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Unidade II Surdez e a Pessoa Surda Libras © by Editora Telesapiens Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora Telesapiens. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Libras Elton Castro Rodrigues dos Santos O AUTOR Elton Castro Rodrigues dos Santos Olá a todos! Meu nome é Elton Castro Rodrigues dos Santos, mas podem me chamar apenas de Elton Castro. Sou Bacharel em Administração (ICE) e Licenciado em Pedagogia (UFMT), Especialista em Educação Inclusiva – Libras (IFMT), Mestrado (UFMT) e Doutorado (Unesp) em Educação. Atualmente, estou no último semestre da Licenciatura em Letras Libras na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Tenho experiência docente em há mais de 17 anos na Educação e pude ministrar aulas na Educação Básica, Educação Profissionalizante, Educação Superior e Pós- Graduação. Atuei em diferentes instituições, como Secretaria Municipal de Educação (MT); Senai; UFMT; IFMT; Unemat; UAB; ICEC; Faspec. Sou apaixonado por estudar e busco sempre compartilhar o conhecimento da minha experiência de vida com aqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso fui convidado pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: INTRODUÇÃO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis- cutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo ..................................10 Oralismo ................................................................................................................................................. 10 Comunicação total ........................................................................................................................ 12 Bilinguismo........................................................................................................................................... 13 Ensino-aprendizagem do aluno surdo ...............................................16 Comunicação com pessoas surdas ................................................................................... 21 Língua Brasileira de Sinais - Libras .....................................................25 Alfabeto Manual ...........................................................................................34 7 UNIDADE 02 Libras 8 INTRODUÇÃO Você sabia que existiam correntes de pensamento que acreditavam que o surdo deveria aprender a falar para ser aceito na sociedade? O Oralismo foi uma dessas correntes que disseminou, no mundo inteiro, que a melhor maneira de incluir o surdo era oralizando, igualando-se aos falantes, e negava-se a língua de sinais. Além do Oralismo, veremos neste capítulo outros métodos, como Comunicação Total e Bilinguismo. Apresentaremos aportes teóricos para se refletir sobre o ensino- aprendizagem do aluno surdo do aluno ouvinte e compreensão da importância da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar neste universo! Libras 9 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 2. Nosso objetivo é auxiliar você no atingimento dos seguintes objetivos de aprendizagem até o término desta etapa de estudos: 1. Debater sobre Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo, formu- lando novos conceitos sobre a Libras; 2. Diferenciar o ensino-aprendizagem do aluno surdo do aluno ouvinte; 3. Compreender características e conceitos da Língua Brasileira de Sinais (Libras); 4. Diferenciar os sinais das letras do alfabeto manual. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! Libras 10 Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de conceituar Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo, bem como compreender a influência dessas correntes de pensamentos na educação da pessoa surda, perpetuando por vezes o Oralismo, o preconceito contra as línguas de sinais e determinando a oralização como meio de inclusão social. Motivado para desenvolver esta competência? Vamos caminhar? Avante! Essas três metodologias de ensino foram determinantes na história da educação dos surdos, desde o atraso no processo, com o Oralismo, até a autonomia do surdo, com o Bilinguismo. Oralismo Oralismo é uma abordagem de ensino que foi utilizada como método para se educar pessoas surdas. Para ter algum direito (no caso de ser primogênito poderia herdar título e herança) a pessoa não podia ser “muda”, pois não havia reconhecimento legal de suas capacidades cognitivas. Dessa forma, “[...] a força do poder financeiro e dos títulos se constituíram os grandes impulsionadores do Oralismo, na época, pois era através da fala que o indivíduo tinha representação na sociedade” (CAVALCANTI, 2010, p. 88). “Oralismo” foi uma proposta de trabalho com métodos e técnicas para que o surdo desenvolvesse a língua oral, ou seja, a mesma língua dos ouvintes. No caso dos surdos brasileiros, o enfoque era que o surdo aprendesse a língua portuguesa. “O Oralismo pretende fazer uma reabilitação do surdo, no entendimento de que o normal é não surdez” (GOLDFELD, 1997, p. 31). O Oralismo teve seu auge no II Congresso Mundial, que aconteceu em Milão (1880). Esse evento marcou o retrocesso da língua de sinais em Libras 11 todo o mundo, pois estabeleceu que “[...] o método oral puro era ideal para a educação dos surdos. Essas recomendações foram aceitas por vários países, como Alemanha, Itália, França, Inglaterra, Suécia e Bélgica” (PALAZZO; MOREIRA, 2017, p. 18). Mesmo a França sendo um dos nascedouros da língua de sinais, acatou a determinação e proibiu seu uso no país. O que mais chama a atenção é que, no congresso de Milão, “[...] dos 255 participantes, só três eram surdos” (PALAZZO; MOREIRA, 2017, p. 18). Figura 1: Não ao Oralismo Fonte: Freepik As determinações desse congresso fizeram estagnar os avanços das línguas de sinais em todo mundo e nenhuma instituição de ensino poderia utilizá-la. “A oralização passou a ser o principal objetivo da educação das crianças surdas e, para aprenderem a falar, passavam a maior parte do seu tempo nas escolas recebendo treinamento oral” (POKER, 2008, p. 3), como leitura labial, treinamentos auditos, e em alguns casos o surdo recebia um aparelho (AASI) para ampliação do som. Esse período da história da educação do surdo marcou momentos de negação