temática da acessibilidade de pessoas com cegueira no espaço urbano. O estudo observou as respostas neurais dos sujeitos ao realizar trajetos na cidade a partir de instruções verbalizadas e mapas táteis. Por fim, o capítulo Uma Nova Forma de Projetar da sessão vem trazer reflexões acerca do mercado da neuroarquitetura como uma nova forma de projetar. Trata das contribuições da neurociência à arquitetura e destaca que por sermos pessoas diferentes, precisamos de soluções também diferenciadas. O capítulo apresenta ainda exemplos de projetos internacionais, além de experiência brasileira com a participação de uma das autoras deste livro. Encerramos esse capítulo citando algumas publicações pertinentes à discussão. Assim, concluímos o livro ao trazer considerações de todo o cenário abordado, do “estado da arte” da temática tratada nesta obra e de perspectivas futuras. Não pretendemos dizer aqui que todo o material existente relativo à neuroarquitetura foi esgotado neste livro. Longe disso. Encaramos a aventura de escrever um livro nessa temática como forma de iniciar uma discussão proveitosa, cheia de potencial. A maioria do material de qualidade que existe hoje sobre neuroarquitetura está em inglês e em âmbito acadêmico, inacessível para boa parte do público brasileiro. Também o material de neurociência está condensado nas áreas da saúde, com um vocabulário especializado e de difícil compreensão para arquitetas e arquitetos. Com isso, acreditamos que esta obra ajudará a comunidade de projetistas que se interessam e se encantam com a forma como o nosso mundo construído pode nos afetar, assim como ele pode guiar nossas vidas. Esperamos que este livro desperte em você um novo olhar sobre nossos velhos conhecidos: as edificações, as paisagens e as configurações urbanas dos espaços que habitamos. INTRODUÇÃO UMA NOVA FORMA DE VER A ARQUITETURA É muito provável que a maioria de nós, que lê este texto agora, já tenha se deparado com matérias em revistas ou jornais abordando algumas palavras que iniciam com o termo neuro. Podem ter sido a neuroeducação, o neuromarketing, o neurobusiness e tantos outros, muito comentados em anos recentes e contando com alto índice de interesse dos leitores. Fato é que temos assistido a um forte crescimento das pesquisas da neurociência aplicada a diversos ramos do conhecimento. Isso é algo positivo, já que parece que estamos nos conscientizando do quanto o cérebro é estimulado por tudo que acontece ao nosso redor. O Brazilian Institute of Neuroscience and Neurotechnology (BRAINN) nos diz que, “em apenas algumas décadas, a humanidade passou da simples análise sob o microscópio de Santiago1 para a observação de neurônios humanos em funcionamento em tempo real”. Essa expansão dos estudos da neurociência é verificada por essa nova abordagem multidisciplinar, com a possibilidade de entendimento e exploração de sensações de satisfação ou de repúdio frente a situações do cotidiano. Técnicas e equipamentos já consagrados nesse ramo – e muito aplicados no âmbito da saúde – vêm propiciando amplas possibilidades de utilização em áreas nas quais se deseja investigar reações mentais de usuários a partir de diferentes vivências, seja nas compras, na educação, nas relações interpessoais e até mesmo nos ambientes que habitamos. Hoje sabemos que áreas distintas do cérebro são ativadas por ondas elétricas a partir de sensações e percepções, sendo de grande importância detectar quais estímulos correspondem às ativações,com quais tipos de frequências e em quais regiões do cérebro elas acontecem. Não só a neurociência nos explica como uma reação específica acontece, como ela nos mostra porque isso ocorreu. Mesmo com todas essas fascinantes possibilidades, todo esse conhecimento é ainda muito recente e exige estudos e pesquisas aprofundadas, sob o risco de se realizarem afirmações equivocadas – o que por vezes acaba acontecendo, caso não haja rigor científico e interpretação correta dos dados. Na verdade, muito temos a crescer antes de criar aplicações e conclusões, como bem comenta a neurocientista Molly Crockett, em um TED Talk realizado em 20122, quando em poucos minutos elenca muitos erros cometidos em nome de leituras cerebrais. A neurocientista enfatiza o poder que uma imagem de cérebro tem sobre os consumidores quando colocada numa embalagem, por exemplo, de um “neuro drink”, que promete reduzir o stress, melhorar o humor ou aumentar a concentração, mas que não apresenta qualquer evidência científica por trás da promessa. Ela chama de “neuro absurdos” quando são atribuídas boas sensações ao serem identificadas ativações de algumas estruturas encefálicas que respondem também por más sensações. Precisamos estar muito atentos ao que encontramos nessa área. Felizmente nem tudo é engano e ilusão e muitos estudos sérios são conduzidos nas diversas áreas em que a neurociência tem sido evocada. Compondo com as áreas já citadas e formando uma onda crescente, são localizados os estudos da arquitetura que vem inserindo os conceitos da neurociência, quando a preocupação com o bem-estar do ser humano ao vivenciar ambientes representa o foco principal dos projetistas. Nessa aplicação, o interesse está no entendimento das reações registradas no cérebro, quando da observação de ativações de regiões que representam sensações, emoções ou comportamentos desencadeados por características do ambiente. De fato, os profissionais e estudiosos da arquitetura há muito tempo têm conhecimento da interferência dos edifícios sobre as pessoas. A aplicação da neurociência nessa área vem somar esforços no sentido de melhor caracterizar, entender e, principalmente, mensurar esses efeitos. Estudos nessa linha são encontrados na última década e paradoxalmente a esse recente incremento, insere-se aqui a colocação de Hipócrates (séc. IX a.C.)3: O homem deve saber que de nenhum outro lugar, mas do encéfalo, vem a alegria, o prazer, o riso e a diversão, o pesar, o ressentimento, o desânimo e a lamentação. E por isto, de uma maneira especial, adquirimos sabedoria e conhecimento, e enxergamos e ouvimos e sabemos o que é justo e injusto, o que é bom e o que é ruim, o que é doce e o que é amargo.... E pelo mesmo órgão tornamo-nos loucos e delirantes, e medos e terrores nos assombram.... Todas estas coisas suportamos do encéfalo quando não está sadio.... Neste sentido sou da opinião de que o encéfalo exerce o maior poder sobre o homem. Precisamos aqui clarear a utilização da palavra encéfalo, talvez estranha no vocabulário arquitetônico. Esse é o termo técnico para o que coloquialmente se chama cérebro, sendo que o cérebro em si é na realidade parte do encéfalo, composto também pelo cerebelo e o tronco encefálico. Não encontraremos um neurocientista, ou um texto neurocientífico, que use a palavra cérebro referindo-se a tudo que temos dentro do crânio. Tratar dessa massa intracraniana é um tema tão complexo que diversas áreas do conhecimento têm se unido à neurociência para tentar desvendar esse poder do qual Hipócrates já falava há mais de dois mil anos. Como essa influência acontece? Como esse complexo órgão recebe e processa os estímulos exteriores, associa- os às memórias e às vivências, e transmite-os ao corpo em forma de sensações? Como essa fonte de informações e experiências pode ser explorada em favor do corpo onde ela se insere? De fato, o tema é denso e neurocientistas de todas as linhas se esforçam para estabelecer as verdades a respeito do sistema nervoso, sendo a neurociência, em si, um ramo científico relativamente novo. É o encéfalo que comanda todo nosso corpo, comportamentos e ações que, dependendo do ambiente onde estamos inseridos, pode ocorrer de maneira mais ou menos prazerosa, mais ou menos produtiva, com maior ou menor bem-estar4. Estudiosos já tratam desse entendimento há algum tempo, alertando para a importância dos conceitos da Neurociência como elemento de suporte na concepção de espaços com execução de direcionamentos, informações e estímulos adequados visando à promoção da segurança e bem-estar de seus usuários5. Nesse panorama, a cautela é fundamental a fim de evitar que a empolgação excessiva das novidades e as boas perspectivas das descobertas embacem conceitos primordiais, como já temos presenciado. Edificações que utilizam formas mais arrojadas, estruturas impactantes e elementos da natureza como vegetação em seu interior são facilmente apontadas como exemplos de utilização da neuroarquitetura, até mesmo