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Fundamentos Sócio-antropológicos 1

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FUNDAMENTOS SÓCIO- ANTROPOLÓGICOS E DA SAÚDE
INTRODUÇÃO ÀS CIÊNCIAS SOCIAIS: CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO
1. No início era a ciência... 
Como sabemos, a ciência (ou o pensamento científico) nada mais é que uma das maneiras de conhecermos o mundo do qual participamos. Não é a única forma de conhecer o mundo, nem a primeira. O homem sempre produziu saber sobre suas experiências. Este saber reflete crenças e valores que se tem sobre os eventos. O senso comum, a religião e a filosofia são fontes de produção de conhecimento e procuram compreender os eventos humanos (ou supra-humanos) a partir de uma lógica que lhe é própria. Cada um do seu jeito, os diversos tipos de conhecimento têm por finalidade explicar determinados conjuntos de eventos. 
Mas estamos em uma Universidade. Ainda que o senso comum, a religião e a filosofia nos forneçam respostas e explicações sobre os problemas humanos, é para o conhecimento científico que devemos focalizar nossa atenção. Temos claro, entretanto, que esta é uma forma possível de conceber a realidade e que estabelece relações com as demais formas de pensamento. 
Sabemos que a lógica científica é resultado de um longo processo de transformação do pensamento humano. Baseada em metodologias específicas (científicas), e orientada por diretrizes racionais e com pretensões à universalização dos achados, a ciência objetiva superar outras formas de compreensão da realidade, investigando e construindo teorias e leis que explicam o funcionamento do mundo. 
2. O homem e o conhecimento do homem 
Podemos observar que o mundo animal apresenta regularidades. Quando atentamos para a forma de organização de um formigueiro, por exemplo, podemos ver que existem padrões de comportamentos (sociais) que se repetem e permitem o bom funcionamento do grupo. 
O ser humano também é parte do reino animal e, como tal, seu mundo também deve possuir regularidades: respiramos, andamos de forma bípede, nos comunicamos com outros humanos, vivemos em grupo, dividimos o trabalho etc. Parece que estas regularidades têm como objetivo aprimorar e preservar a espécie.
Se homens e animais têm em comum um repertório de regularidades que objetivam garantir sua própria sobrevivência, por que nos tornamos tão diferentes de outras espécies? O que há de diferente em nós, ou o que nos torna diferentes de outras espécies animais? 
Ora, diferentemente de outros animais, nosso arsenal genético, nossa bagagem hereditária não nos garante a sobrevivência. As formas “instintivas” dos seres humanos não são suficientes para lhes garantir a humanidade. Outras habilidades, além daquelas herdadas, têm de ser desenvolvidas. Mais do que da genética, dependemos de aprendizado. 
3. Aprendendo a ser humano 
Vimos então que, diferentemente de outras espécies animais, os seres humanos não nascem prontos; dizemos que os seres humanos nascem prematuramente, em termos de habilidades e disposição para a sobrevivência . Para sobreviver nos ambientes físicos e sociais, os indivíduos da espécie humana precisam aprender a ser humanos. 
Saiba mais 
Aprender a ser humano significa entrar em contato, a partir de outros humanos, com os elementos que nos distingue de todos os outros animais: os conhecimentos desenvolvidos por nossos semelhantes. Através de um processo constante de aprendizado, tendo a linguagem como elemento intermediário entre o sujeito e o mundo; vamos tomando posse dos sentidos atribuídos às experiências cotidianas. Como principal sistema simbólico, a linguagem permite que as experiências vividas sejam transmitidas aos outros homens de forma ordenada. “Por isso, dizemos que o Homo sapiens é a única espécie que pensa, isto é, que é capaz de transformar a sua experiência vivida em um discurso com significado e transmiti-la aos demais seres de sua espécie e a seus descendentes” (COSTA, 1997, p. 2-3). 
Embora algumas lendas – Rômulo e Remo, heróis míticos fundadores de Roma; Mogli etc. – falem de indivíduos que sobreviveram em condições adversas (Rômulo e Remo teriam sido, segundo a lenda, alimentados por uma loba) e se tornaram figuras especiais, sabemos da impossibilidade de tais feitos, salvo no âmbito da fantasia e da ficção. 
