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ESTADOS UNIDOS, LIBERDADE E CIDADANIA

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KARNAL, Leandro. Estados Unidos, Liberdade e Cidadania. In.: 
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.). História da 
cidadania. 6. ed.– São Paulo: Contexto, 2013. 
 
 
 
ESTADOS UNIDOS, LIBERDADE E CIDADANIA 
Leandro Karnal 
 
While the storm clouds gather far across the sea, 
Let us swear allegiance to a land that’s free, 
Let us all be grateful for a land so fair, 
As we raise our voices in a solemn prayer.1 
(Canção tradicional de Irving Berlin) 
 
A Independência dos Estados Unidos da América e suas implicações trouxeram para a história uma 
nova concepção política e promoveram transformações importantes nos conceitos de cidadania e 
liberdade. É o que vamos discutir aqui. 
Vitoriosos nas duas guerras mundiais e na Guerra Fria, os EUA despertaram na análise mundial uma 
ambiguidade muito grande, como é comum a todos os centros imperiais da história. Para os 
historiadores contemporâneos, é difícil focalizar a dimensão daquelas colônias dispersas no século 
XVIII sem ter como substrato o poderio imperial norte-americano do século XXI. Liames teleológicos 
são traçados de forma perigosa tanto com o processo de formação dos EUA como com uma suposta 
lógica de ascensão e queda de potências. 
Repetimos a dúvida que estava na mente dos visitantes no século XIX: como foi possível a esses 
estadunidenses construírem um sistema que provoca repulsa e emulação em doses tão próximas? 
Como se estabelece a liberdade real e imaginária nos EUA? 
Alguns cuidados tornam-se fundamentais na reflexão sobre a cidadania nos EUA. O primeiro deles é 
que não existe um conceito de cidadania. Se alinhássemos numa discussão hipotética clássicos 
defensores da cidadania como Péricles de Atenas, o Barão de Montesquieu, Thomas Jefferson e 
Robespierre2, possivelmente eles discordariam em itens fundamentais. Cada época produziu práticas e 
reflexões sobre cidadania muito distintas – e cidadania, como é lógico supor, é uma construção 
histórica específica da civilização ocidental. A partir dessa constatação vamos em busca de uma 
invenção específica, a cidadania e a liberdade nos Estados Unidos da América. Como em todos os 
lugares nos quais surgiram, os conceitos citados transformaram-se muito ao longo do tempo.3 
AS ORIGENS 
Ao observador atento da capital planejada dos EUA não escapa a abundância de prédios 
neoclássicos. Poderíamos apenas argumentar que o autor do plano original da nova capital dos EUA, o 
francês Pierre Charles L’Enfant (1754-1825), tinha essa predileção. Porém, é evidente que a escolha 
também representa uma clara tentativa de estabelecer um diálogo com os princípios políticos 
atribuídos pela primeira geração após a Independência dos EUA com as instituições republicanas de 
Grécia e de Roma.4 
No gesto de construir uma nova capital em mármore branco de padrão clássico estava instituída a 
capacidade extraordinária da elite dos EUA para resgatar traços da memória histórica e política e 
constituir um simbolismo à exposição nacional. 
Na miríade de imigrantes que formaram as 13 colônias estabeleceu-se o mesmo. A memória 
histórica nacional destacou um grupo, os “pais peregrinos” (pilgrim fathers), e um navio, o 
Mayflower, como gestos fundacionais. Desde as primeiras tentativas inglesas de povoamento da costa 
Leste do Atlântico já tinha transcorrido mais de 35 anos quando o Mayflower encostou na Nova 
Inglaterra. Da mesma forma, ao Sul, já existia a cidade de Jamestown na Virgínia quando os pais 
peregrinos contemplaram o Novo Mundo. Porém, para os homens que fizeram a Independência em 
part0012_split_001.html#footnote-18274-1
part0012_split_001.html#footnote-18274-2
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1776, eles eram a legítima continuidade do sonho de liberdade daqueles puritanos de 1620. Em outras 
palavras, a constituição da liberdade e da cidadania dos EUA implicou uma hipertrofia de alguns fatos 
históricos e a supressão ou diminuição de outros, num extraordinário processo de invenção de 
memória e de uma tradição de liberdade. 
O Mayflower Compact5 tinha o texto ideal para se constituir em discurso fundador, especialmente 
seu compromisso com just and equal laws (“leis justas e iguais”). Homens piedosos que se reuniram 
numa situação de muita angústia, vendo a costa de uma terra desolada e com um frio pouco usual até 
para ingleses, escrevem um texto e preocupam-se com leis que garantam justiça e igualdade. Parecia 
existir uma cidadania avant la lettre, uma cidadania 150 anos antes da Independência e da 
Constituição. 
Abandonados naquela costa desolada, esses pioneiros ainda forneceram outra base para o imaginário 
político-religioso dos séculos seguintes. No início do inverno de 1621, tendo sido devastados pela 
fome e frio do ano anterior, realizaram um Dia de Ação de Graças que se consagraria como o grande 
feriado dos EUA juntamente com o Dia da Independência. OThanksgiving idealiza os colonos como 
religiosos e laboriosos e consagra a visão de pacifismo com os índios, que os fatos futuros não 
comprovariam. Colonos em oração e celebrando, harmonicamente, com os índios, em meio a 
abóboras, milho e peru; eis o quadro ideal para fundar o imaginário político na constituição da nova 
nação. A cena foi pintada à exaustão e é encenada nas escolas até hoje. Constituiu-se numa referência 
fundamental e solidificou uma invenção sobre o passado.6 
A memória oficial destacou com impressionante uniformidade a saga heroica dos colonos da Nova 
Inglaterra. A ideia de autonomia e liberdade das colônias é muito mais complexa, porém. Vejamos o 
caso pouco citado da rebelião de Nathaniel Bacon, em 1676, na Virgínia.7 Há na rebelião deste colono 
uma nítida coloração democrática, pois seu alvo é o poder do governador Sir William Berkeley e 
também a crítica aos grandes proprietários ao redor de Jamestown, capital da Virgínia. Para reforçar 
esse tom, o rebelde assina um documento como “Generall by Consent of the people”. Assim, um 
“general pelo consentimento do povo” quer opor um poder carismático e democrático a autoridades 
constituídas. Aumentando a caracterização popular do movimento, o rebelde ainda quer ampliar o 
sistema de voto para incluir colonos brancos pobres. A petição de Bacon lembra muito a relação dos 
agravos cometidos pelo rei George III contra a colônia e enumerados cem anos depois na Declaração 
de Independência, datada de 4 de julho de 1776. Também no século seguinte a lei fundamental dos 
EUA garantia o direito de fazer petições contra poderes opressivos. 
Aprofundando a compreensão do movimento da Virgínia, que antecede em cem anos a 
Independência, a situação torna-se mais complexa. O caráter “democrático” parece ficar turvo diante 
do fato de que os rebeldes querem uma atitude mais agressiva em relação às terras indígenas. A 
política conciliatória de Berkeley irrita os brancos sem terras, que veem as terras a Oeste como uma 
chance de ascensão social. Da mesma forma, enunciando os defeitos do governador, alegam que o 
mesmo não defende os interesses reais e é corrupto.8 
É claro notar uma relação pouco confortável para os analistas da democracia e da cidadania. Os 
colonos de Bacon são mais pobres do que os aristocratas ao lado de Berkeley, porém a proposta dos 
colonos é de rapinagem sobre as comunidades indígenas. Da mesma forma, no século XIX, como 
veremos, o apogeu do ataque às populações indígenas ocorre no mesmo momento em que o governo 
democrático de Jackson está no poder e amplia a participação política dos brancos pobres. 
Mesmo após a derrota militar dos rebeldes, a situação de conciliação com os índios também foi 
superada. A liberdade de expansão dos colonos brancos existiu na proporção do ataque às 
comunidades indígenas. A leitura colonial da ideia de um cidadão livre não se tornava uma postura 
universal para o gênero humano. 
Tanto para os colonos puritanos de Massachusetts como para os colonos da Virgínia, a tradiçãode 
liberdade foi reforçada ao longo de todo o século XVII pela quase ausência total da Inglaterra. 
