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Seligman E_Um caso de TEPT em motorista de ônibus urbano

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1
Publicado no livro: Glina, D. e ROCHA, L. (orgs.) Saúde Mental e Trabalho - da Teoria 
à Prática ; S. Paulo, ed. Roca, 2010. pp. 371 -390.
Transtorno de estresse pós-traumático: um caso de TEPT em motorista de 
ônibus urbano.
Edith Seligmann-Silva 
 Nosso propósito, neste texto, é apresentar um caso de estresse pós-traumático relacionado 
ao trabalho, os critérios necessários ao diagnóstico e alguns desafios que, na prática, se 
colocam à elaboração do diagnóstico e aos encaminhamentos desses trabalhadores para o 
retorno ao trabalho.
 Definição : A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) define da seguinte 
maneira o transtorno do estresse pós-traumático: 
“O Transtorno de Estresse Pós traumático caracteriza-se como uma resposta tardia 
e/ou protraída e geralmente prolongada, a um evento ou situação estressante (de curta ou 
longa duração) de natureza excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica, a qual 
reconhecidamente causaria extrema angústia em qualquer pessoa, como por exemplo, os 
desastres naturais ou produzidos pelo homem, acidentes graves, testemunhar a morte 
violenta de outra(s) pessoa(s), ser vítima de tortura, estupro terrorismo ou outro crime. A 
pessoa experimentou, testemunhou ou foi confrontada com um evento ou eventos que 
implicaram morte ou ameaça de morte ou de lesão grave, ou ameaça da integridade física 
dopaciente ou de outros.” 
A VIVÊNCIA DE DESAMPARO TOTAL POR OCASIÃO DO TRAUMA É A 
MARCA CARACTERIZADORA DO EVENTO TRAUMÁTICO ASSINALADA PELOS 
ESTUDOS PSICANALÍTICOS. 
O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) faz parte do grupo F43, que reúne as 
Reações ao estresse severo e distúrbios da adaptação, da Classificação Internacionais de 
Doenças (CID –l0). O TEPT corresponde ao código 43.1 e integra a lista de 12 distúrbios 
psíquicos reconhecidos como relacionados ao trabalho pela Portaria do Ministério da 
Saúde 1.339 de 1999. Os Agentes Etiológicos ou Fatores de risco de natureza ocupacional 
considerados oficialmente para este código são : Outras dificuldades físicas e mentais 
relacionadas ao trabalho; reação após acidentes grave ou catastrófico; ou após assalto no 
trabalho Z-56.6 . Circunstancia relativa às condições de trabalho - Y-96 (Ministério da 
Saúde, 2001). 
2
A prevalência deste transtorno mental tem aumentado internacionalmente, e, de 
modo mais marcante, nos contextos em que cresce a violência social, como é o caso nas 
grandes metrópoles brasileiras.
Mari e Mello (2008) afirmam que existem razões para que o impacto da violência nas 
taxas de TEPT seja muito elevado, não só no Brasil, mas em toda a América Latina mas 
que estas taxas são desconhecidas.
A cidade de S. Paulo - Atualmente está em curso uma pesquisa epidemiológica 
especialmente voltada ao tema dos impactos psicopatológicos da violência na cidade de S. 
Paulo. A amostra contemplou todas áreas da cidade e foi estratificada proporcionalmente 
aos índices de violência de cada área. Quanto maior o índice, maior o número de 
entrevistados. Um relatório preliminar foi divulgado em 2009 e mostra que, em 2536 
pessoas entrevistadas 63,5% referiram exposição direta a eventos de violência urbana ao 
longo da vida Além disso, 48,4% dos entrevistados haviam tido experiência pessoal com 
mais de 3 eventos traumáticos. O relatório apresenta as prevalências de transtornos mentais 
na mesma amostra populacional: a taxa mais elevada foi de transtorno de estresse pós-
traumático: 26,0%. Os pesquisadores concluíram que: a maior parte da população da cidade 
de S.Paulo está diretamente exposta à violência urbana e que as taxas de violência dos 
distúrbios mentais estão fortemente associadas a essa exposição. 
Destacamos, entre os outros distúrbios psíquicos que apareceram associados à 
violência: os transtornos depressivos com prevalência de 22,7% e o abuso ou 
dependência de bebidas alcoólicas, que teve 10,2%.( Ribeiro e cols., 2009). 
A área de transportes é um dos palcos da violência urbana. Nos últimos 25 anos, a pesar de 
existir um crescimento significativo do número de acidentes em transportes terrestres no 
Brasil, as agressões psíquicas passaram a ter, adicionalmente, uma outra causa – a violência 
intencional e criminosa deflagrada em assaltos e tentativas de assalto –o que se tornou 
marcante no caso do transporte coletivo urbano. Recente trabalho jornalístico que reuniu 
depoimentos e dados de especialistas de todo o país, levam a essa constatação (Oliveira, 
2009). A frequencia dos casos de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) em 
motoristas e cobradores de ônibus faz parte deste panorama de violência. 
3
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-
TRAUMÁTICO
Procuraremos resumir as diretrizes para o diagnóstico de TEPT, integrando os 
critérios definidos pela CID-10 da Organização Mundial de Saúde e os do DSM-IV, da 
Associação Americana de Psiquiatria.
Evento traumático e sintomas correspondentes aos conjuntos de manifestações 
(clusters) adotados oficialmente como critério diagnóstico de TEPT. 
O evento de natureza traumática e a resposta emocional intensa caracterizam a condição 
necessária para estabelecer o diagnóstico. Necessária, porem não suficiente. Pois a resposta 
do indivíduo confrontado com o evento, poderá se limitar a um choque transitório, 
configurando uma reação aguda ao estresse (F 41.0, choque pós-traumático), que perdura 
apenas por algumas horas e não costuma prolongar-se por mais de três dias (WHO, 1992). 
Em outros casos, depois de um período de latência, surgirão as manifestações dos três 
grupos de sintomas que, juntamente com o evento traumático, são indispensáveis para que o 
diagnóstico seja estabelecido. - tanto em acordo às diretrizes do IC-10 quanto seguindo as 
especificações do DMS- IV. 
Os grupos de sintomas estabelecidos pelos critérios diagnósticos acima referidos 
são os seguintes: 
1- Fenômenos de revivescência e rememoração forçada do evento traumático, que é 
revivido em uma ou mais das seguintes formas: a) recordações ou pensamentos aflitivos, 
repetitivos e intrusivos do evento traumático, às vezes com percepção de imagens; b) Sonhos 
e pesadelos repetitivos com o evento; c) Sentimento de revivência, em que a pessoa age ou 
sente como se o evento estivesse acontecendo de novo, podendo haver ilusões e mesmo 
alucinações, e/ou fenômeno em que a cena traumática é visualizada como se fosse um filme 
(Flashback); intenso sofrimento psíquico quando vê ou encontra algo que evoca local, 
aspecto ou detalhe do evento (alguém com característica física ou indumentária semelhante 
às do agressor, por exemplo). 