por profissionais que militam na área. Tais avaliações desconsideram as diferenças individuais sedimentadas nas experiências vivenciadas por cada pessoa, suas preferências e memórias, que definem particularidades e não permitem generalizações. É fundamental para arquitetas e arquitetos entender os usuários dos espaços, internos e externos, bem como suas finalidades e cada elemento ali contido. A utilização da neurociência na arquitetura apresenta muitas novas possibilidades, mas também exacerba o desafio de alinhar soluções projetuais a desejos e preferências de pessoas distintas que habitam o mesmo espaço. Revisões na literatura especializada mostram que a maioria dos conceitos utilizados na área foram desenvolvidos em termos teóricos, não contando ainda com validações robustas a partir de estudos experimentais para parte significativa dessas teorias. Mesmo com o crescente número de trabalhos científicos, o cenário mostra que a grande variedade de conceitos requer mais pesquisa, que terão um enorme potencial e fortes desafios. O relacionamento entre a experiência humana e o ambiente construído a partir de abordagens da neurociência irá influenciar fortemente os estudos futuros, apresentando-se como uma área em plena ascensão. As diversas linhas de conhecimento e ramos científicos que tratam de incrementar o bem-estar do ser humano entrelaçam suas teorias e aplicações, o que gera um largo arranjo de possibilidades no estabelecimento de metodologias, técnicas e diretrizes para atingir objetivos comuns. Todos esses conhecimentos se complementam na busca de satisfação, de bem-estar e, por que não dizer da felicidade de encontrar a sintonia entre o espaço que se habita (no sentido mais amplo do termo), as limitações e necessidades do corpo, os anseios da alma e as frequências do encéfalo. A inter-relação entre os ambientes e seus usuários acontece com tal profundidade que consegue tatuar as marcas do sentimento humano nas características dos espaços. Toques de organização e agradabilidade, sensações de aconchego e limpeza raramente são encontrados em residências de pessoas que estão “pra baixo”, como se a ambiência avisasse aos visitantes que seus usuários não estão bem. Por outro lado, é possível estimular essas pessoas por meio desses mesmos ambientes. Há uma via de mão dupla nessa relação quando entendemos que apenas “estar” em ambientes agradáveis, leves e confortáveis pode mudar sensações e sentimentos. Mas, afinal, o que é um espaço agradável? Como conferir esse atributo, quando pessoas distintas enxergam por lentes diferentes as características do mesmo lugar? São os estudos da percepção ambiental que iniciaram a reflexão sobre a importância do ambiente construído na qualidade de vida dos usuários. Por meio das ferramentas desenvolvidas no âmbito da Psicologia Ambiental – e exploradas pela psicologia cognitiva, neurociência e arquitetura –, busca-se entender comportamentos e desejos das pessoas, gerando um maior entendimento sobre como elas percebem e interpretam o espaço ao seu redor. Oque acontece é que o ambiente fornece estímulos constantemente – de maior ou menor intensidade –, que são captados pelo corpo como sensações para que a mente as processe, gerando percepção e consciência, o que pode desencadear uma resposta comportamental. É possível ainda dizer que os indivíduos enxergam e reconhecem apenas o que lhes chama a atenção, influenciados por suas crenças, visão de mundo e pensamentos6. Na verdade, existe uma grande proximidade entre os estudos da percepção ambiental e os que são focados na neuroarquitetura, chegando a haver certa confusão entre os limites de cada uma dessas áreas. No entanto, para nós está claro que enquanto uma busca entender comportamentos, percepções e sensações, por intermédio de observações, verbalizações e vivências; a outra se preocupa em investigar as reações ocorridas no interior das nossas cabeças, o porquê dessas conexões. Assim, o estudo do funcionamento do sistema nervoso é o foco da neurociência e das áreas que dela se utilizam, investigando as regiões encefálicas e suas ativações, ocorridas por ondas de diferentes frequências elétricas, quando da interação do sujeito com o objeto da área estudada. Assim, cabe à neuroarquitetura o estudo das reações neurofisiológicas a partir da interação com ambientes diversos e os estímulos que eles provocam nas pessoas. Talvez sejam os processos de obtenção das métricas a tênue linha divisória entre as duas competências, e tentaremos aqui tornar mais claros os contornos das duas disciplinas, buscando um entendimento mais detalhado, embora como marcos introdutórios. Sendo a neuroarquitetura o objetivo e tema central deste livro, teremo-na abordada e aprofundada ao longo do seu desenvolvimento. O QUE É NEUROARQUITETURA? Hoje, experimentos científicos explicam os processos que ocorrem no cérebro humano, bem como as localizações, dinâmicas e interações específicas da atividade cerebral. No entanto, experimentar o significado mental e poético do espaço, a partir das dimensões de forma, matéria e iluminação é um fenômeno bem diferente das observações de atividades eletroquímicas nos nossos organismos7. Criar essa “ponte” entre ciência e experiência vem a ser o objetivo da neurociência aplicada à arquitetura. Classificada como um campo multidisciplinar nascente que combina neurociência, psicologia e arquitetura, a chamada neuroarquitetura surge como uma nova linha de pensamento projetual, que olha para as atividades neurais em interação com o ambiente construído. Projetistas têm adotado cada vez mais esse termo para descrever um novo campo de estudo que explora como a forma arquitetônica pode servir ainda mais às funções humanas ao gerar prazer e satisfação. Como definido pela Academy of Neuroscience for Architecture (ANFA): A Neuroarquitetura é um campo interdisciplinar que consiste na aplicação da neurociência aos espaços construídos, visando maior compreensão dos impactos da arquitetura sobre o cérebro e os comportamentos humano8. Assim, a interseção da neurociência e da arquitetura é vista hoje como uma ferramenta positiva para avaliar o desempenho de um ambiente existente. Ela fornece subsídios para decisões de projetos que melhorem a qualidade de vida dos seres humanos em sociedade. Mas, ainda assim, essa tarefa se apresenta como desafio. Há uma contradição inerente nos métodos usados nessas duas disciplinas. Em certas áreas da teoria e projeto da arquitetura, pesquisas são conduzidas por questões abertas e pela aplicação de pesquisas qualitativas, muitas vezes sobre um ponto de vista fenomenológico, que revelam uma nova abordagem e uma nova compreensão de como as pessoas vivenciam os espaços. Entretanto, as pesquisas no campo da neurociência utilizam métodos com abordagem positivista, dentro de uma forma analítica e cartesiana de ver o mundo. A neurociência utiliza uma hipótese específica e clara para seus questionamentos, explorada em experimentos que comprovam ou refutam a veracidade dessa hipótese9. Encontrar a interseção entre o positivismo e a fenomenologia significa ter dados objetivos e baseados em evidências para criar a experiência arquitetônica. Isso permite que arquitetas e arquitetos fujam de “achismos” e dados empíricos na hora de projetar. Assim, o desenvolvimento desse conhecimento não apenas permitirá compreender o ambiente construído, mas também continuará a desempenhar um papel cada vez mais importante, fornecendo orientação para o futuro domínio dos estudos de arquitetura. A neuroarquitetura passa então a ser vista como uma “solução” para os céticos dos métodos tradicionais de projeto, muitas vezes intuitivos e qualitativos. Claro, sempre há o outro lado da moeda, com dúvidas que naturalmente surgem em novos campos de pesquisa. Corremos o risco de olhar para as ações humanas de forma exclusivamente determinística, mecanizando as interações sociais. Há quem diga que a neuroarquitetura muitas vezes não considera o contexto social, cultural, político e histórico mais amplo da questão do espaço. No entanto, esse não é o foco. Não serão feitos “projetos neuroarquitetônicos”, se é que esse termo já foi usado. O que é possível com o uso da neurociência aplicada à arquitetura é encontrar explicações para os fenômenos do ambiente construído que já são conhecidos, mas não necessariamente entendemos como funciona. O resultado são projetos que melhor consideram seu impacto nas pessoas, e como fazer isso de forma