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CURSO: DIREITO DOUGLAS RICARDO FERRACINI TRABALHO DE D. PROCESSUAL CIVIL 7º SEMESTRE DIREITO (NOTURNO) “ASPECTOS RELEVANTES DO PROCEDIMENTO ESPECIAL DAS ESPECIALIDADES” 1º BIMESTRE Fernandópolis-SP Setembro 2019 II UNIVERSIDADE BRASIL CAMPUS FERNANDÓPOLIS – SP CURSO: DIREITO – 7º SEMESTRE NOTURNO TRABALHO DE D. PROCESSUAL CIVIL ME AILTON NOSSA MENDONÇA 1º BIMESTRE ALUNOS: DOUGLAS RICARDO FERRACINI TEMA: - ASPECTOS RELEVANTES DO PROCEDIMENTO ESPECIAL DAS ESPECIALIDADES. I – Da consignação em pagamento; II – Das ações possessórias III – Manutenção de posse IV – Reintegração de posse V – Interdito proibitório III SUMARIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 4 1.1 Um tema com variações ................................................................................. 4 1.2 Primeira visão dos procedimentos especiais ................................................. 5 1.3 A nomenclatura empregada ........................................................................... 7 2 AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO .................................................... 7 3 AÇÕES POSSESSÓRIAS .................................................................................... 9 3.1 Outras ações, que não podem ser confundidas com as possessórias ........ 13 3.1.1 Ação de imissão de posse ..................................................................... 13 3.1.2 Ação reivindicatória ............................................................................... 13 3.1.3 Ação de nunciação de obra nova .......................................................... 14 3.1.4 Embargos de terceiro ............................................................................ 14 3.2 Os três interditos possessórios .................................................................... 15 3.3 Peculiaridades das ações possessórias ....................................................... 16 3.3.1 Fungibilidade ......................................................................................... 16 3.3.2 A cumulação de pedidos ....................................................................... 16 3.3.3 Natureza dúplice .................................................................................... 18 3.3.4 Exceção de domínio .............................................................................. 18 3.3.5 Impossibilidade de, no curso das possessórias, ser intentada ação de reconhecimento de domínio ................................................................................ 20 4 DA MANUTENÇÃO E DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE .................................. 21 5 DO INTERDITO PROIBITÓRIO .......................................................................... 26 6 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 28 7 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 33 4 1 INTRODUÇÃO 1.1 Um tema com variações Os procedimentos especiais, sendo indiferente para essa finalidade a distinção entre os de “jurisdição contenciosa” e os de “jurisdição voluntária”, devem ser compreendidos como variantes do “procedimento comum”, que é o paradigmático, o padrão, tal qual estabelecido pelo CPC de 2015. Estas variações a partir do procedimento comum devem-se por diversos fatores. Além de razões históricas, a distinção procedimental justifica-se diante das peculiaridades do próprio direito material envolvido. Diante do necessário e incessante diálogo entre os planos material e processual, as características daquele acabam influenciando ou sugerindo ao legislador a conveniência (ou, até mesmo, a necessidade) de se alterar o procedimento para viabilizar uma mais adequada e eficiente prestação da tutela jurisdicional sempre preocupada com a maior efetividade do próprio direito material pelo processo. A consignação em pagamento é bom exemplo do acerto da afirmação que acabei de fazer: consignar em pagamento, de acordo com o art. 334 do CC, é modalidade extintiva da obrigação que pressupõe, dentre outros fatores, a recusa do recebimento do pagamento (no sentido técnico de adimplemento da obrigação) pelo credor. O devedor quer se libertar da obrigação, oferta o pagamento ao credor e ele é recusado. Na perspectiva processual, é fundamental que esta recusa seja, de alguma forma, documentada ou oportunizada. Sem isto, não há, na perspectiva do direito material, lugar para a consignação. É freqüente, por isso mesmo, que, nos procedimentos especiais, haja cortes de cognição, em geral, no plano horizontal, que acaba por viabilizar uma maior eficiência procedimental diante das peculiaridades do direito material. O procedimento especial relativo à consignação em pagamento, mais uma vez, é excelente exemplo da pertinência da afirmação, já que as defesas argüíveis pelo réu cingem-se às hipóteses do art. 544 (não ter havido recusa ou mora no recebimento; ter sido justa a recusa; o depósito não ter sido efetuado no prazo ou no lugar do pagamento, ou, ainda, não ter sido integral). Típico caso, pois, de cognição judicial parcial, que racionaliza a prestação da tutela jurisdicional na perspectiva 5 procedimental e que, enfatizo – e nem poderia ser diferente –, não agride o inciso XXXV do art. 5º da CF, já que quaisquer outras alegações, para além daquelas, podem ser levadas ao Estado-juiz pelo procedimento comum. É certo que nem todos os procedimentos especiais do CPC de 2015 permitem explicação tão aderente entre os planos material e processual. Para eles, contudo, o fator preponderante de sua disciplina como procedimento especial é, como já adiantei, preso a razões históricas ou escolhidas por razões políticas feitas, em algum momento, pelo legislador. Até mesmo, com os olhos voltados ao CPC de 2015, de algum capricho, como ocorre, por exemplo, no caso da oposição, que, no CPC de 1973, apresentava-se como modalidade de intervenção de terceiro e que, no CPC de 2015, está entre os procedimentos especiais que, de especial, têm apenas e tão somente o prazo simples para a contestação dos réus, a despeito de eles estarem representados por advogados diversos e de eles não serem citados para comparecer a audiência de conciliação ou de mediação. 1.2 Primeira visão dos procedimentos especiais O CPC de 2015 disciplina como procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, em quatorze Capítulos do Título III do Livro I da Parte Especial, os seguintes: (i) ação de consignação em pagamento; (ii) ação de exigir contas; (iii) ações possessórias; (iv) ação de divisão e de demarcação de terras particulares; (v) ação de dissolução parcial de sociedade; (vi) inventário e partilha; (vii) embargos de terceiro; (viii) oposição; (ix) habilitação; (x) ações de família; (xi) ação monitória; (xii) homologação do penhor legal; (xiii) regulação de avaria grossa; e (xiv) restauração de autos. O décimo quinto e último Capítulo do Título III do Livro I da Parte Especial ocupa-se com os procedimentos de jurisdição voluntária, distribuindo-os em doze seções, fazendo uma interessante mescla do que, no CPC de 1973, é disciplinado como “procedimentos especiais de jurisdição voluntária” e como “procedimentos cautelares específicos”. Ainda mais interessante essa opção do CPC de 2015 porque alguns procedimentos cautelares específicos foram verdadeiramente descautelarizados – e não sem tempo –, tendo sido preservadas, de qualquer sorte, suas finalidades. Exemplos seguros dessa afirmação estão na produção antecipada de provas (arts. 6 381 a 383); no arrolamento de bens para fins de documentação (art. 381, § 1º); najustificação (art. 381, § 5º); na caução a ser prestada por quem se ausentar, sem bens imóveis, do Brasil durante o processo (art. 83); no atentado (77, VI, e § 7º) e na posse em nome do nascituro (art. 650). Cautelares como o arresto, o sequestro, os alimentos provisionais, o protesto e apreensão de títulos e as genéricas “outras medidas provisionais” do art. 888 do CPC de 1973 não foram reproduzidas, nem sequer como procedimentos especiais, ainda que de jurisdição voluntária. A menção àquelas duas primeiras figuras pelo art. 301 não tem o condão de infirmar a afirmação. São disciplinados, como de jurisdição voluntária, os seguintes procedimentos: (i) notificação e interpelação; (ii) alienação judicial; (iii) divórcio e separação consensuais, extinção consensual de união estável e alteração do regime de bens do matrimônio; (iv) testamentos e codicilos; (v) herança jacente; (vi) bens dos ausentes; (vii) coisas vagas; (viii) interdição; (ix) disposições