2) Manifestações de evitação de tudo o que possa evocar o evento traumático : o 
portador de TEPT sente-se compelido a evitar o sofrimento de lembrar (já que lembrar, 
para ele, passou a ser reviver o evento). Assim, evitará: a) aproximar-se do local onde 
aconteceu o evento; ver pessoas associadas ao mesmo ou defrontar-se com objetos ou 
pessoas que tenham características físicas, roupas ou outros detalhes que façam lembrar a 
situação, os agressores ou as vítimas (de grande acidente, por ex.) A evitação pode incluir os 
4
ruídos, o tipo de iluminação, os cheiros, enfim, tudo o que tenha semelhança com algum 
detalhe ou pessoa ligada ao o evento traumático; b) evita falar sobre o evento, relatar o que 
aconteceu– o que, como veremos, é um dos obstáculos que dificultam o diagnóstico. Em 
geral, também evita ouvir outra pessoa falar a respeito; c) a evitação é vivida também 
internamente, como um entorpecimento em que há um distanciamento afetivo inclusive das 
pessoas que lhe eram mais significativas e queridas. A perda de prazer (anedonia) costuma 
aparecer e há muitas vezes um congelamento tal da vida afetiva que inclusive a libido e a 
vida sexual são esvaziadas (com preocupações de impotência sexual apresentadas ao 
médico). Ocorre ainda, um grau variável dedesorientação em relação ao tempo e às vezes, 
ao espaço – o que explica que muitos portadores de TEPT relatem que se perdem ao saírem 
à rua, A desorientação temporal também prejudica a memória e relatos cronologicamente 
ordenados. É neste conjunto de manifestações que o humor costuma se inclinar à depressão, 
favorecendo idéias mórbidas, associadas à vivência de impotência diante das ameaças 
pressentidas. Não raro, podem surgir ideias de suicídio e, às vezes, ocorrerem tentativas. É 
quando a paciente busca escapar da própria vida que lhe parece agora insuportável e 
invadida pelo trauma permanentemente revivido. (Nota acrescentada em 2016: Na nova 
classificação norte-americana DMS-5 a depressão passou a constar como um dos critérios 
diagnósticos) 
3 - Hipervigilância e hiperexcitação, que se acompanham geralmente de ansiedade: O que 
caracteriza este terceiro conjunto (cluster) é o estado de alerta permanente, a pessoa como 
que em guarda e à espera de um novo acidente ou ataque. Inclui sobressaltos, dificuldade 
para adormecer, manter ou aprofundar o sono. A hiperexcitação explica a impossibilidade de 
concentrar atenção - tornando perigosa a tentativa de dirigir veículos ou manter-se em 
atividades de trabalho que envolva riscos para si ou para outras pessoas. Um dos sintomas 
mais perturbadores para o paciente e para seu relacionamento com outras pessoas faz parte 
deste conjunto: a irritabilidade, que pode exacerbar-se levando a explosões, gritos e ímpetos 
agressivos Neste cluster estão também às manifestações psicofisiológicas em que diferentes 
alterações neurovegetativas são acionadas pela excitação: sudorese, tremores, tonturas, 
palpitações, cólicas intestinais, entre outras. Em alguns pacientes, estes fenômenos dominam 
o quadro e as queixas apresentadas ao médico, encobrindo e dificultando o diagnóstico de 
TEPT. Esse terceiro cluster nos remete, também, às pesquisas e descobertas de ordem 
biológica – outra face que, como já foi mencionado, vem se articular à social e à psicológica 
deste transtorno e que traz novas explicações para vários fenômenos, como os que se 
refletem na conduta de evitação e na memória dos adoecidos. 
5
 Nota posterior à publicação deste texto : Acréscimo aos critérios diagnósticos foi fixado 
em 2013 pela DSM 5- que determinou como novo critério a presença de depressão e suas 
manifestações também fazem parte do quadro de TEPT. 
 O Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde, do Ministério da 
Saúde (2001), formula claramente que quando o evento traumático ocorrido 
no trabalho foi à causa necessária revelada no estabelecimento do diagnóstico 
– isto implica em nexo causal com enquadramento no Grupo um da 
Classificação de Schilling. (Ministério da Saúde, 2001, p.182).
 
ESTUDO DE CASO
Estudo de Caso do Sr. Antonio F. , de 53 anos, casado, curso médio completo, 
motorista de ônibus. 
 O relato do caso tomará por base os registros do atendimento psiquiátrico que 
realizado no ambulatório de um hospital público na cidade de S. Paulo. O paciente foi 
encaminhado para consulta psiquiátrica, após avaliação clínica geral feita por médico do 
mesmo Hospital. 
Faremos um relato do primeiro atendimento para depois apresentar e comentar os 
principais aspectos do caso e da evolução ao longo de 8 meses de tratamento. 
 1ª consulta psiquiátrica: Sr. Antonio estabelece bom contato, mostra-se lúcido, muito 
cordial e levemente ansioso. Fala com clareza e linguagem muito correta. Diz que sempre foi 
uma pessoa muito sociável, gostava de passear com a família, sempre teve vários amigos e 
que era muito brincalhão. Agora isso mudou. Evita contatos, retraiu-se muito, por causa do 
nervosismo devido ao meu problema de zumbido. Algumas perguntas sobre o histórico da 
doença, entretanto, são respondidas com imprecisão, de uma forma vaga e meio apressada, 
havendo logo passagem para outro assunto. Como iremos relatar, na segunda parte da 
entrevista, o quadro psíquico pôde ser visto mais claramente, revelando falhas de memória e 
outros aspectos que serão apresentados. 
Queixa e motivo da consulta: Refere que o motivo da consulta é a insônia, que o deixa 
muito nervoso e que veio solicitar medicação para este problema. Diz que a insônia e o 
nervosismo resultam do aumento de zumbidos e que os zumbidos se devem a um problema 
de ouvido. Acrescenta: Eu já não conseguia escutar a campainha que os passageiros 
tocavam- e isso (escutar) é necessário para o trabalho do motorista. 
Encontra-se em auxílio-doença previdenciário há 5 anos, após piora do problema 
do ouvido e ter sofrido um desmaio durante o trabalho no ônibus. Não detalha quando 
6
indago porque desmaiou, respondendo apenas o problema do ouvido e o zumbido até já me 
provocaram uma queda, continuando a detalhar o quanto os zumbidos o perturbam e que às 
vezes os mesmos são acompanhados por tonturas. Pioram também com ruídos, por isso não 
conseguiu mais trabalhar no ônibus. 
Em casa, se refugia no quarto por causa da irritação provocada até pelas vozes das 
pessoas da família. Antes, “estourava “com eles por causa disto e depois se arrependia. 
Também por isso, para não machucar mais a família é que se fecha no quarto. 
 Diz que já fez tratamento psiquiátrico por causa do nervosismo, que o diagnóstico 
referente a seu auxílio-doença era o diagnóstico do otorrinolaringologista , que teria lhe 
dito que ele não teria mais condições de trabalhar como motorista de ônibus por causa deste 
problema de ouvido. E que depois outro médico disse que também tinha outro impedimento 
para voltar a dirigir ônibus - doença do pânico... Traz um relatório do otorrinolaringologista 
e o diagnóstico é de “síndrome periférica irritativa” , constando no resultado da 
audiometria : “ perda auditiva neuro- sensorial de grau leve” . O especialista lhe explicara 
que isto significava que ele tinha uma labirintite. .
Exame clínico: O exame realizado pelo clínico geral, não havia evidenciado 
alterações além das queixas relacionadas à surdez e labirintite . Outros dados eram: 
Pressão arterial 13X8 ; .eletrocardiograma sem alterações. 
 Nos antecedentes pessoais, apenas menciona: “problemas de ouvido” que segundo sua mãe 
lhe relatou, sempre tivera , desde muito pequeno. Disse ainda ser fumante desde a 
juventude, fumando entre 10 e 15 cigarros diários. 
Nos antecedentes familiares não há nada digno de nota. Pai faleceu por “doença pulmonar” e 
a mãe é viva e saudável, assim com seus três irmãos. 