não só da língua de sinais, mas de legitimação de “[...] que apenas a língua oral deveria ser aprendida pelos surdos, sendo a língua de sinaisconsiderada como prejudicial para o desenvolvimento da criança” (CAVALCANTI, 2010, p. 89). As técnicas para o estímulo da língua oral são muito bem retratadas no Filme “Seu nome é Jonas” (1979), que mostra a busca de uma família por abordagens que pudessem contribuir para educação de seu filho. O Oralismo como método de ensino é destaque nesse filme. Libras 12 Para Cavalcanti (2010, p. 88), o Congresso de Milão, ao declarar superioridade do método oral sobre a língua de sinais, gerou “[...] grande polêmica entre professores ouvintes e surdos (a estes não foi permitido votar), em defesa do Oralismo e da língua de sinais, sendo esta última preferida pela grande maioria de professores ouvintes”. A adoção do Oralismo como modelo educacional proporcionou o abandono da “[...] cultura e identidade surdas. Desse modo, as ideias pregadas pelo Oralismo orientavam que os surdos deveriam ter uma identidade comum com os ouvintes, ou seja, a língua (CAVALCANTI, 2010, p. 89). Poker (2008, p. 3) explica que a determinação do II Congresso Milão perdurou até a década de 1960, “[...] quando William Stokoe publicou um artigo demonstrando que a língua de sinais se constituía em uma língua com as mesmas características das línguas orais”. Iniciou-se assim um novo ciclo na história da língua de sinais, pois houve avanço das pesquisas sobre como essa língua era importante para a pessoa surda. A mesma autora enfantiza que foi advindo desse novo momento que surgiu, em 1968, outra proposta para ensino do surdo: a Comunicação Total Comunicação total O Oralismo começou a perder forças quando não se podia mais assegurar sua eficiência como método de ensino para a pessoa surda. Na década de 1960 “[...] a língua de sinais começou a ser (re)conhecida, especialmente depois dos trabalhos de William Stokoe, linguista americano que retomou a questão dos sinais e apresentou a língua de sinais como legítima, com estrutura própria” (CAVALCANTI, 2010, p. 108). A Comunicação Total foi um movimento que surgiu como proposta para o ensino da pessoa surda, após os pesquisadores identificarem que a metodologia oralista não surtiu efeitos nem possibilitou a comunicação com o surdo “[...] de maneira satisfatória e, mesmo com a imposição das práticas oralistas, as pessoas surdas insistiam em se comunicar por meio da língua de sinais. Decidiu-se então que os surdos poderiam utilizar toda e qualquer forma de comunicação” (KALATAI; STREIECHEN, 2014, p. 7). Libras 13 A Comunicação Total surgiu em 1968 e buscava utilizar diferentes formas que possibilitassem a comunicação com o surdo. Incorporava “[...] modelos auditivos, manuais e orais para assegurar a comunicação eficaz entre as pessoas com surdez. Tinha como principal preocupação os processos comunicativos entre surdos e surdos e entre surdos e ouvintes” (POKER, 2008, p. 6). Com o método da Comunicação Total, o surdo passou a ter chance de utilizar diferentes recursos para comunicação e aprendizagem, pois esse método pressupõe “[...] o uso simultâneo de diferentes códigos como: a Língua de Sinais, a datilologia, o português sinalizado, etc.” (POKER, 2008, p. 8). Até esse momento não se reconhecia que a linguagem dos sinais tinha estrutura própria, por isso o método da Comunicação Total se baseava na estrutura gramatical da língua oral. Esse método esteve presente no Brasil na década de 1960. A proposta da Comunicação Total como método “propõe uma maneira diferente de perceber o surdo, ou seja, como um indivíduo diferente, não deficiente e, a denominação ‘deficiente auditivo’ usada pelos oralistas foi substituída por outra: ‘Surdo’” (CAVALCANTI, 2010, p. 108). Esse deslocamento da língua oral como principal meio de aprendizagem para o surdo possibilitou, segundo Oliveira (2014, p. 12), que o “[...] sujeito com surdez deixa de ser visto como portador de uma ‘patologia’ e passa a ser considerado como uma pessoa capaz”. Abriam-se nesse momento outras possibilidades e meios de se efetivar a educação para pessoas surdas. Uma dessas possibilidades foi o Bilinguismo. Bilinguismo Para Cavalcanti (2010, p. 109), esse método desloca a língua de sinais para o primeiro plano e enfoca a necessidade de a pessoa surda ser “[...] bilíngue, ou seja, ela deve adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país na modalidade oral e/ou escrita”. Libras 14 Para Quadros (1997, p. 47), quando se considera que a língua de sinais deve ser ensinada primeiramente para o aluno surdo, isso indica que os conteúdos escolares “[...] devem ser trabalhados por meio dela e que a língua portuguesa, na modalidade escrita, será ensinada com base nas habilidades interativas e cognitivas já adquiridas pelas crianças surdas nas suas experiências com a língua de sinais”. De acordo com Poker (2008, p. 8), o Bilinguismo “[...] parte do princípio de que o surdo deve adquirir como sua primeira língua a língua de sinais com a comunidade surda. Isso facilitaria o desenvolvimento de conceitos e sua relação com o mundo”. Dessa forma, pode-se dizer que a maior contribuição do Bilinguismo foi ofertar a centralidade para a línguas sinais, pois propõe [...] o uso autônomo e não simultâneo da Língua de Sinais que deve ser oferecida à criança surda o mais precocemente possível. A língua portuguesa é ensinada como segunda língua, na modalidade escrita e, quando possível, na modalidade oral. Contrapõe-se às propostas da Comunicação Total uma vez que não privilegia a estrutura da língua oral sobre a Língua de Sinais. (POKER, 2008, p. 9) Uma educação bilíngue possibilita coexistência de duas línguas, no nosso caso a Libras e a língua portuguesa. “O decreto 5626/05 assinala que a educação de surdos no Brasil deve ser bilíngue, garantindo o acesso à educação por meio da língua de sinais e o ensino da língua portuguesa escrita como segunda língua” (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 17). Nessa concepção a Língua de Sinais Brasileira (Libras) seria a L1 e a língua portuguesa L2. “A língua portuguesa, portanto, será a segunda língua da criança surda, sendo significada pela criança na sua forma