comuns à tutela e à curatela; (x) organização e fiscalização das fundações; e, por fim, (xi) ratificação dos protestos marítimos e dos processos testemunháveis formados a bordo. Há distinções relevantes quando se compara o CPC de 2015 com o CPC de 1973, sem prejuízo do que já quis evidenciar. O CPC de 2015, com efeito, não reproduz a disciplina procedimental da nunciação de obra nova, da venda a crédito com reserva de domínio e da especialização da hipoteca legal. Além disso, o CPC de 2015, ao impor, em determinadas hipóteses (art. 259), a expedição de editais de citação de possíveis interessados, ainda que incertos, eliminou a “ação de usucapião (imóvel)” e a “ação de recuperação ou substituição de título ao portador”. Por fim, mas não menos importante, a “ação de depósito” deixou de ser prevista expressamente como procedimento especial e acabou sendo absorvida por uma das hipóteses do que o CPC de 2015 chama de “tutela da evidência” (art. 311, III). O rol do CPC de 2015, posto que extenso, não esgota o assunto. Há diversos e variadíssimos procedimentos especiais dispersos na legislação extravagante, isto é, fora do Código de Processo Civil. Apenas para mencionar alguns, a título ilustrativo, é o caso das “ações de locação de imóveis urbanos”, cuja Lei n. 8.245/1991 trata de procedimentos especiais vocacionados ao despejo, à revisão do aluguel e à renovação da locação; do mandado de segurança (Lei n. 12.016/2009); de todas as chamadas “ações 7 coletivas”, previstas na Lei n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), na Lei n. 8.078/1990 (Código do Consumidor) e em diversos outros diplomas; da “ação de improbidade administrativa” (Lei n. 8.429/1992) e da “ação de alimentos” ainda prevista pela Lei n. 5.478/1968, a despeito da revogação de seus arts. 16 a 18 determinada pelo inciso V do art. 1.072, que merece ser complementada com a disciplina da tutela jurisdicional executiva por ele disciplinada em seus arts. 528 a 533 (quando se tratar de título executivo judicial) e arts. 911 a 913 (quando se tratar de título executivo extrajudicial). 1.3 A nomenclatura empregada Ainda há tempo para uma derradeira consideração a título introdutório. O rol constante no número anterior acaba por evidenciar que o CPC de 2015, mantendo a tradição, refere-se a diversos procedimentos especiais como “ações”. Assim, por exemplo, a “ação de consignação em pagamento”, a “ação de exigir contas”, as “ações possessórias” e as “ações de família”. A nomenclatura, a despeito de ser consagradíssima (inclusive fora do Brasil), “ações” não variam de acordo com o direito material e/ou com suas peculiaridades. A “ação” é, como lá evidencio, invariável. Trata-se de direito de fazer atuar o Estado- juiz para obtenção da tutela jurisdicional. O exercício deste direito, tanto no aspecto de romper a inércia da jurisdição como na perspectiva de atuar aolongo do processo para a atuação concreta da tutela jurisdicional reconhecida, não varia de acordo com o direito material, até porque independe dele e de sua existência. 2 AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO A chamada “ação de consignação em pagamento” é o procedimento especial de jurisdição contenciosa que pretende a prestação de tutela jurisdicional consistente no reconhecimento judicial da extinção da obrigação pelo devedor em face de seu(s) credor(es), mediante o pagamento em consignação (art. 334 do CC). O CPC de 2015 não traz para ela nenhuma alteração substancial quando comparada com a disciplina do CPC de 1973 (inclusive quando, no art. 549, prescreve aplicar-se o mesmo procedimento aos casos de resgate de aforamento), cabendo ao autor que, no plano material, é quem se afirma devedor da obrigação, 8 requerer, ao juízo do local do pagamento (art. 540) o depósito da quantia do valor ou da coisa devida a ser realizado no prazo de cinco dias contados da admissibilidade da petição inicial e a citação do réu para aceitar (e levantar) o depósito ou oferecer contestação (art. 540). Os depósitos de prestações sucessivas podem ser feitos pelo autor no mesmo processo, desde que o faça no prazo de cinco dias de seu vencimento (art. 541). A matéria arguível pelo réu em contestação é limitada pelo art. 544: não ter recusado o recebimento ou não ter havido mora; ter sido justa a recusa; o depósito não ter sido efetuado no prazo ou no lugar do pagamento, ou, ainda, se não tiver sido integral. Quando o réu alegar que o depósito não foi integral, cabe a ele indicar qual é o montante que entende devido (art. 543, parágrafo único). Nesta hipótese, de o réu alegar a insuficiência do depósito, pode o autor complementá-lo em dez dias, salvo quando se tratar de prestação cujo inadimplemento acarretar a rescisão do contrato (art. 545, caput). Complementado o depósito, o réu pode levantá-lo, com a correspondente quitação parcial, prosseguindo-se o processo para apuração de eventual diferença (art. 545, § 1º). Se constatada diferença, a sentença a reconhecerá e, como título executivo, viabilizará ao réu cobrá-la em face do autor, observadas as regras relativas à liquidação e ao cumprimento de sentença (art. 545, § 2º). Se o pedido do autor for acolhido, a sentença reconhecerá a extinção da obrigação e imporá ao réu o pagamento de custas e honorários advocatícios (art. 546, caput), tanto quanto se o credor receber e der quitação (art. 546, parágrafo único). Havendo dúvidas no plano material sobre quem deve receber o pagamento, o autor requererá a citação dos possíveis credores (réus, no plano do processo) para provarem seu direito (art. 547). Se ninguém comparecer ao processo, o depósito será convertido em arrecadação de coisas vagas, observando-se, a partir daí, a disciplina do art. 746 (art. 548, I). Se aparecer apenas um, o magistrado analisará se se trata, na perspectiva do plano material, do credor (art. 548, II). Se vier ao processo mais de um que se afirme credor, o processo prosseguirá, com observância do procedimento comum, apenas com relação aos réus, que disputarão, entre si, a posição de credor da obrigação, extinta, com o depósito, em relação ao autor (art. 548, III). 9 O CPC de 2015 também preservou, nos parágrafos do art. 539, a possibilidade de, tratando-se de obrigação em dinheiro, o devedor efetuar depósito extrajudicial do valor que entende devido em banco do local do pagamento. O credor, neste caso, deverá ser cientificado do depósito para, em dez dias, contados do recebimento da carta com aviso de recebimento, manifestar-se a respeito. Se não houver recusa expressa, a obrigação é considerada extinta, ficando o valor depositado à disposição do credor. Havendo-a – e sua manifestação deve ser por escrito ao banco –, cabe ao devedor, querendo, ingressar em juízo, requerendo o reconhecimento judicial da extinção da obrigação, hipótese em que deverá instruir a petição inicial com as provas do depósito e da recusa.Terá, para tanto, um mês, sob pena de ser considerado sem efeito o depósito, que poderá ser levantado por ele próprio. 3 AÇÕES POSSESSÓRIAS As “ações possessórias” são o procedimento especial de jurisdição contenciosa que tem como finalidade a proteção da posse. Na expressão estão compreendidos não só os pedidos de tutela jurisdicional voltados à manutenção (casos em que há turbação da posse, isto é, embaraços no exercício pleno da posse) e à reintegração (quando houver esbulho na posse, isto é, perda total ou parcial da posse) de posse, mas também o chamado “interdito proibitório”, voltado à proteção preventiva da posse, cabendo ao magistrado expedir “mandado proibitório” com multa em detrimento de quem descumpri-lo. As duas primeiras hipóteses estão previstas no art. 560 e a terceira no art. 567, e dialogam suficientemente bem com a previsão do art. 1.210 do CC, segundo o qual: “O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”. A distinção, não obstante ter relevo no plano material, é minimizada pelo caput do art. 554, que prevê verdadeira fungibilidade, no plano processual, entre as técnicas a serem empregadas pelo Estado-juiz para tutelar a posse, tenha ou não sido esbulhada, meramente turbada ou, ainda, de forma preventiva, isto é, ainda quando ameaçada. O que pode ocorrer, destarte, é que a petição inicial descreva, para o Estado-juiz, uma situação de mera ameaça a direito e que seja formulado, consequentemente, pedido de expedição do mandado a que se refere o art. 567 e 10 que, pelo passar do tempo, mesmo que breve, entre a apresentação da petição inicial e a análise do pedido a ser feita pelo magistrado, a ameaça tenha se transformado, no plano fático, em