 Este foi, em resumo, o conteúdo dos primeiros 40 minutos de uma consulta psiquiátrica 
inicial, na qual Sr. Antonio, a princípio, se apresentava como paciente com grave e 
incapacitante problema de otorrinolaringologia e que havia buscado um atendimento 
psiquiátrico unicamente para obter uma receita de sonífero. Quando perguntamos por que 
seria que lhe haviam atribuído o diagnóstico de síndrome do pânico, fora evasivo, dissera 
que devia ser por causa do nervosismo decorrente do “problema de ouvido” Já de pé para 
retirar-se com a receita, ao despedir-se, pronunciou pela primeira vez a palavra medo: Bom, 
agora vou pegar o metrô com meu vizinho (acompanhante que estava na sala de espera). De 
metrô, fica mais longe, pra voltar pra casa, mas tenho medo do ônibus. A psiquiatra 
demonstrou surpresa: Medo? Tem medo de andar de ônibus? Mas como é isso? Houve uma 
pausa na qual pareceu um pouco desnorteado (talvez por perceber que tinha aludido ao 
7
medo) o que logo deu lugar a uma forte emoção. Foi solicitado que sentasse novamente. 
Aos poucos, fluiu uma narrativa inicialmente entrecortada por pausas- nas quais a memória 
parecia ficar enevoada. 
 A seguir, apresentamos o relato desta segunda parte da consulta, incluindo – para 
completar o histórico – detalhes obtidos nas entrevistas subseqüentes. O novo relato se 
iniciou quando pedimos para nosfalar mais sobre este medo de andar de ônibus, nele que 
era motorista, e de como o mesmo havia tido início. Foi então que realmente falou dos 
assaltos, os quais – ao ser indagado a respeito na anamnese – só havia mencionado de 
passagem, como se fizessem parte da rotina de motorista de ônibus. Integramos este relato 
ao conjunto da anamnese, a seguir: 
História ocupacional: Trabalhara durante 4 anos em metalúrgica como ajudante de 
serralheiro, exposto a ruído intenso e constante. Teve também empregos em vários 
escritórios, onde trabalhou como auxiliar de escritório antes de tornar-se motorista de 
ônibus. Exercia a profissão de motorista há 14 anos, sempre na mesma empresa, até ser 
afastado do serviço pela doença atual, há 5 anos . A jornada de trabalho era em média de 11 
horas diárias, 6 dias por semana. Houve uma fase - por 3 anos aproximadamente- em que 
trabalhava 13 a 14 horas diárias – o que fez para poder pagar a construção de sua casa. 
Gostava da profissão, dava-lhe mais satisfação que o trabalho em escritório e ganhava 
melhor. 
 Família atual: Vive com a esposa e um filho de 15 anos. Possui três filhos casados e 6 
netos. Todos os filhos são saudáveis. Diz que o relacionamento conjugal é muito bom, que a 
família “tem muita paciência comigo” e que ama muito a esposa. 
Relato do episódio traumático: Era fim da tarde e o ônibus estava cheio. De repente, 
percebi que o cobrador estava sendo assaltado e logo um bandido já estava encostando a 
arma na minha cabeça. 
Só depois de mais duas entrevistas conseguiu contar que o assaltante havia batido 
com a arma em sua testa, provocando ferimento, e que nesse momento teve a certeza de que 
sua morte seria imediata e de que nada poderia fazer para salvar-se. Prosseguindo o relato, 
conta que havia um policial no carro e que o mesmo quis impedir o assalto ao cobrador. 
Mas um dos assaltantes atirou, o policial caiu morto e os bandidos atiraram matando mais 
duas pessoas – um homem e uma moça. “Mas eu só soube disso depois – porque apaguei 
quando começou o tiroteio, fiquei desmaiado, em estado de choque. Fiquei desligado e só 
dei acordo de mim, no dia seguinte, em casa, depois de ter passado a noite em um Hospital. 
8
Acordei sem lembrar o que tinha acontecido comigo – foi minha mulher que me mostrou 
meus braços cheios de hematomas -pelas injeções que haviam me dado. 
 Sr. Antonio conseguiu, durante o tratamento, falar-nos com mais detalhe da sensação 
de impotência e total desamparo que vivenciou após ser ferido e escutar os tiros, antes de 
perder a consciência. Lembrou melhor também posteriormente, de outros detalhes do 
assalto.
 Deste modo, o relato preenche plenamente o primeiro critério diagnóstico: a 
ocorrência de um evento que se caracteriza como traumático pela ameaça à vida e pela 
impotência (desamparo) vivenciada na ocasião. 
Voltou ao trabalho dois dias depois do assalto, porém, ao entrar no ônibus, sentiu 
intenso mal-estar, tremores, suava muito e foi acometido por tontura. Conta que a tontura e 
os zumbidos o impediram de dirigir neste e nos dias seguintes. Aproximadamente 6 dias 
depois, foi ao otorrinolaringologista do convênio médico da empresa. Após exame e parecer 
feitos pelo otorrinolaginlogista, entrou em auxílo-doença pelo INSS , onde apresentou laudo 
do especialista. 
Ao terminar o primeiro relato sobre o assalto, o Sr.Antonio disse: Nesses 5 anos, eu 
nunca tinha falado disso a ninguém, em nenhuma consulta, nem em minha casa. Nem minha 
família sabe que sinto esse medo. Só falo a eles do mal-estar e do zumbido. 
 Sintomas e mudanças que se seguiram ao evento traumático: o medo
Sr. Antonio sentia-se profundamente abalado pelo acontecido e em casa não tinha ânimo 
para nada, cada vez com mais tontura, zumbido nervosismo. Após algumas semanas (não 
consegue precisar quantas), começou a ser acometido por lembranças do assalto : Eu não 
queria, mas aquelas cenas vinham no meu pensamento de repente, eu não conseguia me 
livrar delas. E às vezes, parecia que estava acontecendo de novo: em vez de lembranças, as 
cenas apareciam externamente , “como se fosse um filme, tudo outra vez, os bandidos e as 
mortes na minha frente. Os resíduos do trauma, conforme estudados originalmente por 
Pierre Janet correspondem, certamente, às idéias e imagens que povoavam a mente e 
invadiam o cotidiano diurno e noturno do Sr. Antonio – inundando-o com lembranças 
terrificas, manifestando-se nos momentos de sobressalto, nos flashbacks, e nos pesadelos e 
atingindo o organismo, ao torna-lo vulnerável, hipersensível e hiper-reativo aos estímulos 
associados com trauma. Desta forma, revivia continuadamente o evento traumático. 
Mas a experiência violenta do assalto não era revivida apenas nas lembranças intrusivas e 
nos sobressaltos Ressurgiu também em pesadelos cujo conteúdo era constituído por cenas 
do tiroteio e, às vezes, de outros assaltos que sofrera anos atrás, também no ônibus. 
9
Desde então, sente medo de sair de casa. Nunca mais conseguiu sair à noite, “porque 
fiquei com medo do escuro”, explicou. O medo de entrar em ônibus brotou 
concomitantemente. A partir desta época, anda de ônibus raramente e só se estiver 
acompanhado. Mas sempre evitou falar desse medo, por isso jamais contou nada a respeito 
nem para os médicos nem para a família. Relatava somente, nas consultas médicas, suas 
reações físicas, sem dizer quando essas reações ocorriam – isto é, que irrompiam nos 
momentos nos quais era tomado pela vivência de estar sob ameaça iminente de uma nova 
agressão. E que isso acontecia sempre que via alguma coisa que lembrasse a cena do assalto. 
Nessas ocasiões, se desencadeava, como disse: um pânico que me fazia tremer, suar, ficar 
tonto.
 Referiu que já conseguia, agora, permanecer fora de casa, sem problema: se eu 
estiver acompanhado por pessoa da família e não estiver vendo pessoas estranhas. O mal-
estar sobrevém, quando vê gente desconhecida na rua - principalmente se forem jovens com 
roupas e bonés que lembrem os assaltantes. Proibi até meu filho de usar boné, pra não me 
sentir mal diante dele. Conta que desde que se afastou do trabalho não consegue mais ficar 
em ambientes fechados (exceto seu quarto) e evita elevadores: Quando preciso ir ao 
sindicato, subo oito andares pela escada. 