Assim, como você viu, podemos dizer que o que distingue homem do animal é menos a organização social (que nos animais também pode estar vinculada a sexo, faixa de idade, divisão de trabalho etc.), a sociabilidade ou mesmo um pensamento ou a comunicação do que a troca de símbolos. O homem é o único capaz de criar símbolos! 
4. Os símbolos e as culturas 
“Da mesma forma que existe um pensamento e uma linguagem nos animais (isso não é mais sequer discutido hoje), existem sociedades animais e até formas de sociabilidade animal que podem ser regidas por modos de interação antagônicas ou comunitárias, bem como de modos de organização complexos (em função das faixas de idade, dos grupos sexuais, da divisão hierarquizada do trabalho etc.). 
Indo até mais adiante, existe o que hoje não se hesita mais em chamar de sociologia celular. Assim, o que distingue a sociedade humana da sociedade animal, e até da sociedade celular, não é de forma alguma a transmissão das informações, a divisão do trabalho, a especialização hierárquica das tarefas (tudo isso existe não apenas entre os animais, mas dentro de uma única célula!), e sim essa forma de comunicação propriamente cultural que se dá através da troca não mais de signos e sim de símbolos, e por elaboração das atividades rituais aferentes a estes. 
Pois, pelo que se sabe, se os animais são capazes de muitas coisas, nunca se viu algum soprar as velas de seu bolo de aniversário. É a razão pela qual, se pode haver uma sociologia animal (e até, repetimo-lo, celular), a Antropologia é por sua vez especificamente humana” (LAPLANTINE, 2003, p. 96). 
Saiba mais 
Este longo texto de Laplantine nos faz compreender a importância da construção simbólica na “invenção da humanidade”. São os símbolos - e a linguagem é o principal sistema - que permitem a um representante da espécie humana tornar-se homem! E através dos hábitos, costumes, instrumentos, ideias, isto é, através da cultura nos tornamos portadores destes símbolos e membros efetivos de uma coletividade de homens. 
O homem projeta, ordena, prevê e interpreta, vive em grupo e estabelece com o mundo relações dotadas de significado e avaliação. O conhecimento advindo desta relação (organizado, comunicado e compartilhado) transforma-se em cultura. 
Saiba mais 
Você sabe por que as culturas ao redor do planeta apresentam formas tão diferentes? Como explicar as diferenças entre as culturas? 
Por que um grupo humano se alimenta exclusivamente de frutos e é politeísta (acredita em várias divindades), enquanto outro se alimenta de animais e é monoteísta? 
Estamos frente a diferenças de qualidade entre os diferentes grupos? 
NÃO 
As formas culturais diversas não são frutos de uma estrutura genética da espécie, mas da experiência particular de um grupo de homens. 
– “Uma vez que cada cultura tem suas próprias raízes, seus próprios significados e características, todas elas são qualitativamente comparáveis. Enquanto culturas, todas são igualmente simbólicas, fruto da capacidade criadora do homem e adaptadas a uma vida comum em determinado espaço e tempo nesse contínuo recriar, compartilhar e transmitir a experiência vivida e aprendida” (COSTA, 1997, p. 3). 
“Todas as culturas apresentam padrões igualmente abstratos e significativos” (COSTA, 1977, p. 4): as culturas humanas estão diretamente relacionadas à especificidade das condições de vida de cada grupo; assim, as diferenças entre as culturas não são de qualidade nem de nível, mas estão relacionadas às condições particulares que a geraram. 
"E as sociedades ágrafas , elas têm cultura? Sim! Todas as sociedades humanas produzem cultura. “A capacidade simbólicae os padrões de todas as culturas humanas são igualmente abstratos e significativos e dão respostas úteis aos problemas de compreensão do mundo” (COSTA, 1977, p. 5). 
5. A ciência e as ciências sociais 
Fruto da evolução do pensamento humano, a invenção da ciência marca a passagem de uma relação imediata com a realidade – no encontro de soluções para problemas cotidianos – para o entendimento do conhecimento como um fim em si mesmo.
Desde a Antiguidade o homem produz saberes sobre o mundo, formulando conhecimentos sobre geometria e filosofia. Entretanto, neste momento o conhecimento ainda está vinculado a explicações religiosas ou sobrenaturais. 
1. Com os gregos, através da filosofia, o conhecimento humano se distancia do pensamento mítico- religioso e passa a ser concebido por meio da abstração dirigida pela razão: temos aí o chamado milagre grego. 