positiva. Quando falamos de neuroarquitetura, é possível subdividir o objeto de estudo. Pode-se pensar na neurociência no processo de projeto, que examina os cérebros dos arquitetos. É possível considerar a arquitetura neuromórfica, que examina os “cérebros” dos edifícios. Ou então, a neurociência da experiência arquitetônica, a qual examina o cérebro de indivíduos que vivenciam um ambiente construído predeterminado. Além disso, muitos são os métodos e técnicas utilizadas nos estudos de neurociência e do ambiente construído. Basicamente, eles se distribuem em três grupos gerais: técnicas de pesquisas de ambiente e comportamento; técnicas de pesquisas em neurociência clássica; e técnicas de pesquisas com uso de ferramentas digitais. O grupo de técnicas de pesquisas de ambiente e comportamento trabalha com medidas observacionais, medições de autorrelato, dados de arquivo e técnicas de mapeamento. Esses mapeamentos tendem a utilizar ferramentas oriundas da psicologia ambiental: mapa mental, mapa comportamental e mapa cognitivo. São utilizados também equipamentos de mapeamento com biossensores. Já o grupo de técnicas de pesquisas em neurociências investiga as medidas psicofisiológicas utilizando as técnicas de neuroimagem – EEG, ERP, MEG, PER e fMRI (que serão mais bem abordadas no capítulo Formas de Ver o Cérebro). Também serão coletadas as atividades eletrodérmicas – com sensores de pele que medem temperatura, resposta galvânica da pele e condutância de pele –; eletromiografia; frequência cardíaca; pressão e volume sanguíneo; e movimentos e piscar de olhos. Quanto ao uso das ferramentas digitais, existe a possibilidade de contribuição colaborativa (do inglês crowdsourcing), em que a partir de uma comunidade on-line, é possível coletar ideias, conteúdos etc. O uso de dispositivos conectados ao usuário está sendo cada vez mais utilizado nas pesquisas do ambiente construído, sendo possível apresentar ao participante imagens de realidade virtual (VR do inglês virtual reality) e realidade aumentada ou expandida (AR do inglês augmented reality), utilizando-se equipamentos como câmera, microfone e óculos diferenciados (HMD do inglês head-mounted display), os quais podem, por exemplo, realizar rastreamento ocular (do inglês eye tracking). Em pesquisas que lidam com percursos, uma tecnologia muito usada é o Sistema de Posicionamento Global, o GPS. A escolha de recursos que digam como respondemos à estimulação que o ambiente construído nos proporciona é um benefício que a neurociência oferece à arquitetura. As avaliações dos efeitos nos indivíduos que se baseiam emdados verbais por vezes perdem a acurácia das informações daquilo que causa o efeito de agrado ou desagrado no indivíduo, ou que proporciona conforto ou desconforto. Muito do que a neurociência nos mostra é que a consciência é uma parte pequena da vivência em um ambiente e grande parte do que experienciamos é impalpável até mesmo para nossa própria consideração. Ao termos acesso a informações que nos mostram alterações na forma como o ambiente nos estimula, podemos planejar mudanças nos próximos experimentos e projetos, comparar com mais objetividade e permitir considerações sobre a experiência que “fugiram das palavras”. Grande parte de nossa percepção é não consciente. Especialmente quando relacionada ao ambiente, que quase sempre é o fundo de outras experiências das pessoas que não aprendem a pensar no espaço da mesma forma que um arquiteto. Como bem disse Juhani Pallasmaa em seu livro Os olhos da pele, “o corpo sabe e lembra. O significado da arquitetura deriva das respostas arcaicas e reações lembradas pelo corpo e pelos sentidos”10. Steven Holl, outro grande arquiteto da projetação da experiência vivida no espaço, diz no prefácio desse livro que Pallasmaa: “pratica a arquitetura dos sentidos, impossível de ser analisada, cujas características fenomenológicas concretizam suas ideias sobre a filosofia da arquitetura”. A neuroarquitetura vem abrir as fronteiras para analisar o que era impossível ser analisado. É disso que nós falamos. 1 O cientista espanhol Santiago Ramón y Cajal conseguiu corar neurônios individuais e descobrir padrões celulares nunca antes percebidos, abrindo caminho para estudos iniciais das células e estruturas que permitem que o cérebro funcione corretamente. Iniciando o ramo da ciência que busca desvendar os quebra - cabeças por trás do poder cerebral: a neurociência. In: www.brainn.or g.br. 2 Disponível em: https://www.ted.com/talks/molly_crockett_beware_neuro_bunk?l anguage=pt-br#t-657523 3 Bear et al., 2002, p. 3. 4 Nasar, 2008. 5 Zeisel, 2006. 6 Okamoto, 2002. 7 Juhani Pallasmaa. In: Tidwell, 2013. 8 Mena, 2019, on-line. 9 Karakas & Yildiz, 2020. 10 Pallasmaa, 2011, p. 57. http://www.brainn.org.br/ https://www.ted.com/talks/molly_crockett_beware_neuro_bunk?language=pt-br#t-657523 SOBRE A NEUROCIÊNCIA E SUAS ESTRUTURAS Existem diferentes maneiras de se olhar para o cérebro, da mesma forma que existem diferentes maneiras de ver o mundo à nossa volta. Também o sistema nervoso – e particularmente o cérebro – pode ser estudado por diferentes óticas. Um psicólogo olhará para as propriedades emergentes, entendendo o SN como um elemento capaz de produzir comportamento e consciência. Um farmacêutico estará interessado nas reações químicas que acontecem entre as moléculas dentro e fora das células nervosas. Ou seja, é possível focar em diferentes partes, estruturas, funcionamentos ou conexões do sistema nervoso. Considere, então, a transformação que uma simples lâmpada fez na vida de todos. Ter energia elétrica em casa permite uma expansão enorme da nossa capacidade produtiva, já que agora não estamos mais “presos” às limitações do horário da luz natural. No entanto, a iluminação elétrica é bem diferente da radiação solar, tendo variações quanto à intensidade, o conteúdo espectral e o próprio tempo de duração em um período diário de 24 horas. Só que os seres humanos evoluíram ao longo de milhões de anos considerando esse padrão dia-noite da radiação solar como pista circadiana primária11, com nossos corpos “pré-programados” hoje para manter um ritmo de liberação de melatonina12, além de uma série de outros ritmos fisiológicos, incluindo o ciclo vigília-sono. Ou seja, a iluminação elétrica no ambiente construído é geralmente mais do que suficiente para o desempenho visual, mas pode ser inadequada para a manutenção dos ritmos neuroendócrinos normais para humanos. A realidade é que disciplinas como engenharia, arquitetura e design de interiores enfatizam o desempenho visual, enquanto a função circadiana não é sequer mencionada. Porém, se a iluminação elétrica – como empregada atualmente – contribui para a “desregulação circadiana”, também pode ser uma causa importante de “desregulação endócrina”, o que contribui para o adoecimento13. Além disso, a vida na sociedade contemporânea é principalmente a vida dentro de edifícios. Então, se quisermos projetar esses espaços considerando as reações que podemos instigar no corpo humano, parece lógico entender como esse organismo funciona. Para isso, faz-se necessário um panorama anatômico14 e fisiológico15 do sistema nervoso (SN), a fim de entender e correlacionar suas propriedades funcionais. Entende-se que o SN é responsável por coordenar, integrar, analisar e armazenar as informações que recebemos de estímulos à nossa volta. Assim, subdividido em sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico (SNP), cada parte está intimamente relacionada com um ponto de vista morfológico e funcional do organismo. O SNC fica dentro dos ossos no centro do corpo, o chamado esqueleto axial, composto pela cavidade craniana, em que fica localizado o encéfalo; e pelo canal vertebral que protege a medula espinal – com funções ordenadoras, receptoras e aferentes. Por sua vez, o SNP é formado pelos gânglios16 da medula espinhal, pelos 31 pares de nervos espinhais e pelas terminações nervosas na periferia do corpo humano (Figura 1)17. O encéfalo é protegido por um grosso crânio, uma espessa camada de tecido conjuntivo – conhecida como meninge18 – e milhões de pequenas células interconectadas. Ele é, ainda, subdividido em 3 estruturas: tronco encefálico, cérebro e cerebelo (Figura 2). O tronco encefálico, por sua vez, é composto pelo bulbo, ponte e mesencéfalo. É ele quem conecta a medula espinhal com as estruturas encefálicas superiores, sendo responsável por funções ordenadoras e controladoras do SN. Apesar