Sono – Relatou que o sono ficou perturbado desde o evento traumático, mas, 
posteriormente, a situação se agravou e ainda persiste difícil. Quando começa a adormecer, 
desperta sobressaltado e sobrevém o medo. Depois que os pesadelos começaram a ocorrer, 
passou a dormir menos ainda. Tornou-se também cada vez mais nervoso e fica irritado com 
os familiares pelas menores coisas, Nestas ocasiões, algumas vezes teve “explosões” em que 
gritou de forma agressiva com a esposa ou o filho. Depois desses episódios, referiu que 
sentia raiva de si mesmo, por ter sido injusto e ter magoado os que o amavam. Foi então que 
resolveu isolar-se no quarto – porque ‘ já não suportava escutar a voz de ninguém e pra 
não fazer mais mal pra família”.
Tentativa de suicídio - Passou a odiar cada vez mais a si mesmo, achando 
que se tornara um tormento para os outros. Ao mesmo tempo, esse ódio era também nutrido 
pela auto-acusação de ter-se tornado um inútil..Relata “ E foi porque fiquei desesperado 
com a minha inutilidade que pensei em acabar com tudo . A insônia persistente o fizera 
procurar um psiquiatra que receitou Rivotril. Mas continuou dormindo pouco nas noites em 
que os sobressaltos e pesadelos se repetiam. E quando não era o pesadelo que vinha, eu 
ficava acordado, e aquelas lembranças vinham me perturbar. Foi quando uma noite “ no 
desespero de não conseguir dormir e da raiva de mim mesmo, tomei tudo o que tinha 
10
num vidro de Rivotril ( liquido.)” . A família o socorreu e foi levado a serviço de Pronto 
Socorro e ali submetido àlavagem gástrica. Comenta, após relatar a tentativa de suicídio : 
Eu escapei e foi melhor assim – porque, ao mesmo tempo que sinto esse desespero, também 
não posso morrer - por causa do meu filho de 15 anos e da minha mulher que eu amo 
muito. Posteriormente, Sr. Antonio conseguiu ter claro que desistira de tentar matar-se não 
apenas para não fazer a família sofrer com seu suicídio, mas também porque esses afetos 
eram preciosos para ele mesmo. Assim, desejava em verdade viver também para manter 
vivo um sentimento que dava sentido à sua própria vida (existência) . 
 Não consegue localizar temporalmente a época em que tentou suicídio, mas acha 
que foi há mais de 2 anos. 
 Depois da tentativa de suicídio, recebeu diagnóstico de depressão e fez por algum 
tempo, uso de medicação antidepressiva que logo interrompeu, pois sentiu um aumento do 
mal-estar e vários sintomas colaterais digestivos que atribuiu aos medicamentos. Depois 
disso, passou a ir esporadicamente a outro psiquiatra do convênio, apenas para obter 
prescrições contra a insônia. Logo ao final do primeiro atendimento, assinalamos que nos 
parecia que ele poderia recuperar alguma coisa valiosa que pensava ter perdido, 
demonstrou interesse: Eu queria entender como é que eu ainda posso ter jeito. E concordou 
que, além do tratamento medicamentoso, voltássemos a conversar – por mais que lhe fosse 
penoso e durante tantos anos o tivesse evitado - falar dos fatos violentos que haviam 
desencadeado seu mal-estar. 
Evolução e tratamento: Iniciamos, então, a abordagem psicoterápica 
propondo que tentássemos entender como o medo de estar acontecendo de novo ocorria e 
como seria possível lidar com isso. Mais tarde, ao longo do tratamento, foi possível 
entendermos, conjuntamente, quais os “fantasmas” associados ao medo e de que forma “o 
medo do medo de acontecer de novo” estava na raiz das invasões que sua mente sofria 
durante o dia e durante a noite. 
 O histórico do trabalho e dos acontecimentos relacionados ao adoecimento foi 
sendo mais detalhado à medida que o Sr. Antonio ia recuperando a memória da sequência 
das experiências que havia vivenciado no trabalha e ao longo da história clínica. O 
motorista foi deste modo, gradualmente, superando a dissociação que havia se criado e 
conseguindo construir uma narrativa integrada. Ao longo das entrevistas, as lacunas de sua 
história inicial foram sendo gradualmente preenchidas a partir recuperação consciente do 
que ficara “separado”, flutuando no inconsciente para irromper subitamente vindo 
11
perturbar sua mente, e assombrar suas noites. Esses fragmentos dissociados de sua história 
puderam, portanto, passar à consciência e ,deste modo, ser integrados à história de sua vida.
Paralelamente a esse processo, a irritabilidade diminuía, o sono se normalizava. O Sr. 
Antonio ia conseguindo modificar seu cotidiano pouco a pouco: foi deixando de refugiar-se 
no quarto, ficava cada vez mais nos outros compartimentos da casa. Em breve, começou a 
sair para fazer caminhadas, que logo se tornaram diárias, com a esposa. Também começou a 
assumir algumas atividades na casa, como realizar consertos domésticos. Havia 
comparecido às primeiras consultas acompanhadas por um vizinho. Depois passou a vir 
sozinho, embora ainda evitando o ônibus. Cada vez mais raramente, ainda surgiam visões 
rápidas da cena traumática (flashbacks). .
 Após um mês de tratamento, o paciente fez a observação de que parecia estar 
voltando à vida, porque tinha saído do “estado de entorpecimento” em que se percebia 
no inicio. 
Retomou contato com alguns amigos aos quais telefonou, resultando que vieram 
visitá-lo, reatando relacionamentos que haviam sido interrompidos pelo isolamento em que o 
Sr. Antonio estivera mergulhado durante os últimos anos. 
 O Sr. Antonio recebeu acompanhamento psiquiátrico durante 8 meses, em 
atendimento quinzenais durante os dois primeiros meses , depois do que, passou a ter 
atendimento mensais, sempre com 45 minutos de duração. O atendimento deveria ter uma 
freqüência maior, mas por limitações impostas pela lotação da agenda, não era possível 
disponibilizar mais horários. Mesmo assim, o Sr. Antonio, que demonstrou ter agora muita 
disposição para voltar à vida (palavras dele), aproveitou bem o tempo disponível. 
Os atendimentos incluíram psicoterapia de apoio, abordagem psicodinâmica 
voltada para percepção de alguns mecanismos psicológicos de defesa e o “ processo” de 
auto-julgamento em que havia se condenado à morte em vida (E à morte ,literalmente, 
quando tentou o suicídio). Foram também realizadas orientações voltadas ao cotidiano e à 
reaproximação de pessoas que eram significativas para ele. Foi ainda prescrito um 
psicotrópico do grupo dos triciclicos e que possui também ação sedativa (que seria benéfica 
para atuar na insônia). Orientamos usar em uma só tomada, de 75 mg, à noite. A escolha 
deveu-se ao fato de que havia referido intolerância, anteriormente, a produto do grupo dos 
inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), ao qual pertencem antidepressivos 
habitualmente indicados para TEPT. Provavelmente o medicamento ajudou na redução da 
irritabilidade e dos zumbidos 1, além de, também ter exercido alguma ação na melhora 
12
de alguns aspectos depressivos presentes no quadro clinico.
. Durante o tratamento psiquiátrico, o Sr. Antonio continuou em seguimento pelo 
clinico e pelo otorrinolaringologista. Foi aconselhado pelo clinico a realizar tratamento 
contra o tabagismo. O que o paciente acatou e fez, tendo conseguido parar de fumar – 
motivo de muita satisfação e, a nosso ver, um aspecto positivo para sua auto-estima que 
contribuiu também para a melhora obtida em relação aos aspectos psicopatológicos.