lesão. Nem por isso, contudo, haverá necessidade de emendas ou de qualquer outra formalidade no plano do processo. A ordem do magistrado deverá proteger a posse, tida como digna de tal proteção, mesmo que a ameaça tenha se convertido em lesão ou vice-versa. Ademais e em rigor, o procedimento do “interdito proibitório” é idêntico aos dos casos de manutenção ou reintegração na posse, tal como revela, expressamente, o art. 568. As “ações possessórias” disciplinadas pelos arts. 554 a 568 ocupam-se com a tutela jurisdicional da posse, e não da propriedade. Para a tutela jurisdicional desta não há, no CPC de 2015 – e já não havia no CPC de 1973 –, nenhum procedimento especial. É correto, até mesmo, sustentar, com fundamento no art. 557 do CPC de 2015 e no § 2º do art. 1.210 do CC, que é vedado, durante as “ações possessórias”, que as partes demandem uma a outra questionando a propriedade. Há mais, contudo: mesmo para a tutela jurisdicional da posse, o procedimento especial ora em estudo é reservado para os casos em que o pedido respectivo é formulado até ano e dia da turbação ou do esbulho descrito na petição inicial, a chamada “posse nova”. Depois deste prazo, o procedimento a ser observado, mesmo que visando à tutela jurisdicional da posse (a “posse velha”), é o comum (art. 558). Não há nenhum óbice em tais casos, contudo, para que o autor, diante dos respectivos pressupostos, formule (e lhe seja concedido) pedido de tutela provisória, observando-se o disposto nos arts. 294 a 311. A petição inicial pode trazer, além do pedido de tutela jurisdicional da posse, pedidos de pagamento de perdas e danos e de indenização dos frutos (art. 555, I e II). O autor também poderá requerer a concessão de tutela apta a evitar nova turbação ou esbulho e a imposição de medida necessária e adequada para evitar nova turbação ou esbulho e para cumprir tutela provisória ou final (art. 555, parágrafo único). O art. 561 complementa a regra ao impor ao autor que prove, com a inicial, a sua posse, a turbação ou o esbulho praticado pelo réu com a respectiva data (para a distinção derivada do art. 558) e, tratando-se de manutenção, o prosseguimento do exercício da posse e, quando se tratar de esbulho, a perda da posse. Recebida a petição inicial e estando devidamente instruída, o magistrado deferirá, sem a oitiva do réu mandado liminar de manutenção (se a hipótese for de 11 turbação) ou de reintegração (se a hipótese for de esbulho). É típico – e clássico – caso de concessão de tutela antecipada independentemente de urgência, nos moldes generalizados pelo art. 311 para a tutela imediata do melhor direito, in casu, da posse nova. Não havendo elementos suficientes para tanto, o autor e o réu serão citados para o que é chamado de “audiência de justificação”, na qual serão colhidas provas tendentes à expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração (arts. 562, caput, e 563). O parágrafo único do art. 562 veda a expedição de mandado liminar sem a prévia oitiva das pessoas de direito público, por intermédio de seus respectivos representantes judiciais. A regra é flagrantemente inconstitucional porque viola a isonomia que deve presidir as relações dos particulares e das pessoas de direito público e que é princípio vetor da administração pública (art. 37, caput). Nada há que autorize a distinção preservada pelo CPC de 2015 porque inexiste nenhuma presunção de que pessoas de direito público não turbem ou não esbulhem a posse dos particulares. Fosse assim, aliás, e a doutrina e a jurisprudência não teriam desenvolvido o que é chamado de “desapropriação indireta”. Concedido ou não o mandado liminar de manutenção ou reintegração, o autor deverá, nos cinco dias seguintes, criar condições para que o réu seja citado para apresentar, em quinze dias, sua contestação (art. 564, caput). Quando houver a designação da audiência de justificação, contudo, o prazo para o autor tomar as providências que lhe couber, a citação fluirá da intimação da decisão que deferir ou não o referido mandado (art. 564, parágrafo único). O réu pode requerer em sua contestação tutela possessória e tutela relativa aos danos que entende ter experimentado em seu favor (art. 556). É o que a doutrina usualmente chama de “pedido contraposto” (a tornar desnecessária a reconvenção) e o que a leva a acentuar o “caráter dúplice” das “ações possessórias”, já que é possível ao réu receber tutela jurisdicional equivalente à do autor no mesmo processo, independentemente de qualquer formalismo. Se o réu provar, a qualquer tempo, que o autor provisoriamente mantido ou reintegrado na posse não tem idoneidade financeira para, sendo rejeitado seu pedido, responder por perdas e danos, o magistrado concederá ao autor o prazo de cinco dias para requerer caução, real ou fidejussória, sob pena de ser depositada a coisa litigiosa. A regra, constante do art. 559, não se aplica às partes que sejam economicamente hipossuficientes. 12 Preocupado com a realidade social do país, o CPC de 2015 trouxe importantes modificações na disciplina das “ações possessórias”. As primeiras correspondem aos três parágrafos do art. 554, que estabelecem regras a serem observadas na citação “no caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas”. Neste caso, como se lê do § 1º, será feita a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, sem prejuízo da intimação do Ministério Público para intervir e atuar no caso na qualidade de custos legis, e, havendo pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública. É típico caso em que a atuação da Defensoria Pública justifica-se na qualidade de custos vulnerabilis, dado o caráter coletivo do litígio. O § 2º, complementando a regra, prevê que, “para fim da citação pessoal prevista no § 1º, o oficial de justiça procurará os ocupantes no local por uma vez, citando-os por edital os que não forem encontrados”. Sem prejuízo, o § 3º impõe ao magistrado o dever de determinara ampla publicidade do processo e dos prazos processuais respectivos, valendo-se, conforme o caso, de anúncios em jornal ou rádio locais, da publicação de cartazes na região do conflito, e de outros meios. A outra novidade trazida pelo CPC de 2015 para as “ações possessórias” está no art. 565, que, pela sua importância e rente à realidade brasileira, abrange, excepcionalmente, também o litígio sobre a propriedade do imóvel (§ 5º). De acordo com o caput do dispositivo, no litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o magistrado, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até trinta dias. Desta audiência participarão o Ministério Público, na qualidade de custos legis, e a Defensoria Pública sempre que houver parte beneficiária da justiça gratuita (§ 2º), mais um caso inequívoco de atuação daquela instituição na qualidade de custos vulnerabilis. Também poderão ser intimados da audiência os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, de Estado, do Distrito Federal ou do Município em que esteja situada a área em litígio. Caberá a estas pessoas manifestarem, ou não, seu interesse no processo e a existência de possibilidade de solução para o conflito (§ 4º). A audiência também será designada quando, após a concessão da proteção liminar, ela não for cumprida no prazo de um ano (§ 1º). O § 3º, por fim, autoriza que o magistrado compareça à área objeto do litígio quando sua presença se fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional. 13 3.1 Outras ações, que não podem ser confundidas com as possessórias 3.1.1 Ação de imissão de posse O nome poderia levar o leitor a pensar que se trata de ação possessória. Mas não é: a ação é petitória, fundada não na posse, mas na propriedade. A ação de imissão de posse é aquela atribuída ao adquirente de um bem, que tenha se tornado seu proprietário, para ingressar na posse pela primeira vez, quando o alienante não lhe entrega a coisa. Essa ação nunca poderia ter natureza possessória, porque o seu autor não tem nem nunca teve posse. O seu objetivo é obtê-la pela primeira vez, quando se obtém a propriedade da coisa. Aquele que compra um bem tem o direito de o ter consigo. Se o vendedor não o entrega, a ação adequada não será possessória, porque o adquirente não quer a coisa para si por ser um possuidor esbulhado ou turbado, mas por ter adquirido a propriedade e ser o novo dono da coisa. Mas, às vezes, no contrato de alienação de bens, as partes fazem constar uma cláusula especial, pela qual, por meio daquele instrumento, o vendedor transfere ao comprador não só a propriedade, mas a posse do bem. Com isso, o comprador tornar-se-á possuidor, ainda que não apreenda a coisa. A sua posse é decorrência da cláusula contratual, que se chama constituti. Havendo recusa do vendedor em entregar a coisa, o comprador poderá valer-se da ação possessória, já que pela cláusula constituti houve transferência da posse, e se o vendedor não a entregar, ficará configurado o esbulho. Mas só se houver a cláusula. Sem ela, o comprador só terá a propriedade tendo que se valer da ação de imissão de posse, que nada mais é que uma espécie de ação reivindicatória, de ação do proprietário para, com fundamento no domínio, haver a posse do bem. A vantagem da ação possessória sobre a imissão de posse é que a primeira, preenchidos os requisitos, permitirá ao juiz conceder liminar específica. 