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Neuroarquitetura - Vilma Villarouco (PDF)

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1ª Edição, 2021
Coordenação Editorial
Denise Corrêa / Daverson Guimarães
Criação Capa
Vinicius Schelck
Criação Miolo e Diagramação
Fernanda Oliveira
Produção Gráfica
Denise Corrêa / Maristela Carneiro
Revisão Ortográfica
Marcus Mendonça
Produção Digital
Loope Editora
Catalogação na publicação
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166
N494
Neuroarquitetura: a neurociência no ambiente construído / Vilma
Villarouco, Nicole Ferrer, Marie Monique Paiva, et al. – Rio de
Janeiro: Rio Books, 2021.
Outras autoras
Julia Fonseca
Ana Paula Guedes
Rio de Janeiro: Rio Books, 2021.
256 p., il.; 15,7 X 23 cm
ISBN 978-65-87913-47-6
1. Neurociências. 2. Neuroarquitetura. 3. Construção. 4. Espaço
urbano. 5. Arquitetura. I. Villarouco, Vilma. II. Ferrer, Nicole. III.
Paiva, Marie Monique. IV. Título.
CDD 612.8
Índice para catálogo sistemático
I. Neurociências : Neuroarquitetura
Todos os direitos desta edição são reservados a: Editora Grupo Rio
Books.
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por
qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos,
incluindo fotocopias e gravação) ou arquivada em qualquer sistema
de banco de dados sem permissão escrita do titular do editor. Os
artigos e as imagens reproduzidas nos textos são de inteira
responsabilidade de seus autores.
Todos os esforços foram feitos no sentido de se encontrar a fonte
dos direitos autorais de todo o material contido nesse livro.
Rio Books
Rua Valentin da Fonseca 21 / 504 – Sampaio 
Tel. (21) 99312-7220 CEP 20950-220
Rio de Janeiro – RJ
contato@riobooks.com.br
www.riobooks.com.br
mailto:contato@riobooks.com.br
https://www.riobooks.com.br/
Além de um material rico sobre Neuroarquitetura, este livro também
é a celebração de uma vida ceifada muito cedo. A Profa. Dra. Vilma
Villarouco, uma das autoras deste livro, faleceu no dia 20 de junho
de 2021 por Covid-19, deixando-nos este material como um dos
últimos projetos de sua brilhante carreira.
Vilma deixa um legado importante nos estudos da Ergonomia e
da Neuroarquitetura no ambiente construído. A preocupação com o
bem-estar da pessoa sempre foi uma questão norteadora em seu
trabalho. Com centenas de artigos publicados, dezenas de
pesquisas e queridos orientandos em mais de 30 anos de docência
na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ela nos deixa a
certeza de que devemos pensar em uma arquitetura para pessoas.
Mente inquieta, com ideias fervilhando a cada momento, seu
entusiasmo estava sempre presente, tudo isso regado de alegria e
um sorriso estampado no rosto... é assim que foi e sempre será
nossa lembrança!
Aprofundando as relações Ergonomia-Arquitetura, vislumbrou
na Neurociência o caminho para respostas às suas inquietudes
quanto à adequação espacial, tendo como seu principal protagonista
o usuário. Não basta projetar um espaço estético e agradável se
não atender aos anseios de quem nele habita numa proposição
sistêmica homem-ambiente, seja qual for a atividade ali exercida. E
assim, a felicidade de poder contribuir para a discussão se
materializou aqui nessa obra, que é claro, temos certeza de que
seria apenas o início de tantas outras.
Somos gratas à Vilma, sobretudo, por ter sido o elo que nos
uniu como grupo e frutificou em trocas criativas e intelectuais muito
ricas, que buscamos expressar nesta obra. Esperamos que este
trabalho sirva para honrar sua memória e sua trajetória profissional
e acadêmica.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO: UMA NOVA FORMA DE VER A ARQUITETURA
BASES DA NEUROCIÊNCIA
SOBRE A NEUROCIÊNCIA E SUAS ESTRUTURAS
NOSSOS PROCESSOS COGNITIVOS
FORMAS DE VER O CÉREBRO
DEFINIÇÕES DA NEUROARQUITETURA
SOBRE A NEUROARQUITETURA E SUA FORMA DE PROJETAR
PERCEPÇÃO VISUAL E O PROJETO ARQUITETÔNICO
NOÇÕES MENTAIS DE ESPACIALIDADE
A EXPERIÊNCIA ARQUITETÔNICA
NEUROARQUITETURA NA PRÁTICA
A NEURO APLICADA AOS AMBIENTES
NEUROARQUITETURA EM AMBIENTES RESIDENCIAIS
EXPERIÊNCIA DA NEUROCIÊNCIA EM AMBIENTE URBANO
UMA NOVA FORMA DE PROJETAR
CONCLUSÃO: UM OLHAR PARA O FUTURO
FONTES DE FIGURAS
REFERÊNCIAS
APRESENTAÇÃO
Foi com muita alegria que recebemos o convite da Editora Rio
Books para produzir esta obra, o que entendemos como uma
grande oportunidade para compartilhar nossos conhecimentos em
neurociência e arquitetura, além dos resultados de alguns de nossos
trabalhos.
Há algum tempo temos estudado, pesquisado e implementado
conceitos e técnicas das neurociências nos trabalhos desenvolvidos
no nosso Grupo de Pesquisa em Ergonomia Aplicada ao Ambiente
Construído, em que os estudos da percepção ambiental sempre
ocuparam uma posição de destaque. Entendemos que da mesma
forma que o ambiente construído é transformado pelo ser humano,
também o espaço pode afetar consideravelmente as pessoas em
múltiplas dimensões. Os estudos científicos das últimas décadas
cada vez mais fortalecem a importância da arquitetura na saúde
humana, tanto física quanto mental, muito mais do que os próprios
projetistas imaginavam.
Habitamos o espaço, seja ele uma sala, seja um edifício, seja
uma rua, seja uma cidade. Viver é interagir constantemente com
variados estímulos ambientais que guiam nossas emoções,
pensamentos e comportamentos. Desde a forma das coisas até
elementos que podem parecer um detalhe – como padrões, luz, cor,
sons e texturas –, os espaços nos afetam constantemente, sem
sequer percebermos que isso está acontecendo. Como isso
acontece? Por que isso acontece?
Com esses questionamentos em mente, avançamos nossos
estudos em busca de respostas, aprofundando-nos nas questões da
mente frente ao ambiente construído e sentindo a necessidade de
um maior entendimento acerca de como as pessoas percebem os
ambientes, de como eles as impactam, e de como essa relação
mútua acontece. Não seria possível esse mergulho na cognição e
percepção humanas sem a apropriação dos conhecimentos da
neurociência.
Esse foi o pano de fundo do cenário que uniu quatro arquitetas,
autoras deste livro, em uma sala de aula do curso de Pós-
graduação em Neurociências Multiprofissional, estudando
neurofisiologia, neuroanatomia, circuitos neurais, neuroquímica,
cognição, processamento de imagens e emoções, mergulhando nas
memórias e nas neurométricas, dentre tantas outras disciplinas
desafiadoras para pessoas da área da arquitetura.
Três de nós carregamos a experiência e o foco da academia,
das pesquisas apresentadas e debatidas em congressos científicos
nacionais e internacionais, das teses e dissertações, das discussões
teórico-metodológicas próprias do ambiente universitário, tudo
mesclado também com produções projetuais. Mas há também
nesse grupo uma profissional do mercado da arquitetura, que traz
em sua vivência as nuances do atendimento ao cliente, da busca do
entendimento dos desejos, de necessidades e aspirações daqueles
que procuram seu trabalho e que muito cedo despertou para a
inserção da neurociência nos seus projetos.
Foi a necessidade de aprofundar nossos conhecimentos para a
prática da neurociência aplicada à arquitetura que nos uniu, tanto
nos estudos quanto na parceria para a produção deste livro. E a
equipe já estava muito boa, mas ficou ainda mais completa e
especializada quando uma psicóloga com mestrado em
neurociências, estudiosa da interseção entre a sua área de
especialização e os estudos dos ambientes, foi incorporada ao
grupo, trazendo enormes contribuições.
O resultado da união dessas cinco mulheres está apresentado
neste livro, dividido em três sessões cujos capítulos são agrupados
por similaridade de temáticas. Introduzimos a obra estabelecendo
relações entre a arquitetura, a psicologia ambiental e a
neurociência. Percorremos uma trajetória da evolução destes
estudos, com a incorporação de nossas reflexões e alguns materiais
de autores que têm colaborado na construção do conhecimento na
área, por meio de publicações na literatura especializada.
A Seção 1 traz em seu capítulo Sobre a Neurociência e Suas
Estruturas as bases da neurociência, objetivando nos posicionar em
relação a sua forma de pensar, além deesclarecer termos e
procedimentos, recursos teóricos e metodológicos para o estudo do
cérebro. Tentamos desmistificar o funcionamento do sistema
nervoso – tanto em sua totalidade quanto em partes –, assunto tão
alheio ao vocabulário arquitetônico conhecido. No capítulo Nossos
Processos Cognitivos, debruçamo-nos sobre as questões da
cognição: atenção, percepção, aprendizado, memória, consciência e
emoções. Esses processos são extremamente importantes para o
entendimento da interação ambiente-cérebro e se conectam
diretamente com o sistema sensitivo humano: visão, audição, tato,
olfato, paladar, interocepção e propriocepção.
Essa seção encerra com o capítulo Formas de Ver o Cérebro, o
qual nos põe em contato com as neurométricas e técnicas de
neuroimagem. Elas permitem visualizar o sistema nervoso, ou parte
dele, seja para identificar estruturas ou funções em imagens
estáticas, seja para enxergar os movimentos cerebrais em tempo
real. Objetivamos aqui criar um panorama dos conceitos básicos da
neurociência. Sem saber nomear as estruturas do corpo humano e
suas relações com o funcionamento das reações cognitivas e
fisiológicas frente ao ambiente, não estaríamos falando de
neurociência quando aplicada à arquitetura.