 Após obter melhora, o paciente demonstrou muito interesse por voltar as ter 
atividade de trabalho – mas não desejava voltar ao trabalho de motorista de ônibus, 
consciente de que o mesmo seria incompatível com seu estado de saúde – tanto pela 
labirintite quanto pelo temor a novos assaltos. Fizemos encaminhamento ao INSS indicando 
reabilitação profissional e o resultado foi uma recomendação para que a empresa reinserisse 
o Sr. Antonio em outra função. A empresa manifestou que não possuía vaga em outra 
função, o Sr. Antonio permaneceu no INSS com o benefício acidentário, mostrando-se 
bastante decepcionado, mas passando a dedicar-se ao aprendizado de informática. 
Decorridos 8 meses da primeira consulta, o Sr. Antonio veio nos dizer que a perícia 
do INSS havia recomendado sua aposentadoria e que a mesma já estava sendo 
encaminhada. Mostrava-se animado, pensando em mudar com a esposa e o filho para outro 
Estado, instalando-se nas proximidades da casa uma de suas filhas casadas. Planejava 
manter-se ativo no pequeno negócio dirigido pelo genro. Nessa ocasião reiterou algo que já 
dissera em uma das últimas consultas: havia descoberto que o tipo de adoecimento que teve 
afetava muitos outros colegas de profissão e que gostaria de fazer algo para que em outros 
casos, também fosse reconhecido que esse problema é causado no trabalho. Para que 
com outros não acontecesse o que acontecera com ele, que só depois de 5 anos em auxílio-
doença havia obtido benefício do tipo acidentário (B91) , após diagnosticado o TEPT 
relacionado à evento ocorrido no trabalho. Foi nessa ocasião que nos autorizou a relatar 
seu caso e também se propôs, se voltasse a S. Paulo, a participar de qualquer atividade que 
pudesse servir para diminuir esse problema. “Porque os assaltos diminuíram depois que 
começou a funcionar o bilhete único, mas ainda acontecem muitos, principalmente nas 
“linhas pesadas”. 
 
DISCUSSÃO
1 Presumimos que o zumbido deste paciente, além de ser originado no problema diagnosticado pelo 
otorrinolaringologista,também tivesse aspectos subjetivos. E a amitriptilina, produto prescrito no caso, foi 
estudada por N. Bayer e cols como tendo eficácia no zumbido subjetivo. (Boyer e cols., J. Laringol. 
2001:30(5):300-3.
13
1 - O estudo retrospectivo
Em um primeiro momento da discussão, faz-se necessária uma reconstituição 
retrospectiva. O exame psíquico realizado por ocasião da entrevista era insuficiente para dar 
conta de um processo que evoluira por 5 anos. Assim, a participação do paciente na 
reconstituição de sua história era essencial – para a psiquiatra e para ele mesmo elaborarem 
uma visão e uma compreensão do processo. A história do adoecimento do Sr. Antonio, 
após reconstituída ao longo das atendimentos iniciais, caracteriza uma sequência na qual 
surgiram sucessivamente diferentes quadros mórbidos psiquiátricos que puderam ser 
caracterizados . 
Reação Aguda ao Estresse - As cenas violentas do assalto, do tiroteio e das três 
mortes dentro do ônibus que dirigia, ao mesmo tempo em que o Sr. Antonio estava 
vivenciando pavor sob a mira do revólver de um dos assaltantes, evidentemente 
configuraram um evento traumático. A decorrência imediata foi o choque – isto é, a reação 
aguda ao estresse. O Sr. Antonio falou do medo intenso e da sensação de total impotência 
que vivenciou quando, já imobilizado por um dos assaltantes, ouviu os primeiros tiros. A 
perda total de consciência e seu “atordoamento” nos dias seguintes, nos quais não 
conseguia lembrar do que tinha acontecido, sentindo-se “estranho, longe de tudo” 
caracterizam o fenômeno de dissociação, que é dos critérios para diagnóstico de reação 
aguda ao estresse. A vivência de impotência confunde-se com a de desamparo, 
profundamente estudada na perspectiva psicanalítica dos estudos de trauma psíquico. 
A reação aguda ao estresse, conforme o CID-10 pode ser grave, moderada ou leve. 
O fato de a perda de consciência ter sido total permite afirmar que a reação , no caso, pode 
ser categorizada como grave. O potencial de ameaça à vida é de importância fundamental 
na determinação da gravidade e duração do quadro. Do mesmo modo, quanto maior for essa 
percepção de ameaça à vida, maior a probabilidade de que se instale mais tarde o TEPT , 
após desaparecido o quadro de reação aguda ao estresse. 
O apagamento da memória acompanhou a fase de choque, explicando em parte o fato 
do Sr. Antonio ter sua percepção aguçada e direcionada para os zumbidos, tonturas e 
hipersensibilidade aos ruídos. Era com essas manifestações que relacionava seu mal-estar 
geral, a insônia que surgira a partir do assalto e ,ainda, a sensação de que era impossível 
realizar seu trabalho no ônibus. Falava aos médicos, portanto, de um intenso mal-estar 
físico, quando entrou em auxilia-doença. Concentrar suas queixas na “doença do ouvido”, 
deslocando o problema da mente para o corpo era a expressão de mais um mecanismo 
inconsciente de defesa que vinha associar-se aos outros dois : repressão e negação do 
14
próprio medo. Os mecanismos psíquicos inconscientes que as pessoas utilizam para não 
entrar em contato com a ansiedade e a depressão foram expostos e estudados por Anna 
Freud. 
2 - Por que o diagnóstico de TEPT neste caso: Análise dos critérios diagnósticos na 
aplicação ao caso. 
O primeiro e obrigatório critério diagnóstico - a exposição a evento traumático, com 
vivência de ameaça à vida, impotência e desamparo - , como vimos, foi configurado no caso. 
Os primeiros fenômenos de revivência marcaram o surgimento do quadro clínico do 
TEPT e apareceram quando o Sr. Antonio estava nas primeiras semanas desse 
afastamento. A dificuldade em apontar a data aproximada em que tiveram início estes 
sintomas – que permitiria definir qual a duração do período de latência - reflete o 
acometimento da memória, uma das características da psicopatologia no TEPT. Estas 
revivescências foram representados pelos fenômenos de flashback - as cenas do assalto que 
pareciam um filme e, logo, também, pela lembranças do evento, que passaram a se impor de 
modo constante à sua mente, durante o dia. À noite, as mesmas visões estavam nos 
pesadelos que perturbavam seu sono.
 O cluster relacionado à evitação também estava presente: mal- estar intenso o 
acometia se tivesse que entrar em um ônibus ou se via alguém que lhe lembrasse, por 
qualquer característica – principalmente o tipo de roupa ou pelo uso de boné – os criminosos 
cujas imagens revia constantemente em pensamento e nos flashbacks. Por isso, “já não 
conseguia entrar em um ônibus sem entrar em pânico. Depois, passou a sentir a mesma 
sensação de mal-estar insuportável, acompanhada por tontura, zumbidos e tremores também 
dentro de outros veículos e em elevadores. Relata: ”se tivesse que ir ao sindicato, subia 
todos os oito andares pela escada, pra não pegar o elevador”. Conta que proibiu o filho 
adolescente de usar boné – tal o mal-estar que lhe provocava a visão desta peça de 
indumentária. Chegou um, momento que, na rua, se via um grupo de pessoas reunido, 
evitava passar perto do mesmo, desviando o caminho, porque “já sentia um pânico”. 
O Sr. Antonio apresentava também o conjunto de sintomas de hipervigilância: o 
estado de alerta constante durante o dia, os sobressaltos diurnos e noturnos, as perturbações 
do sono, a dificuldade em concentrar a atenção. Dormia pouco e mal, vivia sob a tensão de 
que, a qualquer momento, um ataque poderia ser desencadeado contra ele. E, quando se 
sobressaltava, era porque o ataque parecia iminente. Inevitável e talvez fatal. 