3.1.2 Ação reivindicatória Tanto o proprietário, privado injustamente do bem, quanto o possuidor esbulhado têm o direito de reavê-lo. O proprietário, por força do disposto no art. 14 1.228 do CC, que lhe dá o direito de reaver a coisa do poder de quem injustamente a possua ou detenha. O segundo, porque a posse é protegida por lei, e não pode ser tirada do possuidor de forma indevida, ilícita. Imagine-se, por exemplo, que A seja proprietário de um bem, e B, o seu possuidor, que o tenha consigo sem autorização do dono. O proprietário pode ajuizar ação reivindicatória para reavê-lo e, se provar a sua condição, terá êxito. Mas nem mesmo ele (muito menos outras pessoas) pode tomar a coisa do possuidor, indevidamente, com emprego de violência, clandestinidade ou precariedade. Se isso ocorrer, o possuidor merecerá a proteção possessória, até mesmo contra o proprietário, que tomou a coisa à força. A ação reivindicatória é a que tem o proprietário para, com base em seu direito, reaver a posse da coisa, que está indevidamente com o terceiro; a ação possessória é a ação que tem o possuidor cuja posse está sendo agredida ou ameaçada. O fundamento da primeira é o direito de propriedade e o direito de sequela do proprietário, que lhe permite buscar a coisa em mãos de quem quer que com ela esteja indevidamente; o fundamento da possessória é o direito do possuidor de manter a posse, impedindo que ela lhe seja tirada por meios indevidos. A posse pode ser tirada do possuidor apenas por meios lícitos, como pelo ajuizamento de ação reivindicatória pelo dono. Mas não por esbulho, turbação ou ameaça, caso em que o possuidor poderá defender-se pela autotutela e pelas ações possessórias até mesmo contra o dono. 3.1.3 Ação de nunciação de obra nova Conquanto pressuponha que o autor seja proprietário ou possuidor do bem, a nunciação de obra nova não é possessória, porque não tem por finalidade proteger a posse. Sua função é permitir àquele que tem posse ou propriedade impedir a construção de obra nova em imóveis vizinhos; ou ao condômino, que impeça que o coproprietário altere a coisa comum. 3.1.4 Embargos de terceiro É a ação que mais se aproxima das possessórias. Sua função é permitir ao terceiro, que não é parte do processo, recuperar a coisa objeto de constrição judicial. 15 Não é possessória porque pode ser ajuizada não apenas pelo possuidor, mas também pelo proprietário, e visa proteger o terceiro, não propriamente de esbulho, turbação ou ameaça, mas de apreensão judicial indevida. 3.2 Os três interditos possessórios As ações possessórias são também chamadas interditos possessórios. São elas: a reintegração de posse, a manutenção de posse e o interdito proibitório, cabíveis quando houver, respectivamente, esbulho, turbação ou ameaça. O que permite identificar qual a adequada é o tipo de agressão que a posse sofreu. É preciso identificar cada um desses tipos: • esbulho: pressupõe que a vítima seja desapossada do bem, que o perca para o autor da agressão. É o que ocorre quando há uma invasão e o possuidor é expulso da coisa; • turbação: pressupõe a prática de atos materiais concretos de agressão à posse, mas sem desapossamento da vítima. Por exemplo: o agressor destrói o muro do imóvel da vítima; ou ingressa frequentemente, para subtrair frutas ou objetos de dentro do imóvel; • ameaça: não há atos materiais concretos, mas o agressor manifesta a intenção de consumar a agressão. Se ele vai até a divisa do imóvel, e ali se posta, armado, com outras pessoas, dando a entender que vai invadir, há ameaça. Mas nem sempre nos casos concretos será fácil identificar quando há esbulho, turbação ou ameaça. Há casos que ficam em uma zona cinzenta, que alguns podem classificar de uma maneira, e outros de forma distinta. A lei material não foi precisa, nem estabeleceu com exatidão os limites distintivos entre as diversas formas de agressão. Por essa razão, e para evitar eventuais prejuízos à vítima, no momento de escolher a ação adequada, a lei considerou as três ações possessórias fungíveis entre si, permitindo que o juiz conceda uma forma de proteção possessória diferente da que foi postulada, sem que a sua sentença seja extra petita. 16 3.3 Peculiaridades das ações possessóriasAntes de examinarmos o procedimento especial das ações possessórias de força nova, convém conhecer algumas de suas peculiaridades, úteis para distingui- las de outras ações. Elas são exclusivas das três ações possessórias anteriormente mencionadas. São elas: 3.3.1 Fungibilidade Vem expressamente prevista no art. 554 do CPC: “A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos pressupostos estejam provados”. Em outras ocasiões, vemos que a lei processual se vale da fungibilidade para evitar prejuízo aos litigantes, em situações nas quais pode haver dúvida sobre qual a providência adequada. Por exemplo, nos recursos, quando existe controvérsia a respeito da natureza da decisão recorrida; ou nas tutelas provisórias, quando o juiz verifica que a providência postulada não é a que assegure melhor a proteção ao postulante. Diante da possível dúvida sobre a natureza da agressão à posse, o legislador houve por bem considerar fungíveis as ações possessórias. Ao fazê-lo, flexibilizou o princípio da adstrição do juiz ao pedido, permitindo que conceda medida diversa da postulada. 3.3.2 A cumulação de pedidos O art. 327 do CPC autoriza, genericamente, a cumulação de pedidos nos processos em geral, desde que sejam compatíveis entre si, que o juízo tenha competência para julgar todos e que os procedimentos sejam os mesmos. Ainda quando haja diferenças de procedimento, admite-se a cumulação desde que o autor observe, em relação a todos, o comum, quando possível. Uma importante particularidade das ações possessórias é a que vem consignada no art. 555 do CPC: “É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de: I — condenação em perdas e danos; II — indenização dos frutos”. Além disso, 17 dispõe o parágrafo único que o autor pode requerer a imposição de medida necessária e adequada para evitar nova turbação ou esbulho e para cumprir-se a tutela provisória ou final. O que há de peculiar é que haverá cumulação sem prejuízo do procedimento especial, sem que o autor possa postular a liminar possessória. Também outros pedidos podem ser, em princípio, cumulados, desde que se observe o procedimento comum. Isso, a priori, também não obsta o emprego de técnicas processuais diferenciadas, desde que não haja incompatibilidade com o procedimento comum (art. 327, § 2º, do CPC). Os pedidos que podem ser cumulados são: a) Reparação de danos. Da agressão à posse podem decorrer prejuízos. O invasor é capaz, por exemplo, de provocar destruição e danos à coisa. E pode impedir o possuidor de usá-la, e retirar os frutos que ela produz. Pode haver lucros cessantes e danos emergentes. b) Indenização dos frutos. Se o réu tiver mantido a posse com boa-fé, ele tornará seus os frutos colhidos. Mas, se for possuidor de má-fé, terá que restituí-los todos (se não for possível a restituição, deve-se pagar o equivalente em dinheiro) e indenizar aqueles frutos que, por sua culpa, se perderam. O autor pode, na inicial, postular esse ressarcimento. Imposição de medida para evitar novas agressões à posse ou para compelir ao cumprimento da tutela provisória ou final. A medida, por excelência, é a multa cominatória. É instrumento de prevenção. O autor pede ao juiz que fixe uma multa suficientemente elevada para atemorizar o réu de, no futuro, tentar novas agressões à posse. Há controvérsia se, havendo nova agressão, a multa pode ser executada no mesmo processo em que foi fixada, ou se há necessidade de ajuizamento de um novo, para que se prove a nova agressão. Parece-nos que, ao fixar a multa, o juiz decide relação condicional, tal como permite o art. 514 do CPC. O réu incorrerá em multa caso promova nova agressão. Não há necessidade de nova ação, bastando ao autor que, na forma do citado artigo, faça a comprovação do novo ataque à sua posse, para que possa executar a multa. Parece-nos que não é necessária nova ação, nem mesmo para expulsar o invasor, após a segunda agressão à posse. Ele terá descumprido a sentença anterior, que reconheceu a melhor posse do autor, bastando a esse que postule ao juiz o revigoramento do mandado de reintegração de posse, sem prejuízo da multa. 