A Seção 2 começa com o capítulo Sobre a Neuroarquitetura e
Sua Forma de Projetar, o qual introduz a neurociência aplicada à
arquitetura e essa nova forma de projetar. Estabelecem-se relações
entre mente, meio e comportamento, fazendo uma ponte com as
dimensões das emoções, percepção, cognição e psicologia
ambiental, a fim de posicionar a neurociência em sua aplicação na
arquitetura. O capítulo Percepção Visual e o Projeto Arquitetônico
desta seção aborda em detalhes a percepção visual, uma vez que a
visão é considerada hoje o principal sentido usado para entender os
estímulos ambientais. Nele tratamos de luz, cores, movimentos,
percepção da forma e utilizamos uma linguagem neurocientífica
mais simplificada para explicar os processos de formação da
imagem e das sensações por ela transmitida. O capítulo Noções
Mentais de Espacialidade chega com as noções de espacialidade,
traçando um paralelo entre arquitetura e percepção humana. Será
abordada nele a análise da forma, apresentando a perspectiva dos
estudos da psicologia experimental da Gestalt.
O capítulo A Experiência Arquitetônica finaliza a Seção 2, com
foco na experiência arquitetônica, relacionada às estruturas
cerebrais da percepção ambiental: navegação espacial, simbologias
e emoções, com exemplificações a partir de edifícios emblemáticos
da arquitetura. O capítulo trata ainda do projeto da vivência no
ambiente construído e sua relação com o bem-estar das pessoas,
em um texto que combina teoria e prática arquitetônica, e desperta o
desejo de saber mais sobre cheios e vazios, luz e sombra,
proporções e percepções, ferramentas do fazer projetual. Essa
seção foi pensada para apresentar de forma didática uma evolução
da complexidade do espaço: a bidimensionalidade da imagem, com
a percepção visual; a tridimensionalidade do ambiente, com a
percepção espacial; e a inserção da quarta dimensão na experiência
humana, a progressão temporal.
A Seção 3 vem trazendo experiências práticas. Começa no
capítulo A Neuro aplicada aos Ambientes com o resgate de
publicações que mostram relatos em periódicos científicos
especializados e de alto impacto, e que abordam trabalhos
desenvolvidos em centros de pesquisas internacionais. Apresenta-
se aqui como a neurociência tem sido utilizada para o entendimento
das reações do cérebro frente a características de ambientes
construídos. Na sequência, os próximos dois capítulos foram
dedicados a apresentar pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de
Pesquisa em Ergonomia Aplicada ao Ambiente Construído, como
forma de exemplificar algumas coisas que já se sabe, mas,
principalmente, o muito que ainda é necessário explorar quanto à
aplicação da neurociência na arquitetura. No capítulo
Neuroarquitetura em Ambientes Residenciais, apresentamos uma
pesquisa que trata da neuroarquitetura em ambientes residenciais.
O trabalho avaliou salas residenciais de pessoas idosas, utilizando a
conjugação da realidade virtual imersiva (RVi) com a
eletroencefalografia (EEG). O objetivo foi identificar ativações
cerebrais para as variáveis de valência emocional, atenção e
memória no grupo pesquisado. No capítulo A Experiência da
Neurociência em Ambiente Urbano, uma experiência desenvolvida
no Nordeste brasileiro, onde princípios, teorias e técnicas da
neurociência são aplicados em uma pesquisa na temática da
acessibilidade de pessoas com cegueira no espaço urbano. O
estudo observou as respostas neurais dos sujeitos ao realizar
trajetos na cidade a partir de instruções verbalizadas e mapas táteis.
Por fim, o capítulo Uma Nova Forma de Projetar da sessão vem
trazer reflexões acerca do mercado da neuroarquitetura como uma
nova forma de projetar. Trata das contribuições da neurociência à
arquitetura e destaca que por sermos pessoas diferentes,
precisamos de soluções também diferenciadas. O capítulo
apresenta ainda exemplos de projetos internacionais, além de
experiência brasileira com a participação de uma das autoras deste
livro. Encerramos esse capítulo citando algumas publicações
pertinentes à discussão.
Assim, concluímos o livro ao trazer considerações de todo o
cenário abordado, do “estado da arte” da temática tratada nesta
obra e de perspectivas futuras. Não pretendemos dizer aqui que
todo o material existente relativo à neuroarquitetura foi esgotado
neste livro. Longe disso. Encaramos a aventura de escrever um livro
nessa temática como forma de iniciar uma discussão proveitosa,
cheia de potencial.
A maioria do material de qualidade que existe hoje sobre
neuroarquitetura está em inglês e em âmbito acadêmico, inacessível
para boa parte do público brasileiro. Também o material de
neurociência está condensado nas áreas da saúde, com um
vocabulário especializado e de difícil compreensão para arquitetas e
arquitetos. Com isso, acreditamos que esta obra ajudará a
comunidade de projetistas que se interessam e se encantam com a
forma como o nosso mundo construído pode nos afetar, assim como
ele pode guiar nossas vidas. Esperamos que este livro desperte em
você um novo olhar sobre nossos velhos conhecidos: as
edificações, as paisagens e as configurações urbanas dos espaços
que habitamos.
INTRODUÇÃO
UMA NOVA FORMA DE VER A
ARQUITETURA
É muito provável que a maioria de nós, que lê este texto agora, já
tenha se deparado com matérias em revistas ou jornais abordando
algumas palavras que iniciam com o termo neuro. Podem ter sido a
neuroeducação, o neuromarketing, o neurobusiness e tantos outros,
muito comentados em anos recentes e contando com alto índice de
interesse dos leitores. Fato é que temos assistido a um forte
crescimento das pesquisas da neurociência aplicada a diversos
ramos do conhecimento. Isso é algo positivo, já que parece que
estamos nos conscientizando do quanto o cérebro é estimulado por
tudo que acontece ao nosso redor.
O Brazilian Institute of Neuroscience and Neurotechnology
(BRAINN) nos diz que, “em apenas algumas décadas, a
humanidade passou da simples análise sob o microscópio de
Santiago1 para a observação de neurônios humanos em
funcionamento em tempo real”. Essa expansão dos estudos da
neurociência é verificada por essa nova abordagem multidisciplinar,
com a possibilidade de entendimento e exploração de sensações de
satisfação ou de repúdio frente a situações do cotidiano. Técnicas e
equipamentos já consagrados nesse ramo – e muito aplicados no
âmbito da saúde – vêm propiciando amplas possibilidades de
utilização em áreas nas quais se deseja investigar reações mentais
de usuários a partir de diferentes vivências, seja nas compras, na
educação, nas relações interpessoais e até mesmo nos ambientes
que habitamos.
Hoje sabemos que áreas distintas do cérebro são ativadas por
ondas elétricas a partir de sensações e percepções, sendo de
grande importância detectar quais estímulos correspondem às
ativações,com quais tipos de frequências e em quais regiões do
cérebro elas acontecem. Não só a neurociência nos explica como
uma reação específica acontece, como ela nos mostra porque isso
ocorreu.
Mesmo com todas essas fascinantes possibilidades, todo esse
conhecimento é ainda muito recente e exige estudos e pesquisas
aprofundadas, sob o risco de se realizarem afirmações equivocadas
– o que por vezes acaba acontecendo, caso não haja rigor científico
e interpretação correta dos dados. Na verdade, muito temos a
crescer antes de criar aplicações e conclusões, como bem comenta
a neurocientista Molly Crockett, em um TED Talk realizado em
20122, quando em poucos minutos elenca muitos erros cometidos
em nome de leituras cerebrais. A neurocientista enfatiza o poder
que uma imagem de cérebro tem sobre os consumidores quando
colocada numa embalagem, por exemplo, de um “neuro drink”, que
promete reduzir o stress, melhorar o humor ou aumentar a
concentração, mas que não apresenta qualquer evidência científica
por trás da promessa. Ela chama de “neuro absurdos” quando são
atribuídas boas sensações ao serem identificadas ativações de
algumas estruturas encefálicas que respondem também por más
sensações. Precisamos estar muito atentos ao que encontramos
nessa área.
Felizmente nem tudo é engano e ilusão e muitos estudos sérios
são conduzidos nas diversas áreas em que a neurociência tem sido
evocada. Compondo com as áreas já citadas e formando uma onda
crescente, são localizados os estudos da arquitetura que vem
inserindo os conceitos da neurociência, quando a preocupação com
o bem-estar do ser humano ao vivenciar ambientes representa o
foco principal dos projetistas. Nessa aplicação, o interesse está no
entendimento das reações registradas no cérebro, quando da
observação de ativações de regiões que representam sensações,
emoções ou comportamentos desencadeados por características do
ambiente.
De fato, os profissionais e estudiosos da arquitetura há muito
tempo têm conhecimento da interferência dos edifícios sobre as
pessoas. A aplicação da neurociência nessa área vem somar
esforços no sentido de melhor caracterizar, entender e,
principalmente, mensurar esses efeitos. Estudos nessa linha são
encontrados na última década e paradoxalmente a esse recente
incremento, insere-se aqui a colocação de Hipócrates (séc. IX
a.C.)3:
O homem deve saber que de nenhum outro lugar, mas do encéfalo,
vem a alegria, o prazer, o riso e a diversão, o pesar, o ressentimento, o
desânimo e a lamentação. E por isto, de uma maneira especial,
adquirimos sabedoria e conhecimento, e enxergamos e ouvimos e
sabemos o que é justo e injusto, o que é bom e o que é ruim, o que é
doce e o que é amargo.... E pelo mesmo órgão tornamo-nos loucos e
delirantes, e medos e terrores nos assombram.... Todas estas coisas
suportamos do encéfalo quando não está sadio.... Neste sentido sou
da opinião de que o encéfalo exerce o maior poder sobre o homem.
Precisamos aqui clarear a utilização da palavra encéfalo, talvez
estranha no vocabulário arquitetônico. Esse é o termo técnico para o
que coloquialmente se chama cérebro, sendo que o cérebro em si é
na realidade parte do encéfalo, composto também pelo cerebelo e o
tronco encefálico. Não encontraremos um neurocientista, ou um
texto neurocientífico, que use a palavra cérebro referindo-se a tudo
que temos dentro do crânio.
Tratar dessa massa intracraniana é um tema tão complexo que
diversas áreas do conhecimento têm se unido à neurociência para
tentar desvendar esse poder do qual Hipócrates já falava há mais de
dois mil anos. Como essa influência acontece? Como esse
complexo órgão recebe e processa os estímulos exteriores, associa-
os às memórias e às vivências, e transmite-os ao corpo em forma
de sensações? Como essa fonte de informações e experiências
pode ser explorada em favor do corpo onde ela se insere?