de contígua à medula espinal, ele é diferente em sua forma e função, uma vez que contém núcleos e tratos19 que levam a informação sensorial para os centros superiores do cérebro20. É Ô FIGURA 1 – DIVISÃO DO SISTEMA NERVOSO COM BASE EM CRITÉRIOS ANATÔMICOS DO CORPO HUMANO FIGURA 2 – ENCÉFALO REPRESENTADO EM VISTA SAGITAL (CORTE), COM SUAS SUBDIVISÕES ESTRUTURAIS A porção inferior do tronco encefálico – região que se conecta diretamente à medula espinal – é o bulbo, que participa das funções vitais como um centro respiratório, centro vasomotor (batimentos cardíacos e pressão sanguíneos) e centro do vômito. A ponte é a porção mediana e funciona como uma estação para as informações provenientes do cérebro e que se dirigem para o cerebelo. Por fim, o mesencéfalo é a porção superior do tronco encefálico. Nele está uma estrutura ventral conhecida como corpos quadrigêmeos, formado pelos colículos superiores, envolvidos no controle dos movimentos oculares; e pelos colículos inferiores, que fazem conexão com as vias auditivas7. Na região do tronco encefálico também estão as conexões com os 12 pares de nervos21 cranianos, exceto os nervos I (nervo olfatório) e II (nervo óptico). Os nervos cranianos estão relacionados a três funções principais: inervação sensorial e motora da cabeça e pescoço; inervação dos órgãos dos sentidos; e inervação parassimpática22 dos gânglios do sistema autonômico23, que controlam as vísceras – respiração, pressão arterial, deglutição, funcionamento intestinal etc. O cerebelo – outra estrutura que forma o encéfalo – é considerado um “minicerébro” tanto por sua estrutura morfológica quanto pela ampla gama de funções que participa ativamente. Ele está envolvido no movimento involuntário, postura corporal, equilíbrio, tônus muscular, coordenação motora e aprendizagem motora. Ou seja, dependemos do cerebelo para interagir com nosso espaço ao andar, correr, passear de bicicleta e tantas outras tarefas. Definido tecnicamente como cérebro são as estruturas encefálicas superiores, divididas em diencéfalo e telencéfalo. O diencéfalo é um conjunto de estruturas subcorticais (abaixo do córtex do telencéfalo)muito importantes: tálamo, hipotálamo, subtálamo e epitálamo. Cada uma tem uma função diferente em como identificamos o mundo e reagimos a ele. O tálamo lida com a sensibilidade, motricidade, comportamento emocional e ativação do córtex, além de desempenhar um papel no mecanismo de estado de alerta. O hipotálamo lida com a atividade visceral, coordena a homeostasia e participa do controle emocional. Já o subtálamo é uma região do diencéfalo que faz parte do circuito motor. E, por fim, o epitálamo tem uma função endócrina pela conexão com a glândula pineal, e é exatamente essa estrutura que será afetada pela lâmpada, inibindo a produção de melatonina (descobrimos o “culpado”). Sim, são muitos nomes e muitas estruturas, cada uma mexendo com uma parte diferente do nosso organismo e que nos permitem dizer quem somos e como reagimos às situações e ambientes que a vida nos apresenta. As informações (resumidas) que estão neste capítulo, por mais “alienígenas” que possam ser para nós arquitetas e arquitetos, fazem parte da neurociência. Falar de neuroarquitetura sem entender o “neuro” nessa relação nos parece contraproducente. SOMOS O QUE PENSAMOS Podemos dizer que o cérebro é o “computador central” de tudo aquilo que somos, fazemos e pensamos. É ele que reúne as informações, reage às situações e toma a decisão. Hoje, sabemos que um ambiente amplo e iluminado ajuda na concentração do estudo; o uso de cores em locais estratégicos pode aumentar a produtividade; e a escolha inteligente de móveis pode induzir a pessoa ao relaxamento. Mas por quê? O que acontece em nós para que tenhamos essas reações? Tudo isso se passa no cérebro e falar de cérebro é falar de conexão. O interessante é que esse órgão que se conecta com todas as partes do corpo – e é responsável por “funcionarmos” – representa apenas 2% da massa corporal. Ao mesmo tempo, ele consome pelo menos 20% da energia que produzimos. Além disso, apesar de ter se tornado comum dizer que o cérebro deve ser treinado e exercitado para evitar atrofia, ele não é um músculo. Esse órgão principal do sistema nervoso é composto por dois tipos celulares principais: os neurônios e os gliócitos. O neurônio é uma célula excitável (Figura 3), visto como a unidade sinalizadora responsável por processar e transmitir os sinais químicos e/ou elétricos em conexões chamadas de sinapses, que acontecem na zona de contato – chamada fenda sináptica (Figura 4) – entre dois neurônios, ou entre um neurônio e uma célula muscular, fornecendo informações para diferentes partes do sistema24. Responsáveis pela conexão do cérebro com o corpo, eles podem ter formas diferentes a depender da região e da informação que irão transmitir. Mas de modo geral, a morfologia do neurônio é adaptada para suas funções, sendo composto por uma região que recebe a informação de outros neurônios (o soma, ou corpo neuronal), na qual ficam seu núcleo e organelas, além de vários pequenos prolongamentos e ramificações (os dendritos), que captam a informação enviada; e a outra região que, configurada como um longo prolongamento (o axônio), envia os sinais recebidos pelo soma para o próximo neurônio na forma de disparos elétricos, chegando a pequenas hastes no fim do axônio (os terminais sinápticos). Já os gliócitos são um conjunto de células não neurais que desempenham funções de infraestrutura no sistema nervoso. Em maior número que os neurônios, eles “nutrem as outras células, dão sustentação mecânica, controlam o metabolismo dos neurônios”25. Os gliócitos possibilitam o trabalho dos neurônios, que estão agrupados em grandes conjuntos de papéis funcionais específicos. Diante do disparo elétrico no neurônio, as terminações sinápticas liberam moléculas chamadas de neurotransmissores26, mediadores químicos que servirão para estimular os dendritos de outros neurônios, em uma grande cadeia de comunicação. Talvez você já tenha ouvido falar em serotonina ou dopamina: essas substâncias são exemplos de neurotransmissores. Além desses, ainda existem outros: GABA, glutamato, noradrenalina, acetilcolina, ocitocina e endorfina. Concentrados em pequenas vesículas nos terminais sinápticos, os neurotransmissores são liberados na fenda sináptica, uma vez que recebem sinal elétrico com carga suficiente. Geralmente, caracterizadas por certos tipos de atividades cerebrais, a serotonina está relacionada às emoções, a dopamina à motivação, a ocitocina ao amor e afeto, a noradrenalina ao estresse, e assim por diante. Entretanto, essas são representações ultrassimplificadas dessas substâncias. Podemos sim separá-las por certo nível de especialização que diferencia quais neurônios poderão se comunicar com o receptor, um tipo de fechadura existente nos dendritos de cada neurônio. Serão eles que permitirão que os neurotransmissores influenciem o neurônio. FIGURA 3 – ESTRUTURA DO NEURÔNIO, CÉLULA ESPECIALIZADA QUE RECEBE E TRANSMITE SINAIS ELÉTRICOS FIGURA 4 – REPRESENTAÇÃO DA CONEXÃO ENTRE TERMINAL DO AXÔNIO E DENDRITO ATRAVÉS DA SINAPSE, COM LIBERAÇÃO DE NEUROTRANSMISSORES NA FENDA SINÁPTICA Vale considerar que a serotonina, por exemplo, tem um papel importante na região do cérebro relacionada às emoções (o sistema límbico27), mas outros neurotransmissores também o são. Por isso a importância de evitar o completo reducionismo dos conceitos. Uma forma mais correta de diferenciar os neurotransmissores seria pelos tipos de receptores com os quais fazem conexão. A composição das moléculas fará com que eles se liguem a apenas alguns tipos de receptores: aminoácidos (GABA e Glutamato), peptídeos (ocitocina e endorfinas), monoaminas (noradrenalina, histamina, dopamina, serotonina), purinas (adenosina e ATP), gasotransmissores (óxido nítrico e monóxido de carbono) e a acetilcolina (que é o único transmissor de sua classe). Também é possível diferenciá-los por suas funções no organismo: neurotransmissores excitatórios aumentam a probabilidade de um neurônio disparar seu sinal elétrico, como a noradrenalina e o glutamato. Os neurotransmissores inibitórios diminuem a probabilidade de um neurônio disparar seu sinal elétrico, como a serotonina e o GABA. Contudo, a dopamina e a acetilcolina, por exemplo, são de certo modo polivalentes. Elas podem criar tanto efeitos excitatórios quanto inibitórios, dependendo do tipo de receptores que uma