Envolvidos nas suas disputas internas que levariam à decapitação de Carlos I, à República e à 
deposição de James II, os ingleses pouca atenção deram às suas colônias. Essa “negligência salutar”, 
como foi definida muitas vezes, implicava uma relativa liberdade de comércio. Mesmo que não tenha 
sido total, foi muito maior do que nas colônias ibéricas ao Sul e as leis restritivas da Inglaterra eram, 
quase sempre, letra morta. A partir da metade do século XVIII existe, entretanto, uma visível mudança 
no comportamento colonial inglês. As razões são complexas, mas usualmente atribuídas às dívidas 
contraídas pelo governo de Londres durante a chamada Guerra dos Sete Anos com a França (1756-
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1763) e às novas necessidades ditadas pela Revolução Industrial. A face visível da mudança está na 
imposição de legislação de caráter mercantilista, reduzindo a liberdade que predominara no período 
anterior. As leis não eram em si novas, mas vinham acompanhadas de vontade concreta de execução. 
Assim, os colonos passaram a receber, sistematicamente, leis restritivas como a do açúcar, a do selo, a 
da moeda etc. No exato momento em que a Coroa ibérica passava a flexibilizar o mercantilismo nas 
suas colônias (por meio das chamadas reformas borbônicas), a Coroa britânica passava a tentar 
implantá-lo de fato. 
As medidas britânicas provocaram o choque entre a Inglaterra e suas 13 colônias. Os colonos 
passaram a fazer petições com reclamações e congressos expressando suas desavenças com a nova 
política. A política inglesa foi pouco flexível e a repressão armada começou. Ainda antes da 
Declaração de Independência de 1776 já existiam choques armados entre colonos e ingleses. 
Não havia apenas uma luta para enfrentar, havia uma memória e uma identidade a construir. Para 
homens como Thomas Jefferson e George Washington, para intelectuais como Benjamin Franklin, as 
origens da liberdade do Novo Mundo não poderiam estar nas mãos do fundador Sir Walter Raleigh9, 
pois este era preposto de um governo absoluto inglês. Da mesma forma, a colonização meridional das 
13 colônias tinha iniciado com companhias mercantis inglesas, instituições que ofereceriam pouco 
material para o tipo de memória que se desejava. A rebelião de Bacon não era, exatamente, um bom 
modelo por suas ambiguidades. O tipo ideal só poderia ser encontrado nos puritanos, fugindo da 
perseguição religiosa e que tinham assinado um documento de liberdade com o qual o presente de 
1776 poderia fazer uma ligação extraordinária: o Mayflower Compact. Assim, a vontade de liberdade 
expressa neste curto documento fazia uma linha clara com a Declaração de Independência, síntese e 
objetivo criados no século XVIII, mas sonhado nos porões do Mayflower. 
EM BUSCA DA FELICIDADE COMUM 
A Declaração de Independência afirma solenemente, ao denunciar os motivos da separação 
promovida pelo Segundo Congresso Continental da Filadélfia, que o rei da Grã-Bretanha estava 
violando os direitos mais básicos da liberdade. Na parte final do documento, os autores relembram as 
circunstâncias da emigração deles para o Novo Mundo.10 Um olhar histórico perceberia exatamente o 
contrário. Ao mesmo tempo em que se dispõe a lembrar as circunstâncias da emigração e do 
estabelecimento no Novo Mundo, o que o documento faz é esquecer a maior parte dessas 
circunstâncias. Os que lutavam em 1776 deveriam ignorar a cupidez dos membros da Companhia da 
Virgínia, deveriam esquecer as noivas à venda em leilões nos portos da América, os ladrões e as 
prostitutas embarcados, deveriam esquecer aventureiros e protegidos, deveriam esquecer personagens 
como Lord Baltimore e outros, e deveriam fixar a memória no modelo dos pais peregrinos. Assim, 
o settlement adquiria uma unidade de objetivos inspirada e conduzida por ideais elevados e aptos à 
construção de uma nova nação. O gesto de liberdade de 1776 implicava amnésia para uma invenção 
possível: os EUA, o único país que nascia sem nome e tomava o nome do equívoco francês11 acrescido 
do toque federal: Estados Unidos da América. Só a construção de um determinado conceito de 
liberdade poderia unir fazendeiros escravocratas da Virgínia, comerciantes e manufatureiros da Nova 
Inglaterra, puritanos de Boston, católicos de Maryland, quacres da Pensilvânia, moradores das cidades 
como Nova York e muitos alemães das colônias centrais. A liberdade passou a ser constituída como 
fator de integração nacional e de invenção do novo Estado. 
O gesto de selecionar momentos fundacionais não é uma exclusividade dos EUA. A historiografia 
oficial argentina canonizou San Martín e a venezuelana fez o mesmo com Simon Bolívar. Importante 
lembrar que o primeiro morreu no exílio e o segundo a caminho dele. Igualmente os mexicanos do 
Porfiriato comemoraram com estrondo o centenário da Independência em 1910, marcando o 
chamado Grito de Dolores – que, se tivesse sido vitorioso, possivelmente impediria o surgimento de 
governos tão abertos ao capital estrangeiro como o de Porfírio Díaz. A invenção da memória histórica 
é sempre um capítulo importante na construção do Estado Nacional. 
Porém, se é verdade que o episódio da migração puritana é uma escolha com claros contornos 
políticos, é evidente que a origem da liberdade dos EUA passa pelo protestantismo. 
Apesar da associação entre Lutero e a nobreza feudal, o protestantismo representa uma ruptura com 
a tradição, mesmo quando liderado por reacionários. Lutero, Calvino e mesmo Henrique 
VIII12 afirmam, com todas as suas ambiguidades, que a interpretação deles sobre a organização da 
Igreja ou do Estado é mais correta do que a tradição católica. 
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É evidente que vários pontos no protestantismo, especialmente o calvinismo, enfatizam a 
participação individual: a Bíblia deve ser lida pelo crente na sua língua; não há necessidade de 
intermediários humanos para a compreensão da palavra divina; o ritual do grupo não é fixo ou 
excessivamente marcado pela liturgia formal e há uma crença na relação individual com a graça 
divina. Se é fato que o absolutismo serviu-se tanto do catolicismo como dos reformadores para se 
justificar, também é claro que as primeiras contestações contra o poder absoluto tinham uma clara 
relação com grupos protestantes, como os puritanos ingleses e calvinistas holandeses.13 No caso 
específico da tradição política inglesa do século XVII, grande parte do discurso político contra o 
absolutismo estava embasado na crítica ao modelo de Igreja Anglicana de Carlos I ou às tendências 
católicas de James II, suscitando as Revoluções Puritana e Gloriosa.14 
A diversidade de grupos religiosos foi uma realidade na América anglo-saxã, caracterizando aquilo 
que o especialista em História Britânica J. C. D. Clark chamou de anglican nightmare15. Ao contrário 
dos países ibéricos e suas colônias e da tentativa dos reis Stuarts na Inglaterra, a unidade religiosa e 
uma única Igreja associada ao Estado nunca foram possíveis nas colônias que formariam os EUA. A 
diversidade interna acentuava a dificuldade de controle e marcava uma ruptura maior com a Inglaterra. 
A “explosão sectária” do século XVIII e os constantes “reavivamentos espirituais” estabelecem um 
liame sólido entre a busca de liberdade política de 1776 e a busca de expressão autônoma religiosa. 