De fato, o tema é denso e neurocientistas de todas as linhas se
esforçam para estabelecer as verdades a respeito do sistema
nervoso, sendo a neurociência, em si, um ramo científico
relativamente novo.
É o encéfalo que comanda todo nosso corpo, comportamentos
e ações que, dependendo do ambiente onde estamos inseridos,
pode ocorrer de maneira mais ou menos prazerosa, mais ou menos
produtiva, com maior ou menor bem-estar4. Estudiosos já tratam
desse entendimento há algum tempo, alertando para a importância
dos conceitos da Neurociência como elemento de suporte na
concepção de espaços com execução de direcionamentos,
informações e estímulos adequados visando à promoção da
segurança e bem-estar de seus usuários5.
Nesse panorama, a cautela é fundamental a fim de evitar que a
empolgação excessiva das novidades e as boas perspectivas das
descobertas embacem conceitos primordiais, como já temos
presenciado. Edificações que utilizam formas mais arrojadas,
estruturas impactantes e elementos da natureza como vegetação
em seu interior são facilmente apontadas como exemplos de
utilização da neuroarquitetura, até mesmo por profissionais que
militam na área. Tais avaliações desconsideram as diferenças
individuais sedimentadas nas experiências vivenciadas por cada
pessoa, suas preferências e memórias, que definem
particularidades e não permitem generalizações. É fundamental
para arquitetas e arquitetos entender os usuários dos espaços,
internos e externos, bem como suas finalidades e cada elemento ali
contido.
A utilização da neurociência na arquitetura apresenta muitas
novas possibilidades, mas também exacerba o desafio de alinhar
soluções projetuais a desejos e preferências de pessoas distintas
que habitam o mesmo espaço.
Revisões na literatura especializada mostram que a maioria dos
conceitos utilizados na área foram desenvolvidos em termos
teóricos, não contando ainda com validações robustas a partir de
estudos experimentais para parte significativa dessas teorias.
Mesmo com o crescente número de trabalhos científicos, o cenário
mostra que a grande variedade de conceitos requer mais pesquisa,
que terão um enorme potencial e fortes desafios. O relacionamento
entre a experiência humana e o ambiente construído a partir de
abordagens da neurociência irá influenciar fortemente os estudos
futuros, apresentando-se como uma área em plena ascensão.
As diversas linhas de conhecimento e ramos científicos que
tratam de incrementar o bem-estar do ser humano entrelaçam suas
teorias e aplicações, o que gera um largo arranjo de possibilidades
no estabelecimento de metodologias, técnicas e diretrizes para
atingir objetivos comuns. Todos esses conhecimentos se
complementam na busca de satisfação, de bem-estar e, por que não
dizer da felicidade de encontrar a sintonia entre o espaço que se
habita (no sentido mais amplo do termo), as limitações e
necessidades do corpo, os anseios da alma e as frequências do
encéfalo.
A inter-relação entre os ambientes e seus usuários acontece
com tal profundidade que consegue tatuar as marcas do sentimento
humano nas características dos espaços. Toques de organização e
agradabilidade, sensações de aconchego e limpeza raramente são
encontrados em residências de pessoas que estão “pra baixo”,
como se a ambiência avisasse aos visitantes que seus usuários não
estão bem. Por outro lado, é possível estimular essas pessoas por
meio desses mesmos ambientes. Há uma via de mão dupla nessa
relação quando entendemos que apenas “estar” em ambientes
agradáveis, leves e confortáveis pode mudar sensações e
sentimentos.
Mas, afinal, o que é um espaço agradável? Como conferir esse
atributo, quando pessoas distintas enxergam por lentes diferentes
as características do mesmo lugar?
São os estudos da percepção ambiental que iniciaram a
reflexão sobre a importância do ambiente construído na qualidade
de vida dos usuários. Por meio das ferramentas desenvolvidas no
âmbito da Psicologia Ambiental – e exploradas pela psicologia
cognitiva, neurociência e arquitetura –, busca-se entender
comportamentos e desejos das pessoas, gerando um maior
entendimento sobre como elas percebem e interpretam o espaço ao
seu redor.
Oque acontece é que o ambiente fornece estímulos
constantemente – de maior ou menor intensidade –, que são
captados pelo corpo como sensações para que a mente as
processe, gerando percepção e consciência, o que pode
desencadear uma resposta comportamental. É possível ainda dizer
que os indivíduos enxergam e reconhecem apenas o que lhes
chama a atenção, influenciados por suas crenças, visão de mundo e
pensamentos6.
Na verdade, existe uma grande proximidade entre os estudos
da percepção ambiental e os que são focados na neuroarquitetura,
chegando a haver certa confusão entre os limites de cada uma
dessas áreas. No entanto, para nós está claro que enquanto uma
busca entender comportamentos, percepções e sensações, por
intermédio de observações, verbalizações e vivências; a outra se
preocupa em investigar as reações ocorridas no interior das nossas
cabeças, o porquê dessas conexões.
Assim, o estudo do funcionamento do sistema nervoso é o foco
da neurociência e das áreas que dela se utilizam, investigando as
regiões encefálicas e suas ativações, ocorridas por ondas de
diferentes frequências elétricas, quando da interação do sujeito com
o objeto da área estudada. Assim, cabe à neuroarquitetura o estudo
das reações neurofisiológicas a partir da interação com ambientes
diversos e os estímulos que eles provocam nas pessoas.
Talvez sejam os processos de obtenção das métricas a tênue
linha divisória entre as duas competências, e tentaremos aqui tornar
mais claros os contornos das duas disciplinas, buscando um
entendimento mais detalhado, embora como marcos introdutórios.
Sendo a neuroarquitetura o objetivo e tema central deste livro,
teremo-na abordada e aprofundada ao longo do seu
desenvolvimento.
O QUE É NEUROARQUITETURA?
Hoje, experimentos científicos explicam os processos que
ocorrem no cérebro humano, bem como as localizações, dinâmicas
e interações específicas da atividade cerebral. No entanto,
experimentar o significado mental e poético do espaço, a partir das
dimensões de forma, matéria e iluminação é um fenômeno bem
diferente das observações de atividades eletroquímicas nos nossos
organismos7.
Criar essa “ponte” entre ciência e experiência vem a ser o
objetivo da neurociência aplicada à arquitetura. Classificada como
um campo multidisciplinar nascente que combina neurociência,
psicologia e arquitetura, a chamada neuroarquitetura surge como
uma nova linha de pensamento projetual, que olha para as
atividades neurais em interação com o ambiente construído.
Projetistas têm adotado cada vez mais esse termo para descrever
um novo campo de estudo que explora como a forma arquitetônica
pode servir ainda mais às funções humanas ao gerar prazer e
satisfação. Como definido pela Academy of Neuroscience for
Architecture (ANFA):
A Neuroarquitetura é um campo interdisciplinar que consiste na
aplicação da neurociência aos espaços construídos, visando maior
compreensão dos impactos da arquitetura sobre o cérebro e os
comportamentos humano8.
Assim, a interseção da neurociência e da arquitetura é vista
hoje como uma ferramenta positiva para avaliar o desempenho de
um ambiente existente. Ela fornece subsídios para decisões de
projetos que melhorem a qualidade de vida dos seres humanos em
sociedade. Mas, ainda assim, essa tarefa se apresenta como
desafio.
Há uma contradição inerente nos métodos usados nessas duas
disciplinas. Em certas áreas da teoria e projeto da arquitetura,
pesquisas são conduzidas por questões abertas e pela aplicação de
pesquisas qualitativas, muitas vezes sobre um ponto de vista
fenomenológico, que revelam uma nova abordagem e uma nova
compreensão de como as pessoas vivenciam os espaços.
Entretanto, as pesquisas no campo da neurociência utilizam
métodos com abordagem positivista, dentro de uma forma analítica
e cartesiana de ver o mundo. A neurociência utiliza uma hipótese
específica e clara para seus questionamentos, explorada em
experimentos que comprovam ou refutam a veracidade dessa
hipótese9.
Encontrar a interseção entre o positivismo e a fenomenologia
significa ter dados objetivos e baseados em evidências para criar a
experiência arquitetônica. Isso permite que arquitetas e arquitetos
fujam de “achismos” e dados empíricos na hora de projetar. Assim, o
desenvolvimento desse conhecimento não apenas permitirá
compreender o ambiente construído, mas também continuará a
desempenhar um papel cada vez mais importante, fornecendo
orientação para o futuro domínio dos estudos de arquitetura. A
neuroarquitetura passa então a ser vista como uma “solução” para
os céticos dos métodos tradicionais de projeto, muitas vezes
intuitivos e qualitativos.
Claro, sempre há o outro lado da moeda, com dúvidas que
naturalmente surgem em novos campos de pesquisa. Corremos o
risco de olhar para as ações humanas de forma exclusivamente
determinística, mecanizando as interações sociais.
Há quem diga que a neuroarquitetura muitas vezes não
considera o contexto social, cultural, político e histórico mais amplo
da questão do espaço. No entanto, esse não é o foco. Não serão
feitos “projetos neuroarquitetônicos”, se é que esse termo já foi
usado. O que é possível com o uso da neurociência aplicada à
arquitetura é encontrar explicações para os fenômenos do ambiente
construído que já são conhecidos, mas não necessariamente
entendemos como funciona. O resultado são projetos que melhor
consideram seu impacto nas pessoas, e como fazer isso de forma
positiva.
Quando falamos de neuroarquitetura, é possível subdividir o
objeto de estudo. Pode-se pensar na neurociência no processo de
projeto, que examina os cérebros dos arquitetos. É possível
considerar a arquitetura neuromórfica, que examina os “cérebros”
dos edifícios. Ou então, a neurociência da experiência arquitetônica,
a qual examina o cérebro de indivíduos que vivenciam um ambiente
construído predeterminado.
Além disso, muitos são os métodos e técnicas utilizadas nos
estudos de neurociência e do ambiente construído. Basicamente,
eles se distribuem em três grupos gerais: técnicas de pesquisas de
ambiente e comportamento; técnicas de pesquisas em neurociência
clássica; e técnicas de pesquisas com uso de ferramentas digitais.