determinada célula tenha, chamando-os de neurotransmissores moduladores ou neuromoduladores. Alguns tipos podem até mesmo impactar no efeito de outros neurotransmissores, complexificando o tipo de comunicação que nossos neurônios podem fazer. Entender as substâncias liberadas do corpo representa uma ferramenta a mais para explorar as possibilidades projetuais do espaço. Afinal, são os neurotransmissores que ativam, ou não, uma determinada emoção ou “impulsionam” um comportamento específico. Como dizia uma linha de pensamento de neurocientistas que estudavam a sinapse, somos uma “sopinha química”. Bom, já falamos que o cérebro é formado pelo diencéfalo e o telencéfalo. Juntos, integram e consolidam as informações recebidas pelos estímulos do ambiente construído. Além disso, o cérebro é responsável pelas atividades voluntárias (as que escolhemos fazer em nível consciente). FIGURA 5 – DIVISÃO DO CÉREBRO EM LOBOS: (I) VISTA LATERAL; (II) VISTA LATERAL COM ABERTURA PARA VISUALIZAÇÃO DA ÍNSULA; (III) VISTA SUPERIOR; (IV) VISTA SAGITAL (EM CORTE) Estruturalmente, o cérebro pode ser visto em duas partes, conhecidas como hemisférios cerebrais, divididos pelo plano mediano do corpo. Separados por um grande sulco (a fissura longitudinal), o cérebro é descrito como tendo um hemisfério esquerdo e outro direito. No entanto, eles não trabalham bem de forma isolada, necessitando de uma conexão para o desempenho saudável de suas funções. Essa ligação é feita pelo corpo caloso, um grande feixe de fibras nervosas. Vale ressaltar que quando há uma “ponte” entre os hemisférios, diz-se que ela é uma comissura – e existem algumas outras menores no encéfalo28, como a comissura anterior, a comissura posteriore o fórnix –, que transferem informações entre os dois hemisférios para coordenar funções localizadas. Isso pode ser visto no processamento de sinais sensoriais, por exemplo, que é tipicamente recebido em um hemisfério para depois ser compartilhado com o outro. Em uma visão lateral, os hemisférios podem ser subdivididos em lobos (Figura 5 acima). Essa organização identifica certas regiões cerebrais que se comunicam principalmente com outras regiões do próprio encéfalo, que por sua vez se especializa em certos tipos de atividades cerebrais. O lobo frontal é responsável pelo movimento do corpo e pelas capacidades cognitivas superiores, como raciocínio, decisão e planejamento; o lobo temporal lida com o processamento de sinais auditivos, além de ter importância na cognição do aprendizado e da memória; o lobo parietal integra as informações cognitivas sensoriais, e é responsável pela atenção, além da representação do espaço à nossa volta; o lobo occipital foca no processamento da visão; e o lobo da ínsula processa o paladar e faz conexão com o sistema límbico. Lembremos que as funções de cada região não devem ser completamente simplificadas, uma vez que possuem nuances e podem participar de funções em outros contextos dependendo da necessidade e da conexão neural29. Além disso, o córtex tem sua superfície “dobrada”, o que cria algumas estruturas com um leve relevo que chamamos de GIROS, marcados por depressões chamadas de SULCOS. Essas duas configurações criam a imagem de textura rugosa do cérebro. Além disso, são essas composições topográficas que permitem uma divisão ainda mais detalhada dos lobos, especificando aos nossos olhos sub-regiões. MOVER OU SENTIR, EIS A QUESTÃO Não podemos dizer que nosso fascínio pelo cérebro é recente. Cientistas de diferentes áreas de estudo vêm há décadas tentando entender e “mapear” o principal órgão do sistema nervoso, em que o telencéfalo se mostrou foco de análise. Em sua área mais central existe a massa ou substância branca, composta principalmente pelos axônios dos neurônios, o que permite a conexão entre suas diferentes regiões (as fibras30 de associação) e com outras estruturas cerebrais (as fibras de projeção). A camada externa é o córtex cerebral, área de processamento mais sofisticado do cérebro. Também conhecido como massa ou substância cinzenta, é rico em neurônios, sendo a concentração dos somas (o corpo celular) o que lhe atribui essa coloração. Depois de muitos experimentos, os neurocientistas descobriram um aspecto interessante da estruturação do córtex e sua conexão com o restante do corpo: a retroalimentação sensorial. O conceito de retroalimentação, também denominada por feedback, refere-se a um efeito retroativo, em que a informação que o emissor envia é produzida como resposta à mensagem que o receptor enviou antes, mantendo-se essa relação constante. Ou seja, na conexão entre mente e corpo, o organismo capta continuamente estímulos do ambiente para fornecer informações ao córtex para que ele possa ajustar processos de percepção, controle motor, excitação, homeostase, motivação, aprendizado ou memória. Para isso, o sistema nervoso faz uso de certos tipos de neurônios: aferente, eferente e interneurônio. As vias aferentes formam uma grande população de neurônios distribuídos estrategicamente por todo o corpo, onde recebem a informação sensorial do espaço a partir de receptores31 e enviam para diferentes áreas corticais primárias32. No córtex, a informação é processada e analisada, sendo possível integrar várias modalidades sensoriais. Em seguida, faz uso das vias eferentes para levar uma resposta aos músculos e glândulas alvos de diversas partes do corpo. Já os interneurônios fazem conexões entre as vias aferentes e eferentes do corpo, ajustando o sinal em percurso. Essa complexa relação de feedback contínuo vêm sendo estudada exaustivamente, tanto do ponto de vista sensorial quanto do motor. Para isso se deu o nome de sistema somatossensorial ou sensorial somático, um conjunto de estruturas que nos dão a capacidade de receber informações sobre as diferentes partes do corpo. Assim, os sentidos somáticos ou somestésicos, especificamente, irão lidar com o tato e a identificação de textura; o reconhecimento da localização espacial do corpo e noção de posição e movimento (propriocepção); a percepção da temperatura (termocepção); e percepção da dor (nocicepção). No contexto de mapeamento do córtex em relação a essas percepções (processo de somatotopia), o médico neurocirurgião Wield Penfield (1891-1976) identificou a região específica de controle motor e sensorial do corpo humano. Conhecida hoje como homúnculo de Penfield – do latim “homem pequeno” –, temos hoje uma representação da figura humana com proporções correspondentes a cada área especializada (Figura 6). Vale ressaltar que os trabalhos deste neurocientista foram fundamentais para o desenvolvimento das interfaces cérebro máquina (ICMs). De forma mais ampla, o mapeamento do córtex chamado Área de Brodmann (Figura 7), desenvolvido pelo anatomista alemão Korbinian Brodmann (1868-1918), define o córtex cerebral em 52 áreas distintas. De forma geral, essas áreas se organizam em três grandes grupos: o córtex pré-frontal está envolvido com a cognição (raciocínio, controle inibitório, memória de trabalho) e ações motoras; o córtex parieto-têmporo-occipital se relaciona com funções sensoriais mais elaboradas, além da linguagem; e o córtex límbico lida com a memória, emoção e aspectos motivacionais do comportamento. FIGURA 6 – REPRESENTAÇÃO CORTICAL DO HOMÚNCULO DE PENFIELD, IDENTIFICANDO A PROPORÇÃO DE SENSIBILIDADE DAS DIVERSAS PARTES DO CORPO FIGURA 7 – REPRESENTAÇÃO DAS ATIVIDADES CORTICAIS COM APROXIMAÇÃO DE LOCALIZAÇÃO Algumas das áreas de Brodmann são mencionadas com mais frequência na leitura de neurociência. O córtex visual primário corresponde à área 17. O córtex auditivo primário é composto pelas áreas 41 e 42, importantes para os processos cognitivos de percepção e linguagem. A área 4 é o córtex motor primário, e está situado no giro pré-central. O giro pós-central, no qual se localizam as áreas somatossensoriais, é dividido em áreas 1, 2 e 3. Evolutivamente, o córtex pré-frontal é a área que mais se modificou nos últimos tempos, desenvolvendo-se em nossa espécie de forma impressionante em comparação a outras espécies. Talvez por isso seja tão difícil de sumarizar suas características, uma vez que ele é uma área de associação de informações muito diversas. Essa região cortical recebe as informações íntero e exteroceptivas (sensações internas e externas ao corpo), de forma a selecionar as respostas motoras apropriadas para cada estímulo, dentre as várias disponíveis. Uma de suas funções fundamentais – e que talvez