18 A multa cominatória é o pedido principal nas ações de interdito proibitório, cujo caráter é sempre preventivo, já que só há uma ameaça. Nas demais possessórias, a multa ou qualquer outra medida coercitiva não é o pedido principal, mas pode ser postulada cumulativamente. 3.3.3 Natureza dúplice O art. 556 do CPC estabelece que “É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor”. Esse dispositivo atribui, às possessórias, caráter dúplice, pois autoriza o réu a formular pedidos contra o autor, na contestação, sem reconvir. Pode ocorrer, por exemplo, que as divisas entre dois imóveis não estejam muito claras. O autor acha que está sendo esbulhado, e o réu, por sua vez, pensa que é o autor quem está desrespeitando as divisas. Proposta a ação, o réu, na contestação, pode alegar que é a vítima, e postular ao juiz que conceda a ele a reintegração de posse. O réu poderá cumular, na contestação, os pedidos indicados no art. 555, o possessório, o de reparação de danos, o de indenização de frutos e a aplicação de medida coercitiva, para evitar novas agressões à posse ou compelir ao cumprimento da tutela final. Só não pode pedir liminar, já que o procedimento só permite que seja postulada pelo autor. Sobre os pedidos formulados na contestação, o juiz ouvirá o autor e, na sentença, os examinará todos. Em razão da natureza dúplice, em regra não caberá reconvenção nas ações possessórias, já que ela será desnecessária. Mas não se pode afastá-la quando o réu formular contra o autor algum pedido, que preencha os requisitos do art. 343 do CPC, mas não esteja entre aqueles do art. 555. Por exemplo: o réu pode reconvir para postular rescisão ou anulação de contrato. 3.3.4 Exceção de domínio 19 Exceção é expressão utilizada para se referir à defesa. A exceção de domínio consiste na possibilidade de o réu defender-se, com êxito, na ação possessória, alegando a qualidade de proprietário do bem. Uma vez que a ação é possessória, poderia o juiz julgá-la decidindo com fulcro na propriedade, em vez de ater-se à questão da posse? Em princípio, não haveria dificuldade nessa questão, pois posse e propriedade são coisas diferentes, e a primeira pode ser protegida até mesmo contra a segunda, se o proprietário se vale de meios indevidos ou ilícitos, para retirar a coisa do possuidor. Mas a exceção de domínio tornou-se tema complexo por força do art. 505 do Código Civil de 1916, cuja redação era bastante confusa: “Não obsta à manutenção ou reintegração na posse, a alegação de domínio, ou de outro direito sobre a coisa. Não se deve, entretanto, julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio”. As duas partes do dispositivo mostravam-se em franca contradição: enquanto a primeira dizia que a possessória deve ser julgada exclusivamente com base na posse, não interessando a questão do domínio, a segunda dizia que a ação não poderia ser julgada a favor de quem não fosse o proprietário. Afinal, a questão da propriedade interessava ou não para o julgamento da possessória? Depois de muita discussão, pacificou-se a jurisprudência no sentido de que, em princípio, o juiz deveria ater-se à posse, não interessando quem era o proprietário. Apenas em um caso era possível julgar com base na propriedade. Era aquele indicado na Súmula 487 do Supremo Tribunal Federal: “Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada”. O novo Código Civil, no art. 1.210,§ 2º, dispõe: “Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”. A lei não traz exceção à regra, e não permite mais, em nenhuma hipótese, que nas ações possessórias se alegue ou se discuta propriedade, ou que o juiz julgue com base nela. Não há mais em nosso ordenamento jurídico, em nenhuma circunstância, a exceção de domínio, e o réu não pode, com sucesso, defender-se invocando a sua condição de proprietário. O juiz deverá ater-se à posse, sem pronunciar-se a respeito da propriedade. Está revogada, portanto, a Súmula 487 do STF. 20 3.3.5 Impossibilidade de, no curso das possessórias, ser intentada ação de reconhecimento de domínio Dispõe o art. 557 do CPC: “Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa”. Esse dispositivo mostra a preocupação do legislador em manter estanques o juízo petitório e o possessório. Se uma das partes pudesse ajuizar ação dominial contra a outra, versando sobre o mesmo bem sobre o qual pende a ação possessória, haveria necessidade de reunião de ações, por conexidade, e a propriedade acabaria interferindo no juízo possessório. Por isso, na pendência da ação possessória — portanto, desde o seu ajuizamento até o trânsito em julgado — não se admite ação de reconhecimento de domínio, envolvendo as mesmas partes. A proibição é temporária: concluída a ação possessória, aquele que quiser propor ação dominial poderá fazê-lo. Mas, se o fizer pendente a possessória, o processo será extinto sem resolução de mérito, por falta de pressuposto processual negativo, o que poderá ser conhecido pelo juiz de ofício. Não há inconstitucionalidade na vedação legal, porque o proprietário não fica privado, em definitivo, de seu acesso à justiça, mas somente enquanto tramita a ação possessória. Um exemplo pode aclarar a situação. Imagine-se que A seja possuidor de um bem, e B, o seu proprietário. Se B quiser reaver o bem, deverá ajuizar em face de A ação reivindicatória que, se acolhida, obrigará à restituição. Mas, se B, em vez disso, for até o imóvel e tomá-lo à força, ou de forma clandestina, A poderá ajuizar contra ele ação possessória, porque B, embora proprietário, perpetrou esbulho. Não adianta B alegar em defesa a sua condição de dono, já que não mais se admite a exceção de domínio no Brasil. Ele não poderá ainda ajuizar ação reivindicatória contra A, enquanto a possessória estiver pendente. Comprovado o esbulho, o juiz acolherá a possessória e mandará B restituir o bem a A. Só então, B poderá ajuizar, em face de A, ação reivindicatória para reaver a coisa por meios legítimos. 21 4 DA MANUTENÇÃO E DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE Espécies de ações possessórias. Ações possessórias típicas são as de manutenção de posse, reintegração de posse e interdito proibitório. O cabimento de cada uma delas será determinado pelo tipo de ofensa perpetrada ao direito do possuidor. Adequado se reputa o ajuizamento da ação de manutenção de posse quando ocorrer a turbação, consistente no embaraço ao livre exercício da posse. O possuidor é turbado quando, apesar de continuar possuindo a coisa, perder parte do poder sobre ela. Os atos de turbação podem ser positivos, como o corte de árvores ou a implantação de marcos, ou negativos, como quando o turbador impede o possuidor de praticar certos atos. Terá lugar a ação de reintegração de posse quando o possuidor sofrer esbulho, ou seja, quando houver sido desapossado por terceiro, perdendo a disponibilidade sobre a coisa. Saliente-se, por relevante, que não é necessário o desapossamento da integralidade da coisa para fins de configuração do esbulho. É perfeitamente possível que o possuidor perca a disponibilidade de parte da coisa, fato que caracteriza o esbulho e não a turbação. Isso porque o traço distintivo entre as duas figuras é justamente a possibilidade de o possuidor continuar exercendo seu direito ou não, não importando se sobre toda a coisa ou apenas parte dela. Finalmente, o interdito proibitório será cabível quando se estiver diante de ameaça ao exercício da posse. Caracteriza-se a ameaça quando há fundado receio de que a posse seja turbada ou esbulhada. Nesse caso, nenhum ato ofensivo à posse foi perpetrado, mas há indícios concretos de que algo pode ocorrer. À guisa de exemplo, tem-se por configurada a ameaça quando o ofensor se posiciona defronte ao imóvel portando objetos e máquinas que façam presumir a invasão. Essas são, portanto, as três ações possessórias típicas, assim chamadas porque encerram a tutela de um possuidor contra algum fato que ofenda a relação possessória existente. Ao lado delas, existem outras ações que têm por fim a aquisição ou recuperação da posse com base na existência de alguma relação jurídica que enseje o surgimento desse direito. Porque não versam sobre qualquer modalidade de ofensa à posse, tais ações não são consideradas como possessórias. 