O grupo de técnicas de pesquisas de ambiente e
comportamento trabalha com medidas observacionais, medições de
autorrelato, dados de arquivo e técnicas de mapeamento. Esses
mapeamentos tendem a utilizar ferramentas oriundas da psicologia
ambiental: mapa mental, mapa comportamental e mapa cognitivo.
São utilizados também equipamentos de mapeamento com
biossensores.
Já o grupo de técnicas de pesquisas em neurociências
investiga as medidas psicofisiológicas utilizando as técnicas de
neuroimagem – EEG, ERP, MEG, PER e fMRI (que serão mais bem
abordadas no capítulo Formas de Ver o Cérebro). Também serão
coletadas as atividades eletrodérmicas – com sensores de pele que
medem temperatura, resposta galvânica da pele e condutância de
pele –; eletromiografia; frequência cardíaca; pressão e volume
sanguíneo; e movimentos e piscar de olhos.
Quanto ao uso das ferramentas digitais, existe a possibilidade
de contribuição colaborativa (do inglês crowdsourcing), em que a
partir de uma comunidade on-line, é possível coletar ideias,
conteúdos etc. O uso de dispositivos conectados ao usuário está
sendo cada vez mais utilizado nas pesquisas do ambiente
construído, sendo possível apresentar ao participante imagens de
realidade virtual (VR do inglês virtual reality) e realidade aumentada
ou expandida (AR do inglês augmented reality), utilizando-se
equipamentos como câmera, microfone e óculos diferenciados
(HMD do inglês head-mounted display), os quais podem, por
exemplo, realizar rastreamento ocular (do inglês eye tracking). Em
pesquisas que lidam com percursos, uma tecnologia muito usada é
o Sistema de Posicionamento Global, o GPS.
A escolha de recursos que digam como respondemos à
estimulação que o ambiente construído nos proporciona é um
benefício que a neurociência oferece à arquitetura. As avaliações
dos efeitos nos indivíduos que se baseiam emdados verbais por
vezes perdem a acurácia das informações daquilo que causa o
efeito de agrado ou desagrado no indivíduo, ou que proporciona
conforto ou desconforto.
Muito do que a neurociência nos mostra é que a consciência é
uma parte pequena da vivência em um ambiente e grande parte do
que experienciamos é impalpável até mesmo para nossa própria
consideração. Ao termos acesso a informações que nos mostram
alterações na forma como o ambiente nos estimula, podemos
planejar mudanças nos próximos experimentos e projetos, comparar
com mais objetividade e permitir considerações sobre a experiência
que “fugiram das palavras”. Grande parte de nossa percepção é não
consciente. Especialmente quando relacionada ao ambiente, que
quase sempre é o fundo de outras experiências das pessoas que
não aprendem a pensar no espaço da mesma forma que um
arquiteto.
Como bem disse Juhani Pallasmaa em seu livro Os olhos da
pele, “o corpo sabe e lembra. O significado da arquitetura deriva das
respostas arcaicas e reações lembradas pelo corpo e pelos
sentidos”10. Steven Holl, outro grande arquiteto da projetação da
experiência vivida no espaço, diz no prefácio desse livro que
Pallasmaa: “pratica a arquitetura dos sentidos, impossível de ser
analisada, cujas características fenomenológicas concretizam suas
ideias sobre a filosofia da arquitetura”.
A neuroarquitetura vem abrir as fronteiras para analisar o que
era impossível ser analisado. É disso que nós falamos.
1 O cientista espanhol Santiago Ramón y Cajal conseguiu corar neurônios
individuais e descobrir padrões celulares nunca antes percebidos, abrindo
caminho para estudos iniciais das células e estruturas que permitem que o
cérebro funcione corretamente. Iniciando o ramo da ciência que busca desvendar
os quebra - cabeças por trás do poder cerebral: a neurociência. In: www.brainn.or
g.br.
2 Disponível em: https://www.ted.com/talks/molly_crockett_beware_neuro_bunk?l
anguage=pt-br#t-657523
3 Bear et al., 2002, p. 3.
4 Nasar, 2008.
5 Zeisel, 2006.
6 Okamoto, 2002.
7 Juhani Pallasmaa. In: Tidwell, 2013.
8 Mena, 2019, on-line.
9 Karakas & Yildiz, 2020.
10 Pallasmaa, 2011, p. 57.
http://www.brainn.org.br/
https://www.ted.com/talks/molly_crockett_beware_neuro_bunk?language=pt-br#t-657523
SOBRE A NEUROCIÊNCIA E
SUAS ESTRUTURAS
Existem diferentes maneiras de se olhar para o cérebro, da mesma
forma que existem diferentes maneiras de ver o mundo à nossa
volta. Também o sistema nervoso – e particularmente o cérebro –
pode ser estudado por diferentes óticas. Um psicólogo olhará para
as propriedades emergentes, entendendo o SN como um elemento
capaz de produzir comportamento e consciência. Um farmacêutico
estará interessado nas reações químicas que acontecem entre as
moléculas dentro e fora das células nervosas. Ou seja, é possível
focar em diferentes partes, estruturas, funcionamentos ou conexões
do sistema nervoso.
Considere, então, a transformação que uma simples lâmpada
fez na vida de todos. Ter energia elétrica em casa permite uma
expansão enorme da nossa capacidade produtiva, já que agora não
estamos mais “presos” às limitações do horário da luz natural. No
entanto, a iluminação elétrica é bem diferente da radiação solar,
tendo variações quanto à intensidade, o conteúdo espectral e o
próprio tempo de duração em um período diário de 24 horas.
Só que os seres humanos evoluíram ao longo de milhões de
anos considerando esse padrão dia-noite da radiação solar como
pista circadiana primária11, com nossos corpos “pré-programados”
hoje para manter um ritmo de liberação de melatonina12, além de
uma série de outros ritmos fisiológicos, incluindo o ciclo vigília-sono.
Ou seja, a iluminação elétrica no ambiente construído é geralmente
mais do que suficiente para o desempenho visual, mas pode ser
inadequada para a manutenção dos ritmos neuroendócrinos
normais para humanos. A realidade é que disciplinas como
engenharia, arquitetura e design de interiores enfatizam o
desempenho visual, enquanto a função circadiana não é sequer
mencionada. Porém, se a iluminação elétrica – como empregada
atualmente – contribui para a “desregulação circadiana”, também
pode ser uma causa importante de “desregulação endócrina”, o que
contribui para o adoecimento13.
Além disso, a vida na sociedade contemporânea é
principalmente a vida dentro de edifícios. Então, se quisermos
projetar esses espaços considerando as reações que podemos
instigar no corpo humano, parece lógico entender como esse
organismo funciona. Para isso, faz-se necessário um panorama
anatômico14 e fisiológico15 do sistema nervoso (SN), a fim de
entender e correlacionar suas propriedades funcionais.
Entende-se que o SN é responsável por coordenar, integrar,
analisar e armazenar as informações que recebemos de estímulos à
nossa volta. Assim, subdividido em sistema nervoso central (SNC) e
sistema nervoso periférico (SNP), cada parte está intimamente
relacionada com um ponto de vista morfológico e funcional do
organismo. O SNC fica dentro dos ossos no centro do corpo, o
chamado esqueleto axial, composto pela cavidade craniana, em que
fica localizado o encéfalo; e pelo canal vertebral que protege a
medula espinal – com funções ordenadoras, receptoras e aferentes.
Por sua vez, o SNP é formado pelos gânglios16 da medula espinhal,
pelos 31 pares de nervos espinhais e pelas terminações nervosas
na periferia do corpo humano (Figura 1)17.
O encéfalo é protegido por um grosso crânio, uma espessa
camada de tecido conjuntivo – conhecida como meninge18 – e
milhões de pequenas células interconectadas. Ele é, ainda,
subdividido em 3 estruturas: tronco encefálico, cérebro e cerebelo
(Figura 2).
O tronco encefálico, por sua vez, é composto pelo bulbo, ponte
e mesencéfalo. É ele quem conecta a medula espinhal com as
estruturas encefálicas superiores, sendo responsável por funções
ordenadoras e controladoras do SN. Apesar de contígua à medula
espinal, ele é diferente em sua forma e função, uma vez que contém
núcleos e tratos19 que levam a informação sensorial para os centros
superiores do cérebro20.
É Ô
FIGURA 1 – DIVISÃO DO SISTEMA NERVOSO COM BASE EM CRITÉRIOS ANATÔMICOS DO CORPO
HUMANO
FIGURA 2 – ENCÉFALO REPRESENTADO EM VISTA SAGITAL (CORTE), COM SUAS SUBDIVISÕES
ESTRUTURAIS
A porção inferior do tronco encefálico – região que se conecta
diretamente à medula espinal – é o bulbo, que participa das funções
vitais como um centro respiratório, centro vasomotor (batimentos
cardíacos e pressão sanguíneos) e centro do vômito. A ponte é a
porção mediana e funciona como uma estação para as informações
provenientes do cérebro e que se dirigem para o cerebelo. Por fim, o
mesencéfalo é a porção superior do tronco encefálico. Nele está
uma estrutura ventral conhecida como corpos quadrigêmeos,
formado pelos colículos superiores, envolvidos no controle dos
movimentos oculares; e pelos colículos inferiores, que fazem
conexão com as vias auditivas7.
Na região do tronco encefálico também estão as conexões com
os 12 pares de nervos21 cranianos, exceto os nervos I (nervo
olfatório) e II (nervo óptico). Os nervos cranianos estão relacionados
a três funções principais: inervação sensorial e motora da cabeça e
pescoço; inervação dos órgãos dos sentidos; e inervação
parassimpática22 dos gânglios do sistema autonômico23, que
controlam as vísceras – respiração, pressão arterial, deglutição,
funcionamento intestinal etc.
O cerebelo – outra estrutura que forma o encéfalo – é
considerado um “minicerébro” tanto por sua estrutura morfológica
quanto pela ampla gama de funções que participa ativamente. Ele
está envolvido no movimento involuntário, postura corporal,
equilíbrio, tônus muscular, coordenação motora e aprendizagem
motora. Ou seja, dependemos do cerebelo para interagir com nosso
espaço ao andar, correr, passear de bicicleta e tantas outras tarefas.