seja uma das mais importantes para caracterizar nossa humanidade – é a capacidade de avaliar as consequências de planejamentos e ações futuras, ainda que ele participe de muitas outras funções. De maneira geral, podemos considerar que o córtex pré-frontal sintetiza todas as informações sensoriais e experiências emocionais de forma a produzir percepções conscientes que resultam em comportamentos específicos, e consonantes com os estímulos que chegam ao cérebro. O nosso contato com o mundo está diretamente ligado ao estado do nosso meio interno (fome, sede, sexo, raiva e prazer)33. A fome pode fazer com que a voz do professor perca o foco, enquanto que o cheiro do almoço no restaurante controla completamente seus pensamentos, por mais que se saiba que aquelas informações do professor são importantes. As emoções que experimentamos são regidas pelo sistema límbico e o córtex pré-frontal, interconectados de forma que o indivíduo pode também exercer um controle sobre seu estado emocional (usando estratégias cognitivas para manter o foco); ou ter um controle emocional de seus pensamentos (perdendo o foco pela fome ou a imaginação do almoço em casa). De uma maneira geral, podemos considerar que o córtex pré-frontal integra todas as informações sensoriais e experiênciasemocionais, de forma a produzir percepções conscientes. Isso leva à produção de comportamentos específicos e consonantes com a estimulação cerebral. Já no córtex occipital, um determinado padrão de atividade disparado por estímulos visuais envia informações para o córtex parieto-têmporo-occipital, em que a informação é processada em função das características espaciais e para o reconhecimento desses estímulos. É interessante pensar que se esse é seu primeiro contato com a neurociência, talvez tudo isso pareça difuso e exija também algum tempo de anotações. Mesmo os neurocientistas mais experientes precisam repassar essas relações, e algumas delas aprofundam-se muito, sendo motivo para especialização. Contudo, você inevitavelmente lidará com os nomes dessas estruturas em suas leituras de neuroarquitetura, e reconhecê-las e ter uma referência para encontrá-las é importante no caminhar de quem começa a buscar as pontes entre neurociência e arquitetura. 11 Ritmo (ou ciclo) circadiano é o período de aproximadamente 24 horas em que se baseia o ciclo biológico do ser humano; é influenciado pela variação dia- noite de condicionantes como luz, temperatura, marés e ventos. 12 Melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal, que só é ativada quando não há estímulos luminosos; ou seja, a produção de melatonina só ocorre à noite e induz o sono. 13 Stevens & Rea, 2001. 14 Anatomia é o estudo da forma e da estrutura do organismo, bem como suas partes. 15 Fisiologia é o estudo das funções e funcionamento do organismo em função de processos físico-químicos. 16 Gânglios são formados pelo agrupamento de corpos de neurônios no SNP 17 Purves et al., 2008. 18 Meninge é cada uma das três membranas superpostas (dura-máter, aracnoide e pia-máter) que envolvem o sistema nervoso central. 19 Tratos são vias neurais que percorrem a medula espinal (para cima ou para baixo) e representam os caminhos do sistema nervoso central (SNC). 20 Brandão et al., 2005. 21 Nervo é o prolongamento de axônios do neurônio que formam fibras nervosas. 22 O sistema nervoso parassimpático é parte do sistema nervoso autônomo, sendo responsável por estímulos de calma, saciedade, repouso e digestão. 23 O sistema nervoso autônomo (SNA) faz parte do SNC e controla grande parte das funções viscerais do organismo. 24 Lent, 2010. 25 Lent, 2010, p. 2. 26 Brandão et al., 2005. 27 Sistema límbico, também conhecido como cérebro emocional, é um conjunto de estruturas subcorticais responsáveis pelas respostas emocionais aos estímulos captados. 28 Encéfalo é a junção do cérebro, do cerebelo e do tronco encefálico, todos protegidos pela estrutura craniana. 29 Eysenck & Keane, 2017; Purves et al., 2008. 30 Fibras são os prolongamentos dos neurônios (os axônios), que se agrupam para formar feixes. 31 Receptores são células especializadas responsáveis pela captação da energia do estímulo e sua conversão em um sinal biológico. 32 Áreas Primárias são regiões corticais que têm relação diretamente com a sensibilidade ou com a motricidade. 33 Brandão et al., 2005; Purves et al., 2008. NOSSOS PROCESSOS COGNITIVOS Um ponto importante para compreensão da neurociência é que não existe análise técnica sem uma base teórica consistente. Ainda que seja possível compreender vários fatores sobre a fisiologia do cérebro por meio de tecnologias existentes, a interpretação desses achados depende diretamente de conceitos bem definidos e coerentes que estabeleçam os critérios para as referências comportamentais usadas nos experimentos. Predomina na neurociência a forte influência da teoria da Psicologia Cognitiva, que oferece bases experimentais muito importantes para definir claramente dimensões da mente, como: percepção, aprendizagem, atenção, memória, consciência e emoção. Muitas das características dessas atividades cognitivas não são ainda correlacionadas com eventos que conhecemos em termos fisiológicos, ou até são, mas ainda são discutidas propostas conceituais distintas, que levam a dados fisiológicos diferentes. Por isso, avaliar o conjunto de evidências dessas linhas teóricas permite produzir revisões bibliográficas importantes, que são tão relevantes quanto o desenvolvimento de uma nova tecnologia34. Existe, por exemplo, mais de uma definição sobre memória de trabalho ainda em debate, com pesquisadores de diferentes linhas de estudo buscando o melhor delineamento para que ela possa ser operacionalizada como variável em experimentos que buscam seus correspondentes fisiológicos. A aprendizagem também depende de um tipo de ativação chamada potenciação de longa duração35 (LTP, do inglês long term potentiation), da qual são conhecidos alguns aspectos, mas ainda não se sabe qual neurotransmissor é responsável por iniciá-la. A hipótese mais promissora tem sido o óxido nítrico, mas ainda são necessárias mais evidências científicas para de fato apontá-lo como causa para as LTPs. Além disso, como usamos comportamentos expressos em tarefas para descrever uma habilidade cognitiva, escolher uma tarefa que acreditamos medir um determinado fator envolve um importante trabalho de refletir sobre experimentos e suas delimitações. Em usos muito equivocados de apropriação da neurociência, muitas vezes, pesquisadores se precipitam em atribuir relações para tarefas que querem medir. Por isso, quando os conceitos são operacionalizados em uma tarefa que pode ser aplicada em um experimento – ou seja, descritos como habilidades e comportamentos que podem ser observados –, precisam atentar para a validade ecológica da tarefa. Isto é, verificar se as condições analógicas criadas realmente correspondem às condições que se quer recriar de tais habilidades e comportamentos observados na vida real. Por exemplo, uma pessoa que simplesmente use o jogo da memória para avaliar as habilidades de memória de curto prazo, não leva em consideração que esse jogo é conhecido por muitas pessoas. Alguém pode ir bem em sua tarefa não pelo uso da habilidade de memória de curto prazo, mas por ter outras estratégias advindas da experiência com o jogo, usando na verdade aspectos da memória de trabalho. Assim, é preciso saber qual aspecto se deseja avaliar, identificar outras habilidades cognitivas que podem turvar os dados que serão obtidos e prever esse aspecto no estudo. Por isso, há experimentos especializados exclusivamente em validação de testes e atividades que podem ser usadas para avaliar uma habilidade cognitiva. A neuropsicologia e a psicologia cognitiva tiveram importantes avanços nesse quesito e podem ser uma boa busca para arquitetos que desejem fazer esse tipo de análise. Aliás, esse é só o início da jornada. A neurociência tem muitas outras formas de interagir com a arquitetura. Sua aplicação permite entender melhor os efeitos que o ambiente construído tem no cérebro humano. Muitos conhecimentos sobre as habilidades cognitivas conhecidas pela neurociência podem ser um ponto rico de trocas para criação de projetos arquitetônicos. Até mesmo o conhecimento da saúde do cérebro e seu desenvolvimento podem ser interessantes para escolhas projetuais que ofereçam qualidade de vida específica para pessoas com deficiência, crianças, idosos ou mesmo