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Melanie Klein Estilo e Pensamento cap 2

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PSICANALfnCO INTERNACIONAL: 
DADOS HISTÓRICOS 
MELANIE KLEIN, 
'SICANÁLISE E O MOVIMENTO 
orno vimos, foi na década de 1910, em meio aos desgos-
tos de sua v ida conjugal e fami l iar , residindo em Budapeste e 
deprimida, profundamente insatisfeita e agitada" que Melanie K l e i n 
entrou em contato com a ps icanál i se . E m primeiro lugar, pela le i -
tura de Freud e, logo em seguida, pela exper iênc ia de anál ise como 
paciente de Sandor Ferenczi . É com o incentivo desse grande des-
bravador das teorias e técnicas que Melanie c o m e ç a a atender — em 
sua casa, na tu ra lmen te -o p r ó p r i o filho E r i c h , que padecia de al-
gumas inibições de aprendizagem. Com base nessa e x p e r i ê n c i a de 
m ã e - a n a l i s t a , e l a e labora sua p r i m e i r a a p r e s e n t a ç ã o — " D e r 
Famil ienroman in statu nascendi" - , e é aceita como membro da 
Sociedade de Ps icaná l i se de Budapeste. 
A segunda etapa importante àt sua trajetória deu-se com sua 
n u d a n ç a para B e r l i m , depois que alguns acontecimentos po l í t i cos 
na Hungria, nos quais Ferenczi esteve envolvido, tornavam menos 
confor tável a p e r m a n ê n c i a de judeas naquele pa ís . Foi e n t ã o , e m 
1921, para a capital da Alemanha, orde veio a iniciar, em 1924, uma 
segunda anál i se , com K a r l Abraham (abortada pela doença e morte 
ds Abraham, em 1925) . Melanie c o m e ç o u , desde sua chegada, a 
a ia l i sar alguns filhos dos analistas ocais, tornando-se membro da 
Sociedade de B e r l i m e elaborando a lguns de seus p r i m e i r o s 
trabalhos escritos. 
Foram seis o s pequenos trabalhos publicados nessa é p o c a , 
e i t r e 1921 e 1926, o que revela u n a produtividade j á bas tante 
38 M E L A N I E K L E I N - ESTIILO E PENSAMENTO 
n o t . á v e l para quem era ainda, apesíar da idade, uma iniciante na 
p s i c a n á l i s e e uma verdadeira outsideir em termos de vida académica 
e intelectual, pois não possuía qualquer título universitário. Naqueles 
a n o s , e contando t a m b é m com o apoio de seu ana l i s ta K a r l 
A b r a h a m , ela estabelece a aná l i se de c r i a n ç a s como uma área 
leg i t i ma da c l í n i c a p s i c a n a l í t i c a e:m bases muito singulares e 
diferentes de tudo o que j á se havia tentado para o atendimento de 
c r i a n ç a s . Melanie Kle in sempre foi muito ciosa dessa sua diferença, 
ao m e s m o tempo em que r e i v i n d i c a v a uma total fidelidade ao 
i m p u l s o f reudiano na d i r e ç ã o das profundezas da a lma . O 
delineamento das bases e dos pr inc íp ios da anál ise infantil ocorre 
por m e i o de uma c o m u n i c a ç ã o apresentada no Congresso de 
S a l z b u r g o , em 1924, p u b l i c a d a em 1926 c o m o t í t u l o " T h e 
psychological principies of early analysis", em inglês - havendo, no 
mesmo ano, uma pub l i cação do texto em a lemão . 
Tanto a morte precoce e súbita de Abraham, como o convite 
dos analistas ingleses, levam Melanie Kle in a se mudar para Londres, 
depois de uma primeira visi ta em que suas palestras e sua pessoa 
e estilo impressionaram deveras a audiência. E m Londres, ela passou 
a gozar da liberdade de pensamento e do pres t íg io necessár ios para 
desenvolver, com o m á x i m o de desenvoltura, suas propostas 
clín.cas e teóricas. Lá , t a m b é m , seus primeiros pacientes infantis 
eram filhos de colegas. A partir de 1931, Melanie K l e i n começou a 
funcionar como analista didata e a formar "seus" analistas. A grande 
procura de aná l i se d idá t i ca com Melanie e suas seguidoras se rá , 
aliás, uma das razões das cont rovérs ias que eclodi rão na década de 
1940: muitos sentem que o grupo k b i n i a n o (ainda informal n a 
época, mas j á se delineando) convertera-se em uma " m á q u i n a de 
guerra" disposta a tomar o poder na Sociedade Bri tânica , pela v i a 
da formação de analistas fiéis às ideias e às pessoas do grupo. 