escrita com as suas funções sociais representadas no contexto brasileiro” (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 17). De acordo com Cavalcanti (2010, p. 110), “um dos princípios mais importantes desse modelo de ensino é que os surdos formam uma Libras 15 comunidade, com cultura e língua próprias. A língua de sinais deve ser aprendida em contato com adultos fluentes”. A pessoa sendo surda ou ouvinte tem os mesmos direitos a metodologias de ensino que ofertem possibilidade de aprender, desenvolver competência e habilidades para atuar de maneira dinâmica no meio em que vive. O Bilinguismo seria uma proposta de ensino que poderia ofertar crescimento e desenvolvimento ao aluno surdo de maneira significativa e respeitosa, e tem-se “[...] essa proposta como sendo a mais adequada para o ensino de crianças surdas, tendo em vista que considera a língua de sinais como língua natural e parte desse pressuposto para o ensino da língua escrita” (QUADROS, 1997, p. 27). Não se pode negar que temos muitas garantias de direitos retratadas na legislação brasileira, mas ainda não estão efetivadas, por isso temos que exigir que todas as pessoas sejam tratadas com igualdade. Para isso, torna-se um dever respeitar as diferenças. RESUMINDO: A negação de que a pessoa surda tem possibilidades de se comunicar e aprender fez com que o Ouvintismo se tornasse forte em todo mundo. O surdo era considerado uma pessoa doente e que necessitava “falar” para se comunicar. Essa filosofia afeta, até os dias atuais, a comunidade surda, pois existem surdos que têm dificuldade para aceitar a condição de não ouvintes e oralizam o máximo que podem para parecerem “normais”. Isso porque o preconceito contraa pessoa surda ainda é muito forte e oralizar possibilita o mascaramento da deficiência. Somente uma educação bilíngue, por meio da Libras, possibilitará qualidade educacional e aprendizagem do mundo. Libras 16 Ensino-aprendizagem do aluno surdo INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de compreender o contexto envolto no ensino e na aprendizagem da pessoa surda e poderá fazer um paralelo com as condições ofertadas ao aluno ouvinte. Poderá também compreender a dificuldade que os professores enfrentam para proporcionar meios educacionais para os surdos e a falta de formação continuada que oferte ferramentas pedagógicas para o exercício da docência em uma sala com pessoa com deficiência auditiva e/ou surdez. Motivado para desenvolver esta competência? Vamos caminhar? Avante! Muitos desafios ainda deverão ser enfrentados para que o aluno surdo tenha ao seu dispor professores capacitados na Libras para promoção efetiva de uma Educação Inclusiva. Isso porque, nas escolas públicas de ensino regular, são pouco os docentes que sinalizam fluentemente essa língua. “O novo gera insegurança e instabilidade, exigindo reorganização, mudança. É comum sermos resistentes ao que nos desestabiliza. Sem dúvida, as ideias inclusivas causaram muita desestabilidade e resistência” (MINETTO, 2008, p. 17). Isso, acrescido ao fato de que o professor não se sente preparado para atuar em uma sala tão heterogênea, só agrava a situação. São em média 25 a 40 alunos com processo de desenvolvimento/aprendizagem diferenciado e ter um aluno surdo compondo essa classe envolve mais habilidades e competências que o professor deverá desenvolver para ministrar sua aula. De acordo com Lima (2006, pp. 65-66), o desenvolvimento do aluno ainda está na sua capacidade de “falar”: O que se verifica é que, nessas circunstâncias, toda a responsabi- lidade pelo sucesso da comunicação passa a depender da eficiência do aluno surdo em fazer a leitura labial e se expressar por meio da fala, o que não só é injusto, devido à omissão da escola, como é uma exigência bastante difícil para uma criança que se inicia na alfabetização. Lembre- Libras 17 mo-nos ainda de que, pela leitura labial, não se apreende tudo o que é dito pelo interlocutor. Algumas escolas contam com o apoio de um instrutor e/ou intérprete que acompanhe o aluno surdo nas aulas e amenize as dificuldades do professor com a Libras. Ainda não houve expansão dessa garantia de direitos em todas as escolas com alunos surdos. Nas instituições de ensino privado, ainda há muita resistência para contratação desses profissionais e muitos surdos têm que buscar seus direitos por meio de processos judiciais. Você conhece o intérprete de Libras? Intérprete é um profissional que “[...] interpreta de uma língua (língua fonte) para outra (língua alvo) o que foi dito. [...] Língua é um sistema de signos compartilhado por uma comunidade linguística comum. A fala ou os sinais são expressões de diferentes línguas” (BRASIL, 2004, p. 7). Marcon (2012, p. 238) acrescenta informações importantes sobre esse profissional dizendo que deve ter uma postura imparcial frente ao conteúdo que está interpretando. Ele fica “[...] em situação face a face com o surdo, precisa dar conta de formular todas as informações que estão sendo discutidas”. O mesmo autor acrescenta ainda que o intérprete desenvolve um trabalho que possibilita a comunicação/interação entre duas culturas diferentes. “Ele possui, assim, a função de intermediar a interação comunicativa entre o surdo e a pessoa que não usa a Libras” (MARCON, 2012, p. 238). Libras 18 Figura 2: Intérprete da Libras Fonte: Freepik Silva e Oliveira (2006) ressaltam que Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010, regularizou a profissão de intérprete de Libras no ambiente educacional e que sua função é intermediar as relações estabelecidas entre os sujeitos participantes da aula (professores, alunos surdos e ouvintes). O trabalho em sala de aula impõe desafios constantes ao intérprete de Libras, pois ele “[...] passa a ter um compromisso com a construção do conhecimento desses alunos, interpondo-se como um mediador nesse processo, o que traz novos desdobramentos para sua atuação profissional” (p. 698). A inclusão na escola deve ocorrer de maneira que a responsabilidade do ato educativo não fique somente a cargo dos professores que ministram aulas para alunos surdos nem dos próprios alunos. “Cabe à escola, ao proceder à inclusão, refletir sobre os argumentos que são usados a favor e