adultos em busca de um estilo de vida menos estressante. O FUNCIONAMENTO DA MENTE Vamos apresentar aqui de forma resumida alguns dos resultados mais amplamente aceitos sobre atenção, percepção, memória, consciência e emoções. Esses são os conceitos mais frequentemente emprestados da psicologia cognitiva para os estudos experimentais de neurofisiologia ou para definir aspectos clínicos das atividades cerebrais. Tudo começa nos nossos sentidos: visão, audição, tato, olfato, paladar, interocepção36 e propriocepção37. As informações são recebidas continuamente, todas ao mesmo tempo, ainda que elas sejam de certa forma um filtro. Isso porque não detectamos todos os tipos de luz, como o infravermelho ou luz ultravioleta; nem ouvimos todas as ondas sonoras possíveis, como os cães e gatos são capazes. Ainda assim, essas informações chegamdurante cada segundo de vida e é fácil imaginar o mar de informações recebidas pelo corpo. Logo, a experiência mental reflete uma parte ínfima de informações que inunda o ser humano a cada momento. A habilidade cognitiva que realiza uma primeira triagem dessas informações é nossa atenção. Ela é geralmente dividida em atenção focalizada e atenção dividida38. A atenção focalizada se refere a situações em que os indivíduos tentam prestar atenção a apenas uma fonte de informação, ignorando outros estímulos; também conhecida como atenção seletiva. A palavra ignorar aqui é importante. O controle inibitório – uma característica do córtex pré-frontal que envolve deprimir atividades em certas áreas cerebrais – será muito importante para a atenção e autocontrole. De certo modo, ele “silenciará” as áreas que processariam as informações que não são importantes para a tarefa em foco naquele momento. Um exemplo simples são os momentos em que estamos tão imersos à leitura de um livro que até esquecemos do resto do ambiente. Os estímulos do ambiente são recebidos pelos seus sentidos, mas as áreas que irão processá-los estarão enfraquecidas ou inibidas por interferirem na produção da sensação de mergulhar na sua história. O que faz você não ouvir a chaleira apitando na cozinha com seu chá. A atenção dividida, por sua vez, diz respeito a situações em que lidamos com duas ou mais tarefas ao mesmo tempo, como o ato de dirigir, por exemplo, que requer prestar atenção na pista, mas também em pedestres e outros veículos. É importante ressaltar que alteramos os períodos de foco mais rapidamente entre as tarefas, em vez de mergulhar em um estado de concentração em apenas uma. Isso faz diferença, porque a mudança de foco também significa momentos de negligência para o que não está em foco. Essa mudança apenas é mais rápida que a negligência da sua chaleira quando mergulhados na leitura. Uns parênteses importantes aqui: por mais que possamos monitorar dois eventos ou duas tarefas ao mesmo tempo, nossa atenção é muito mais limitada do que gostaríamos de acreditar. A atenção dividida permite que não entremos num estado de foco e concentração tão profundos para que possamos transitar entre dois ou mais elementos ambientais. Mas isso significa um custo maior de energia para o cérebro, com uma qualidade menor de eficiência. E essa perda de qualidade é proporcionalmente menor quando aumentamos o número de tarefas e quando envolvemos tarefas que não são automatizadas em nossa vida. Não entenda mal, a habilidade de atenção dividida é importante e pode ser melhorada em situações em que estamos muito bem treinados nas tarefas envolvidas. No entanto, sempre que se precisar fazer algo bem, prefira organizar sua tarefa de modo a se permitir foco em uma atividade por vez. Em casos como dirigir, em que a atenção dividida é inevitável e você precisa prestar atenção em diferentes aspectos ambientais para uma direção adequada, é importante se expor para que essa atividade melhore com a repetição e automatização, e não inclua mais atividades não essenciais nesse processo, como falar ao celular ou digitar uma mensagem. Uma tarefa a mais pode ser o elemento que torne sua resposta às prioridades lenta e com menos qualidade. O cérebro não é uma máquina com energia infinita, e é importante saber que o “uso”, ao estar acordado e responsivo (chamado estadode vigília), faz com que sua qualidade atencional vá se tornando pior ao longo do dia, assim como seus músculos se cansam de sentar, andar e correr em sua rotina. Todo seu corpo, não importa o tipo de tecido, desgasta-se, cansa e precisa do período restaurador do sono profundo para funcionar bem. Com nosso cérebro não é diferente e isso é bem mais palpável no caso da atenção concentrada. O sono adequado e intervalos de relaxamento são essenciais para que seu corpo se recupere de grandes gastos energéticos por tarefas de atenção concentrada (ou focalizada) e atenção dividida prolongada. Há outra distinção entre características da atenção muito usadas, dessa vez entre a atenção externa e interna. Atenção externa se refere à seleção e processamento das informações dos sentidos em contato com o meio externo (como visão, tato, olfato e paladar), enquanto a atenção interna diz respeito à seleção e processamento de informações internas (tarefas que dependem de memória, imaginação ou raciocínio). Essa subdivisão lança luz sobre outra forma de olhar para a atenção e colabora para entender alguns fenômenos. Um exemplo interessante é o que os cientistas chamaram de “the cocktail party effect” (em português, o efeito do coquetel). Ele diz respeito à interferência na qualidade da sua atenção a uma voz quando duas ou mais pessoas estão falando ao mesmo tempo – esperamos que se lembre carinhosamente desse texto quando for conversar durante uma aula ou reunião. A atenção seria responsável, então, por realizar uma triagem da inundação de informações captadas pelos sentidos. Contudo, essas informações filtradas pela atenção interagem com a percepção, que simultaneamente organiza essas informações segundo os padrões que o cérebro aprendeu a reconhecer. Assim, o cérebro formula uma experiência integrada dessas informações, permitindo o processamento daquilo que já foi visto e redireciona a atenção para aquilo que parece novo ou estranho, o que se torna prioritário para o indivíduo. AO PERCEBER O MUNDO Padrão é uma palavra essencial. Não se enxerga o mundo como ele é, mas sim como se aprendeu a ver. A percepção é então esse processo de colocar as informações dentro do que a memória permite reconhecer, unidas a fim de identificar situações de perigo, posicionamento espacial, reconhecimento de formas. Contudo, parte desse reconhecimento envolve preencher lacunas e reaproveitar padrões mais recorrentes, anulando certos elementos de variabilidade de informações nesse processo. Essa característica de funcionamento é o que favorece a existências de fenômenos cognitivos como a constância perceptiva e as ilusões perceptivas. No caso da constância perceptiva, as informações recebidas do ambiente são variáveis, mas a percepção se mantém constante. Um exemplo interessante é a variação de luz ao longo do dia e dos ambientes pelos quais passamos: se o reconhecimento da imagem de uma pessoa dependesse de que todos os estímulos que a identificam permanecessem iguais (como tom de pele, dimensão dos detalhes do rosto, formato do corpo, roupas) as mudanças de luz, maquiagem, roupas ou detalhes no cabelo já não corresponderiam a esse conjunto tão detalhado39. Por isso, a constância perceptiva é o que permite que alguns aspectos daquela experiência sejam detectados como essenciais para o reconhecimento de elementos e outros possam ser desprezados nesse processo. Por isso que por vezes uma maquiagem nova e bonita ainda permite que reconheçamos a pessoa, mesmo que os estímulos desprezados nesse processo sejam inefáveis e nos deem a sensação de que algo mudou, mas sem saber exatamente o quê. O escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) criou o personagem Funes, o memorioso, que nos permite inclusive pensar como esse processo é tão dependente do que aprendemos e memorizamos, mas não do que vemos diante dos nossos olhos. Em seu livro de ficção, Borges diz que Funes: Havia aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim. Suspeito, contudo, que não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo abarrotado de Funes não havia senão detalhes, quase imediatos40. Funes era um indivíduo incapaz de esquecer, e porque não esquecia mesmo os mínimos detalhes, não podia reconhecer. A iluminação, posição