Definido tecnicamente como cérebro são as estruturas
encefálicas superiores, divididas em diencéfalo e telencéfalo. O
diencéfalo é um conjunto de estruturas subcorticais (abaixo do
córtex do telencéfalo)muito importantes: tálamo, hipotálamo,
subtálamo e epitálamo. Cada uma tem uma função diferente em
como identificamos o mundo e reagimos a ele. O tálamo lida com a
sensibilidade, motricidade, comportamento emocional e ativação do
córtex, além de desempenhar um papel no mecanismo de estado de
alerta. O hipotálamo lida com a atividade visceral, coordena a
homeostasia e participa do controle emocional. Já o subtálamo é
uma região do diencéfalo que faz parte do circuito motor. E, por fim,
o epitálamo tem uma função endócrina pela conexão com a
glândula pineal, e é exatamente essa estrutura que será afetada
pela lâmpada, inibindo a produção de melatonina (descobrimos o
“culpado”).
Sim, são muitos nomes e muitas estruturas, cada uma mexendo
com uma parte diferente do nosso organismo e que nos permitem
dizer quem somos e como reagimos às situações e ambientes que a
vida nos apresenta. As informações (resumidas) que estão neste
capítulo, por mais “alienígenas” que possam ser para nós arquitetas
e arquitetos, fazem parte da neurociência. Falar de neuroarquitetura
sem entender o “neuro” nessa relação nos parece contraproducente.
SOMOS O QUE PENSAMOS
Podemos dizer que o cérebro é o “computador central” de tudo
aquilo que somos, fazemos e pensamos. É ele que reúne as
informações, reage às situações e toma a decisão. Hoje, sabemos
que um ambiente amplo e iluminado ajuda na concentração do
estudo; o uso de cores em locais estratégicos pode aumentar a
produtividade; e a escolha inteligente de móveis pode induzir a
pessoa ao relaxamento. Mas por quê? O que acontece em nós para
que tenhamos essas reações? Tudo isso se passa no cérebro e
falar de cérebro é falar de conexão.
O interessante é que esse órgão que se conecta com todas as
partes do corpo – e é responsável por “funcionarmos” – representa
apenas 2% da massa corporal. Ao mesmo tempo, ele consome pelo
menos 20% da energia que produzimos. Além disso, apesar de ter
se tornado comum dizer que o cérebro deve ser treinado e
exercitado para evitar atrofia, ele não é um músculo.
Esse órgão principal do sistema nervoso é composto por dois
tipos celulares principais: os neurônios e os gliócitos. O neurônio é
uma célula excitável (Figura 3), visto como a unidade sinalizadora
responsável por processar e transmitir os sinais químicos e/ou
elétricos em conexões chamadas de sinapses, que acontecem na
zona de contato – chamada fenda sináptica (Figura 4) – entre dois
neurônios, ou entre um neurônio e uma célula muscular, fornecendo
informações para diferentes partes do sistema24.
Responsáveis pela conexão do cérebro com o corpo, eles
podem ter formas diferentes a depender da região e da informação
que irão transmitir. Mas de modo geral, a morfologia do neurônio é
adaptada para suas funções, sendo composto por uma região que
recebe a informação de outros neurônios (o soma, ou corpo
neuronal), na qual ficam seu núcleo e organelas, além de vários
pequenos prolongamentos e ramificações (os dendritos), que
captam a informação enviada; e a outra região que, configurada
como um longo prolongamento (o axônio), envia os sinais recebidos
pelo soma para o próximo neurônio na forma de disparos elétricos,
chegando a pequenas hastes no fim do axônio (os terminais
sinápticos).
Já os gliócitos são um conjunto de células não neurais que
desempenham funções de infraestrutura no sistema nervoso. Em
maior número que os neurônios, eles “nutrem as outras células, dão
sustentação mecânica, controlam o metabolismo dos neurônios”25.
Os gliócitos possibilitam o trabalho dos neurônios, que estão
agrupados em grandes conjuntos de papéis funcionais específicos.
Diante do disparo elétrico no neurônio, as terminações
sinápticas liberam moléculas chamadas de neurotransmissores26,
mediadores químicos que servirão para estimular os dendritos de
outros neurônios, em uma grande cadeia de comunicação. Talvez
você já tenha ouvido falar em serotonina ou dopamina: essas
substâncias são exemplos de neurotransmissores. Além desses,
ainda existem outros: GABA, glutamato, noradrenalina, acetilcolina,
ocitocina e endorfina. Concentrados em pequenas vesículas nos
terminais sinápticos, os neurotransmissores são liberados na fenda
sináptica, uma vez que recebem sinal elétrico com carga suficiente.
Geralmente, caracterizadas por certos tipos de atividades
cerebrais, a serotonina está relacionada às emoções, a dopamina à
motivação, a ocitocina ao amor e afeto, a noradrenalina ao estresse,
e assim por diante. Entretanto, essas são representações
ultrassimplificadas dessas substâncias. Podemos sim separá-las por
certo nível de especialização que diferencia quais neurônios
poderão se comunicar com o receptor, um tipo de fechadura
existente nos dendritos de cada neurônio. Serão eles que permitirão
que os neurotransmissores influenciem o neurônio.
FIGURA 3 – ESTRUTURA DO NEURÔNIO, CÉLULA ESPECIALIZADA QUE RECEBE E TRANSMITE
SINAIS ELÉTRICOS
FIGURA 4 – REPRESENTAÇÃO DA CONEXÃO ENTRE TERMINAL DO AXÔNIO E DENDRITO ATRAVÉS
DA SINAPSE, COM LIBERAÇÃO DE NEUROTRANSMISSORES NA FENDA SINÁPTICA
Vale considerar que a serotonina, por exemplo, tem um papel
importante na região do cérebro relacionada às emoções (o sistema
límbico27), mas outros neurotransmissores também o são. Por isso a
importância de evitar o completo reducionismo dos conceitos.
Uma forma mais correta de diferenciar os neurotransmissores
seria pelos tipos de receptores com os quais fazem conexão. A
composição das moléculas fará com que eles se liguem a apenas
alguns tipos de receptores: aminoácidos (GABA e Glutamato),
peptídeos (ocitocina e endorfinas), monoaminas (noradrenalina,
histamina, dopamina, serotonina), purinas (adenosina e ATP),
gasotransmissores (óxido nítrico e monóxido de carbono) e a
acetilcolina (que é o único transmissor de sua classe).
Também é possível diferenciá-los por suas funções no
organismo: neurotransmissores excitatórios aumentam a
probabilidade de um neurônio disparar seu sinal elétrico, como a
noradrenalina e o glutamato. Os neurotransmissores inibitórios
diminuem a probabilidade de um neurônio disparar seu sinal
elétrico, como a serotonina e o GABA.
Contudo, a dopamina e a acetilcolina, por exemplo, são de
certo modo polivalentes. Elas podem criar tanto efeitos excitatórios
quanto inibitórios, dependendo do tipo de receptores que uma
determinada célula tenha, chamando-os de neurotransmissores
moduladores ou neuromoduladores. Alguns tipos podem até mesmo
impactar no efeito de outros neurotransmissores, complexificando o
tipo de comunicação que nossos neurônios podem fazer.
Entender as substâncias liberadas do corpo representa uma
ferramenta a mais para explorar as possibilidades projetuais do
espaço. Afinal, são os neurotransmissores que ativam, ou não, uma
determinada emoção ou “impulsionam” um comportamento
específico. Como dizia uma linha de pensamento de neurocientistas
que estudavam a sinapse, somos uma “sopinha química”.
Bom, já falamos que o cérebro é formado pelo diencéfalo e o
telencéfalo. Juntos, integram e consolidam as informações
recebidas pelos estímulos do ambiente construído. Além disso, o
cérebro é responsável pelas atividades voluntárias (as que
escolhemos fazer em nível consciente).
FIGURA 5 – DIVISÃO DO CÉREBRO EM LOBOS: (I) VISTA LATERAL; (II) VISTA LATERAL COM
ABERTURA PARA VISUALIZAÇÃO DA ÍNSULA; (III) VISTA SUPERIOR; (IV) VISTA SAGITAL (EM CORTE)
Estruturalmente, o cérebro pode ser visto em duas partes,
conhecidas como hemisférios cerebrais, divididos pelo plano
mediano do corpo. Separados por um grande sulco (a fissura
longitudinal), o cérebro é descrito como tendo um hemisfério
esquerdo e outro direito.
No entanto, eles não trabalham bem de forma isolada,
necessitando de uma conexão para o desempenho saudável de
suas funções. Essa ligação é feita pelo corpo caloso, um grande
feixe de fibras nervosas. Vale ressaltar que quando há uma “ponte”
entre os hemisférios, diz-se que ela é uma comissura – e existem
algumas outras menores no encéfalo28, como a comissura anterior,
a comissura posteriore o fórnix –, que transferem informações entre
os dois hemisférios para coordenar funções localizadas. Isso pode
ser visto no processamento de sinais sensoriais, por exemplo, que é
tipicamente recebido em um hemisfério para depois ser
compartilhado com o outro.
Em uma visão lateral, os hemisférios podem ser subdivididos
em lobos (Figura 5 acima). Essa organização identifica certas
regiões cerebrais que se comunicam principalmente com outras
regiões do próprio encéfalo, que por sua vez se especializa em
certos tipos de atividades cerebrais. O lobo frontal é responsável
pelo movimento do corpo e pelas capacidades cognitivas
superiores, como raciocínio, decisão e planejamento; o lobo
temporal lida com o processamento de sinais auditivos, além de ter
importância na cognição do aprendizado e da memória; o lobo
parietal integra as informações cognitivas sensoriais, e é
responsável pela atenção, além da representação do espaço à
nossa volta; o lobo occipital foca no processamento da visão; e o
lobo da ínsula processa o paladar e faz conexão com o sistema
límbico. Lembremos que as funções de cada região não devem ser
completamente simplificadas, uma vez que possuem nuances e
podem participar de funções em outros contextos dependendo da
necessidade e da conexão neural29.
Além disso, o córtex tem sua superfície “dobrada”, o que cria
algumas estruturas com um leve relevo que chamamos de GIROS,
marcados por depressões chamadas de SULCOS. Essas duas
configurações criam a imagem de textura rugosa do cérebro. Além
disso, são essas composições topográficas que permitem uma
divisão ainda mais detalhada dos lobos, especificando aos nossos
olhos sub-regiões.