contra ela, verificar quais são as condições que tem a oferecer e se envolver nesse projeto, viabilizando a presença de professores- intérpretes” (LIMA, 2006, p. 71). Libras 19 SAIBA MAIS: Para conhecer mais o trabalho do intérprete em sala de aula clique aqui, Você pode compreender que ainda há muitas barreiras a serem transpostas na educação dos surdos. Quadros e Schmiedt (2006, p. 23) constataram em suas pesquisas sobre educação bilíngue que a “[...] criança surda é colocada em contato com a escrita do português para ser alfabetizada em português seguindo os mesmos passos e materiais utilizados nas escolas com as crianças falantes de português”. Não há uma diferenciação do método de ensino, o que promove o fracasso na alfabetização dessas crianças. Vale ressaltar que a educação bilíngue é uma busca, não somente de qualidade na educação do surdo, mas também o fortalecimento da identidade da comunidade surda e da Língua Brasileira de Sinais (Libras). O surdo deve ser alfabetizado e letrado em Libras, pois assim a “[...] tarefa de ensino da língua portuguesa tornar-se-á possível se o processo for de alfabetização de segunda língua, sendo a língua de sinais reconhecida e efetivamente a primeira língua” (QUADROS, SCHMIEDT, 2006, p. 23). A educação bilíngue ainda é um objetivo a ser alcançado pela comunidade surda. Atualmente os surdos frequentam a sala de aula regular com os ouvintes e vêm participando de um processo de ensino- aprendizagem no qual “[...] aprendem em sua própria língua (português), enquanto que o aluno surdo necessita de um intérprete para auxiliá-lo no repasse de conhecimento transmitido e lecionado pelo professor regente em sala de aula (MOURA; FREIRE; FELIX, 2017, p. 1285). O intérprete não pode intervir na aula, pois existe, de acordo com Moura, Freire e Felix (2017, p. 1285), uma “ética trabalhista desse profissional, o impossibilita fazer qualquer interferência no aprendizado do aluno”. Libras https://bit.ly/36v8wz6 20 Há uma diferença muito grande de desenvolvimento cognitivo quando o aluno estuda em uma escola bilíngue, pois o que se considera ideal [...] é que o aluno surdo inserido em sala de aula de ensino aprenda com mais eficácia em sua própria língua, todavia, no caso da inclusão, os conteúdos lhes são repassado por meio de um intérprete que atua interpretando/traduzindo do português para Libras e vice/versa, ou seja, ele aprende de uma forma secundária e não primária como lhe é garantido por direito na Lei da Acessibilidade 10.098 de 10 de Dezembro de 2000, a qual determina que o aluno surdo se desenvolva dentro de suas habilidades linguísticas. (MOURA; FREIRE; FELIX, 2017, p. 1285) A escola bilíngue traria igualdade para a pessoa surda, já que se torna quase impossível para “[...] o ouvinte entender a surdez de outro modo, a não ser como deficiência. O surdo é visto como alguém incompleto, sob a perspectiva da maioria dos ouvintes, por isso todos os esforços estão na tentativa de oferecer o ‘melhor’” (MOURA; VIEIRA, 2011, p. 2). Almeida (2013, p. 102) afirma que o Bilinguismo pressupõe que a língua possibilita acesso para que ocorra “o desenvolvimento do surdo em todas as esferas de conhecimento, propiciando a comunicação do sujeito com surdez com os seus pares e com os outros sujeitos, dando suporte ao pensamento e estimulandoo desenvolvimento cognitivo e social”. O mais crítico da história dos surdos foi que muitos deles se esforçaram muito para aprender a língua dos ouvintes e isso é uma grande contradição, pois tentavam “[...] aprender uma língua que não escutavam, olhando as bocas mexerem, na tentativa de copiá-las, para saciar os anseios dos ouvintes e compreender o que ocorria a sua volta, perseguindo o som e a fala sem condições de alcançá-los” (MOURA; VIEIRA, 2011, p. 5). Se a criança surda é exposta a um ambiente escolar que utiliza a língua de sinais para que esta seja apreendida de maneira natural, Libras 21 no cotidiano, “[...] sem que sejam necessárias condições especiais de ‘aprendizagem’, tal proposta educacional permite o desenvolvimento rico e pleno da linguagem, possibilitando ao surdo um desenvolvimento integral” (LACERDA, 2009, p.83). Para Moura e Vieira (2011, p. 5), “a muitos foi negado o encontro com outros surdos, com o receio que se comunicassem por uma língua diferente da oral-auditiva, compreendida nessa visão como a única capaz de mobilizar de fato a inteligência da humanidade”. Comunicação com pessoas surdas Cada comunidade tem seu modo de ser e de viver, sua cultura e suas especificidades. A comunidade surda não é diferente das demais, pois a “surdez traz consigo modos e formas de relacionar-se pautadas numa comunicação visual. Isso requer conhecê-las, bem como compreender as necessidades e tecnologias advindas de quem se comunica sem o som” (MOURA, 2016, p. 16). Conforme explica Gesser (2009, p. 25), “os surdos foram privados de se comunicarem em sua língua natural durante séculos. Vários estudos têm apontado a difícil relação dos surdos com a língua oral majoritária e com a sociedade ouvinte”. Temos que buscar nos comunicar com a pessoa surda e não acreditar que a comunidade ouvinte é superior. “Neste sentido, faz se necessário levantar um debate social acerca da importância da aquisição da linguagem de sinais, pois além de facilitar a comunicação entre surdos e não surdos promove o respeito pelo ser humano e a inclusão social” (FERRAZ; FERRAZ, 2015, p. 1). Os ouvintes têm dificuldades para chamar a atenção de uma pessoa surda, pois esquecem que ele não ouve e começam a gritar e gesticulam, ou, quando se aproximam, falam bem devagar achando que ele entenderá. O que as pessoas não sabem é que nem todos os surdos fazem leitura labial. Para chamar a atenção da pessoa surda, o ideal é o toque. Libras 22 O toque, na cultura surda, não é ofensivo como pode ser para a cultura ouvinte. Desse modo, tocar o braço ou ombro de uma pessoa surda pode ser um recurso eficaz quando o visual estiver voltado para outra direção. Entretanto, se a pessoa surda estiver de frente, o ideal é acenar com a mão. A percepção visual dos surdos é mais aguçada do que das pessoas ouvintes e certamente eles perceberão com maior facilidade a sua intenção. (MOURA, 2016, p. 