Muitos autores têm explorado a ideia da Guerra de Independência como uma guerra de religião.16 
Mas voltemos aos contestadores de 1776. A tradição da liberdade tinha uma base clara na tradição 
religiosa puritana e numa determinada leitura da memória colonial.Outra base estava no autor inglês 
John Locke, lido por norte-americanos nas universidades inglesas e disseminado nas 13 colônias. O 
texto de Declaração é uma lembrança quase literal dos princípios básicos do autor do Segundo Tratado 
Sobre o Governo: direitos naturais, governo instituído para preservar os direitos naturais, e direito à 
rebelião. Raras vezes na história um autor teve uma influência tão clara em um texto elaborado em 
outro país.17 
Se Locke foi o pano de fundo intelectual do movimento, o panfleto incendiário de Thomas Paine foi 
o produto de maior difusão.18 No texto ele consagra uma visão de que o Estado não deve ser 
confundido com a sociedade e que o Estado nasce da iniquidade. Reafirma o mesmo dado de Locke: 
os governos foram fundados para o estabelecimento da felicidade comum. Diante das observações de 
que a Inglaterra seja a Pátria Mãe, ele afirma que isso torna suas atitudes repressoras com as 13 
colônias ainda piores. Por fim, reforçando um traço do chamado excepcionalismo americano, afirma 
que a Europa está excessivamente dividida e as guerras frequentes acabam prejudicando o comércio 
das colônias.19 
Assim, como vimos, a pressão inglesa encontrou oposição intelectual e protestos que se 
transformaram em guerra aberta e na vitória na Guerra de Independência. Curiosamente, os colonos 
invocavam tradições inglesas (como a ideia de taxação com representação20) e misturavam a elas uma 
recriação do seu passado histórico. Há muito de conservador no movimento de independência e de 
liberdade, pois busca-se restaurar uma situação anterior: a não interferência inglesa. Como é frequente 
nos movimentos de restauração de algo perdido, cria-se bastante na intenção de evitar o novo.21 
DEMOCRACIA RELATIVA 
Os documentos fundadores da nova nação são amplos e generosos. A Declaração de Independência 
afirma que todos os homens foram criados iguais e dotados pelo Criador de direitos inalienáveis, como 
vida, liberdade, busca da felicidade. Da mesma forma, a Constituição elaborada em 1787 inicia com a 
consagrada expressão “We, the people of United States” (Nós, o povo dos Estados Unidos). Os termos 
são coletivos e não há traços de limitação escrita e jurídica nesses documentos. 
O caráter da Constituição está ligado à luta contra a Inglaterra na Guerra de Independência. Se 
aplicarmos a teoria do especialista Thomas Janoski sobre a cidadania22, podemos concluir que se trata, 
antes de mais nada, de garantir a esfera do privado como espaço do cidadão, em detrimento da tirania 
externa. Porém, há também o risco da tirania interna e este risco deve ser afastado pela perfeita 
harmonia e limites dos poderes instituídos. O traço da Constituição que mais se opõe à tradição ibero-
americana é a desconfiança que se tem do poder político e a valorização do indivíduo. 
Como decorrência de uma permanente desconfiança do poder, expressa em inúmeros teóricos 
políticos do século XVIII nos EUA, a Constituição inicia falando do Legislativo, a salvaguarda mais 
eficiente contra o personalismo. O Executivo só aparece no artigo seguinte e o Judiciário no artigo III. 
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Como era natural supor, a desconfiança de cada ex-colônia com relação à garantia de direitos 
individuais e à possibilidade da opressão de um governo centralizado numa capital nacional continuou. 
Para garantir ainda mais a certeza dos termos em relação a liberdades individuais, os estados votaram 
e aprovaram, em 1791, dez emendas constitucionais que se tornaram tão importantes quanto a própria 
Constituição. As emendas estabelecem uma quase absoluta liberdade de expressão, o direito de o 
cidadão comum portar armas, a necessidade de julgamentos abertos e com júri, proibição de penas 
cruéis e outras liberdades. As emendas estabelecem um diálogo imediato com a experiência da guerra 
contra a Inglaterra, consagrando a proeminência do indivíduo sobre o Estado e manifestando a 
desconfiança diante do Estado que Paine havia expressado no seu Common Sense. 
Os colonos tinham lutado contra uma potência organizada que queria cobrar impostos exorbitantes e 
sem representação dos próprios colonos. Venceram a guerra, com a curiosa ajuda da França 
absolutista. O Estado inglês tinha sido visto como organizado para provocar o mal dos colonos. A 
vitória de milícias armadas, ao lado do Exército liderado por George Washington, consagrava uma 
vitória de uma nação em armas – a ideia do minute man23 – contra um Estado organizado e despótico. 
A Guerra de Independência tinha produzido a crença no sucesso da liberdade individual combatendo a 
tirania do Estado24. A influência e o alcance desse êxito eram surpreendentes. A liberdade norte-
americana atingia as outras colônias e inspirava novos movimentos.25 A própria França, que tanto 
ajudara na guerra contra a Inglaterra, começava a viver um movimento revolucionário, que teve a 
influência da guerra na América. 
Observados na forma da lei, os Estados Unidos da América tinham criado a mais ampla 
possibilidade democrática do planeta na época da sua independência. Poderes equilibrados como 
desejava Montesquieu, presidentes eleitos regularmente, uma Constituição escrita com princípios de 
liberdade muito sólidos e reforçada pelas emendas da Bill of Rights. Porém, o orgulho americano do 
seu sistema e a admiração do mundo pelo mesmo ocultavam um dado importante. A cidadania e a 
liberdade criadas com a Independência e a Constituição estavam extremamente limitadas. 
Aqui tocamos num dos pontos mais delicados de toda tarefa histórica: julgar um fato do passado 
pelos olhos de hoje. Para o padrão atual norte-americano, a democracia do fim do século XVIII e 
início do XIX era muito restrita. Por quê? Mulheres e brancos pobres não votavam. Da mesma forma, 
os ideais de liberdade conviviam com a instituição da escravidão, que duraria até a Guerra da Secessão 
(1861-1865). Como era possível falar em democracia em um sistema que excluía a maioria absoluta da 
população e ainda estabelecia a propriedade pessoal de um homem sobre outro? 
Os autores mais críticos, como o norte-americano H. Aptheker, sempre destacaram o caráter limitado 
da Revolução Americana. Para ele, apesar das grandes novidades do texto, a Declaração de 
Independência apresenta “o Estado de forma idealista e vê o homem de maneira abstrata, e não o 
homem e a mulher numa sociedade de classe, com o Estado como um reflexo desta sociedade e 
guardião da classe dominante”.26 
VERSÕES DE CIDADANIA 
É curioso notar, como já dissemos, que a Grécia Clássica foi muito utilizada como modelo estético e 
político pelos norte-americanos. Bem, na área que criou o termo e o uso da democracia, o sistema 
democrático ateniense excluía da participação as mulheres, os escravos e os estrangeiros. Na verdade, 
o termo cidadania foi criado em meio a um processo de exclusão. Dizer quem era cidadão – ao 
contrário de hoje, em que supomos se tratar da maioria – era uma maneira de eliminar a possibilidade 
de a maioria participar, e garantir os privilégios de uma minoria. Admitir o conceito de cidadania 
como um processo de inclusão total é uma leitura contemporânea. Da mesma forma, os fundadores da 
República podiam falar de igualdade e liberdade em meio a seiscentos mil seres humanos 
escravizados.27 
Tratava-se, tanto nos EUA nascentes como na matriz inglesa, de uma cidadania de cunho liberal, o 
que representa obter igualdade política para um grupo determinado. Esse grupo, aquele que dirigiu o 
movimento de Independência, foi beneficiado por essa cidadania. 
Para outrosgrupos, como os indígenas norte-americanos, a Independência representou uma sensível 
piora. De muitas formas a Coroa inglesa tinha usado o choque entre colonos e indígenas para refrear o 
ímpeto expansionista dos colonos. O avanço sobre as terras indígenas cresceu enormemente com a 
Independência dos EUA. A busca de liberdade dos colonos foi o início de uma dolorosa “trilha de 
lágrimas” para os indígenas.28 
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Seria puro anacronismo cobrar de atenienses ou da geração revolucionária de 1776 uma concepção 
de liberdade e cidadania que possuímos hoje? Em vários sentidos não, pois, primeiramente, porque 
não se tratava de uma unanimidade. Havia críticas e debates sobre o comércio de escravos. Havia 
homens que negavam a alega da “frivolidade” feminina como obstáculo à participação política, como 
James Wilson e William White. Houve, acima de tudo, participação ativa feminina e de negros na 
Independência. O debate continuaria de forma intensa até que o próprio país entrasse em guerra civil, 
entre outros motivos, em função do debate sobre a escravidão. Da mesma forma, o debate sobre a 
participação feminina seria ampliado até o século XX, quando, após a Primeira Guerra Mundial, as 
mulheres obtiveram direito ao voto por emenda constitucional.29 Como sabemos, o voto negro ou 
feminino não significaram a plena igualdade, pois tanto os movimentos negros como os feministas 
continuaram, após essa conquista, em busca da ampliação da cidadania. 