22 Petição inicial – Requisitos. A petição inicial deverá observar todos os requisitos essenciais insculpidos nos arts. 319 e 320. Haja vista a especialidade do procedimento, destaque há de ser dado à causa de pedir e ao pedido, que variarão de acordo com o tipo de ofensa perpetrada contra a posse. Em primeiro lugar, deve o autor noticiar a sua posse anterior. É que, como sabido, o pleito possessório se assenta justamente na ofensa à posse como estado fático. Logo, se não havia posse, não se pode falar em pretensão de tutela, razão por que se fala, nessa situação, em ausência de interesse processual. Nem mesmo a alegação de domínio tem o condão de substituir o requisito da posse anterior, porquanto, como já consignado alhures, a discussão acerca da propriedade não tem lugar nas ações possessórias. Aliás, convém advertir que a posse anterior não se prova com cópia da escritura registrada ou qualquer título de domínio, mas sim com documentos que demonstrem o poder fático sobre a coisa, de maneira a dar-lhe destinação socioeconômica. São exemplos de documentos que bem demonstram a posse: contas de luz, correspondências, fotografias, entre outros. Nada obsta a que a prova se faça por meio de prova oral. Afinal, com relação à posse, vige o princípio da realidade fática. Faz-se imprescindível também narrar em que consiste a ofensa perpetrada pelo réu (ameaça, turbação ou esbulho). Já se conceituou alhures cada uma das modalidades de violação ao direito de posse, oportunidade em que restou demonstrado o quão tênue é a diferença entre elas. Naturalmente, dada a similitude entre as figuras, é muito comum a indicação errônea na petição inicial, o que não prejudica a prestação jurisdicional. É que, dada a fungibilidade entre as medidas, perfeitamente possível reconhecer uma forma de afronta à posse diversa daquela narrada na inicial, se os elementos trazidos aos autos assim permitirem. O que importa, na verdade, é deixar claro que a posse anterior foi molestada. Outro elemento que não deve faltar é a data em que levado a efeito o ato espoliativo. Isso porque, com base nesse dado, será determinado o procedimento, se comum ou especial. A data exata da turbação ou esbulho, por se tratar de matéria exclusivamente fática, envolve certa dificuldade de comprovação. Via de regra, a prova é feita por meio de declarações de vizinhos ou boletins de ocorrência. Caso não haja prova, na inicial, acerca da ocorrência do esbulho há menos de ano e dia, será designada audiência de justificação, sobre a qual falaremos adiante. 23 Por fim, importante mencionar a continuação ou a perda da posse após o ato espoliativo, como forma de se caracterizar a ofensa perpetrada e, em última análise, definir a tutela possessória adequada. Todos esses fatos – posse anterior, violação, data da ofensae perda ou continuação na posse – deverão ser demonstrados, ainda que superficialmente, no ato do ajuizamento da ação, com o fito de se verificar a adequação do procedimento eleito pelo autor, bem como a possibilidade de concessão da liminar. Não se trata de exigir prova pré-constituída de tudo quanto seja exposto na petição inicial, mas somente daqueles fatos que levam à especialização do procedimento. Nada impede que se utilize do procedimento possessório mesmo não dispondo de prova documental. Em tal caso, entretanto, para fins de concessão de tutela antecipatória, indispensável será a realização de audiência de justificação prévia. Audiência de justificação. Consoante se extrai do art. 562, caso o autor não comprove os fatos indicados no art. 561, deverá justificar o pedido de tutela liminar em audiência, para a qual será citado o réu. O STJ entende que o termo “citação” é utilizado de forma imprópria, já que o réu, neste caso, não será chamado para se defender, mas apenas para, querendo, comparecer e participar da audiência de justificação. Por esta razão, a Corte também considera que a ausência dessa “citação” não é capaz de gerar a nulidade absoluta do feito. Nessa audiência, o autor produzirá provas tendentes a demonstrar a posse anterior e o ato ofensivo perpetrado há menos de ano e dia. Como se vê, a audiência em comento não guarda qualquer similitude com a audiência preliminar do procedimento comum, porquanto não tem escopo de conciliar as partes, mas de oportunizar ao autor a demonstração dos requisitos para a concessão da liminar, dificilmente evidenciados por prova documental pré- constituída. Ganha relevo, nesse momento, a prova testemunhal, a qual, segundo entendimento da doutrina majoritária, será produzida exclusivamente pelo autor, cabendo ao réu, no máximo, inquiri-las ou contraditá-las. Argumentam os defensores dessa ideia que, nesse estágio, o que se busca é unicamente substrato para a concessão da tutela antecipatória, o que se faz mediante juízo de cognição perfunctório e não exauriente. A despeito disso, não se vislumbra qualquer óbice à 24 participação efetiva do réu. Com base no princípio da verdade real, que deve presidir também o processo civil, é necessário conferir ao réu a oportunidade de produzir todas as provas que julgar necessário. Isso porque a decisão concessiva da tutela antecipatória lhe trará enorme gravame, fato que justifica a necessidade de se oportunizar desde logo o contraditório. Realizada, portanto a justificação, estará o juízo apto a proferir decisão acerca do pedido de liminar. Seja para conceder ou não a tutela almejada, a decisão será atacável por meio de agravo de instrumento, haja vista a total inocuidade da modalidade retida. Resposta do réu. Citado o réu – ou intimado, caso já tenha sido citado para a audiência de justificação –, este poderá apresentar resposta no prazo de 15 (quinze) dias ou quedar-se inerte, hipótese em que se aplicarão os efeitos da revelia, tal como no procedimento comum. Em sede de contestação, será possível arguir a incompetência absoluta do juízo, caso a regra do art. 47, § 2º, não seja observada. Além disso, cabível se mostra a arguição de incompetência relativa e de todas as demais questões elencadas no art. 337. No mérito, o réu, de regra, alegará que o autor não preenche os requisitos contemplados no art. 561, a saber: a posse anterior, a turbação, o esbulho ou ameaça, a data do ato, a continuação ou perda da posse em virtude da moléstia. Não se pode olvidar que, também no procedimento especial das possessórias, vige o princípio da eventualidade, bem como o ônus da impugnação especificada. Nesse diapasão, poderá o réu alegar e provar que o ato espoliativo foi perpetrado há mais de ano e dia, fato que ocasionará a revogação da liminar. Convém observar, por relevante, que se reputa perfeitamente possível, também nas lides possessórias, a alegação de usucapião como matéria de defesa. Isso porque a Súmula nº 237 do STF, ao permitir a alegação de usucapião como matéria de defesa, não restringe o seu emprego ao âmbito das ações petitórias. Ademais, caso tenha ocorrido, de fato, a prescrição aquisitiva, não se reputa razoável reintegrar ou manter na posse aquele que não a exerce há anos, daí a utilidade da usucapião como matéria de defesa. Poder-se-ia objetar tal afirmação, ao argumento de que a alegação de usucapião incluiria no pleito possessório a discussão sobre o domínio. Contudo, não 25 se afigura correta tal conclusão, haja vista que a discussão acerca da prescrição aquisitiva se assenta justamente na posse. Esclareça-se, entretanto, que a alegação de usucapião na contestação tem o único escopo de afastar a pretensão possessória do réu, não se podendo falar em sentença declaratória do domínio. Prosseguindo na análise das matérias arguíveis em contestação, cumpre observar que o réu poderá também pleitear o pagamento das benfeitorias eventualmente implementadas por ele. Para tal desiderato, deverá listar, na contestação, os melhoramentos levados a efeito e os valores efetivamente desembolsados. Por derradeiro, poderá o réu, em sede de contestação, demandar proteção possessória e indenização pelos prejuízos resultantes da suposta moléstia perpetrada pelo autor. Exemplificando, imagine-se a situação em que o possuidor tem porção de terra invadida por militantes do MST, os quais, por sua vez, ajuízam ação possessória alegando que sofreram esbulho por parte do primeiro. Nesse caso, o verdadeiro possuidor, réu na ação intentada pelos sem-terra, poderá alegar, na contestação, que o ato espoliativo foi perpetrado pelos autores. Assim, o