16) Quando um professor está em sala de aula, para chamar a atenção dos surdos, não adianta ficar acenado. Se não estiver no enquadramento visual, ele não vai ver. “Em uma sala com um surdo de costas e distante ou com muitos surdos, a melhor forma de chamar a atenção é acendendo e apagando a luz por uma ou duas vezes” (MOURA, 2016, p. 17). Quanto mais cedo a criança surda aprende a Libras, terá mais chance de se desenvolver como pessoa surda, pois abrem-se possibilidades de se expressar com “[...] maior rapidez e naturalidade na exposição de sentimentos, desejos e necessidades. Possibilita a estruturação do pensamento e da cognição e ainda uma interação social, ativando consequentemente o desenvolvimento da linguagem (BRASIL, 2006, p. 28). De acordo com Ferraz e Ferraz (2015, p. 1), “a comunicação é a forma como as pessoas se relacionam entre si. Consiste numa atividade essencial para a vida em sociedade, pois é desta forma que nos expressamos, emocionamos, transmitimos e recebemos informações”. Para Mussalim e Bentes (2011, p. 26), a língua possibilita ao ser humano desenvolver suas capacidades e uma delas é a “[...] faculdade humana de simbolizar. Sendo assim, é pelo exercício da linguagem, pela utilização da língua, que o homem constrói sua relação com a natureza e com os outros homens”. A Libras possibilita que os surdos possam “[...] discutir filosofia, política, literatura, assuntos cotidianos etc. nessa língua, além de transitar por diversos gêneros discursivos, criar poesias, fazer apresentações acadêmicas, peças teatrais, contar e inventar histórias e piadas, por exemplo” (STROBEL, 2007, p. 121). Libras 23 Moura, (2016) apresenta várias tecnologias que contribuem para facilitar a vida da pessoa surda. São elas: Tabela 1: Tecnologias para as pessoas surdas TECNOLOGIA EXPLICAÇÃO Campainha O toque da campainha é um sinal luminoso que avisa ao surdo a chegada de um visitante. Babá eletrônica vibratória A babá eletrônica vibratória emite um alerta ao menor sinal de choro da criança e os pais surdos sentem essa vibração e sabem que a criança está chorando. Babá eletrônica luminosa Emite um alerta luminoso quando a criança está chorando. Relógio vibratório O despertador funciona com dispositivo de vibração com maior intensidade do que o celular e pode ser colocado debaixo do travesseiro da pessoa surda. Telefone Nele o surdo pode realizar uma ligação para um ouvinte. A ligação é intermediada por um telefonista. A pessoa surda escreve o que deseja que seja dito e o telefonista fala oralmente com o ouvinte. Campainha de escola com sinal luminoso Ao toque do sinal, a luz se acende. Fonte: O autor Para Sacks (1998, p. 52), “um ser humano não é desprovido de mente ou mentalmente deficiente sem uma língua, porém está gravemente restrito no alcance de seus pensamentos, confinado, de fato, a um mundo imediato, pequeno”. Você sabe para que serve uma escola bilíngue destinada a alunos surdos? Moura, Freire e Felix (2017, p. 1288) respondem a essa pergunta dizendo que uma instituição educacional bilíngue faz com que os “[...] alunos surdos se desenvolvam efetivamente nas escolas. É necessário entender Libras 24 como eles aprendem, conhecer sua cultura e respeitá-la, apreciar sua língua e tê-la como principal meio de interação e comunicação”. A luta é constante para que o surdo tenha “acesso à língua de sinais e à segunda língua, à identidade pessoal e social, à informação significativa, ao mundo do trabalho e à cultura dos surdos” (SKLIAR, 1997, p. 53). Os autores acrescentam, ainda, para que isso aconteça “requer uma escola de qualidade, que atenda suas necessidades e os capacitem a uma educação na qual professores e intérpretes sejam profissionais conhecedores da língua de sinais, sua estrutura e gramática” (MOURA; FREIRE; FELIX, 2017, p. 1288). Moura e Vieira (2011, p. 7) explicam que no “Brasil, o Bilinguismo começa recentemente a se configurar como proposta para a Educação de Surdos. No entanto, estamos ainda no processo inicial, balizados na lei e no decreto e em estudos de alguns profissionais da área”. Já ficou estabelecido no Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que a pessoa surda é “[...] aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras)” (BRASIL, 2005, art. 2º). Por isso é necessária uma educação que garanta esses aspectos e que possa proporcionar a interação do surdo com o mundo. RESUMINDO: Compreendemos, neste capítulo, que o contexto envolto no ensino e na aprendizagem da pessoa surda faz um paralelo com as condições ofertadas ao aluno ouvinte. Entendemos também a dificuldade que os professores enfrentam para proporcionar meios educacionais para os surdos e a falta de formação continuada que oferte ferramentas pedagógicas para o exercício da docência em uma sala com pessoa com deficiênciaauditiva e/ou surdez. Vamos para o próximo capítulo. Libras 25 Língua Brasileira de Sinais - Libras INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você entenderá que a Libras é uma língua reconhecida por lei, apesar de fazer parte do conjunto de línguas de sinais espalhadas pelo mundo, sendo esta especificamente brasileira. Motivado para desenvolver esta competência? Vamos caminhar? Avante! Almeida (2013, p. 26) aponta algo muito importante para se compreender a língua de sinais, dizendo que ainda é incerto o momento exato de sua criação, “mas consideramos que elas são criadas por homens que tentam resgatar o funcionamento comunicativo através dos demais canais, por terem um impedimento sensorial auditivo”. O mesmo autor acrescenta que existem alguns mitos sobre a Libras. O primeiro mito é que se apresenta como uma língua universal, ou seja, a mesma em todos os países. “Porém, as línguas de sinais não são universais. Cada país apresenta a sua própria língua e, portanto, se diferencia em cada nacionalidade. No Brasil, ela é chamada de Libras ou LSB” (ALMEIDA, 2013, 18). As línguas de sinais, em determinados países, recebem diferentes configurações de mãos e sinais. Por isso, não se deve acreditar que existe somente um tipo de língua de sinais, pois a literatura aponta a existência de um número grande dessas línguas, como: Língua Gestual Portuguesa (LGP); Sign Language of