Na verdade, a análise do movimento de Independência traz à tona dois fatos aparentemente 
contraditórios. Por um lado é evidente que o movimento favoreceu mais ao grupo chamado pela 
gíria wasp (abreviatura de branco, anglo-saxão, protestante). A Independência trouxe aos fazendeiros e 
comerciantes o controle político do país, sem alterações expressivas do status quo. Por outro lado, os 
princípios de liberdade expressos na Declaração e na Constituição passaram a ser invocados 
exatamente pelos que não se sentiram beneficiados na prática. Assim, não deveria ser desprezado o 
caráter revolucionário da expressão “todos os homens foram criados iguais”, pois foi em busca do 
aspecto concreto desse princípio que os movimentos de ampliação da cidadania passaram a ocorrer. A 
Declaração de Independência seria usada como “escudo de cínicos e acicate de tiranos”.30 A frase é 
muito feliz. Por um lado significa que o texto serve para disfarçar todas as contradições da sociedade 
norte-americana ao apresentar um modelo ideal. Por outro implica dizer que, apesar dessas 
contradições, o texto serve para contestar estas mesmas contradições, tanto nos EUA como fora dele. 
Mas a Independência não foi tão superficial. Ela trazia a necessidade de constituir um corpo 
dirigente, de tomar as rédeas da nação e trazer a discussão política para casa. Não havia mais um 
Parlamento distante a culpar, mas um governo próximo. A revolução não terminava com o gesto de 
1776 nem com a Constituição. A longa guerra tinha sido em nome da liberdade e mais de duzentos mil 
homens tinham servido à causa em milícias ou no Exército Continental. Essa experiência constituiria 
uma fonte do chamado “radicalismo norte-americano” e das pressões para a compreensão literal do 
texto de Independência.31O mesmo ocorrera na Inglaterra de Cromwell, que, derrubando o rei em 
nome de um princípio de liberdade, viu-se atacado no poder por grupos como “escavadores” em nome 
de uma interpretação mais ampla do mesmo princípio. 
O POVO VAI AO PALÁCIO 
Como vimos, a construção dos conceitos de liberdade e de cidadania norte-americanos teve várias 
origens: as condições específicas da colonização, o discurso religioso, a influência de outros 
pensadores e a luta contra a Inglaterra. A legislação do novo país traz a marca de desconfiança do 
Estado e reforça a crença no indivíduo. Todas as expressões da Bill of Rights indicam um mecanismo 
de defesa contra o Estado e contra a interferência estatal na vida do cidadão. 
Também são heranças do movimento de Independência a “canonização” de figuras como Thomas 
Jefferson e George Washington. Estes dois líderes, também presidentes dos EUA, foram erigidos em 
fundadores da nação. Como todo relato canônico, suas inclinações para a verdade e a justiça são 
notadas desde a infância e se constituem em modelo de desprendimento.32 
O ciclo revolucionário desencadeado na Europa pela França colaborou para reforçar o 
conservadorismo no mundo em vários sentidos. O caos político da Revolução Francesa foi utilizado 
pelos conservadores, inclusive nos EUA, para demonstrar que uma democracia de massa não era 
desejável. 
Porém, como a Constituição Americana era muito ampla, cabia aos legislativos estaduais 
estabelecerem a prática concreta da votação. Assim, Vermont aboliu a escravidão ainda no século 
XVIII, e em vários Estados a exigência de renda era bastante ignorada como condição de votação. As 
variações eram grandes. Na Virgínia, metade dos eleitores potenciais estava desqualificada pelas 
provas de propriedade. Em Nova York, “em 1790, de 65 a 70% dos adultos do sexo masculino podiam 
votar para escolher os membros da Câmara Baixa, porém apenas a metade desse número votava para 
senadores e governador.”33 Além das limitações previstas em lei, havia ainda uma indiferença com as 
eleições. Sendo facultativas, atraíam poucos eleitores.34 
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No governo norte-americano havia ainda diferenças expressivas, além daquelas determinadas pelos 
estados. Se a ideia de Thomas Jefferson tivesse se desenvolvido, a democracia teria adquirido uma 
proporção mais ampla no século XVIII e início do XIX. Jefferson sonhava com uma sociedade mais 
igualitária de pequenos agricultores. Os debates como o ocorrido em torno da publicação do novo 
panfleto de Thomas Paine (The Rights of Man, 1792) em resposta às considerações do estadista 
britânico Edmund Burke a respeito da Revolução Francesa, além da tempestade de opiniões 
contraditórias sobre a cidadania e a extensão dos direitos democráticos, mostram que a divisão nos 
EUA a esse respeito era bastante acentuada.35 
De alguma forma, dois fatores colaboraram para atenuar um pouco a tensão política que poderia 
gerar um sistema restritivo. O primeiro foi a nova guerra com a Inglaterra, em 1812. O nacionalismo é 
um dos melhores escudos contra o senso crítico e a chamada Segunda Guerra de Independência 
reforçou o nacionalismo norte-americano.36 O segundo fato foi a própria expansão para o Oeste, 
primeiro para o vale do Ohio e, depois de 1803, a vastíssima Louisiana comprada por Jefferson da 
França. 
A expansão colaborou para diminuir tensões sociais no Leste, possibilitando o ocultamento das 
disparidades sociais. Curiosamente, os novos moradores do Oeste seriam fonte de contestação da 
nação imaginada pelos líderes de 1776. 
O representante das novas visões trazidas pela expansão para o Oeste seria Andrew Jackson, nascido 
em 1767, eleito como sétimo presidente dos EUA em 1829, militar tornado herói pela guerra de 1812, 
famoso pelo cerco a Nova Orleans. Nascido de família pobre no Velho Sul, enriqueceu e ficou ligado 
aos fazendeiros da fronteira oeste. 
As pressões para ampliação da cidadania e da democracia nos EUA vinham tanto dos fazendeiros do 
Oeste como das massas urbanas da Costa Leste. Em estados como Nova York as pressões tinham, 
literalmente, instituído o voto universal masculino. Os novos estados do Vale do Ohio também 
apresentavam constituições mais abertas do queas dos Estados tradicionais do Sul. 
Assim, a ascensão de um presidente de origem mais popular e comprometido com promessas de 
ampliação política apenas reforçava um processo que estava sendo estabelecido no país. No dia da sua 
posse, Jackson franqueou as portas da Casa Branca a pessoas tidas como humildes pela aristocracia de 
Washington, causando perplexidade entre os grupos tradicionais da cidade, que compararam a posse 
de Jackson à invasão de Roma pelos bárbaros. A cerimônia era o símbolo da nova era democrática. 
As ideias de Jackson incluíam uma desconfiança radical em relação ao capitalismo financeiro dos 
centros urbanos do Leste. Ele reforçou um dos símbolos fundamentais da cultura norte-americana: o 
“homem da fronteira”, individual, laborioso, simples, honesto e que não necessita do Estado. O 
homem comum da era jacksoniana foi elevado à categoria de modelo. 