réu poderá pleitear proteção possessória e indenização por todos os prejuízos causados pela invasão levada a efeito pelos sem-terra. Litígios possessórios coletivos. O dispositivo institui novidade relativa às demandas possessórias de caráter coletivo. Diferentemente do CPC/1973, o CPC/2015 se preocupou em definir a tutela jurídica para esse tipo de conflito, normalmente ocasionado pela desigual repartição da propriedade fundiária e pelo déficit habitacional. O novo procedimento proporciona tratamento diferenciado entre as ações possessórias individuais e as ações possessórias coletivas. E não poderia ser diferente. Como os conflitos que envolvem a posse coletiva, na maioria das vezes, implicam gravames aos litigantes devido ao grande número de ocupantes nas áreas envolvidas, é razoável a definição de regras próprias visando minimizar os prejuízos advindos desse tipo de demanda. Entre as especificidades do procedimento está a regra contida no caput, que permite a formalização de pedido liminar nas ações coletivas de “posse velha”, desde que tenha ocorrido prévia audiência de mediação. A disposição tende a evitar a concessão de medidas liminares antes da tentativa de autocomposição entre os 26 litigantes. Além disso, a norma segue a recomendação da Secretaria de Estudos Legislativos do Ministério da Justiça, que indica a necessidade de se realizar audiência de mediação “[...] em qualquer caso que envolva conflito coletivo pela posse ou pela propriedade da terra, urbana ou rural, previamente a tomada de decisão liminar, não apenas na hipótese de constatada a potencialidade que o conflito coloque em risco a integridade física das partes envolvidas, mas como forma de prevenir a violação de princípios e garantias constitucionais.”1 O CPC/2015 prevê a participação nas ações possessórias coletivas de órgãos responsáveis pelas políticas agrária e urbana de cada ente federativo, além da necessária intervenção do Ministério Público como custos legis. A Defensoria Pública terá participação em todos os casos nos quais qualquer das partes não puder constituir advogado próprio ou não puder arcar com as despesas processuais sem prejuízo do sustento próprio oude sua família. Como já dito, algumas modificações quanto ao procedimento foram necessárias tendo em vista a exclusão do procedimento sumário e a adoção de um procedimento único para todas as ações de conhecimento. 5 DO INTERDITO PROIBITÓRIO Aplicação subsidiária. A seção II de que trata esse dispositivo versa sobre o rito especial das demais ações possessórias típicas. Assim, no caso de interdito proibitório, é possível o manejo da especial tutela possessória a partir de uma cognição simplificada (liminar). Os requisitos que devem ser comprovados serão aqueles pertinentes ao interdito proibitório, conforme exposto nos comentários ao art. 560. O interdito proibitório é o tipo adequado de ação possessória quando ainda não houve agressão à posse, mas tão somente ameaça; tem certas peculiaridades 1 SAULE JR., Nelson; LIBÓRIO, Daniela; AURELLI, Arlete Inês (Coord.). Conflitos coletivos sobr e a posse e a pr opr iedade de bens imóveis. Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL). (Série: Pensando o Direito nº 07/2009), p. 138. Disponível em: <http://participacao.mj.gov.br/pensandoodireito/wpcontent/ uploads/2012/11/07Pensando_Direito.pdf>. 27 que o distinguem das demais, pois seu caráter é preventivo, não repressivo. O autor não pedirá ao juiz a expedição de mandado possessório, mas a fixação de uma multa, suficientemente amedrontadora, que desanime o réu de perpetrar a agressão que ele ameaça realizar. A ameaça que dá ensejo ao interdito proibitório é a séria, que provoque temor fundado de agressão injusta à posse. Por isso, cumpre ao autor descrevê-la, na inicial, com precisão. O procedimento do interdito proibitório, quando a ameaça tenha ocorrido há menos de ano e dia, é o das ações de força nova. O juiz poderá conceder a liminar, de plano ou após a audiência de justificação. A diferença é que a liminar não será para reprimir alguma agressão realizada, mas para fixar a multa na qual o réu incorrerá caso transforme a ameaça em ação. Deferida a liminar, caso o réu cometa a turbação ou o esbulho, haverá duas consequências: por força do princípio da fungibilidade, o juiz, ao final, concederá ao autor a reintegração ou manutenção de posse; e o réu incorrerá na multa, que poderá ser executada nos mesmos autos, observando-se as regras do art. 537, § 3º, do CPC que, conquanto verse sobre as astreintes, pode ser aplicado, por analogia, à multa cominatória do interdito proibitório. 28 6 CONCLUSÃO O referido trabalho, ao ser feito, trouxe (no aspecto de sua composição) diversas dificuldades a serem enfrentadas e exigiu do grupo entendimento multidisciplinar em relação à proposta apresentada. Tratar do tema, dentro de abordagem legal, buscando até mesmo referências formais e jurídicas inerentes ao assunto abordado, exigiu intensa pesquisa em obras doutrinárias, jurisprudenciais e até mesmo de legislação em sua conformação pura e original. Após os fatos e ante mesmo das dificuldades enfrentadas, tivemos uma percepção bastante relativa sobre a tratativa que os procedimentos especiais possuem em nosso ordenamento pátrio e até mesmo o quão ainda encontra-se pouco debatido o referido assunto, dadas as impossibilidades e até mesmo insuficiência em material (seguro) para tratar do assunto. Dentre as impossibilidades pontuais/percepções que ocorreram, podemos citar: a ausência de qualquer sistematização legislativa acerca dos diversos procedimentos especiais; a dispersão da matéria a ser examinada no Código de Processo Civil e em numerosas leis extravagantes; a notável importância das normas de direito material para correta compreensão do respectivo procedimento especial destinado a tutelá-lo; a coexistência de procedimentos especiais criados em contextos legislativos distintos; a dificuldade de aplicar subsidiariamente aos procedimentos especiais as regras do procedimento comum, dentre outras. Sendo assim, faz-se necessária a divulgação, e a intensa necessidade de entendimento do que trata este diploma normativo por vias únicas de pertinência e entendimento. Devemos enveredar nos caminhos que o Código pátrio apresenta, para fins de não tratar os procedimentos especiais de maneira secundária, ou como estrutura apensa ao todo, mas sim buscar sua completa introdução, discussão, aplicação e problematização e direcionar nossa atenção para todos os procedimentos (como um todo) vez que todos apresentam forte importância na composição das necessidades sociais, mas também chamamos atenção (em especial) sobretudo no tocante à subsidiariedade das normas do procedimento comum aos procedimentos especiais e à cumulabilidade de demandas sujeitas a procedimentos diversos, quando ao menos um deles é especial. Redigir este instrumento conclusivo e até mesmo fazer este trabalho, exigiu do grupo diversas potencialidades e uso correto das funções pertinentes ao ato e 29 justamente por essa premissa, reforçamos que percebemos uma recorrente atitude errônea muito recorrente no meio jurídico, que é a da utilização indevida e muitas vezes equivocada de três termos imprescindíveis para a área processual. O termo “ação”, “processo” e “procedimento” em seu sentido léxico estão formalmente definidos nas obras padrão de nossa língua pátria, mas quando se chega no ãmbito jurídico, nos deparamos com um desvio de definição e consequentemente de aplicabilidade do tema, fazendo-se assim necessário e justo o entendimento do que se trata estes temas. Compreende-se “ação” como garantia constitucional ampla de acesso ao Poder Judiciário, para obtenção da tutela jurisdicional efetiva, por meio do devido processo legal. O primeiro ato decorrente do exercício desse direito de índole constitucional provoca a instauração do “processo”, assim entendido como uma relação jurídica de caráter público, desenvolvida sob o signo do contraditório, autônoma com respeito à relação jurídica de direito material existente entre os litigantes, e cujo objetivo é a pacificação do litígio, a aplicação do direito objetivo e a afirmação do poder soberano estatal. Por sua vez, o “procedimento” é entendido como um conjunto complexo de atos encadeados em sequência lógica com vistas à produção de um resultado, pelo qual se exterioriza o processo A exemplo do que ocorre na generalidade dos sistemas jurídicos, o ordenamento processual civil brasileiro tradicionalmente estabeleceu um procedimento padrão para prestação de tutela jurisdicional, denominado