Acreditamos que talvez o uso frequente a palavra “pânico” esteja relacionado 
com o diagnóstico que lhe foi atribuído, conforme relatado. Não é possível saber se o uso da 
15
palavra surgiu a partir do diagnóstico, ou se foi a utilização da mesma pelo Sr. Antonio, que 
de algum modo, suscitou o diagnóstico. O fato é que, com este diagnóstico - síndrome do 
pânico - associado aos diagnósticos otorrinolaringológicos, o Sr. Antonio durante 5 anos 
recebeu sucessivos afastamentos em que a perícia do sistema previdenciário definiu 
benefícios de auxílio-doença (categoria B31). O Sr. Antonio não recorda, mas como refere 
que também tomou medicação “para depressão”, é possível que um dos psiquiatras que o 
tratou também tenha feito tal diagnóstico – provavelmente de F.32 – mas provavelmente sem 
que houvesse análise de nexo com o trabalho. 
3 - Por que não houve diagnóstico de TEPT nos 5 anos anteriores? 
Para explicar porque nunca relatou o histórico em que conseguimos caracterizar os 
três grupos (clusters) de sintomas caracterizadores do TEPT , existem duas hipóteses, que 
talvez sejam explicações complementares: :
i) As intensas defesas psicológicas, que apresentaram duplo aspecto:
a) pela intensidade da própria evitação que geraram: verbalizar, enunciar as lembranças 
traumáticas, era um sofrimento do qual o Sr. Antonio sempre se desviara. Parecia 
intransponível, talvez, a resistência interna a entrar em contato, voluntariamente, com a 
seqüência dos fatos terrificantes que havia vivido. Havia possivelmente, um verdadeiro 
bloqueio interior. Pois já conhecia, mergulhado nas manifestações cotidianas do TEPT - o 
horror de reviver, de entrar em contato com algo que lhe provocava tanto sofrimento. Muito 
embora, em sua mente, essas lembranças o atormentassem cotidianamente. A propósito, 
podemos esclarecer que pacientes que apresentam TEPT, ao evocarem e relatarem os 
eventos traumáticos, muitas vezes são acometidos por forte mal-estar, crises de choro e 
outras manifestações de forte perturbação emocional. 
b) defesa psicológica relacionada com uma auto-censura ao sentimento de medo - defesa que 
tem sua raiz na cultura viril e em uma profissão que também aparece marcada pelo valor 
da virilidade em nosso meio. Ao relatar o que não viera à tona durante uma entrevista de 40 
minutos,Sr. Antonio reconheceu, muito sinceramente: É, eu nunca quis falar nisso – 
porque eu nunca fui homem de ter medo e tinha tido medo. Durante entrevista 
subsequentes, ao longo do nosso atendimento, esse aspecto ficou mais claro: havia um 
constrangimento, vergonha mesmo, em reconhecer que era um imenso medo que o impedia, 
agora, de exercer sua profissão. 
ii) O tempo necessário para que se crie, em um atendimento médico, a confiança e um 
“clima” de receptividade no qual o paciente possa sentir desejo de contar uma história que 
o tenha constrangido e cuja narrativa traz muito sofrimento. Esse tempo necessário não 
16
pode ser curto nem a extensão do mesmo pode ser administrativamente prescrita. O Sr. 
Antonio, mais tarde, conseguiu explicar isto: nunca tinha tido tempo de relatar os fatos 
violentos , sua perda de consciência e tudo o que se seguiu, durante as consultas 
psiquiátricas a que tivera acesso no convênio. Provavelmente porque, como o paciente 
referiu, havia sempre muita gente para o médico atender e a consulta tinha que ser rápida. 
Entraríamos aqui em outra discussão – a do tempo necessário ao médico oooou ao 
psicólogo , destinado a cada consulta, em clinica do trabalho e em clinica psiquiátrica. Um 
desafio, sem duvida, ao planejamento dos serviços de saúde. Lembrando, apenas, que é 
sempre possível planejar, estimando um tempo médio, por consulta. Se este tempo for 
suficiente, a efetividade do atendimento será maior e, os custos serão menores.
Estas, portanto, seriam as prováveis explicações para o fato de que nem o diagnóstico e nem 
o nexo causal com o trabalho houvessem sido reconhecido anteriormente.
4- Tentativa de suicídio - Como interpreta-la do ponto de vista diagnóstico?
Retrospectivamente, tornou-se difícil esclarecer se a tentativa do Sr. Antonio foi mais 
nitidamente relacionada ao TEPT ou a um quadro clinico de depressão que tenha se 
associado ao TEPT durante um determinado período. 
Estudos e observações realizadas por alguns autores podem nos ser úteis nessa 
análise: em jovens, TEPT surge como importante causa de suicídio, conforme um conjunto 
de pesquisas revistas por Floen e Elklit(2007). 
Davidson et al. (1991) verificaram que mesmo após o êxito no tratamento de quadros 
depressivos que se apresentaram associados em casos de TEPT, ocorreu, um número 
significativo de tentativas de suicídio nestes pacientes. O que conduz à constatação que na 
vigência do transtorno pós-traumático, outros fatores e dinâmicas – independentes de um 
quadro depressivo estabelecido – podem levar ao suicídio. No próprio TEPT, os processos 
psíquicos (psicodinâmica) favorecem a emergência de sentimentos de perda e vivências que 
também aparecem nas depressões. O autor também mostrou que a probabilidade de 
tentativas de suicido entre indivíduos com TEPT era 15 vezes maior do que a de indivíduos 
que não apresentavam este transtorno psíquico. 
Uma constatação de grande interesse para os cuidados de prevenção de suicídio é a 
seguinte, também assinalada por Floen e Elklit (2007). Indivíduos nos quais existe a 
comorbidade TEPT/depressão referem mais pensamentos de suicídios, ao passo que pessoas 
que apresentam o quadro de TEPT desacompanhado de comorbidade ocorrem mais 
tentativas de suicídio. De acordo com essas colocações bastante categóricas de Floel e Elkit , 
podemos reafirmar que a tentativa de suicídio do Sr. Antonio pode ser de fato explicada pelo 
17
quadro de TEPT. Mesmo assim, não nos é possível descartar que, durante uma fase da 
evolução do transtorno, tenha havido comorbidade com um episódio depressivo que tenha 
influenciado essa tentativa. 
 Floen e Elkit (2007) publicaram em 2007 uma ampla revisão dos estudos sobre 
suicídio correlacionado a TEPT. Um conjunto de diferentes pesquisas aponta maiores riscos 
de suicídio nos casos em que depressão ou um quadro psicótico se manifestaram ao longo da 
evolução do TEPT. Estudos retrospectivos realizados em vários hospitais psiquiátricas 
também revelaram presença de TEPT em significativos porcentuais de casos de tentativa de 
suicídio de pessoas nas quais o transtorno pós traumático não havia sido detectado em 
atendimentos clínicos ou psiquiátricos anteriores à hospitalização. Certamente, isso pode 
tornar-se um importante alerta para que, em serviços de emergência e em clinicas 
psiquiátricas, haja maior atenção dirigida a considerar esta vinculação - o que poderá 
proporcionar melhor prevenção de suicídios nos casos de TEPT, A mesma verificação 
também deve alertar para que se inclua , para a investigação, a hipótese diagnóstica de 
TEPT na análise dos casos de tentativa de suicídio, de modo a adequar a terapêutica e a 
intervenção social, diminuindo assim os riscos de novas tentativas. 