No governo de Jackson o sistema de conchavo para a escolha de um candidato à presidência pelo 
partido foi substituído pelas convenções partidárias abertas. O presidente atacou duramente os grandes 
bancos e propôs crédito barato aos agricultores. O sufrágio universal masculino tornou-se regra nos 
EUA. O resultado foi muito rápido. “Em 1824, o total de votos envolvidos na eleição presidencial foi 
de somente 356 mil; em 1836, subiu para 1,5 milhão; e em 1840 foi de 2,4 milhões – sete vezes maior 
que apenas 16 anos antes”.37 
Em parte estimulada pelo presidente e em parte pelo próprio desenvolvimento da sociedade norte-
americana, a década de 1830 assistiu a uma verdadeira refundação democrática do país. Não era mais 
a democracia jeffersoniana, até porque a realidade de pequenos agricultores não era mais a mola 
central da economia. Era o surgimento de uma doutrina de igualdade republicana, de jornais baratos 
(como o Sun e o Herald de Nova York), ampliação do ensino público leigo e sustentado pelo Estado e 
florescimento de grupos protestantes populares, com apelos mais emotivos e cultos considerados 
“muito barulhentos” pela elite conservadora.38 
O PAÍS DAS OPORTUNIDADES 
Tantas transformações não podiam deixar de gerar uma imagem ambígua para Jackson. Seu primeiro 
grande biógrafo o definia em 1860 como “um patriota e um traidor (...) Um autocrata democrático. 
Um selvagem urbano. Um santo atroz”.39 
Pelo menos para um grupo, Jackson não tinha nenhuma ambiguidade. Os indígenas norte-
americanos sofreram medidas duras durante seu governo. O deslocamento de milhares de indivíduos 
para lugares cada vez mais desolados a Oeste foi a continuação de um massacre que ocorria desde o 
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primeiro contato dos indígenas com os brancos. Representando o interesse de proprietários do Oeste, 
que queriam mais terras, Jackson apoiou abertamente o ataque aos indígenas dos EUA. 
Porém, apesar da perseguição aos indígenas, a liberdade religiosa, a liberdade de imprensa, o 
sufrágio universal masculino e a educação pública seduziam o mundo. O cidadão norte-americano 
parecia gozar de uma liberdade inédita e sem a necessidade de enfrentar as desordens e o caos 
revolucionário francês. 
A ideia da sedução da liberdade dos EUA atraía muitos visitantes. Um dos mais famosos foi o 
aristocrata francês Alexis de Tocqueville40, que desembarcou nos EUA em plena era Jackson. 
A análise de Tocqueville trazia as angústias que muitos norte-americanos e muitos europeus 
apresentavam. Como tratar da liberdade individual em meio ao coletivo? Como assegurar e equilibrar 
as limitações que a vida na sociedade de massa impõe com a existência do particular?41 
Tanto para a França de Tocqueville como para os EUA do fim do século XVIII, a questão central da 
cidadania era garantir a liberdade individual contra a falta de igualdade social (caso da França) ou 
contra uma potência externa (caso dos EUA). Tanto a sociedade francesa como a norte-americana 
perceberam mais tarde, de várias formas, que este era apenas um passo e que a cidadania poderia 
implicar outras conquistas. 
Uma das observações de Tocqueville diz respeito ao dinheiro nos EUA. Reduzidos à igualdade que 
não distingue mais o voto do intelectual do voto do ignorante, o meio de distinção passa a ser o 
dinheiro. O que a política torna igualitário, o sucesso financeiro distingue. 
Seu olhar crítico supunha que a nova aristocracia industrial era ainda mais cruel do que a antiga, de 
nascimento. A possibilidade de enriquecer destruía os valores da convivência harmônica. Essa elite 
que tinha sido pobre agora queria, mais do que nunca, o bem-estar material.42 
O receio de Tocqueville pela ditadura da opinião pública parece hoje mais fiel a um olhar 
aristocrático do que às práticas democráticas. Sua visão apresenta um medo do novo, disfarçada de 
superioridade, e uma crítica que se torna curiosamente atual sobre o caráter dos norte-americanos: 
Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo: vejo uma multidão 
incalculável de homens semelhantes e iguais que giram sem repouso em torno de si mesmos para conseguir 
pequenos e vulgares prazeres com que enchem sua alma. Cada um deles, retirado à parte, é como que alheio ao 
destino de todos os outros: seus filhos e seus amigos particulares formam para ele toda a espécie humana; 
quanto ao resto de seus concidadãos, está ao lado deles, mas não os vê; toca-os mas não os sente – cada um só 
existe em si mesmo e para si mesmo e, se ainda lhe resta uma família, podemos dizer pelo menos que pátria ele 
não tem.43 
A nação que causou admiração e crítica em Tocqueville cresceu mais do que nunca em território e 
população no período entre Jackson e a Guerra Civil. A ideia de um país de igualdade e de 
oportunidades econômicas reforçou o grande sonho americano que atraía milhões de imigrantes 
europeus e orientais. Repetindo o gesto dos pais peregrinos calvinistas, os russos ortodoxos, irlandeses 
católicos, judeus, italianos católicos e centenas de outros grupos desembarcavam nos EUA em busca 
de uma vida melhor. Tantos imigrantes assustavam os que haviam chegado antes, que viam riscos à 
identidade nacional. Porém, o desejo da cidadania norte-americana e a ideia de progresso material 
tornaram-se, exatamente, o cimento que uniu o país. Vindos de situações econômicas adversas e de 
terras em que geralmente havia menos liberdade, os imigrantes tinham condições de eleger a nova 
pátria como “terra prometida”. O sonho americano do sucesso material e de oportunidades iguais para 
todos constituiu uma unidade poderosa. Não importava a realidade de miséria da maioria dos 
imigrantes: difundiu-se a ideia de que o trabalho duro levava as pessoas ao sucesso e que o fracasso 
era falta de esforço. Paralelamente aos grandes teóricos liberais do XIX na Europa e nos EUA, 
difundia-se uma crença do senso comum no valor do indivíduo. A pobreza não era vista como uma 
chance de caridade ou um dado natural e consagrado, mas como fruto da preguiça e falta de esforço. 
Sair dela era um ato de vontade, jamais uma imposição do sistema em si. 
A rápida expansão para o Oeste, a vitória sobre o México (1846-1848) e o Tratado de Guadalupe-
Hidalgo (1848) incorporaram milhões de quilômetros ao território norte-americano e criaram a base 
para justificar a ideia do Destino Manifesto. Deus havia manifestado predileção pelos EUA e sua 
maneira de viver, e suas concepções de governo e de cidadania eram superiores à arrogante Europa ou 
ao México católico. A crença nesse excepcionalismo dos EUA é muito anterior ao presidente W. 
Wilson, tradicionalmente associado ao idealismo e ao excepcionalismo no período da Primeira Guerra 
Mundial. 
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part0012_split_001.html#footnote-18274-43O desafio imaginado a esse igualitarismo excepcional representou a remoção de obstáculos como a 
escravidão ou a proibição de trustes pela Lei Sherman de 1890 (Sherman Antitrust Act). Os dois atos 
revelam a mesma vontade de remover obstáculos legais à igualdade, afastar condições jurídicas de 
desigualdade e deixar à liberdade individual o exercício do progresso pessoal e da plena cidadania. 
Sabemos que os negros não conseguiram a igualdade após a Guerra Civil e as grandes empresas 
continuaram a dominar o mercado após 1890, mas os fatos revelam a vontade de estimular o sonho de 
igualdade. Nada parece mais odioso aos olhos do senso comum norte-americano do que o privilégio de 
nascimento; mas não é comum a crítica ao que parece vencer por seu próprio esforço.44 
OS PARADOXOS DA CIDADANIA 
Como vimos, a cidadania e a liberdade nos EUA são inseparáveis e foram construídas de forma clara 
a partir da experiência colonial e da Guerra de Independência. O conceito limitado de 1776 foi sendo 
ampliado, ou, melhor dizendo, seu princípio de igualdade foi se ampliando de forma muito decidida ao 
longo do período independente. Para assegurar a unidade e limitar os efeitos mais negativos do 
individualismo que a própria cidadania impunha, constituíram-se sólidos pontos culturais de referência 
e de valorização. O equilíbrio notado por Tocqueville entre individualismo e vida em sociedade – o 
velho dilema que os iluministas tinham apontado – foi resolvido de alguma forma, pois, em quase 230 
anos de vida independente, os EUA nunca sofreram um golpe de Estado ou uma convulsão social de 
tal ordem que implicasse mudança na própria estrutura política. Este talvez seja o ponto que mais 
causa admiração no mundo e mais traz análises para o modelo norte-americano. Houve, na história do 
país, quatro presidentes assassinados, crises econômicas devastadoras como a de 1929, duas guerras 
mundiais, o risco do choque atômico contra a URSS, mas nenhum desses acontecimentos alterou a 
essência da concepção norte-americana de governos regularmente eleitos. Houve, sempre é importante 
frisar, momentos nos quais a liberdade de expressão não esteve plenamente garantida, como as 
atividades do comitê macarthysta45 no apogeu da Guerra Fria. Houve, igualmente, grupos que tiveram 
sua cidadania historicamente vilipendiada, como os negros e índios, e sempre houve uma dificuldade 
estrutural nos EUA em entender os cidadãos de outros países como seres humanos com o mesmo grau 
de direitos que os norte-americanos. 