Na verdade, desde o início de seu trabalho em Ber l im, fora se 
manfestando uma intensa rivalidade ertre as propostas de trabalho 
de IVelanie K l e i n e as de Anna Freud , que t a m b é m se interessava 
pela: crianças, mas com ideias muito menos arrojadas. A s ideias de 
Anni foram publicamente contestadas jor Melanie K l e i n em 1927, 
em tmsimpósio dedicado ao tratamenb psicanal í t ico de c r i anças . 
Os aialistas ingleses foram, em geral, rrais s impát icos às propostas 
M E L A N I E K L E I N , A PSICANÁLISE E O MOVIMENTO PSICANALÍTICO. 39 
muito mais radicais de Melanie K l e i n que às die A n n a , e o velho 
Freud n ã o apreciou nem u m pouco tamanha liberdade de espírito, 
procurando até: mesmo reduzir o alcance público) das crít icas à filha 
e discípula - mias os ingleses não recuaram. E s s a opos ição entre as 
duas " f i l ha s de F r e u d " — pois M e l a n i e K l e i n r e iv ind i cava ser 
estritamente fiel ao espírito pioneiro do pai da revolução psicanalítica 
- , como se ve rá adiante, foi uma das ra ízes envenenadas das 
grandes c o n t r o v é r s i a s que, na d é c a d a de 1 9 4 0 , agi taram a 
Sociedade Britânica, a m e a ç a r a m sua integridade e quase resultaram 
na excomunhão de Melanie Kle in e seu grupo. 
Na Inglaterra, no ano de 1932 - portanto, aos 50 anos de idade 
e na condição de analista didata - , Melanie lança seu primeiro livro, 
que sai simultaneamente em inglês (traduzido) e em a lemão, língua 
em que fora redigido. Mais tarde, Kle in tentará escrever diretamente 
em inglês , mas sempre p rec i sa rá de um certo auxí l io e de muitas 
revisões para colocar suas ideias no papel nessa segunda l íngua. O 
livro de 1932 - The Psycho-Analysis of Children - ainda não traz 
as grandes inovações teóricas que c o m e ç a r ã o a emergir com maior 
po tênc ia ao longo da década de 1930. No entanto, j á constitui uma 
obra de peso que, segundo a própr ia autora a té o f im de sua vida, 
l ança os fundamentos técnicos da aná l i se de c r ianças mediante o 
brincar, apresentados sempre por meio dos muitos casos concretos 
de análise infantil por ela conduzidos. Trata-se, na verdade, de uma 
espéc i e de cole tânea , com muitos dos seus textos mais importantes 
do per íodo que vai de 1924 a 1928, reeditados ou reelaborados para 
essa pub l i cação , e ainda alguns inédi tos . U m resumo, enfim, das 
ideias e experiências de seus primeiros dez anos de trabalho como 
analista. A primeira parte apresenta de forma s i s e m á t i c a a técnica 
da anál ise infantil, e a segunda trata das ansiedades precoces e de 
seus efeitos no processo de desenvolvimento. 
A reação foi, em geral, muito favoráve l , s£lvo por parte dos 
F r e u d s , que n ê o engol iam M e l a n i e K l e i n e viam com m u i t a 
suspe i ção sua crescente influência entre os ingleses. Mas essa fase 
de acei tação e concórd ia foi relativamente b r e v e O livro de 1932 
ainda traz um agradecimento à fi lha Melitta, que desde 1928 estava 
t a m b é m em Londres e completando sua f o r m a ç ã o na Sociedade de 
Psicanál ise . 