MOVER OU SENTIR, EIS A QUESTÃO
Não podemos dizer que nosso fascínio pelo cérebro é recente.
Cientistas de diferentes áreas de estudo vêm há décadas tentando
entender e “mapear” o principal órgão do sistema nervoso, em que o
telencéfalo se mostrou foco de análise. Em sua área mais central
existe a massa ou substância branca, composta principalmente
pelos axônios dos neurônios, o que permite a conexão entre suas
diferentes regiões (as fibras30 de associação) e com outras
estruturas cerebrais (as fibras de projeção). A camada externa é o
córtex cerebral, área de processamento mais sofisticado do cérebro.
Também conhecido como massa ou substância cinzenta, é rico em
neurônios, sendo a concentração dos somas (o corpo celular) o que
lhe atribui essa coloração.
Depois de muitos experimentos, os neurocientistas descobriram
um aspecto interessante da estruturação do córtex e sua conexão
com o restante do corpo: a retroalimentação sensorial. O conceito
de retroalimentação, também denominada por feedback, refere-se a
um efeito retroativo, em que a informação que o emissor envia é
produzida como resposta à mensagem que o receptor enviou antes,
mantendo-se essa relação constante. Ou seja, na conexão entre
mente e corpo, o organismo capta continuamente estímulos do
ambiente para fornecer informações ao córtex para que ele possa
ajustar processos de percepção, controle motor, excitação,
homeostase, motivação, aprendizado ou memória.
Para isso, o sistema nervoso faz uso de certos tipos de
neurônios: aferente, eferente e interneurônio. As vias aferentes
formam uma grande população de neurônios distribuídos
estrategicamente por todo o corpo, onde recebem a informação
sensorial do espaço a partir de receptores31 e enviam para
diferentes áreas corticais primárias32. No córtex, a informação é
processada e analisada, sendo possível integrar várias modalidades
sensoriais. Em seguida, faz uso das vias eferentes para levar uma
resposta aos músculos e glândulas alvos de diversas partes do
corpo. Já os interneurônios fazem conexões entre as vias aferentes
e eferentes do corpo, ajustando o sinal em percurso.
Essa complexa relação de feedback contínuo vêm sendo
estudada exaustivamente, tanto do ponto de vista sensorial quanto
do motor. Para isso se deu o nome de sistema somatossensorial ou
sensorial somático, um conjunto de estruturas que nos dão a
capacidade de receber informações sobre as diferentes partes do
corpo. Assim, os sentidos somáticos ou somestésicos,
especificamente, irão lidar com o tato e a identificação de textura; o
reconhecimento da localização espacial do corpo e noção de
posição e movimento (propriocepção); a percepção da temperatura
(termocepção); e percepção da dor (nocicepção).
No contexto de mapeamento do córtex em relação a essas
percepções (processo de somatotopia), o médico neurocirurgião
Wield Penfield (1891-1976) identificou a região específica de
controle motor e sensorial do corpo humano. Conhecida hoje como
homúnculo de Penfield – do latim “homem pequeno” –, temos hoje
uma representação da figura humana com proporções
correspondentes a cada área especializada (Figura 6). Vale
ressaltar que os trabalhos deste neurocientista foram fundamentais
para o desenvolvimento das interfaces cérebro máquina (ICMs).
De forma mais ampla, o mapeamento do córtex chamado Área
de Brodmann (Figura 7), desenvolvido pelo anatomista alemão
Korbinian Brodmann (1868-1918), define o córtex cerebral em 52
áreas distintas. De forma geral, essas áreas se organizam em três
grandes grupos: o córtex pré-frontal está envolvido com a cognição
(raciocínio, controle inibitório, memória de trabalho) e ações
motoras; o córtex parieto-têmporo-occipital se relaciona com
funções sensoriais mais elaboradas, além da linguagem; e o córtex
límbico lida com a memória, emoção e aspectos motivacionais do
comportamento.
FIGURA 6 – REPRESENTAÇÃO CORTICAL DO HOMÚNCULO DE PENFIELD, IDENTIFICANDO A
PROPORÇÃO DE SENSIBILIDADE DAS DIVERSAS PARTES DO CORPO
FIGURA 7 – REPRESENTAÇÃO DAS ATIVIDADES CORTICAIS COM APROXIMAÇÃO DE LOCALIZAÇÃO
Algumas das áreas de Brodmann são mencionadas com mais
frequência na leitura de neurociência. O córtex visual primário
corresponde à área 17. O córtex auditivo primário é composto pelas
áreas 41 e 42, importantes para os processos cognitivos de
percepção e linguagem. A área 4 é o córtex motor primário, e está
situado no giro pré-central. O giro pós-central, no qual se localizam
as áreas somatossensoriais, é dividido em áreas 1, 2 e 3.
Evolutivamente, o córtex pré-frontal é a área que mais se
modificou nos últimos tempos, desenvolvendo-se em nossa espécie
de forma impressionante em comparação a outras espécies. Talvez
por isso seja tão difícil de sumarizar suas características, uma vez
que ele é uma área de associação de informações muito diversas.
Essa região cortical recebe as informações íntero e exteroceptivas
(sensações internas e externas ao corpo), de forma a selecionar as
respostas motoras apropriadas para cada estímulo, dentre as várias
disponíveis.
Uma de suas funções fundamentais – e que talvez seja uma
das mais importantes para caracterizar nossa humanidade – é a
capacidade de avaliar as consequências de planejamentos e ações
futuras, ainda que ele participe de muitas outras funções. De
maneira geral, podemos considerar que o córtex pré-frontal sintetiza
todas as informações sensoriais e experiências emocionais de
forma a produzir percepções conscientes que resultam em
comportamentos específicos, e consonantes com os estímulos que
chegam ao cérebro.
O nosso contato com o mundo está diretamente ligado ao
estado do nosso meio interno (fome, sede, sexo, raiva e prazer)33. A
fome pode fazer com que a voz do professor perca o foco, enquanto
que o cheiro do almoço no restaurante controla completamente seus
pensamentos, por mais que se saiba que aquelas informações do
professor são importantes.
As emoções que experimentamos são regidas pelo sistema
límbico e o córtex pré-frontal, interconectados de forma que o
indivíduo pode também exercer um controle sobre seu estado
emocional (usando estratégias cognitivas para manter o foco); ou ter
um controle emocional de seus pensamentos (perdendo o foco pela
fome ou a imaginação do almoço em casa). De uma maneira geral,
podemos considerar que o córtex pré-frontal integra todas as
informações sensoriais e experiênciasemocionais, de forma a
produzir percepções conscientes. Isso leva à produção de
comportamentos específicos e consonantes com a estimulação
cerebral.
Já no córtex occipital, um determinado padrão de atividade
disparado por estímulos visuais envia informações para o córtex
parieto-têmporo-occipital, em que a informação é processada em
função das características espaciais e para o reconhecimento
desses estímulos.
É interessante pensar que se esse é seu primeiro contato com
a neurociência, talvez tudo isso pareça difuso e exija também algum
tempo de anotações. Mesmo os neurocientistas mais experientes
precisam repassar essas relações, e algumas delas aprofundam-se
muito, sendo motivo para especialização. Contudo, você
inevitavelmente lidará com os nomes dessas estruturas em suas
leituras de neuroarquitetura, e reconhecê-las e ter uma referência
para encontrá-las é importante no caminhar de quem começa a
buscar as pontes entre neurociência e arquitetura.
11 Ritmo (ou ciclo) circadiano é o período de aproximadamente 24 horas em
que se baseia o ciclo biológico do ser humano; é influenciado pela variação dia-
noite de condicionantes como luz, temperatura, marés e ventos.
12 Melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal, que só é ativada
quando não há estímulos luminosos; ou seja, a produção de melatonina só ocorre
à noite e induz o sono.
13 Stevens & Rea, 2001.
14 Anatomia é o estudo da forma e da estrutura do organismo, bem como suas
partes.
15 Fisiologia é o estudo das funções e funcionamento do organismo em função
de processos físico-químicos.
16 Gânglios são formados pelo agrupamento de corpos de neurônios no SNP
17 Purves et al., 2008.
18 Meninge é cada uma das três membranas superpostas (dura-máter, aracnoide
e pia-máter) que envolvem o sistema nervoso central.
19 Tratos são vias neurais que percorrem a medula espinal (para cima ou para
baixo) e representam os caminhos do sistema nervoso central (SNC).
20 Brandão et al., 2005.
21 Nervo é o prolongamento de axônios do neurônio que formam fibras nervosas.
22 O sistema nervoso parassimpático é parte do sistema nervoso autônomo,
sendo responsável por estímulos de calma, saciedade, repouso e digestão.
23 O sistema nervoso autônomo (SNA) faz parte do SNC e controla grande
parte das funções viscerais do organismo.
24 Lent, 2010.
25 Lent, 2010, p. 2.
26 Brandão et al., 2005.
27 Sistema límbico, também conhecido como cérebro emocional, é um conjunto
de estruturas subcorticais responsáveis pelas respostas emocionais aos estímulos
captados.
28 Encéfalo é a junção do cérebro, do cerebelo e do tronco encefálico, todos
protegidos pela estrutura craniana.
29 Eysenck & Keane, 2017; Purves et al., 2008.
30 Fibras são os prolongamentos dos neurônios (os axônios), que se agrupam
para formar feixes.
31 Receptores são células especializadas responsáveis pela captação da energia
do estímulo e sua conversão em um sinal biológico.
32 Áreas Primárias são regiões corticais que têm relação diretamente com a
sensibilidade ou com a motricidade.
33 Brandão et al., 2005; Purves et al., 2008.
NOSSOS PROCESSOS
COGNITIVOS
Um ponto importante para compreensão da neurociência é que não
existe análise técnica sem uma base teórica consistente. Ainda que
seja possível compreender vários fatores sobre a fisiologia do
cérebro por meio de tecnologias existentes, a interpretação desses
achados depende diretamente de conceitos bem definidos e
coerentes que estabeleçam os critérios para as referências
comportamentais usadas nos experimentos.