Nessa última questão reside, em essência, o grande paradoxo do conceito norte-americano de 
cidadania. No plano doméstico, ele foi construído a partir de documentos como a Declaração de 
Independência, as dez primeiras emendas, o zelo da Suprema Corte e com novas legislações como 
o Civil Rights Act de 1964, que bania, na forma jurídica, quaisquer distinções de raça, sexo, cor, 
religião ou origem nacional. 
A necessidade de uma lei que reafirmasse os mesmos princípios contidos na Declaração de 
Independência de 1776 evidencia como o conceito original tinha limitações. Mesmo a lei de 1964 não 
foi, isolada, a pedra de toque do fim das limitações práticas à igualdade racial. Porém, às vésperas da 
sua aprovação, o famoso discurso de Martin Luther King Jr (I have a dream, “Eu tenho um sonho”) 
demonstra que a argumentação utilizada por parte do movimento negro era, exatamente, a tradicional 
argumentação do século XVIII. Literalmente, Luther King afirma que nem a Independência nem o fim 
da escravidão significaram o fim das limitações à cidadania dos negros e cobra que os direitos 
expressos na Declaração de Independência sejam compreendidos amplamente.46 No final do seu 
discurso há referências à religiosidade.47 Assim, tanto a tradição protestante como o movimento de 
Independência são considerados bases para reivindicações de igualdade no século XX. O que o 
discurso faz não é uma invenção política de fato, mas a cobrança de uma tradição sólida do Direito dos 
EUA.48 
Ao mesmo tempo em que essa cidadania era construída a partir de mecanismos de defesa do 
indivíduo diante do Estado ou de outros indivíduos, havia a construção da ideia do excepcionalismo 
norte-americano, associado à ideia do dever nacional de espalhar pelo planeta essas “virtudes”. 
Como é comum ocorrer em leituras universalizantes, mesmo as bem-intencionadas (e, talvez, 
principalmente essas), esta visão de mundo tende a reduzir o outro a relações autoritárias à medida que 
só pode existir o eu e o antieu. A associação do conceito de liberdade individual, defendida com 
tenacidade por muitos norte-americanos, acaba sendo uma chave de compreensão do universo que não 
pode comportar alteridades. Assim como, no plano interno, as infinitas correntes migratórias 
fundiram-se no sonho da liberdade e da “terra prometida” (desde o século XVII até o XXI), 
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estabelece-se uma leitura universal que impõe uma construção histórica nacional de cidadania a todas 
as outras nações. 
Na tradição católica existe o que se chama de sucessão apostólica, a ordem de papas de São Pedro 
até o papa atual. A continuidade (naturalmente questionável para os historiadores) garante uma 
transmissão da autoridade do fundador para os sucessores, de Cristo por meio de cada papa até hoje. 
Uma crença como essa existe, curiosamente, nos EUA. Os peregrinos fundaram uma nação concebida 
em liberdade; os heróis de 1776 como Jefferson e Washington mantiveram a tradição e foram 
transmitindo a tarefa a cada sucessor. Os assassinatos (como os dos presidentes Abraham Lincoln, 
William Mckinley, James Garfield ou John Kennedy) significaram que seus vices, igualmente eleitos, 
transmitiam a chama da República adiante. Renúncia como a de Richard Nixon apenas significava 
passar o poder para Gerald Ford e o sistema permanecia inabalado. Nenhuma outra nação estudou 
tanto seus presidentes e fez monumentos tão impressionantes como o do monte Rushmore.49 A força e 
autonomia do presidente, sua lisura e dignidade passam a ser a suprema aspiração de todo indivíduo 
dos EUA, modelo, referência e garantia da liberdade da cidadania. Quando o aspecto humano toca 
demais o presidente, ele apresenta falhas – afinal, existe ainda o Senado e a Suprema Corte para zelar 
diante do humano não digno do cargo. O presidente é o supremo cidadão, revestido de um poder 
extraordinário e fim último de um elo que começou no Mayflower. O presidente sempre encarna o 
homem da fronteira e é comum ser um ex-soldado ou um empresário de sucesso. Curiosamente, como 
vimos, no início da vida pública dos EUA havia restrições ao poder do presidente e uma ênfase no 
Legislativo. 
Assim, a democracia que garante a cidadania nos EUA torna-se um sistema autoconfirmatório. O 
problema nunca está no sistema em si, mas na incapacidade de alguns de se adaptarem a ele. As falhas 
não são da estruturação canônica da Constituição, mas da exegese ou do mau uso da própria liberdade 
concedida por ela. A proposta é universal e redentora e deve submeter o mundo. Não está aqui uma 
tradicional denúncia do chamado “imperialismo” norte-americano, mas a percepção de uma 
característica básica da visão média dos EUA: a fusão entre o significado e o significante, reforçado 
pelo fato de os alunos dos EUA estudarem nas escolas apenas a sua História. Assim constrói-se um 
cidadão que se orgulha do seu país, não apenas porque seu país é forte, rico e poderoso, mas porque é 
o único universo de significação que ele realmente vê. 
Utilizamos como epígrafe desse artigo (God Bless America, Deus abençoe a América) o hino não 
oficial dos EUA, composto por um imigrante, Irving Berlin (1888-1989). Na música, a liberdade e a 
bênção divina são traduzidas num único espaçocapaz de amalgamar sob o título da cidadania todas as 
disparidades nacionais e constituir uma chave de significação para ler o planeta. Nisso está uma parte 
expressiva do sucesso norte-americano no século XXI e a fonte maior do ressentimento mundial, pois, 
dialeticamente, é uma cidadania inclusiva para alguns e excludente para muitos. 
AGRADECIMENTOS 
Este texto recebeu a leitura atenta e os comentários generosos de pessoas muito importantes. Agradeço profundamente aos 
colegas e amigos Janice Theodoro, Michael Hall, Haroldo Arruda, Valderez Carneiro da Silva, Carla Bassanezi Pinsky e 
Célia Marinho de Azevedo. 
NOTAS 
(1) “Embora as nuvens da procela se acumulem além do mar/Juremos fidelidade à terra livre:/Sejamos gratos todos por 
uma terra assim tão bela/Enquanto elevamos nossa voz em solene prece.” 
(2) Respectivamente: líder da Atenas Clássica do século V a.C., teórico iluminista do século XVIII, um dos lideres da 
Independência dos EUA e líder da Revolução Francesa. 
(3) Os livros que analisam a história e o conceito de cidadania são inúmeros. Recomendamos, apenas como referência, os 
clássicos: T. H. Marshall. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967; e Thomas 
Janoski. Citizenship and Society. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. Também são úteis os mais recentes: Liszt 
Vieira. Os Argonautas da Cidadania. A Sociedade Civil na Globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001; e José Alfredo de 
Oliveira Baracho. Teoria Geral da Cidadania. São Paulo: Saraiva, 1995. 
(4) De muitas formas os períodos seguintes foram “classicizando” ainda mais a capital. O prédio da Suprema Corte, por 
exemplo, intensamente neoclássico e austero, foi elaborado pelo arquiteto Cass Gilbert e inaugurado na década de 1930. 
Curiosamente, o plano original da cidade de Washington tinha influências de Le Nôtre e Versalhes e até do planejamento 
urbano da Roma papal. Importante lembrar que muitas capitais estaduais imitam o mesmo estilo de Washington, perpetuando 
essa memória. 
(5) Nome do documento escrito pelos peregrinos a bordo do navio que os trouxe à América. 