Netherlands (SLN) – Holanda; American Sign Language (ASL) – EUA; Lengua de Senas Argentina (LSA) – Argentina; British Sign Language (BSL) – Inglaterra; Lengua de Senas Chilena (JSL) – Chile; Langue des Signes Française (LSF) – França; entre outras (ALMEIDA, 2013). A Libras, de acordo com Fernandes (2011, p. 82), “é uma língua de modalidade visual espacial que, diferentemente das línguas orais auditivas, utiliza-se da visão para sua apropriação e de elementos corporais e faciais e organizados em movimentos no espaço para constituir unidades de sentido as palavras ou, como se referem os surdos, os sinais”. Libras 26 Figura 3: Língua de sinais Fonte: Freepik De acordo com Forster (2006), o preconceito sobre a língua de sinais contribuiu para não aceitação e entendimento dessa língua. O autor explica: Não é raro ouvir dizer que as línguas de sinais não são línguas, mas uma linguagem ou algo afim. Este preconceito acontece até mesmo em locais privilegiados para o debate sobre este tipo de assunto, como as faculdades de Letras. Mas, pior que preconceito, a falta de informação, às vezes, é causa de deficiências linguísticas que poderiam ser evitadas se os responsáveis por crianças surdas simplesmente soubessem o quanto é importante dar a elas condições de adquirir uma língua de sinais. (FOSTER, 2006, p. 1) Nessa perspectiva, entende-se que a valorização da língua de sinais ainda tem muitas barreiras a serem transpostas e que cabe a cada estudioso da área e à comunidade surda empunhar essa bandeira de luta. Forster (2006, p. 5) explica que a Libras, como qualquer outra língua, sofre variações e por isso “[...] não basta pegar um alfabeto da Libras para saber Libras, porque as línguas de sinais têm suas próprias palavras, os sinais, que, em geral, não têm qualquer relação com as palavras usadas em línguas orais”. O segundo mito se refere à terminologia surdo-mudo, que está impregnada na sociedade. “A terminologia surdo-mudo tem sua raiz na Libras 27 história, quando a pessoa surda estava condenada à mudez. Ser surdo significava automaticamente ser mudo, e pior, ser um incapacitado, desabilitado e impossibilitado” (ALMEIDA, 2013, p. 21). Não se pode afirmar que uma pessoa surda sempre será muda. “A surdez não interfere diretamente na condição fisiológica da oralidade. Muitos deles, por não terem a referência auditiva, acabam não desenvolvendo naturalmente a oralidade assim como os sujeitos ouvintes” (ALMEIDA, 2013, p. 21). As causas que levam a pessoa a ficar surda não estão ligadas às causas da mudez. Não há relação cientificamente comprovada. A surdez “[...] se relaciona a problemas que afetam o ouvido interno, principalmente a cóclea, ou por degeneração nos nervos auditivos, impedindo que os estímulos sonoros cheguem ao cérebro por meio de estímulos nervosos” (ALMEIDA, 2013, p. 22). A confusão da Libras ser língua ou linguagem constitui o terceiro mito. A Libras, após ser reconhecida e normatizada pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, e o Decreto nº 5.626/05, “[...] como todas as outras línguas orais, com estruturas gramaticais próprias, perde o status de mímica e gesto, passando a não ser considerada como linguagem” (ALMEIDA, 2013, p. 23), mas sim como língua. Quarto mito é que a língua de sinais é uma mímica. Isso acontece porque “[...] muitas pessoas pensam que as línguas de sinais são como mímica, isto é, gestos imitativos que tentam reproduzir algumas das propriedades dos objetos a que fazem referência”. A Libras não é uma mímica, pois, além da legislação que a letigima como língua, possui gramática própria (FORSTE, 2006, p. 2). A Libras é uma “[...] forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil” (BRASIL, 2002, p. 1). Sobre o quarto mito, Forster (2006, p. 2) acrescenta que, semelhante ao que acontece “[...] nas línguas orais, os sinais são parte de um código Libras 28 que, para ser eficaz, tem de ser compartilhado pela comunidade de falantes”. Os sinais são pertencentes à gramática da Libras. Para Almeida (2013, p. 21), “os sinais são os itens lexicais da língua de sinais, dotados de significado, arbitrários na relação entre o significado e o significante, de modo visual. Os sinais expressam sentimentos, emoções, inclusive ideias abstratas”. A Libras não pode ser considerada “[...] simplesmente uma linguagem com mímicas e gestos de que seus falantes se utilizam para se comunicarem” (OLIVEIRA; SILVA, 2014, p. 5). Ao tratar a língua de sinais como uma pantomima, ou seja, expressar-se por meios de gestos sem estruturação gramatical, a pessoa perpetua o preconceito com a Libras. Sendo, [...] uma visão embasada na anormalidade, segundo a qual o máximo que o surdo consegue expressar é uma forma pantomímica indecifrável e somente compreensível entre eles. Não à toa, as nomeações pejorativas: anormal, deficiente, débil mental, mudo, surdo-mudo, mudinho que têm sido equivocadamente atribuídas a esses indivíduos. (OLIVEIRA; SILVA, 2014, p. 5) São inúmeros os mitos que cercam as línguas de sinais, por isso priorizamos abordar os quatros que nos parecem mais usuais e que prejudicam muito o entendimento da língua de sinais. Vale frisar que todos os mitos são pejorativos e buscam denegrir a Libras, de modo a lançar no social a crença de que ela continua sendo uma linguagem gestual e que não consegue dar conta de expressar conteúdos abstratos. Um mito frequente é de que a Libras não possui variações linguísticas. Isso não é verdade, pois a variação linguística está “[...] presente nas línguas humanas, independentemente de ação normativa (gramática). Em qualquer língua oral e também na Libras é possível identificar variações oriundas do contexto histórico, geográfico, sociocultural e comunicativo” (FERREIRA et al. 2011, p. 16). Não podemos aceitar que o surdo construa uma identidade flutuante ou uma identidade inconformada, pois “[...] em ambas impera uma concepção clínico-patológica sobre a surdez, e o ouvintismo Libras 29 engendra essa percepção sobre si mesmo e seu espaço no mundo” (MOURA, 2016, p. 14). Mas o que seriam identidade flutuante e identidade inconformada? Moura (2016, p. 14) explica esses dois conceitos dizendo que: “Na identidade flutuante o surdo assume o papel de