Predomina na neurociência a forte influência da teoria da
Psicologia Cognitiva, que oferece bases experimentais muito
importantes para definir claramente dimensões da mente, como:
percepção, aprendizagem, atenção, memória, consciência e
emoção. Muitas das características dessas atividades cognitivas
não são ainda correlacionadas com eventos que conhecemos em
termos fisiológicos, ou até são, mas ainda são discutidas propostas
conceituais distintas, que levam a dados fisiológicos diferentes. Por
isso, avaliar o conjunto de evidências dessas linhas teóricas permite
produzir revisões bibliográficas importantes, que são tão relevantes
quanto o desenvolvimento de uma nova tecnologia34.
Existe, por exemplo, mais de uma definição sobre memória de
trabalho ainda em debate, com pesquisadores de diferentes linhas
de estudo buscando o melhor delineamento para que ela possa ser
operacionalizada como variável em experimentos que buscam seus
correspondentes fisiológicos. A aprendizagem também depende de
um tipo de ativação chamada potenciação de longa duração35 (LTP,
do inglês long term potentiation), da qual são conhecidos alguns
aspectos, mas ainda não se sabe qual neurotransmissor é
responsável por iniciá-la. A hipótese mais promissora tem sido o
óxido nítrico, mas ainda são necessárias mais evidências científicas
para de fato apontá-lo como causa para as LTPs.
Além disso, como usamos comportamentos expressos em
tarefas para descrever uma habilidade cognitiva, escolher uma
tarefa que acreditamos medir um determinado fator envolve um
importante trabalho de refletir sobre experimentos e suas
delimitações. Em usos muito equivocados de apropriação da
neurociência, muitas vezes, pesquisadores se precipitam em atribuir
relações para tarefas que querem medir. Por isso, quando os
conceitos são operacionalizados em uma tarefa que pode ser
aplicada em um experimento – ou seja, descritos como habilidades
e comportamentos que podem ser observados –, precisam atentar
para a validade ecológica da tarefa. Isto é, verificar se as condições
analógicas criadas realmente correspondem às condições que se
quer recriar de tais habilidades e comportamentos observados na
vida real.
Por exemplo, uma pessoa que simplesmente use o jogo da
memória para avaliar as habilidades de memória de curto prazo, não
leva em consideração que esse jogo é conhecido por muitas
pessoas. Alguém pode ir bem em sua tarefa não pelo uso da
habilidade de memória de curto prazo, mas por ter outras
estratégias advindas da experiência com o jogo, usando na verdade
aspectos da memória de trabalho.
Assim, é preciso saber qual aspecto se deseja avaliar,
identificar outras habilidades cognitivas que podem turvar os dados
que serão obtidos e prever esse aspecto no estudo. Por isso, há
experimentos especializados exclusivamente em validação de testes
e atividades que podem ser usadas para avaliar uma habilidade
cognitiva. A neuropsicologia e a psicologia cognitiva tiveram
importantes avanços nesse quesito e podem ser uma boa busca
para arquitetos que desejem fazer esse tipo de análise.
Aliás, esse é só o início da jornada. A neurociência tem muitas
outras formas de interagir com a arquitetura. Sua aplicação permite
entender melhor os efeitos que o ambiente construído tem no
cérebro humano. Muitos conhecimentos sobre as habilidades
cognitivas conhecidas pela neurociência podem ser um ponto rico
de trocas para criação de projetos arquitetônicos. Até mesmo o
conhecimento da saúde do cérebro e seu desenvolvimento podem
ser interessantes para escolhas projetuais que ofereçam qualidade
de vida específica para pessoas com deficiência, crianças, idosos
ou mesmo adultos em busca de um estilo de vida menos
estressante.
O FUNCIONAMENTO DA MENTE
Vamos apresentar aqui de forma resumida alguns dos
resultados mais amplamente aceitos sobre atenção, percepção,
memória, consciência e emoções. Esses são os conceitos mais
frequentemente emprestados da psicologia cognitiva para os
estudos experimentais de neurofisiologia ou para definir aspectos
clínicos das atividades cerebrais.
Tudo começa nos nossos sentidos: visão, audição, tato, olfato,
paladar, interocepção36 e propriocepção37. As informações são
recebidas continuamente, todas ao mesmo tempo, ainda que elas
sejam de certa forma um filtro. Isso porque não detectamos todos os
tipos de luz, como o infravermelho ou luz ultravioleta; nem ouvimos
todas as ondas sonoras possíveis, como os cães e gatos são
capazes.
Ainda assim, essas informações chegamdurante cada segundo
de vida e é fácil imaginar o mar de informações recebidas pelo
corpo. Logo, a experiência mental reflete uma parte ínfima de
informações que inunda o ser humano a cada momento. A
habilidade cognitiva que realiza uma primeira triagem dessas
informações é nossa atenção. Ela é geralmente dividida em atenção
focalizada e atenção dividida38.
A atenção focalizada se refere a situações em que os
indivíduos tentam prestar atenção a apenas uma fonte de
informação, ignorando outros estímulos; também conhecida como
atenção seletiva. A palavra ignorar aqui é importante. O controle
inibitório – uma característica do córtex pré-frontal que envolve
deprimir atividades em certas áreas cerebrais – será muito
importante para a atenção e autocontrole. De certo modo, ele
“silenciará” as áreas que processariam as informações que não são
importantes para a tarefa em foco naquele momento. Um exemplo
simples são os momentos em que estamos tão imersos à leitura de
um livro que até esquecemos do resto do ambiente. Os estímulos do
ambiente são recebidos pelos seus sentidos, mas as áreas que irão
processá-los estarão enfraquecidas ou inibidas por interferirem na
produção da sensação de mergulhar na sua história. O que faz você
não ouvir a chaleira apitando na cozinha com seu chá.
A atenção dividida, por sua vez, diz respeito a situações em que
lidamos com duas ou mais tarefas ao mesmo tempo, como o ato de
dirigir, por exemplo, que requer prestar atenção na pista, mas
também em pedestres e outros veículos. É importante ressaltar que
alteramos os períodos de foco mais rapidamente entre as tarefas,
em vez de mergulhar em um estado de concentração em apenas
uma. Isso faz diferença, porque a mudança de foco também
significa momentos de negligência para o que não está em foco.
Essa mudança apenas é mais rápida que a negligência da sua
chaleira quando mergulhados na leitura.
Uns parênteses importantes aqui: por mais que possamos
monitorar dois eventos ou duas tarefas ao mesmo tempo, nossa
atenção é muito mais limitada do que gostaríamos de acreditar. A
atenção dividida permite que não entremos num estado de foco e
concentração tão profundos para que possamos transitar entre dois
ou mais elementos ambientais. Mas isso significa um custo maior de
energia para o cérebro, com uma qualidade menor de eficiência. E
essa perda de qualidade é proporcionalmente menor quando
aumentamos o número de tarefas e quando envolvemos tarefas que
não são automatizadas em nossa vida.
Não entenda mal, a habilidade de atenção dividida é importante
e pode ser melhorada em situações em que estamos muito bem
treinados nas tarefas envolvidas. No entanto, sempre que se
precisar fazer algo bem, prefira organizar sua tarefa de modo a se
permitir foco em uma atividade por vez. Em casos como dirigir, em
que a atenção dividida é inevitável e você precisa prestar atenção
em diferentes aspectos ambientais para uma direção adequada, é
importante se expor para que essa atividade melhore com a
repetição e automatização, e não inclua mais atividades não
essenciais nesse processo, como falar ao celular ou digitar uma
mensagem. Uma tarefa a mais pode ser o elemento que torne sua
resposta às prioridades lenta e com menos qualidade.
O cérebro não é uma máquina com energia infinita, e é
importante saber que o “uso”, ao estar acordado e responsivo
(chamado estadode vigília), faz com que sua qualidade atencional
vá se tornando pior ao longo do dia, assim como seus músculos se
cansam de sentar, andar e correr em sua rotina. Todo seu corpo,
não importa o tipo de tecido, desgasta-se, cansa e precisa do
período restaurador do sono profundo para funcionar bem.
Com nosso cérebro não é diferente e isso é bem mais palpável
no caso da atenção concentrada. O sono adequado e intervalos de
relaxamento são essenciais para que seu corpo se recupere de
grandes gastos energéticos por tarefas de atenção concentrada (ou
focalizada) e atenção dividida prolongada.
Há outra distinção entre características da atenção muito
usadas, dessa vez entre a atenção externa e interna. Atenção
externa se refere à seleção e processamento das informações dos
sentidos em contato com o meio externo (como visão, tato, olfato e
paladar), enquanto a atenção interna diz respeito à seleção e
processamento de informações internas (tarefas que dependem de
memória, imaginação ou raciocínio).
Essa subdivisão lança luz sobre outra forma de olhar para a
atenção e colabora para entender alguns fenômenos. Um exemplo
interessante é o que os cientistas chamaram de “the cocktail party
effect” (em português, o efeito do coquetel). Ele diz respeito à
interferência na qualidade da sua atenção a uma voz quando duas
ou mais pessoas estão falando ao mesmo tempo – esperamos que
se lembre carinhosamente desse texto quando for conversar
durante uma aula ou reunião.
A atenção seria responsável, então, por realizar uma triagem da
inundação de informações captadas pelos sentidos. Contudo, essas
informações filtradas pela atenção interagem com a percepção, que
simultaneamente organiza essas informações segundo os padrões
que o cérebro aprendeu a reconhecer. Assim, o cérebro formula
uma experiência integrada dessas informações, permitindo o
processamento daquilo que já foi visto e redireciona a atenção para
aquilo que parece novo ou estranho, o que se torna prioritário para o
indivíduo.
AO PERCEBER O MUNDO
Padrão é uma palavra essencial. Não se enxerga o mundo
como ele é, mas sim como se aprendeu a ver. A percepção é
então esse processo de colocar as informações dentro do que a
memória permite reconhecer, unidas a fim de identificar situações de
perigo, posicionamento espacial, reconhecimento de formas.
Contudo, parte desse reconhecimento envolve preencher lacunas e
reaproveitar padrões mais recorrentes, anulando certos elementos
de variabilidade de informações nesse processo. Essa característica
de funcionamento é o que favorece a existências de fenômenos
cognitivos como a constância perceptiva e as ilusões perceptivas.