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E m 1934, ainala sob o impacto da morte do fílhio Hans e do 
in íc io de sua briga c o m a filha Melitta, K le in produz o* primeiro de 
seus t ex tos radicaiis: " A contribution to the psych<ogenesis o f 
maniac-depressive :states". C o m a p u b l i c a ç ã o do textto em 1935, 
c r i a m - s e imed ia t amen te dois par t idos : o dos que s a ú d a m a 
r e n o v a ç ã o do freudiísmo; e o dos que condenam as preitensões e os 
desv ios da autora. S u a maior " p r e t e n s ã o " era a de pnonunciar-se 
sobre a psicose obstante não ser formada em medicina e não ter 
uma e s p e c i a l i z a ç ã o ! em psiquiatr ia , e por contar apenas com a 
exper iênc ia do atendimento de crianças - algumas das quais, é certo, 
bastante perturbadas. Quem essa mulher pensava que era? Aonde 
queria chegar? No entanto, na Inglaterra estava j á bem firmada -
e era ciosamente defendida por Erns t Jones - a legitimidade dos 
analistas leigos, o que correspondia a uma or i en t ação bás ica do 
própr io Sigmund Freud. Ainda assim, a autoconf iança de Melanie 
Kle in , que a muitos encantava, a outros c o m e ç a v a a preocupar ou 
a irritar profundamente. Quanto à acusação de desvios, voltaremos 
ao tema adiante, ao fazer uma c o n t r a p o s i ç ã o entre as ideias 
kleinianas e as de Freud. 
Na segunda metade da d é c a d a de 1930 , e s t ava bem 
caracterizada uma divergência entre os freudianos de Viena e Ber l im 
(em situação pol í t ica cada vez mais precár ia diante do nazismo) e 
os psicanalistas ingleses, Melanie K l e i n à frente. No entanto, a ideia 
de expurgar a ps icanál ise inglesa, como antes se fizera com outros 
dissidentes ( A d l e r , Jung e t c ) , e como mais tarde se faria com 
Lacan, era i n v i á v e l . A s i tuação po l í t i ca colocava na Inglaterra o 
futuro e a sobrev ivênc ia da psicanál ise . U m a in te rvenção de Freud, 
com a finalidade de eliminar uma dissidência kleiniana na Sociedade 
Britânica, s e r i a i n a d n i s s í v e l e c a t a s t r ó f i c a . Por outro lado, os 
ingleses n ã o se sent i im absolutamente inf ié is e dissicentes; ao 
contrário, v i a m nos novos desenvolvimentos da ps icanál i se sob a 
batuta de M e l a n i e K l e i n a u t ê n t i c o s a v a n ç o s no freudismo, e 
sustentavam, m e s m » os n ã o - k l e i n i a n o s , que a l ibe-dade de 
discussão e r a impresc ind íve l em uma sociedade cientif ica. E r a 
precisoque os opos tores se e x p l i c a s s e m e se e n t e i d e s s e m 
reciprocamente, paradesfazer as aparentes d i v e r g ê n c i i s sem o 
recurso a medidas a u o r i t á r i a s e d o g m á t i c a s . Isso motivou u m a 
M E L A N I E KLEIN, A PSICANÁLISE EO MOVIMENTO PSICANALÍTICO... 41 
imiciativa: ingleses (mais ou menos kcleinianos) fariam palestras em 
Viena, e vienenses (freudianos) profeririam palestras em Londres. 
D'a parte dos ingleses, palestraram eim Viena Ernst Jones (que não 
era um k le in iano ern sentido estritto, mas dava suporte e tinha 
afinidades teóricas com Melanie Kleán) e Joan R iv iè re - esta, uma 
psicanalista que conhecia bem Freud (pessoalmente e por meio dos 
seus textos, os quais ela foi das primeiras a traduzir para o inglês), 
mas es tava cada vez mais rendida à p r o d u ç ã o kleiniana. Robert 
Waelder, da parte dos vienenses, fez duas palestras em Londres. 