deficiente e comporta- se demodo a tentar superar sua perda auditiva, enquanto na identidade inconformada o surdo sente-se inferior ao ouvinte”. Existe também a identidade de transição e a identidade híbrida. A primeira diz respeito ao fato de o surdo não se sentir nem pertencente à cultura surda nem pertencente à cultura ouvinte. Isso porque ele teve o contato com a comunidade surda tardiamente e não desenvolveu sua identidade surda. A identidade híbrida, segundo Moura (2016, p. 14), “é aquela em que o surdo perdeu audição ao longo da vida e aprendeu a Língua de Sinais como uma segunda língua. Dessa forma, conserva seu pensamento pautado na língua oral, mas reconstrói suas relações sociais amparadas na língua visual”. Por isso a importância de se estudar a Libras e iniciar uma quebra de paradigma, pois essa língua fortalece a comunidade surda e mostra que é composta de variações como qualquer outra língua. “São línguas que não se derivaram das línguas orais, mas fluíram de uma necessidade natural de comunicação entre pessoas que não utilizam o canal auditivo- oral, mas o canal espaço-visual como modalidade linguística” (QUADROS, 1997, p. 47). A variação linguística pode ter como base o contexto histórico, em que as palavras sofrem mudança, dependendo da época e do contexto social, como também podem ser substituídas por outras. Já no contexto geográfico “[...] trata das mudanças identificadas em comunidades usuárias da mesma língua, porém que habitam em regiões distintas” (FERREIRA et al. 2011, p. 16). No contexto sociocultural as variações linguísticas estão relacionadas à identidade de “[...] um grupo, grau de instrução, idade, gênero ou padrão econômico. O contexto comunicativo se reporta à situação, mais ou menos formal, à relação estabelecida entre os Libras 30 interlocutores e ao conteúdo da mensagem” (FERREIRA et al. 2011, p. 1). A variação linguística [...] está presente em todas as línguas vivas, em movimento. É justamente nessas práticas sociais de uso da linguagem entre surdo/surdo e surdo/ouvinte que é possível enxergar esse multilinguismo (variedades desprestigiadas em sinais, em português, em combinação de modalidades), as marcas da heterogeneidade nos sinais [...], ou seja, as várias línguas em Libras. (GESSER, 2009, p. 41) Na Libras, segundo Ferreira (et al. 2011, p. 16) “como a Língua Portuguesa, apresenta variações linguísticas determinadas pela existência de um mesmo sinal com significados diferentes (polissemia), ou de sinais diferentes que remetem um mesmo significado (sinonímia)”. De acordo com Aragão Neto (2012, p. 208), a “polissemia é a propriedade que um signo, não necessariamente uma palavra, pois pode ser também um afixo, tem de possuir mais de um significado relacionados entre si”. A polissemia pode dificultar o entendimento do contexto que se quer sinalizar, pois “[...] possibilita que com um pequeno número de sinais tenhamos um grande número de significados. Por outro lado, isso reforça a ambiguidade e a imprecisão, prejudicando a compreensão, especialmente no contexto bilíngue Libras-Língua Portuguesa (Ferreira et al., 2011, p. 20). São exemplos de polissemia: Libras 31 Figura 4: Polissemia Fonte: O autor A sinonímia se configura como “um nexo entre expressões que têm significados semelhantes: casa e residência são bons exemplos. Mas veja, eu falei em significados semelhantes, não falei em significados totalmente idênticos” (ARAGÃO NETO, 2012, p. 224). De acordo com Costa (2016, p. 51), “as variações entre os sinônimos podem se efetivar conforme quatro aspectos, que são: variantes regionais ou geográficas, variantes estilísticas ou discursivas, variantes psicológicas ou expressivas, e variantes etárias ou históricas”. São exemplos de sinonímia: Libras 32 Figura 5: Sinonímia Fonte: O autor Existem também a antonímia, que “[...] ocorre quando duas ou mais palavras apresentam alguma oposição de significado entre si, a exemplo de bom e ruim (ARAGÃO NETO, 2012, p. 224). São exemplos de antonímia: Figura 6 : Antonímia Fonte: O autor Há também nos sinais a ocorrência de homonímia. São sinais iguais e que têm os mesmos parâmetros de Libras. Exemplo: LARANJA e SÁBADO. No caso desse sinal eles têm movimento semicircular. “Os sinais Libras 33 podem representar qualquer dado da realidade social, não se reduzindo a um simples sistema de gestos naturais, ou mímicas como pensa a maioria das pessoas” (FERNANDES, 2011, p. 82). São exemplos de homonímia: Figura 7 : Homonímia Fonte: O autor RESUMINDO: A Libras é uma língua muito interessante e desperta cada vez mais o interesse dos estudiosos para entendê-la. “Ao conhecer a Libras e as pessoas surdas, há uma tendência ao afastamento da compreensão da surdez como falta, ausência, incapacidade ou doença” (MOURA, 2016, p.13). Os preconceitos quanto à pessoa surda têm grandes possibilidades de se dissiparem frente ao conhecimento da Libras e da comunidade surda. Libras 34 Alfabeto Manual INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de entender as configurações do alfabeto manual e como ele foi utilizado na Libras, bem como sua história de criação e que ele contribui para a comunicação entre pessoas surdas e não surdas. Motivado para desenvolver esta competência? Vamos caminhar? Avante! Schlünzen, Benedetto e Santos (2012), ao estudar a história da pessoa surda, retratam acontecimentos muito importantes para entendermos a criação do alfabeto manual. As autoras explicam que “Ponce de Leon (1510-1584), monge Beneditino, usava sinais para se comunicar por conta de um voto de silêncio que havia feito na Espanha, sua terra natal”. Isso fez com que ele fosse precursor dessa língua, mas a descoberta do Alfabeto Manual, muito utilizado nas línguas de sinais, não tinha ligação com a audição de palavras e foi criado o Padre Espanhol Juan Pablo Bonet (1579-1633). O alfabeto manual, ou alfabeto datilológico, auxilia na comunicação entre pessoas surdas ou não e está presente em vários sinais da Libras. Segundo Castro Junior (2014, p. 37), “a datilologia é muito utilizada pelos falantes de Libras no Brasil. O alfabeto manual ou datilológico é usado para expressar nomes de pessoas, nomes próprios, de localidades, empréstimos linguísticos e outros termos que não apresentam um sinal‐ termo correspondente na Libras”. Lélis (2016, 37) explica que a datilologia se utiliza alfabeto manual para soletrar palavras. “Às vezes, uma palavra da língua portuguesa que por empréstimo passou a pertencer à Libras, por ser expressa pelo alfabeto manual com uma incorporação de movimento próprio dessa língua, será apresentada pela soletração ou parte da soletração [...]”