de “procedimento comum”que se coloca como modelo a ser seguido na generalidade dos casos, independentemente do direito material versado pelos litigantes. Plural é uma denominação que pode ser dada à sociedade e mais pluralista ainda, são as relações estabelecidas entre os indivíduos. O direito/ordenamento jurídico, não diferente dessa pluralidade apresentada pela sociedade/relações, adquiriu conformação um tanto quanto “plástica” e buscou abarcar todas estas interações e demandas oriundas das relações humanas, o que fez com que surgisse múltiplas modalidades instrumentárias para justamente ser abrangente ao que se detém o termo. Diversos foram os atos normativos e múltiplos são os exemplos de vezes em que o direito precisou reger e existir de maneira diferente para poder compor os seus tutelados e não diferente foi nos casos trazidos e atinentes ao 30 direito civil. Diante dos matérias pesquisados e conforme o objeto utilizado para fazer este ato conclusivo, conseguimos captar e expressar cinco modalidades, das quais seguem: a) Criação de microssistemas legislativos, calcados em princípios e institutos próprios, com ou sem conjugação com normas de direito material, como os dos Juizados Especiais e da tutela coletiva. Trata-se da solução complexa, adotada com menor frequência, pois depende de grau elevado de inadequação do standard de prestaçãode tutela jurisdicional em relação à natureza do conflito e das normas que o regem; b) Criação legislativa de procedimentos especiais, seja no corpo do Código, seja na legislação extravagante. Essa opção foi tradicionalmente prestigiada pelo legislador brasileiro. A exemplo dos dois diplomas nacionais que o antecederam, o CPC de 2015 reserva o Título III do Livro I da Parte Especial a eles, os quais convivem com dezenas de outros procedimentos especiais sediados em legislação extravagante. Costuma-se identificar o procedimento especial pela posição que ocupa, pela atribuição legal de um nomen iuris e, principalmente, pela existência de um conjunto de normas processuais e procedimentais criadas com o objetivo de adequar o instrumento padrão de prestação de tutela jurisdicional à configuração da relação jurídica litigiosa ou a um aspecto do direito material em conflito; c) Promulgação de disposições legais especiais, destinadas à adaptação processual e procedimental, a serem observadas no procedimento comum, sem que ele se converta em procedimento especial. Exemplos não faltam no CPC de 2015: (i) norma que impõe citação dos cônjuges nos processos que disserem respeito a direito real imobiliário (art. 73, §1.º); (ii) normas que permitem a denunciação da lide nas situações de direito material previstas no art. 125, I e II e o chamamento ao processo aludidas no art. 130, I a III; (iii) normas que impõem citações na ação que requerer a declaração de usucapião (arts. 246, §3.º, 259, I) e a recuperação ou substituição de título ao portador (art. 259, II); (iv) previsão de tutela provisória de evidência em caso de “pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito” (art. 311, III); etc. Trata-se de solução mais racional que a criação de diversos procedimentos especiais, sobretudo nos casos em que esses apresentam modificações pequenas em relação ao procedimento comum. Evitam-se, assim, diversos problemas teóricos e práticos, como, por 31 exemplo, dúvidas em torno da subsidiariedade do regime do procedimento comum, quanto ao regime de cumulabilidade de pedidos etc. d) Adaptação e flexibilização de disposições processuais e procedimentais por decisão judicial à luz das circunstâncias do caso concreto, nos casos especificados no ordenamento. O art. 107, V, do anteprojeto de novo CPC, elaborado pela Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal em 2009, previa amplos poderes judiciais para “adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico, respeitando sempre o contraditório e a ampla defesa”. Tal alternativa apresentaria vantagens e desvantagens. Atribuir ao juiz o poder de adaptar o procedimento tornaria desnecessária a criação de novos procedimentos especiais (ou até mesmo, em último grau, a manutenção de grande parte daqueles já presentes em nosso ordenamento), mas, por outro lado, essa adaptação procedimental poderia causar graves atrasos na marcha processual, seja pela necessidade de observância do contraditório (preferencialmente prévio), seja pela falta de habitualidade dos juízes com o exercício de tal poder. Esse dispositivo foi duramente combatido no Senado Federal e, em seu lugar, subsistiu no art. 139, VI, do CPC de 2015, que confere ao juiz apenas o poder “dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito”. Além disso, há outros exemplos, no CPC de 2015, de poderes judiciais para adaptação processual e procedimental à luz da situação litigiosa e do direito material a ela aplicável, tal como: (i) realização ou não de audiência de conciliação (art.334, §4.º, II) e de saneamento (art. 357, §3.º), a depender da natureza do direito controvertido; e (ii) dinamização do ônus da prova (art. 373, §1.º); e) Adaptação e flexibilização de disposições processuais e procedimentais por convenção processual, seja em hipóteses típicas espalhadas no texto do CPC de 2015, seja, principalmente, com base na cláusula geral de negociação processual prevista no art. 190 que expressamente permite adequação procedimental (“mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa”) e processual (“convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais”). Como reforçamos anteriormente, estas adequações justas e necessárias são efetivas na composição formal e integral dos fatos que afetam e estão diretamente 32 ligados ao direito material, justamente por este motivo, surgem os procedimentos especiais, que na condição de não abrangência do fatos reais pelo processo comum, fizeram-se necessários. O detalhe é que o legislador se depara com dois riscos: o de deixar de alterar o procedimento comum naquilo que seria necessário para uma adequada tutela dos direitos materiais, ou modificá-lo sem benefício algum à atividade jurisdicional. Ambos os deslizes produzem consequências insidiosas. Entretanto, a postura inversa é também bastante prejudicial. Não raro, procedimentos especiais simplesmente não se justificam como um todo,ou trazem regras diferenciadoras do padrão do Código de Processo Civil sem qualquer razão de ordem prática, e que atentam contra a celeridade e a efetividade processuais, bem como à isonomia. Em uma primeira vista, nosso sistema incorreu mais frequentemente no segundo erro aqui apontado, pois prevê uma quantidade exagerada de procedimentos especiais, muitos deles injustificáveis tecnicamente. As causas dessa descontrolada proliferação são também conhecidas: (i) a crônica ineficiência do procedimento ordinário; (ii) o apego injustificado a tradições históricas; e (iii) razões de conveniência política. Conclui o grupo portanto, o reconhecimento de que diversas são as modalidades de abrangência advindas dos procedimentos especiais e consequentemente maiores as possibilidades de atingir a plural existência/necessidade social. Do que tange a composição do código pátrio, entendemos muitos procedimentos como letra morta, ou que apenas surtiram efeitos em determinados momentos pontuais no ordenamento jurídico, o que gera um fluxo grande de procedimentos e instruções normativas que exigem as devidas atualizações e respaldo jurídico muitas vezes desnecessários. Atinentes à estes fatos, a manutenção de um ordenamento atualizado, pluralista e efetivo é quesito básico para execução justa do direito. 33 7 BIBLIOGRAFIA BRASIL. Código de processo civil e normas correlatas. – 9. ed. – Brasília : Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2016. BRASIL. Código de processo civil [recurso eletrônico] : Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2016. – (Série legislação ; n. 251). GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado/Marcus Vinicius Rios Gonçalves; coordenador Pedro Lenza. – 6. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016. – (Coleção esquematizada). MEDINA, José Miguel Garcia. Direito Processual Civil. 3º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. Novas Reflexões em torno da Teoria Geral dos Procedimentos Especiais. Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2017/04/26/novas-reflexoes-em-torno-da-teoria-geral- dos-procedimentos-especiais/>. Acesso em: 29 set. 2019. Novo código de processo civil anotado. OAB – Porto Alegre: OAB/RS, 2015.
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