e comportamento de um cachorrinho eram tão diferentes de outros cachorros, que até mesmo no cachorro de duas horas atrás era impossível ver a mesma experiência. As memórias detalhadas tornavam impossível agrupar similaridades, porque tudo era visto e lembrado. Tudo merecia um nome novo porque seriam diferentes demais para serem agrupados. As repetições das nossasexperiências estabelecem o que mais se repete como aquilo que será lembrado, e as variações desses momentos serão esquecidas. Aquilo que se esquece para reconhecer é o que permite a constância perceptiva, o que é essencial para termos a capacidade de abstração. Há o que chamamos de constâncias perceptivas de forma, tamanho e cor. A primeira, a constância da forma, permite o reconhecimento de rosto, objetos, estímulos, por desprezar a variação de alguns elementos que não correspondem ao “gabarito” aprendido sobre o que sou no espelho, quem é minha mãe, qual é a minha blusa, ou minha letra cursiva. Já a constância de tamanho envolve a interpretação da variação do espaço que uma imagem ocupa em relação a nós mesmos a depender do tamanho comparado dos outros elementos do ambiente41. FIGURA 1 – GRAVURAS DO LIVRO ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (1865) ESCRITO POR LEWIS CARROLL Imaginemos ver Alice em um vácuo flutuante. Nesse caso, ao beber de um vidrinho, enxergamos que ela aumentou ou diminuiu por compará-la com os objetos registrados e, nossa memória recente, vista há poucos minutos. Entretanto, se ao fundo o país das maravilhas, onde existem linhas de perspectiva e outros estímulos conhecidos que sabemos seu tamanho em comparação a Alice, e todos eles aumentarem ou diminuírem proporcionalmente à menina. Não interpretaremos mais que ela cresceu, mas que ela ainda tem o mesmo tamanho, caso esteja mais perto ou mais longe de nós (Figura 1). Se essa análise que faz uso das pistas perceptuais mencionadas do resto do ambiente não envolvessem constância, toda aproximação de um objeto poderia levar equivocadamente à interpretação de que um objeto cresceu ou que ele não é mais o mesmo. Manter essas referências constantes e desprezar essas mudanças como elemento diferenciador fazem com que mantenhamos nosso reconhecimento da Alice como a mesma e com o mesmo tamanho. A percepção também está relacionada à constância da cor, que é a tendência que uma superfície ou objeto tem de ser percebido como tendo a mesma cor quando os comprimentos de onda mudam42. Sem ela, as mudanças de um ambiente com luz amarela para outro com luz branca mudaria tanto as cores dos objetos e dos seres naquele ambiente que não o reconheceríamos. Manter a identificação da cor vermelha de uma blusa como o mesmo vermelho, apesar de a luz do ambiente modificar sua tonalidade, permite que possamos encontrá-la; ainda que se esteja procurando em um quarto escurecido pelas cortinas semicerradas para não acordar a pessoa nesse quarto. Claro que, nesse caso, conhecer bem a blusa ajuda na constância de cor. Não seria tão fácil reconhecê-la no escuro pelo seu tom de vermelho tendo a visto poucas vezes. Outra possibilidade que colabora para a constância de cor é o decréscimo rápido da iluminação. Nesses casos, tende-se a perceber menos a mudança de luz e manter a percepção das cores vistas quando havia mais iluminação (adaptação cromática). Nesse caso, não seria preciso grande conhecimento dos objetos vistos, apenas contato com eles enquanto as mudanças de luz acontecem. O cérebro tenta manter uma visão que favorece o reconhecimento daquele ambiente, por mais que a luz mude rapidamente. Essas constâncias e pistas perceptuais são ferramentas que economizam muita energia cerebral e guiam a experiência perceptual, como os arquitetos sabem bem e usam no dia a dia de escolha de cores, luz e perspectivas de um projeto. O templo do Partenon, edifício da Grécia Antiga (Figuras 2 e 3), é um grande exemplo de como o pensamento arquitetônico pode depois ser descrito em pistas perceptuais. O edifício faz uso da êntase, uma técnica projetual que auxilia na redução da ilusão óptica gerada por uma coluna quando as duas linhas do limite visual do fuste parecem curvar para dentro. FIGURA 2 – PARTENON NA ACRÓPOLE DE ATENAS, GRÉCIA (SÉCULO V A.C.) PROJETADO POR CALÍCRATES E ICTINOS, VISTO DE LONGE FIGURA 3 – DETALHAMENTO DOS ELEMENTOS VERTICAIS DA GRÉCIA ANTIGA: À DIREITA, AS COLUNAS DO PÓRTICO DAS CARIÁTIDES DO TEMPLO ERECTEION NA ACRÓPOLE DE ATENAS (421 A.C.); À ESQUERDA, AS COLUNAS DO PARTENON NA ACRÓPOLE DE ATENAS (SÉCULO V A.C.) Apesar de parecerem retas e paralelas, as colunas do Partenon são levemente curvadas para fora no meio, para poder compensar a tendência de visualização das linhas paralelas se curvando para dentro. Da mesma forma, as linhas horizontais das vigas que cruzam o topo das colunas e a plataforma do piso são levemente inclinadas para cima, a fim de compensar a percepção de que elas se curvam para baixo. As próprias cariátides do templo Erecteion são ajustadas, e suas formas humanas funcionam para diminuir a distorção óptica (Figura 4). Além disso, as colunas sempre se inclinam ligeiramente para dentro no topo, para compensar a tendência de serem percebidas como se estivessem se abrindo, quando vistas do ponto de vista do observador, que entra na Acrópole em um nível mais baixo. Esse é um conhecimento arquitetônico que perdura e que serviu de exemplo para discussões sobre quais estímulos são interessantes para investigar mudanças na percepção. FIGURA 4 – DIAGRAMAS DA ILUSÃO DE ÓPTICA DO PARTENON: (I) O QUE IMAGINAMOS VER COMO RESULTADO DO PROJETO; (II) EXAGERAÇÃO DAS PEQUENAS DEFORMAÇÕES DA TÉCNICA DE ÊNTASE USADAS AO COMPREENDER O MUNDO Até o momento foi falado aqui sobre a percepção dar sentido ao que está sendo recebido, entretanto, o perceber nem sempre será consciente. Perceber não será o mesmo que compreender o que está acontecendo. Apenas uma pequena parte de todo conteúdo processado chegará a esse patamar. Cabe aqui diferenciar: usa-se o termo consciência, especialmente na neurociência médica, para identificar o nível de responsividade do cérebro aos estímulos ambientais. Nesse caso, é possível variar entre um estado de coma ao estado de pleno funcionamento, como quando apresentamos a vigília adequada que permitirá boa qualidade atencional e do funcionamento dos outros processos cognitivos. Os registros de atividade cerebral em onda apresentados no capítulo anterior são inclusive muito úteis para estabelecer referências mensuráveis sobre esses tipos de ativação. Contudo, parte da literatura busca estudar também esse estado de percepção consciente que dá a sensação de eu. Ela se refere à informação sobre estímulos internos e externos ao corpo: pensamentos, memórias, imaginações e autoconsciência e autocontrole de seu comportamento, chamados de consciência fenomenal. Essa seria a consciência envolvida na capacidade de raciocinar e criar uma experiência subjetiva43. Como se pode imaginar, essas definições geram bastante debate e não são conceitos simples. Ao fazer um pequeno panorama sobre as funções consensualmente atribuídas a essa consciência, é possível estabelecer uma associação à percepção do ambiente, que desempenha um papel importante na comunicação social e na compreensão do que outras pessoas estão pensando (chamado na literatura de metacognição ou cognição social). A consciência fenomenal também desempenha um papel no controle das ações, o que permite refletir sobre as situações vividas – tanto no momento em que ela ocorre como um posterior – e, por fim, ela integra e combina vários tipos de informações. Um aspecto importante a ser ressaltado é que falamos em “dar sentido” quando nos referimos à percepção, mas não falamos especificamente de consciência. A vigília, a atenção e a percepção são etapas importantes para o funcionamento do organismo humano, mas grande parte delas representa uma pequena parcela desse funcionamento. Isso mesmo elas sendo usadas de modo determinante para uma atividade cerebral adequada e a consciência tal como é conhecida (consciência das ações e do que se pode ver). A consciência ajuda muito na resolução de problemas e no processamento de adequação rápida ao ambiente. No longo caminho entre a padaria e a casa feito pela primeira vez, o processo consciente de agir em cada etapa da condução do carro é preciso, uma vez que todos esses movimentos e reações não estão automatizados.
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