6 – Desafios habituais no diagnósticodo TEPT 
Os desafios geralmente presentes para o diagnóstico do TEPT podem ser de imediato 
identificados a partir do relato do caso:
A ) Queixas centradas em sintomas que são imprecisos e surgem em diferentes quadros 
psiquiátricos ou psicossomáticos e que podem levar ao confundimento com outras 
patologias psiquiátricas. O Sr Antonio usou muito a palavra pânico e manifestou, na 
primeira parte da consulta inicial, que o sintoma que motivava a consulta psiquiátrica era a 
insônia. 
B) Colocar em evidência uma patologia não psiquiátrica associada. No caso do Sr. 
Antonio, tivemos uma situação em que sintomas de ordem somática - zumbidos, tonturas, 
surdez e outros - muito perturbadores, - contribuíram para ocultar o quadro de TEPT durante 
5 anos. 
No caso, existia realmente uma patologia orgânica configurada pelo diagnóstico do 
otorrinolaringologista para o qual Sr. Antonio usava o termo labirintite. Os sintomas da 
mesma eram em parte exacerbados pela ansiedade, mas ao mesmo tempo eram colocados em 
primeiro plano durante a consulta inicial, até o momento em que o Sr. Antonio teve 
possibilidade de mencionar o próprio medo. Só a partir deste momento teve inicio uma 
18
narrativa que continha já o evento traumático, embora ainda fosse fragmentada. Devido à 
dissociação que criava “vácuos” à memória consciente dos fatos. 
C) A evitação que explicava os dois aspectos anteriores e, como uma manifestação 
característica do quadro clinico, leva o paciente a evitar , isto é, a fugir de tudo o que 
possa lembrar o trauma e suscitar episódios de revivescência - que são sempre 
angustiantes. Assim, mesmo se o paciente busca ajuda, sente-se compelido a evitar o relato 
do acontecimento traumático na consulta médica ou psicológica. Ele preferirá, via de 
regra, falar de sintomas ,apresentar queixas variadas sobre as manifestações do seu mal-
estar. Mas evitará, na maior parte dos casos, mencionar situações que foram traumatizantes. 
Principalmente na primeira consulta. 
D) As falhas da memória que igualmente prejudicam a anamnese ao perturbar e limitar 
evocação dos fatos e das manifestações sintomáticas , bem como, da cronologia referente a 
ambos (fatos e sintomas). 
7- Diagnóstico diferencial e Comorbidade 
A freqüência de comorbidade psiquiátrica, nos casos de TEPT obriga a um 
diagnóstico atento. Muitas vezes, dado o quadro complexo e rico em sintomas do próprio 
TEPT, torna-se extremamente difícil distinguir se existe ou não outro transtorno associado. 
Especialmente o diagnóstico psiquiátrico mais freqüentemente associado – a depressão – 
exige grande atenção. Mas outros distúrbios psíquicos também precisam ser considerados, 
para definições que possibilitar o diagnóstico diferencial e a existência de comorbidade. 
No caso do sr. Antonio, impunha-se avaliar, tanto para diagnóstico diferencial como para 
pesquisar comorbidade, estudar a possibilidade de dois diagnósticos que, pelo relato do 
motorista, haviam sido aplicados, anteriormente, ao seu caso. : quadro depressivo e 
síndrome do pânico.Teríamos que confirmar ou afastar esses diagnósticos. Caso um deles 
ou ambos fossem confirmados, haveria dois desafios. Em primeiro lugar, realizar o 
diagnóstico diferencial : repensar nosso diagnóstico de TEPT . Caso confirmássemos este 
diagnóstico, teríamos que admitir a existência de comorbidade – isto é, da associação ao 
TEPT do(s) outro(s) quadro(s) clínico(s) também diagno0sticados. . 
7.1 - Avaliação de comorbidade no TEPT. 
Torna-se importante não esquecer que experiências traumáticas originam outros 
transtornos psíquicos além do TEPT. 
 No caso do Sr. Antonio, que havia recebido anteriormente diagnósticos de depressão 
e de síndrome do pânico, mas jamais o diagnostico de TEPT, impunha-se realizar, em 
primeiro lugar, o diagnóstico diferencial e, em segundo, verificar se os dois ou um dos dois 
19
transtornos constituíam patologias associadas ao TEPT. E tentar estudar, retrospectivamente, 
se em alguma fase da evolução do TEPT ambos ou um deles havia se apresentado em 
comorbidade. Discutiremos, pois, conjuntamente, as duas questões, aproveitando para 
mencionar alguns estudos sobre diagnostico diferencial e comorbidade referentes ao TEPT. 
7.2 - Diagnóstico diferencial: 
Depressão 
 Esclarecemos que quando atendemos o Sr. Antonio, não existia um quadro de 
depressão configurado, e sim, algumas manifestações que também se apresentam tanto nas 
depressões quanto no TEPT - idéias de auto-desvalorização acompanhadas de auto-
acusação e sentimentos e culpa. Outros aspectos não se coadunavam ao diagnóstico de um 
quadro depressivo. Não percebemos o humor do paciente como depressivo, embora às vezes 
ele demonstrasse uma tristeza, bastante compreensível nas circunstâncias, ao falar de suas 
perdas e decepções. Em geral, o Sr. Antonio se expressava com vivacidade, sem evidenciar a 
lentidão de pensamento que costuma estar presente nas depressões. E estava sempre fazendo 
projetos para realizações no futuro – o que não costuma se verificar nos pacientes com 
depressão. 
 A vivacidade e o interesse que demonstrou por entender melhor o que acontecia em 
sua mente, nos pareceram mostrar que, se houvera em alguma fase anterior um quadro 
depressivo associado ao TEPT , ele já não estava presente. O próprio TEPT e a trajetória 
social do paciente -especialmente em relação a seus antigos projetos de vida, ao trabalho e à 
família – tornavam compreensível o conjunto de sintomas que havia emergido no processo 
que sucedeu ao evento traumático ,
No caso do Sr. Antonio, o relato transmite claramente uma cronologia em que não existia 
depressão antes do evento traumático. O paciente relatou que em certa fase da história de sua 
doença, lhe disseram que estava com depressão tendo recebido medicação anti-depressiva. 
Tudo indica que os critérios diagnósticos de TEPT não foram considerados, o que em parte 
pode ser explicado pela evitação que levara Sr. Antonio a jamais ter relatado, o evento 
traumático antes da consulta que aqui foi descrita;. 
Assim, quanto ao diagnóstico diferencial, não existe dúvida que o diagnóstico 
principal é TEPT e não depressão. E quanto à comorbidade, não pode ser descartado 
nem comprovado que, anteriormente, um quadro depressivo tenha se desenvolvido 
durante certo período, associado ao TEPT. Pois não foram encontrados evidências nem 
elementos para realizar um diagnóstico retrospectivo neste caso. 
20
Por outro lado, há pesquisa extensa sobre as outras decorrências psiquiátricas da violência. 
Como lembram Floen e Elkit (2007) ao tratar da questão: Trauma pode ser a causa em 
certos diagnósticos, como quando uma pessoa começa a abusar do álcool ou de outras 
substâncias , num esforço para aliviar a dor associada com a experiência traumática e os 
sintomas associados com a mesma. O trauma é a causa, ainda, quando alguém se torna 
deprimido, após iniciado o TEPT, potencialmente em decorrência de sintomas próprios do 
transtorno, como o isolamento social devido à evitação de pessoas, lugares e outros 
estímulos associados com uma experiência traumática” (tradução e grifo nossos). 
 Concordamos com Floen e Elkit e no caso do Sr. Antonio a depressão, se existiu, 
surgiu após instalado o quadro de TEPT e, quando vimos o paciente , 5 anos depois do 
evento traumático, já não estava mais presente. O Sr. Antonio falou do sentimento de revolta 
contra si mesmo – sentimento que tinha dupla origem: “só causo mal pra minha família” 
(nos momentos de irritação, quando às vezes perde o controle e fala de modo agressivo). 