A t r o c a de pa les t ran tes n ã o r e s o l v e u a q u e s t ã o das 
d ivergências , que vieram a se agudizar quando os vienenses foram 
obrigados a fugir da Á u s t r i a e a receber a oferta de refúgio na 
Inglaterra, feita por Jones. Iniciou-se, en tão , um per íodo crítico de 
confrontos, nos quais os v á r i o s in imigos de M e l a n i e K l e i n se 
juntaram para atacá-la em termos pessoais e teór icos . De um lado, 
sua filha Melit ta e o marido, aliados ao psicanalista inglês Edward 
Glover (analista de Melitta), que fora um dos mais indignados com 
a pre tensão de Melanie K l e i n meter-se pelos temas da psicose; de 
outro, unidos a esses opositores, a turma vienense, sob a l iderança 
de A n n a F reud . Nesse í n t e r i m , a morte de S igmund Freud, em 
1939, deixara o ambiente mais tenso, a disputa por sua herança mais 
e n c a r n i ç a d a , os ve lhos f reudianos ( e x i l a d o s e sem seu l í d e r 
inconteste) mais ameaçados em seu domín io , e os novos kleinianos, 
mais atrevidos. En t re 1941 e 1945, sob o fragor das bombas que 
desabavam sobre Londres , em plena Guerra Mundia l , d ã o - s e as 
grandes "Controvérs ias" Freud-Klein, nas quais se consolida o grupo 
kleiniano, formado principalmente por mulheres: Melanie K l e i n , 
Suzan Isaacs, Paula Heimann e Joan F jv iè re . H á homens, t a m b é m , 
nesse grupo, como, por exemplo, Donald Winnicott (que se afasta 
do grupo na década seguinte), mas a s estrelas são femininas. 
Além das razões pessoais de M e l t t a e das disputas pelo poder 
dertro da Sociedade (envolvendo os vimenses, Anna Freud, Glover 
e m a i s alguns), hav i a realmente q u e s t õ e s t e ó r i c a s de peso e de 
furdo. No entanto, somente depois de apresentarmos as propostas 
k l e n i a n a s s e r á p o s s í v e l c o m e n t a m o s essas d i v e r g ê n c i a s e o 
sen:ido mais s é r i o da luta interna. O jue interessa no momento é 
a s s n a l a r q u e as c o n t r o v é r s i a s se encer ra ram com uma n o v a 
4 2 M E L A N I E K L E I N - ESTILO E PENSAMENTO 
o r g a n i z a ç ã o da Sociedade Br i t ân i ca : formaram-se três grupos -
kleiniano, freudiiano e independentes - e dois eix<os de formação, 
podendo o candiidato a anal is ta escolher em que teixo se formaria 
e a que grupo virria a se filiar. O grupo independente, no que vieram 
a ingressar, por exemplo, Winnicott , Ba l in t , F a i r b a i m e muitos 
outros, sempre ftoi o mais numeroso e mais apto a exercer o poder 
ge ra l na Inglaterra, a té porque era o menos a m e a ç a d o r e o mais 
disposto à discuissão. O grupo freudiano era importante, com a 
p re sença de Anna , herdeira nominal de Freud, e mantinha excelentes 
r e l ações com a cada vez mais poderosa e prestigiada comunidade 
p s i c a n a l í t i c a americana, cujos principais l íderes eram emigrados 
aus t r íacos e a l emães , e se organizavam na chamada "Psicologia do 
ego". Isso dava a esse grupo um poder muito grande nas decisões 
do movimento p s i c a n a l í t i c o mund ia l , ou seja, na A s s o c i a ç ã o 
Internacional (ÍPA). J á os kleinianos (ou kle inianas) eram, sem 
sombra de d ú v i d a , os mais aguerridos, os mais organizados e, 
teoricamente, os mais coesos dentro da Sociedade Britânica. Tinham 
seu espaço na Sociedade bem assegurado, mas ficaram muito tempo 
bastante isolados no plano internacional, sem nenhuma entrada nos 
Estados Unidos. Salvou-os do total isolamento a boa receptividade 
às ideias de Melanie K l e i n nas Sociedades da Amér ica Latina, em 
primeiro lugar na Argentina e, em uma derivação, nas brasileiras do 
Rio de Janeiro e, principalmente, de São Paulo. 