No caso da constância perceptiva, as informações recebidas do
ambiente são variáveis, mas a percepção se mantém constante. Um
exemplo interessante é a variação de luz ao longo do dia e dos
ambientes pelos quais passamos: se o reconhecimento da imagem
de uma pessoa dependesse de que todos os estímulos que a
identificam permanecessem iguais (como tom de pele, dimensão
dos detalhes do rosto, formato do corpo, roupas) as mudanças de
luz, maquiagem, roupas ou detalhes no cabelo já não
corresponderiam a esse conjunto tão detalhado39.
Por isso, a constância perceptiva é o que permite que alguns
aspectos daquela experiência sejam detectados como essenciais
para o reconhecimento de elementos e outros possam ser
desprezados nesse processo. Por isso que por vezes uma
maquiagem nova e bonita ainda permite que reconheçamos a
pessoa, mesmo que os estímulos desprezados nesse processo
sejam inefáveis e nos deem a sensação de que algo mudou, mas
sem saber exatamente o quê.
O escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) criou o
personagem Funes, o memorioso, que nos permite inclusive pensar
como esse processo é tão dependente do que aprendemos e
memorizamos, mas não do que vemos diante dos nossos olhos. Em
seu livro de ficção, Borges diz que Funes:
Havia aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim.
Suspeito, contudo, que não era muito capaz de pensar. Pensar é
esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo abarrotado de
Funes não havia senão detalhes, quase imediatos40.
Funes era um indivíduo incapaz de esquecer, e porque não
esquecia mesmo os mínimos detalhes, não podia reconhecer. A
iluminação, posição e comportamento de um cachorrinho eram tão
diferentes de outros cachorros, que até mesmo no cachorro de duas
horas atrás era impossível ver a mesma experiência. As memórias
detalhadas tornavam impossível agrupar similaridades, porque tudo
era visto e lembrado. Tudo merecia um nome novo porque seriam
diferentes demais para serem agrupados.
As repetições das nossasexperiências estabelecem o que mais
se repete como aquilo que será lembrado, e as variações desses
momentos serão esquecidas. Aquilo que se esquece para
reconhecer é o que permite a constância perceptiva, o que é
essencial para termos a capacidade de abstração.
Há o que chamamos de constâncias perceptivas de forma,
tamanho e cor. A primeira, a constância da forma, permite o
reconhecimento de rosto, objetos, estímulos, por desprezar a
variação de alguns elementos que não correspondem ao “gabarito”
aprendido sobre o que sou no espelho, quem é minha mãe, qual é a
minha blusa, ou minha letra cursiva. Já a constância de tamanho
envolve a interpretação da variação do espaço que uma imagem
ocupa em relação a nós mesmos a depender do tamanho
comparado dos outros elementos do ambiente41.
FIGURA 1 – GRAVURAS DO LIVRO ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (1865) ESCRITO POR LEWIS
CARROLL
Imaginemos ver Alice em um vácuo flutuante. Nesse caso, ao
beber de um vidrinho, enxergamos que ela aumentou ou diminuiu
por compará-la com os objetos registrados e, nossa memória
recente, vista há poucos minutos. Entretanto, se ao fundo o país das
maravilhas, onde existem linhas de perspectiva e outros estímulos
conhecidos que sabemos seu tamanho em comparação a Alice, e
todos eles aumentarem ou diminuírem proporcionalmente à menina.
Não interpretaremos mais que ela cresceu, mas que ela ainda tem o
mesmo tamanho, caso esteja mais perto ou mais longe de nós
(Figura 1).
Se essa análise que faz uso das pistas perceptuais
mencionadas do resto do ambiente não envolvessem constância,
toda aproximação de um objeto poderia levar equivocadamente à
interpretação de que um objeto cresceu ou que ele não é mais o
mesmo. Manter essas referências constantes e desprezar essas
mudanças como elemento diferenciador fazem com que
mantenhamos nosso reconhecimento da Alice como a mesma e
com o mesmo tamanho.
A percepção também está relacionada à constância da cor, que
é a tendência que uma superfície ou objeto tem de ser percebido
como tendo a mesma cor quando os comprimentos de onda
mudam42. Sem ela, as mudanças de um ambiente com luz amarela
para outro com luz branca mudaria tanto as cores dos objetos e dos
seres naquele ambiente que não o reconheceríamos. Manter a
identificação da cor vermelha de uma blusa como o mesmo
vermelho, apesar de a luz do ambiente modificar sua tonalidade,
permite que possamos encontrá-la; ainda que se esteja procurando
em um quarto escurecido pelas cortinas semicerradas para não
acordar a pessoa nesse quarto. Claro que, nesse caso, conhecer
bem a blusa ajuda na constância de cor. Não seria tão fácil
reconhecê-la no escuro pelo seu tom de vermelho tendo a visto
poucas vezes.
Outra possibilidade que colabora para a constância de cor é o
decréscimo rápido da iluminação. Nesses casos, tende-se a
perceber menos a mudança de luz e manter a percepção das cores
vistas quando havia mais iluminação (adaptação cromática). Nesse
caso, não seria preciso grande conhecimento dos objetos vistos,
apenas contato com eles enquanto as mudanças de luz acontecem.
O cérebro tenta manter uma visão que favorece o reconhecimento
daquele ambiente, por mais que a luz mude rapidamente. Essas
constâncias e pistas perceptuais são ferramentas que economizam
muita energia cerebral e guiam a experiência perceptual, como os
arquitetos sabem bem e usam no dia a dia de escolha de cores, luz
e perspectivas de um projeto.
O templo do Partenon, edifício da Grécia Antiga (Figuras 2 e 3),
é um grande exemplo de como o pensamento arquitetônico pode
depois ser descrito em pistas perceptuais. O edifício faz uso da
êntase, uma técnica projetual que auxilia na redução da ilusão
óptica gerada por uma coluna quando as duas linhas do limite visual
do fuste parecem curvar para dentro.
FIGURA 2 – PARTENON NA ACRÓPOLE DE ATENAS, GRÉCIA (SÉCULO V A.C.) PROJETADO POR
CALÍCRATES E ICTINOS, VISTO DE LONGE
FIGURA 3 – DETALHAMENTO DOS ELEMENTOS VERTICAIS DA GRÉCIA ANTIGA: À DIREITA, AS
COLUNAS DO PÓRTICO DAS CARIÁTIDES DO TEMPLO ERECTEION NA ACRÓPOLE DE ATENAS (421
A.C.); À ESQUERDA, AS COLUNAS DO PARTENON NA ACRÓPOLE DE ATENAS (SÉCULO V A.C.)
Apesar de parecerem retas e paralelas, as colunas do Partenon
são levemente curvadas para fora no meio, para poder compensar a
tendência de visualização das linhas paralelas se curvando para
dentro. Da mesma forma, as linhas horizontais das vigas que
cruzam o topo das colunas e a plataforma do piso são levemente
inclinadas para cima, a fim de compensar a percepção de que elas
se curvam para baixo. As próprias cariátides do templo Erecteion
são ajustadas, e suas formas humanas funcionam para diminuir a
distorção óptica (Figura 4).
Além disso, as colunas sempre se inclinam ligeiramente para
dentro no topo, para compensar a tendência de serem percebidas
como se estivessem se abrindo, quando vistas do ponto de vista do
observador, que entra na Acrópole em um nível mais baixo. Esse é
um conhecimento arquitetônico que perdura e que serviu de
exemplo para discussões sobre quais estímulos são interessantes
para investigar mudanças na percepção.
FIGURA 4 – DIAGRAMAS DA ILUSÃO DE ÓPTICA DO PARTENON: (I) O QUE IMAGINAMOS VER COMO
RESULTADO DO PROJETO; (II) EXAGERAÇÃO DAS PEQUENAS DEFORMAÇÕES DA TÉCNICA DE
ÊNTASE USADAS
AO COMPREENDER O MUNDO
Até o momento foi falado aqui sobre a percepção dar sentido ao
que está sendo recebido, entretanto, o perceber nem sempre será
consciente. Perceber não será o mesmo que compreender o que
está acontecendo. Apenas uma pequena parte de todo conteúdo
processado chegará a esse patamar.
Cabe aqui diferenciar: usa-se o termo consciência,
especialmente na neurociência médica, para identificar o nível de
responsividade do cérebro aos estímulos ambientais. Nesse caso, é
possível variar entre um estado de coma ao estado de pleno
funcionamento, como quando apresentamos a vigília adequada que
permitirá boa qualidade atencional e do funcionamento dos outros
processos cognitivos. Os registros de atividade cerebral em onda
apresentados no capítulo anterior são inclusive muito úteis para
estabelecer referências mensuráveis sobre esses tipos de ativação.
Contudo, parte da literatura busca estudar também esse estado
de percepção consciente que dá a sensação de eu. Ela se refere à
informação sobre estímulos internos e externos ao corpo:
pensamentos, memórias, imaginações e autoconsciência e
autocontrole de seu comportamento, chamados de consciência
fenomenal. Essa seria a consciência envolvida na capacidade de
raciocinar e criar uma experiência subjetiva43.
Como se pode imaginar, essas definições geram bastante
debate e não são conceitos simples. Ao fazer um pequeno
panorama sobre as funções consensualmente atribuídas a essa
consciência, é possível estabelecer uma associação à percepção do
ambiente, que desempenha um papel importante na comunicação
social e na compreensão do que outras pessoas estão pensando
(chamado na literatura de metacognição ou cognição social). A
consciência fenomenal também desempenha um papel no controle
das ações, o que permite refletir sobre as situações vividas – tanto
no momento em que ela ocorre como um posterior – e, por fim, ela
integra e combina vários tipos de informações.
Um aspecto importante a ser ressaltado é que falamos em “dar
sentido” quando nos referimos à percepção, mas não falamos
especificamente de consciência. A vigília, a atenção e a percepção
são etapas importantes para o funcionamento do organismo
humano, mas grande parte delas representa uma pequena parcela
desse funcionamento. Isso mesmo elas sendo usadas de modo
determinante para uma atividade cerebral adequada e a consciência
tal como é conhecida (consciência das ações e do que se pode ver).
A consciência ajuda muito na resolução de problemas e no
processamento de adequação rápida ao ambiente. No longo
caminho entre a padaria e a casa feito pela primeira vez, o processo
consciente de agir em cada etapa da condução do carro é preciso,
uma vez que todos esses movimentos e reações não estão
automatizados.

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