Mas isto não é suficiente para afirmar existência de quadro de depressão. Falou também do 
sentimento de não estar servindo mais pra nada. Quando tentou suicídio foi para libertar 
minha família de mim e pela raiva de mim mesmo. 
Em geral, nos casos de TEPT, as entrevistas com os pacientes 
esclarecem a natureza das pontes entre a sintomatologia deste transtorno e o 
desenvolvimento de depressões. Além do isolamento mencionado por Floen e Elkit, temos 
notado que a irritabilidade e muitas vezes explosões agressivas determinadas pela mesma -
que impactam nas pessoas da família - geram sentimentos de culpa, auto-acusação, auto-
depreciação e desenvolvimento de depressões. No caso de trabalhadores, o sentimento de 
inutilidade gerado pelo afastamento prolongado do trabalho, também conduziu à depressão, 
em outros casos que tivemos ocasião de acompanhar. 
 Quanto à tentativa de suicídio, que à primeira vista poderia levar a pensar no diagnóstico 
de depressão , é importante mencionar que existem estudos mostrando maior frequencia de 
suicídio em TEPT desacompanhado de depressão do que nos casos em que os dois quadros 
estão associados. 
Síndrome do pânico:
É importante, ainda, examinar acuradamente manifestações que sejam sugestivas de 
síndrome do pânico, afim de estabelecer um diagnóstico diferencial , definindo qual dos 
dois transtornos está presente. 
21
Floen e Elklit (2007) afirmam: “TEPT e vários transtornos de ansiedade 
compartilham sintomas que podem se superpor. A comorbidade entre TEPT e síndrome do 
pânico parece depender do tipo de trauma, isto é, dos eventos traumáticos originadores do 
transtorno”. Esclarecem, a seguir que na verdadeira comorbidade - aquela realmente 
constatada na prática clinica - os ataques de pânico surgem quando já está em curso a 
evolução da TEPT. Pode ser útil, também, lembrar que quando as crises surgem 
desencadeadas em local ou circunstâncias que evoquem o evento traumático, não se trata 
de síndrome do pânico e sim, de TEPT. No caso do Sr. Antonio, as crises de ansiedade 
acompanhadas de alterações neurovegetativas apareciam principalmente quando via pessoas 
com roupa que lhe faziam recordar os assaltantes, ou quando era obrigado a entrar num 
ônibus. 
Na síndrome do pânico não ocorrem as visões da cena traumática ( flashbacks) , os 
pesadelos e outros fenômenos de revivescência em que o conteúdo é sempre o do evento 
traumático. O que perturba e se impõe ao pensamento no portador de síndrome do pânico 
não é a lembrança de uma cena traumática – acidente, pessoas feridas ou o(s) agressor(es) 
que ameaçaram sua vida : o que surge é a lembrança da própria crise de pânico associada ao 
pavor de que ela se repita. São descritos casos de pânico em que o medo de nova crise se 
intensifica em local onde já ocorreu crise anterior, o que exige uma elucidação cuidadosa 
para este ponto do diagnóstico diferencial. No TEPT, o paciente teme ser atacado por um 
agressor que é um agente externo. No caso da síndrome do pânico, o que ele teme é a 
própria crise – algo que irrompe do seu próprio mundo interno, produzido nele mesmo, e 
não a repetição de uma ameaça que parte de uma situação catastrófica ou de um agressor 
externo. 
Acreditamos ser importante chamar a atenção para a difusão através da internet, de 
considerável número detextos que propiciam confusão entre síndrome do pânico e estresse 
pós –traumático. Desta forma, o recomendável é, em casos de dúvida, recorrer aos critérios 
diagnósticos oficialmente definidos pela Classificação Internacional de Doenças (CID-10) 
e pela Associação Americana de Psiquiatria em seu manual de classificação DSM-IV para 
os dois transtornos, que foram apresentados neste capitulo. Ou levar em conta os mesmos 
critérios para o TEPT, também apresentados no Manual de Doenças Relacionadas ao 
Trabalho (2001). Esclarecendo que este Manual brasileiro, por definir unicamente as 
patologias listadas como reconhecidas em sua relação ao trabalho, não inclui a síndrome do 
pânico (Américan Psychiatric Association, 1994; WHO, 1992; Ministério da Saúde,2001). 
22
Psicoses e dependências - de bebidas alcoólicas ou drogas: estes diagnósticos diferenciais 
que não se colocam no caso do sr. Antonio. Entretanto, vale mencionar que em muitas vezes, 
o quadro clinico faz com que se torne necessário considerar também estes diagnósticos seja 
para realizar diagnóstico diferencial ou para esclarecer a existência de comorbidade. Um 
aspecto que tem sido enfatizado é o da comorbidade entre TEPT e transtorno bipolar. 
(Vieira e Gauer,2003) 
 
8- Agravantes institucionais
No caso do Sr. Antonio, vale ainda mencionar dois agravantes de ordem institucional 
, vinculados a inadequações da prática previdenciária .Os mesmos obstáculos também tem 
prejudicado a evolução e tratamento de outros pacientes.
A primeira é a relação difícil que muitas vezes se estabelece entre o trabalhador e o 
contexto no qual se realizam as perícias. Trata-se, aqui, da instância previdenciária onde são 
avaliados a capacidade laborativa, o estado de saúde e direito a benefício. O reconhecimento 
do direito ao beneficio acidentário, embora passível de ser evidenciado quando o evento 
traumático é identificado como laboral, na prática é muitas vezes dificultado, gerando 
aumento de ansiedade persecutória no paciente. Esta ansiedade, pelo que temos observado, 
assim como em trabalhadores que apresentam outras patologias de qualquer tipo, torna-se 
crescente na medida em que se aproxima a data de uma perícia. Experiências de frustração 
ou conflito por ocasião de perícias anteriores podem originar ou reforçar essa ansiedade de 
modo a interromper o progresso que vinha sendo conquistado durante um tratamento em 
curso. No caso dos trabalhadores que apresentam TEPT, este agravante configura especial 
risco de prejuízo ao paciente, pelo fato de adicionar-se à peculiaridade de que, no TEPT, 
como já foi dito, existe marcante dificuldade emocional, para que o paciente consiga narrar o 
histórico de seu adoecimento. Dificuldade que, como vimos, deriva da evitação, uma das 
características centrais do quadro clinico. 
 A segunda é à falta de reabilitação profissional para os casos em que o retorno ao posto 
de trabalho no qual ocorreu o evento traumático significará voltar à conviver com os fatores 
de risco que desencadearam o transtorno. 
 Vale lembrar um outro agravante, que embora não tenha ocorrido no caso do sr. Antonio, 
deve ser mencionado pela freqüência com que se apresenta em nosso contexto. Diz respeito 
aos portadores de TEPT que, a duras penas, conseguem se reinserir no trabalho mas que tem 
a continuidade de seu tratamento ameaçada por pressões derivadas da cultura persistente 
em muitas empresas : a discriminação e até demissão dos que se ausentam do trabalho para 
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consultas médicas ou atendimento psicológico.Impede-se, assim, a necessária consolidação 
dos resultados do tratamento. Pois a fase pós-retorno é crucial, extremamente delicada e 
vivenciada, em geral, com ansiedade e sentimentos de insegurança. O apoio social e de 
ordem afetiva, voltado a restabelecer a confiança e dissipar o medo, precisa estar presente no 
trabalho e na família, e, além disso, ser oferecido pela continuidade do seguimento médico-
psicologico. Os impedimentos a esta continuidade podem prejudicar os progresso 
alcançados e facilitar recaídas. 
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