De toda essa é p o c a de controvérs ias e da solução institucional 
adotada na Sociedade Bri tânica de Psicanálise ficou um saldo muito 
relevante: pela primeira vez, um conflito de opiniões sobre questões 
teóricas e técnicas n ã o terminava em d i s s idênc ia e expurgo. Nas 
décadas seguintes (1950 e 1960), é bem verdade, Lacan e seus 
seguidores ainda tiveram de enfrentar esse destino. No entanto, ao 
que tudo indica, Mslanie K l e i n o forçou e os ingleses (Ernst Jones 
à frente) abr i ram as portas p a r a a c o n v i v ê n c h , dentro da 
comunidade psicanalí t ica, de pos ições divergentes que hoje, como 
se sabe, s ã o muitas Mesmo os que não seguiram Melanie K l e i n e 
abriram suas próprias alternativas (por exemplo, Winricott, Kohut, 
intersubjetivistas anericanos, franceses pós - lacan iano : etc.) devem 
aelaessa p r e c e d ê n t i a e essa leg i t imação . 
Mas retomemos nossa história. N a segunda metale da década 
de 1940, Melanie K e i n lançou mais um texto impactane, uma nova 
MELANIE: K L E I N , A PSICANÁLISE; E o MOVIMENTO PSICANALÍTICO... 43 
rad ica l ização de seu pensamento' teórico: "Notes on some schizoid 
mechanisms". E , ao f inal dos amos de 1940, surgiu uma primeira 
p u b l i c a ç ã o com o conjunto dois seus textos editados a té 1945: 
Contributions to Psycho-Analysiis. 1921-1945, excluindo-se os que 
já hav iam sido incorporados ao liivro de 1932. 
Mas s e r á no i n í c i o da d é c a d a de 1950, com o grupo bem 
formado e com as ideias consolidadas, que as kleinianas publicarão 
uma ve rdade i ra p l a t a fo rma c l í n i c o - t e ó r i c a de r e n o v a ç ã o da 
psicanál ise: Developments in Psycho-Analysis (1952). Vários textos 
redigidos para as Cont rovérs ias (entre freudianos e kleinianos no 
seio da Sociedade Bri tânica) são aqui publicados em versões mais 
elaboradas, e es tão presentes, a lém de Melanie K l e i n , Joan Rivière, 
Suzan Isaacs e Paula Heimann. A in t rodução é o antigo texto de 
Joan R i v i èr e preparado para apresentar as ideias de K l e i n aos 
vienenses na década de 1930. 
E m 1955 sai outra v o l u m o s a c o j e t â n e a do grupo, New 
Directions in Psycho-Analysis, desta vez com a par t ic ipação de di -
versos homens ( B i o n , Money-Kyr le , E l l i o t Jacques, H . Rosenfeld 
e t c ) , a l é m de a lgumas das ve lhas colaboradoras de sempre 
(Heimann e R iv i è re ) e outras novas, como Marion Milner e Hanna 
Segal, esta uma das mais lúcidas e equilibradas kleinianas, até hoje 
em atividade. Es sa cole tânea, organizada por Melanie K l e i n , Paula 
Heimann e Roger Money-Kyr le , é formada por duas partes grandes 
e densas, uma dedicada à ps icanál :se c l ín ica e outra à chamada psi-
caná l i se aplicada, na qual o pensamento, kleiniano é usado como 
base para a foca l ização de ques tões da v ida institucional, da é t i ca 
e da estét ica. O conjunto revela a força e, a abrangência das teori-
zações de Melanie Kle in ou de ouras nela inspiradas. O grupo se 
apresenta unido, consistente e altamente preparado para deixar a marca 
kleiniana no campo d a ps icanál i se c o n t e m p o r â n e a . Os t í tulos das 
duas co le tâneas citadas - Developments e New Directions - n ã o 
deixam margem a dúvidas: elas se apresentam como inovações subs-
tanciais, progressos (título da primeira co le tânea na t radução brasi-
leira) , que marcariam um novo paamar no pensamento ps i cana l í -
t i co . Podemos, enfim, considerar i d é c a d a de 1950 - mesmo sem 
contar a produição derradeira de IVelanie K l e i n - como a da insta-
l a ç ã o definitiva do kleinismo no paiorama internacional da ps icanár 
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lise. iNessa década, , porém, Melanie KJein é abandonada por uma de 
suas mais fiéis escudeiras, Paula Heimann, que se diesliga do gru-
po kle iniano por r a z õ e s , ao que tudo indica, de orderm pessoal. 