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(6) Uma das mais famosas canções patrióticas dos EUA, America, the beautiful, ensina: O beautiful for pilgrim feet/Whose 
stern impassion’d stress/A thoroughfare for freedom beat/Across the wilderness. (Ó bela para os pés do peregrino/Cujo grave 
e ardente anseio freme por um caminho livre/Além da terra inóspita). 
(7) O governo da Virgínia tentava manter uma política mais pacífica com os descendentes da tribo de Powathan, em parte 
para a segurança da colônia, ou, como diziam os rebeldes, para assegurar ao governador o controle do lucrativo comércio de 
peles, especialmente as disputadas peles de castor. Assim, o governador insistia no respeito ao tratado de 1644, que 
estabelecia que as terras ao norte do rio York seriam indígenas. Durante um conflito dos colonos com os indígenas, o governo 
reagiu de forma conciliatória e Bacon decidiu declarar guerra contra todos os indígenas, aproveitando o contexto da chamada 
“Guerra do Rei Filipe”. O dito “Rei Filipe” foi um líder indígena que atacou muitas comunidades puritanas na Nova 
Inglaterra e quase tomou Boston. 
(8) Como afirma Zinn, não é fácil classificar essa rebelião como antiaristocrática ou anti-indígena, porque ela foi as duas 
coisas. “That might explain the character of their rebellion, not easily classifiable as either antiaristocrat or anti-Indian, 
because it was both”, Howard Zinn. A People’s History of the United States. 1492-Present. Nova York: Harper Perennial, 
1995, p. 39. Para piorar a possibilidade de classificação do movimento, houve grandes proprietários dos dois lados em 
choque e o contexto de queda do preço do tabaco aumentava a insatisfação dos grandes plantadores com o governo. Por fim, 
também é importante lembrar tensões familiares, pois o rebelde e o governador são primos. 
(9) Enviado da Rainha Elizabeth I ao Novo Mundo. Nascido entre 1552/1554, foi executado em 1618. Suas tentativas de 
colonização permanente na Virgínia no século XVI foram um fracasso. 
(10) “We have reminded them of the circumstances of our emigration and settlement here”, In John J. Patrick. Founding 
the Republic – A Documentary History. Connecticut: Gteenwood Publishing Group, 1995, p. 32. No caso, querem reafirmar 
que foram circunstâncias de fuga da opressão e busca da liberdade. 
(11) O nome América foi dado em 1507 por um impressor de mapas da Lorena que lera as cartas de Américo Vespúcio e 
deu a ele uma importância bem maior do que Colombo gostaria. O Atlas de Martín Waldseemüller é de 1507. 
(12) “Difícil imaginar a importância da religião no século XVI. Romper com Roma, negar a autoridade do bispo de Roma, 
sucessor de São Pedro, autoridade que por muitos séculos os ingleses respeitaram, representa muito mais do que uma ruptura 
política. Os ingleses e o rei, ao fundarem uma nova Igreja, criavam também uma nova visão de mundo. O rei desejou casar 
novamente, o papa proibiu, o rei casou-se mesmo assim. Apesar de todas as justificativas bíblicas que Henrique VIII usou, o 
que ele fez foi afirmar a supremacia de sua vontade individual sobre a tradição. Em outras palavras, Henrique VIII usa sua 
liberdade contra a tradição, quebra o que ‘sempre foi’ e torna válido um ato de rebeldia.” In Leandro Karnal. Estados 
Unidos. A Formação da Nação. São Paulo: Contexto, 2001, p. 23 
(13) Sem esquecer que o governo de Calvino em Genebra foi muito autoritário e a limitação do pensamento pela censura e 
morte aos contestadores existiu tanto na Roma papal quanto na calvinista Salem da Nova Inglaterra. 
(14) Da mesma forma que na nota anterior, é importante lembrar que o governo de um puritano como Oliver Cromwell não 
foi marcado pela liberdade de expressão. Porém, cortar a cabeça de um rei ungido e consagrado pela hereditariedade é um 
gesto simbólico poderoso e teve relações com a agitação republicana na Grã-Btetanha. 
(15) O “pesadelo anglicano”, J. C. D. Clark. The Language of Liberty 1660-1832. Nova York/Melbourne: Cambridge 
University Press, 1994. O autor nota que a diversidade sempre foi a marca da colonização na América do Norte, mas que a 
partir da primeira metade do século XVIII houve uma explosão de pluralismo nas colônias centrais em particular. “The 
pattern of settlement in the colonies was always marked by religious diversity, but in the first half of the eighteen century 
sectarian pluralism ‘exploded’, especially in the middle colonies.” (p. 205) 
(16) Ver o capítulo 4 de Clark (op. cit. p. 296 e seguintes): Political Mobilisation: the american revollution as a war of 
religion. 
(17) Locke viveu de 1632 a 1704. Os Dois Tratados Sobre o Governo Civil foram publicados entre 1689 e 1690, no 
contexto da então recente Revolução Gloriosa. Além do texto de Locke, a Declaração tem uma clara ancoragem na Bill of 
Rights inglesa (o documento da Revolução Gloriosa que garantia a superioridade do Parlamento) e no preâmbulo de Thomas 
Jefferson à Virgillia State Constitution; assim como a Virgina Declaration of Rights de George Mason. A este respeito, ver a 
obra de Pauline Maier.American Scripture – Making the Declaration of Independence. Nova York: Alfred A. Knopf, 1997. 
Especialmente no capítulo IV: American Scripture. p. 154-208. O autor Herbert Aptheker vai mais longe e identifica como 
fontes: “Bacon, Grotius, Vesálio, Copérnico, Spinoza. E mais proximamente a fonte inspiradora eram as obras do 
revolucionário irlandês Chades Lucas, do economista italiano Beccaria, do filósofo suíço Vattel e do seu compatriota 
Burlamaqui, do jurista alemão Pufendorf, dos franceses Montesquieu, Voltaire, Diderot;dos ingleses Milton, Sidney, 
Harrington, Priestley e Locke, particularmente dos americanos Roger Williams e John Wise”. (Herbert Aptheker. Uma Nova 
História dos Estados Unidos: a Revolução Americana. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1969. Original em 
inglês de 1960). 
(18) Surgido em janeiro de 1776, intitulado Common Sense. 
(19) In: John J. Patrick. Founding the Republic. A Documentary History. Connecticut: Greenwood Publishing Group, 
1995, p. 14-18. 
(20) Tratava-se, na verdade, de uma tradição inglesa com remota origem na Magna Carta de 1215 e nos choques com os 
reis Stuarts no século XVII: todo imposto deve ser aprovado com participação dos representantes daqueles que vão pagá-lo. 
Sem representação não há taxação. Como não havia nenhum colono no Parlamento inglês que aprovara as leis mercantilistas, 
as leis quedavam-se ilegais e imorais e contrárias ao próprio direito consuetudinário inglês. 
(21) A própria identidade nacional teve de ser construída. As colônias não tinham unidade entre si e não pretendiam 
substituir o domínio de Londres por outro domínio centralizador. A construção dessa identidade nacional é muito bem tratada 
na obra de Joyce Appleby. Inheriting the Revolution. The First Generation of Americans. Cambridge/London: The Belknap 
Press of Harvard University Press, 2000. 
(22) Thomas Janoski. Citizenship and Society. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. Segundo o autor, a 
sociedade apresentaria quatro esferas que são interativas entre si: a estatal, a de mercado, a privada e a pública. No nosso 
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entender, a grande preocupação dos momentos iniciais da República Norte-Americana foi a esfera privada e sua defesa contra 
a interferência estatal. 
(23) O “homem minuto” passou a ser uma típica expressão da Guerra de Independência: o cidadão que estava a postos a 
qualquer minuto para defender a pátria. 