. Dois exemplos de palavras emprestadas da língua portuguesa são apresentados pelo autor: NUNCA e REAIS. Libras 35 Figura 8: Alfabeto manual Fonte: O autor Acima apresentamos as configurações de mão do alfabeto manual, mas algumas, para formar as letras, possuem movimento, como: H, J, K, X e Z. As setas mostram o sentido dos movimentos: Figura 9: Movimentos do alfabeto manual Fonte: O autor Libras 36 Há também uma configuração que tem movimento, mas que pode ou não aparecer na tabela: “Ç”. Para fazer essa letra do alfabeto o sinalizante faz o C com movimento. Figura 10: Letra C Fonte: O autor Alguns estudiosos da educação dos surdos tentaram incorporar o alfabeto manual nas línguas de sinais para a educação dos filhos surdos dos nobres, já que esse ofício lhes rendia muito dinheiro. Isso porque eram raros professores para pessoas surdas. Foi Thomas Braidwood (1715- 1806) que criou o método que utiliza o alfabeto manual com as duas mãos (SCHLÜNZEN, BENEDETTO E SANTOS, 2012, p. 3). No método de Thomas Braidwood, “[...] seus estudantes aprendiam palavras escritas, seu significado, sua pronúncia e a leitura orofacial. Braidwood fundou a primeira escola para as PS’s na Grã-Bretanha,que mais tarde foi transferida para a Inglaterra. Um dos estudantes dessa escola, Kinniburg, multiplicava seu método” (SCHLÜNZEN, BENEDETTO E SANTOS, 2012, p. 3). Na prática, podemos observar que com alfabeto manual pode- se escrever qualquer palavra que esteja na língua portuguesa. Vamos observar a composição das palavras no quadro abaixo: Libras 37 Figura 11: Composição de palavras pelo alfabeto manual Fonte: O autor Bisol e Valentini (2011) chamam atenção para alguns equívocos sobre o alfabeto manual que são disseminados na sociedade. Um deles é que há quem acredite que a língua de sinais é a soletração das palavras vindas das línguas orais, neste caso a língua portuguesa, por meio do alfabeto manual. Outro equívoco muito comum é afirmar que o alfabeto manual foi criado pela língua de sinais (Libras). O alfabeto datilológico é um recurso, segundo Bisol e Valentini (2011, p.1), utilizado em situações como: “quando não existe ou se desconhece um equivalente pronto à palavra ou ao conceito na língua de sinais; para nomes próprios; para títulos de Libras 38 trabalhos; para explicar o significado de um sinal para um ouvinte que conheça o alfabeto manual”. Forster (2006, p. 5) corrobora com a discussão e acrescenta que “não basta pegar um alfabeto da Libras para saber Libras, porque as línguas de sinais têm suas próprias palavras, os sinais, que, em geral, não têm qualquer relação com as palavras usadas em línguas orais”. Somente aprender o alfabeto manual não vai deixar ninguém fluente na Libras. Segundo Almeida (2013, p. 13), “A datilologia ou o alfabeto manual é um sistema de representação, quer simbólica, quer icônica, das letras dos alfabetos das línguas orais na sua forma escrita, porém, por meio das mãos”. O alfabeto manual, assim como a língua de sinais, não é universal, ou seja, diferencia-se em cada país. Isso é um equívoco que deve ser sanado, pois, mesmo que alguns carreguem semelhanças, apresentam “diferenças em suas estruturas manuais”, como nos mostra Almeida (2013, p. 31-39). Almeida (2013) apresenta muitos outros modelos de alfabeto manual existentes em torno do mundo. Isso faz com que tenhamos a reflexão de que se faz necessário pesquisar um assunto e aprender mais sobre ele antes de realizar afirmações e acreditar em mitos sobre a língua de sinais. A língua de sinais em todo mundo é muito rica em variações. No Brasil, essa variação se apresenta, em muitos casos, de região para região. Isso mostra a riqueza dessa língua e como ela tem que ser valorizada, pois pertence um grupo de pessoas com representações em cada parte do planeta. Libras 39 RESUMINDO: Agora, para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido a diferenciar os métodos de ensino Oralismo da Comunicação Total e do Bilinguismo. Também compreendeu a trajetória da pessoa surda em busca de seus direitos educacionais e os principais nomes que contribuíram para pensarmos o ensino-aprendizagem. Outro conteúdo apresentado nesta unidade foi referente às características da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a criação do alfabeto manual, muito utilizado na Libras. Já estamos na metade da nossa viagem nos caminhos da Libras. Com certeza, agora você está preparado para continuarmos nossa viagem rumo aos sinais da Libras. Libras 40 REFERÊNCIAS CAVALCANTI, W. M. A. Fundamentos da educação de surdos. In: FARIA, E. M. B. de; CAVALCANTE, M. C. B. (org.). Língua portuguesa e libras: teorias e práticas. 1 ed. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2010, v. 1, p. 85-112. QUADROS, R. M. de; SCHMIEDT, M. L. P. Ideias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/port_surdos.pdf.Acesso em: 19 jul. 2020. POKET, R. B. Abordagens de ensino na educação da pessoa com surdez. 2008. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/ Extensao/Libras/mec_texto2.pdf. Acesso em: 19 jul. 2020. FERNANDES, S. Educação de surdos. 2 ed. Curitiba: Ibpex, 2011. GESSER, A. Libras? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. STROBEL, K. História da educação de surdos. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2009. Libras http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/port_surdos.pdf https://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/Libras/mec_texto2.pdf https://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/Libras/mec_texto2.pdf Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo Oralismo Comunicação total Bilinguismo Ensino-aprendizagem do aluno surdo Comunicação com pessoas surdas Língua Brasileira de Sinais - Libras Alfabeto Manual
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