Ao longo do tempo, temos o fortalecimento do pensamento racional, do crescimento da consciência individual e da percepção do homem como indivíduo dotado de razão e capaz de realizações próprias. Também temos expansão comercial e colonizadora que permite o contato com outras culturas, o estabelecimento da escravidão, criação de leis etc. 
2. Com o florescer do Império Romano, permanece uma sociedade comercial e manufatureira desenvolvida pelos gregos: a razão está a serviço do homem e da sociedade. 
Queda do Império Romano: A Europa retorna a uma estrutura de sociedade agrária e teocrática: a razão e a filosofia são submetidas à teologia. 
3. Idade Média (da queda do Império Romano, no séc. V, até a queda de Constantinopla em 1453): 
- Grande poder da Igreja Católica: a razão é um instrumento auxiliar da fé; ela é usada pela Igreja como forma de manter seu poder e divulgar a fé; 
- A fé passa a condicionar e explicar o comportamento do homem e da sociedade; 
- O conhecimento de textos de filosofia, geometria e astronomia é propriedade exclusiva de ordens religiosas e mosteiros; 
- A população laica (os não religiosos) não tem mais acesso a este saber.” 
4. Renascimento: Movimento intelectual que no séc. XV buscou recuperar os valores e modelos da Antiguidade greco-romana, contrapondo-os à tradição medieval ou adaptando-os a ela. Renovação das artes, da arquitetura e das letras. Reorganização política e econômica da sociedade: retomada dos textos antigos e da forma “grega” de pensar. 
A partir daí, e especialmente a partir do século XVII, há um grande progresso do conhecimento científico, que objetiva descobrir as relações entre as coisas, as leis que regem o mundo natural etc. 
A sociologia nasce em meio às grandes transformações e ideias do século XIX, significando o “aparecimento da preocupação do homem com o seu mundo e a sua vida em grupo, numa nova perspectiva, livre das tradições morais e religiosas” (COSTA, 1977, p. 7). Como ciência, busca descobrir as regras que organizam a vida social. Estas regras podem ser descobertas através de observações e medidas, capazes de dar explicações plausíveis, e a razão humana é a única forma capaz de alcançar a verdade.” 
Fruto da Revolução Industrial e das Revoluções Burguesas, o pensamento sociológico científico procurará então responder como e por que a vida em sociedade é possível, buscando prever e controlar os fenômenos sociais. 
6. Positivismo: primeira corrente do pensamento sociológico moderno 
O positivismo foi um sistema de pensamento (filosófico) desenvolvido por Auguste Comte (1798-1857), discípulo de Saint-Simon, e continuado por diversos seguidores. Comte acreditava que, através do método característico das ciências naturais (biologia, física, química, astronomia), seria possível ordenar as ciências experimentais, considerando-as o modelo por excelência do conhecimento humano, em detrimento das especulações metafísicas ou teológicas. 
Ele pretende aplicar o mesmo rigor das ciências naturais experimentais aos eventos sociais. Considerado o fundador da sociologia, Comte nomeia a nova disciplina de física social; somente mais tarde ela seria rebatizada com o nome atual.
Contemporaneamente, a sociologia compõe as chamadas ciências sociais, juntamente com a antropologia e a ciência política. 
7. As ciências sociais e as demais ciências 
Você viu que a preocupação das ciências sociais é explicar a estrutura e o funcionamento das sociedades. Assim, como disciplina voltada para a compreensão dos inúmeros fenômenos presentes na vida em sociedade, as ciências sociais estabelecem relações importantes com outras ciências humanas e naturais.
Na verdade, senão a totalidade, a maioria dos fenômenos humanos é de natureza social ou, pelo menos, são direta ou indiretamente influenciados por determinantes sociais. 
Como veremos ao longo de nossa disciplina, sociedade e cultura estão presentes em todos os momentos de nossa vida, e mesmo antes de nascermos. Nascemos em uma sociedade organizada de uma determinada forma, com crenças, hábitos costumes e valores específicos. Aprendemos a entender o mundo que os rodeia a partir do que nos é disponibilizado pelos grupos dos quais fazemos parte. 
Saúde, cultura e sociedade estão intimamente relacionadas. Não podemos desconsiderar estas relações, ou não conseguiremos compreender claramente nosso universo acadêmico e profissional.

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