(24) E nessa crença liberal talvez estivesse sua maior limitação. Como diz o autor brasileiro Liszt Vieira: “É inegável que o 
liberalismo contribuiu de forma significativa para a formulação da ideia de uma cidadania universal, baseada na concepção 
de que todos os indivíduos nascem livres e iguais. Por outro lado, porém, reduziu a cidadania a um mero status legal, 
estabelecendo os direitos que os indivíduos possuem contra o Estado. É irrelevante a forma do exercício desses direitos, 
desde que os indivíduos não violem a lei ou interfiram no direito dos outros. A cooperação social visa apenas facilitar a 
obtenção da prosperidade individual. Ideias como consciência pública, atividade cívica e participação política em uma 
comunidade de iguais são estranhas ao pensamento liberal”. Liszt Vieira. Os Argonautas da Cidadania. A Sociedade Civil na 
Globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 71. 
(25) Existe uma influência nítida da Independência dos EUA sobre os movimentos da América Ibérica. Essa influência é 
sentida na busca pessoal de revolucionários ibéricos pelo apoio dos EUA ou na influência do modelo dos EUA sobre os 
movimentos. Curiosamente, quando convinha ao intento pessoal de algum líder, o federalismo dispersivo dos EUA também 
era atacado, como faz Bolívar no seu Discurso de Angostura de 1819. In: Simón Bolivar. Escritos Políticos. Campinas: 
Editora da Unicamp, 1992, p. 89. Para ser seguido ou evitado, o modelo dos EUA estava constituído de forma definitiva na 
política de todo o continente. 
(26) H. Aptheker. op. cit. p. 115. 
(27) Segundo H. Aptheker. op. cit. p. 116. Aptheker ainda lembra que o próprio autor da Declaração era um proprietário de 
escravos. 
(28) A expressão “trail of tears” foi consagrada no século XIX para falar das remoções de indígenas de áreas mais 
próximas da Costa Leste para áreas do Oeste. Essas remoções forçadas provocaram grande mortalidade. É o caso, por 
exemplo, dos Cherokees, cuja remoção causou a morte de mais de quatro mil membros da tribo, cerca de um quarto de toda a 
nação Cherokee. 
(29) Emenda Constitucional XIX, de 1920. 
(30) H. Aptheker. op. cit. p. 118. 
(31) A esse respeito ver o texto de Alfred Young (org.) American Revolution. Explorations in the History of American 
Radicalism. Illinois: Northern Illinois University Press, 1993. Especialmente o item Sources of Radicalism, p. 325 e 
seguintes. 
(32) Washington, por exemplo, é citado como incapaz de mentir desde a infância. 
(33) Arthur Ekirch Jr. A Democracia Americana. Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1965. Original em inglês 
de 1965, p. 70-71. 
(34) Segundo o mesmo Ekirch, apenas 5% da população de Nova York votava em 1798 e o índice subiu para 8% no início 
do século XIX. Op. cit. p. 71. 
(35) Dumas Malone. Jefferson and the Rights of Man. Boston: Little Brown and Company, 1951. p. 351 e seguintes. 
(36) É no contexto dessa guerra que surge o Hino dos EUA. 
(37) Allan Nevins, Henry Steele Commager. Breve História dos Estados Unidos. São Paulo: Alfa-ômega, 1986, p. 199. 
Original inglês de 1981. 
(38) O debate da liberdade individual contra a presença do Estado sempre foi marcante na História dos EUA. Os 
escravocratas criticavam o governo central porque este interferia no direito de possuir escravos. Proprietários de pequenas 
empresas elétricas do Sul protestaram contra o governo de Roosevelt porque este construía grandes hidrelétricas como 
solução para a crise econômica de 1929. Os governadores racistas do Sul criticavam a decisão do presidente Johnson de 
obrigar as universidades brancas a aceitarem negros na década de 1960. Por fim, o plano de saúde do presidente Clinton 
(1993-2001) foi acusado de socialista por apresentar interferência do Estado na liberdade privada. Note-se que o conceito de 
liberdade individual pode ter, então, muitas significações. 
(39) James Parton. In: Charles Sellers et al. Uma reavaliação da história dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 
1990, p. 148. Original em inglês de 1985. 
(40) Alexis de Tocqueville esteve nos EUA entre maio de 1831 a fevereiro de 1832. O momento da sua visita ao Novo 
Mundo foi marcado pelas fundas transformações na concepção norte-americana de democracia instituídas pelo sétimo 
presidente dos EUA, Andrew Jackson. A partir da visita lançou a obra De la Démocratie en Amérique (1835). Aristocrático e 
intuitivo ao extremo, alterna críticas contundentes aos americanos com capacidade de admiração e até considerações que se 
tornaram verdadeiras no futuro, como o enfrentamento entre Rússia e EUA e a dificuldade da constituição da poesia épica 
num regime democrático. 
(41) Em função da própria experiência legitimista da família de Tocqueville, o autor também reflete muito sobre o papel da 
elite (no caso dele, a nobreza) na nova ordem do século XIX. 
(42) “Nas nações em que a aristocracia domina a sociedade e a mantém imóvel, o povo acaba se acostumando à pobreza, 
como os ricos à sua opulência. (...) Quando, ao contrário, os níveis sociais são confundidos e os privilégios destruídos, 
quando os patrimônios se dividem e a luz e a liberdade se difundem, a vontade de adquirir o bem-estar se apresenta à 
imaginação do pobre e o medo deperdê-la ao espírito do rico.” Alexis de Tocqueville. A Democracia na América. São Paulo: 
Martins Fontes, 1998, v. II, p. 156. 
(43) Alexis de Tocqueville. A Democracia na América. São Paulo: Martins Fontes, 1998, v. II, p. 389. 
(44) O cinema e a literatura consagraram esse valor do indivíduo contra o sistema e contra as adversidades. Grande parte 
dos filmes de ação tem como eixo a vitória do indivíduo contra um sistema ou contra os privilégios. 
(45) O senador Joseph McCarthy colaborou para aumentar o poder e a publicidade de um comitê que existia desde antes da 
Segunda Guerra Mundial: o Comitê de Atividades Antiamericanas (House Un-American Activities Committee – HUAC), que 
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investigava atividades de “subversão”. O HUAC foi famoso pelos atos discricionários e paranoicos no apogeu da Guerra 
Fria. O comitê perdeu poderes na década de 1950, foi renomeado na década de 1960 e abolido em 1975. 
(46) “Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração de 
Independência, estavam assinando uma nota promissória de que todo norte-americano seria herdeiro. Esta nota foi a 
promessa de que todos os homens, sim, homens negros assim como homens brancos, teriam garantidos os inalienáveis 
direitos à vida, liberdade e busca de felicidade.” Um pouco mais adiante afirma o pastor: “Eu tenho um sonho de que, um dia, 
esta nação se erguerá e viverá o verdadeiro significado de seus princípios: ‘Achamos que estas verdades são evidentes por 
elas mesmas, que todos os homens são criados iguais’. Eu tenho um sonho de que, um dia, nas rubras colinas da Geórgia, os 
filhos de antigos escravos e os filhos de antigos senhores de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade. Eu 
tenho um sonho de que, um dia, até mesmo o estado de Mississipi, um estado sufocado pelo calor da injustiça, será 
transformado num oásis de liberdade e justiça. Eu tenho um sonho de que meus quatro filhinhos, um dia, viverão numa nação 
onde não serão julgados pela cor de sua pele e sim pelo conteúdo de seu caráter”. 
(47) “Quando deixarmos soar a liberdade, quando a deixarmos soar em cada povoação e em cada lugarejo, em cada estado 
e em cada cidade, poderemos acelerar o advento daquele dia em que todos os filhos de Deus, homens negros e homens 
brancos, judeus e cristãos, protestantes e católicos, poderão dar-se as mãos e cantar com as palavras do antigo spiritual negro: 
‘Livres, enfim. Livres, enfim. Agradecemos a Deus, todo poderoso, somos livres, enfim.’ 
(48) O mesmo não se pode dizer de outros movimentos negros como, por exemplo, os Panteras Negras. 
(49) Montanha no estado de Dakota do Sul com mais de dois mil metros de altura, o Monte Rushmore apresenta quatro 
cabeças enormes feitas de pedra. O escultor Gutzon Borglum desenhou e depois construiu em granito as faces monumentais 
dos presidentes George Washington, Thomas Jefferson, Theodor Roosevelt e Abraham Lincoln. 
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