Finalmente, c m 1957, è publicado o ú l t imo livrro de Melanie, 
com grandes novidades t eó r i ca s : Envy and Gratitutde - Inveja e 
gratidão. É um l ivro relativamente pequeno em tamanho, mas muito 
denso; ao c o n t r á r i o dos demais, não é uma c o l e t â n e a de textos j á 
publicados, mas siim formado por uma única peça intteiriça sobre a 
inveja e a grat idão como disposições afetivas básicas do ser humano, 
desde seus p r i m ó r d i o s e ao longo de toda a sua exis tência . 
A p rodução , contudo, não cessa, e ainda serão editados diver-
sos textos curtos, sempre com alguma pequena novidade, até 1960, 
quando Melanie vem a falecer. Depois de sua morte, será publica-
do, em 1961, o l ivro Narrative of a Child Psycho-Analysis, no qual 
ela esteve trabalhando até poucos dias antes de morrer. Trata-se de 
um volume denso e grande, preparado, ao que parece, entre 1958 
e 1960, em que Melanie K l e i n apresenta passo a passo seu traba-
lho cl ínico com um paciente infantil de 10 anos de idade, com gra-
ves comprometimentos ps íqu i cos e relacionais e que ela atendera 
intensivamente durante quatro meses. Todas as sessões haviam sido 
anotadas e foram meticulosamente discutidas em seus aspectos cl í-
nicos e t eór icos . E m geral, ela tomava notas de todas as suas ses-
sões com pacientes infantis, mas, no caso e spec í f i co desse aten-
dimento, o objetivo primeiro do registro do material havia sido, 
justamente, o de documentar suas formas de pensar e de atender 
crianças para fazer frente às acusações que lhe eram lançadas no 
período das Cont rovérs ias . O trabalho com esse menino ocorrera 
no início da d é c a d a de 1940, quando a famíl ia do garato e a p r ó -
pria Melanie K l e i n e:tavam refugiados em uma pequem cidade in-
glesa para escapar aos bombardeios sobre Londres. Desde o início, 
tanto a analista comoo paciente sabiam que o trabalho duraria ape-
nas quatro meses, ma;, ainda assim, Melanie não modificou sua téc-
nica, razão pela q u a l ) material reflete uma anál ise-padião que, em 
princípio, poderia e ceveria estender-se por muito mai ; tempo. O 
pensamento c l ín i co dt autora no pe r íodo efetivo em queo processo 
analítico ocorrera (1541) não incorpora as grandes i n o ' a ç õ e s que 
vi r iam na segunda parte da década de 1940 e na década de 1950. 
M E L A N I E K L E I N , A PSICANÁLISE IE O MOVIMENTO PSICANALÍTICO... 45 
Em contrapartida, a narrativa des;sa análise (que j á foi comparada 
ao romance Guerra epaz, de Tolsttoi, pela grandiosidade épica, pela 
complexidade dos acontecimentos e pela m i n ú c i a do relato) colo-
ca sob o mic roscóp io o pensamemto cl ínico da autora como raras 
vezes se encontra na literatura p s i c a n a l í t i c a . Mediante notas adi-
cionais, colocadas ao final de cada. uma das 93 sessões , Melanie vai 
avaliando seu trabalho c l ín ico , reallizado em 1941, utilizando-se dos 
avanços teóricos e do amadurecirmento técnico obtidos durante os 
mais de 15 anos que se intercalaram entre a c o n d u ç ã o do proces-
so e seu registro e a p r e p a r a ç ã o do l iv ro . É , ass im, um exemplo 
quase inigualável de seriedade e honestidade intelectual, bem como 
de capacidade de au to -expos ição e ref lexão, prova indiscutível .de 
respeito para com seus colegas, d i sc ípulos e leitores em geral. 
A p ó s a morte de Melanie K l e i n , sua inf luência não cessou de 
se estender pela F rança e pelos E U A , consolidando-se e renovan-
do-se t a m b é m nos centros que mais rapidamente a haviam acolhido. 
N a I n g l a t e r r a , E l i z a b e t h B o t t S p i l l i u s o r g a n i z o u dois 
importantes volumes intitulados Melanie Klein Today, um dedicado 
a c o n t r i b u i ç õ e s no p l ano t e ó r i c o e outro a c o n t r i b u i ç õ e s 
predominantemente c l í n i c a s . Todos os grandes autores p ó s -
kleinianos da segunda g e r a ç ã o es tão presentes nessas c o l e t â n e a s 
publicadas em 1988. Poucos anos depois (1992) , apareceu uma 
outra co le tânea , organizada por Robin Anderson e prefaciada por 
Hanna Segal, intitulada Clinicai Lectures on Klein and Bion, com 
a p u b l i c a ç ã o de nove art igos impor tantes da autor ia de p ó s -
kleinianos da segunda e da terceira ge ração , revelando-se, assim, a 
vitalidade dessa t radição de pensamento, que j á incorpora Bion entre 
seus " c l á s s i c o s " . V a l e a s s i n a l a r que todos esses l i v r o s e s t ã o 
traduzidos para o por tuguês e editados no Bras i l por um forte grupo 
Ueiniano capitaneado por E l i a s M i l l e t da Rocha Barros, t a m b é m 
responsável pela nova tradução da Obra completa de Melanie K l e i n , 
em quatro volumes, segundo os meliores pad rões editoriais, 1 e pela 
organização de uma cole tânea c o m autores kleinianos, em 1989. 2 
1 Todo este material foi e está sendo piblicado pelaeditora Imago (Rio de 
Janeiro). 
2 E . M. da Rocha Banos. Melanie Klein.evoluções. São Paulo: Escuta, 1989. 
46 M E L A \ N I E K L E I N - E S T I L O E PENSAMENTO 
C o m repercussão internacional, mas originalmente: lançados na 
I n g l a t e r r a , m e r e c e m destaque a grande b iogra f ia de P h y i l i s 
Grosskiurth, de 1986 3 - j á traduzida para diversas l ínguas , inclusive 
o p o r t u g u ê s - , a p u b l i c a ç ã o de A Dictionary of Kleinian Thought, 
de R o b e r t Hinshelv/iood (1989) - t a m b é m disponível para o leitor 
b ras i l e i ro 4 - e, do mesmo autor, o excelente l ivro Clinicai Klein, 
de 1 9 9 4 , infelizmente ainda não traduzido. 
E r n 1997, um proeminente analista americano de fo rmação 
não-k le in i ana , R . Schafer editou nos E U A a grande co le t ânea The 
Contemporary Kleinians ofLondon,5 uma consistente apresen tação 
do novo pensamento kleiniano ao leitor do outro lado do Atlânt ico. 
Trata-se de uma ev idênc ia de peso quanto ao interesse que Melanie 
K l e i n e seus seguidores despertam em áreas até recentemente muito 
refratárias à sua obra, propiciando novas leituras para os seus textos. 
C u r i o s a m e n t e , por e x e m p l o , os k l e i n i a n o s de L o n d r e s s ã o 
interpretados comokleinianos-freudianos, insistindo na re inserção 
de K l e i n no tronco de Freud e diferenciando estes psicanalistas de 
alguns outros, como os que dominaram a p s i c a n á l i s e la t ino-
americana durante algum tempo. 
E m 1998, Adam Phillips e Lindsey Stonebridge editaram a co-
letânea Reading Klein.6 Este ú l t imo material, em particular, revela 
a importância crescente concedida ao pensamento kleiniano no cam-
po dos estudos literários, da filosofia e das ciências sociais, incluin-
do um pequeno texto inédi to de Melanie K l e i n sobre a grande obra-
prima de Orson Welles, o filme Citzen Kane, entre outros escritos. 
Observa-se nesta coletânea, também, o impacto do kleinismo no mo-
vimento feminista, bem como sua vitalidade na c l ín ica psicanalí t ica. 
Em todos esses l:vros, revela-se uma t radição de pensamento 
teórico e c l í n i c o em pena efervescência , que se i r radia para áreas 
de fronteira na psicoterapia e nos diversos campos da cu.tura. 
3. .London: Harvard Unhersity Press, 1987. 
4. London: Free Assochtion Books, 1989; Porto Alegre, Ediora Artes 
Médicas, 1992. 
5. Madison: International Uni versity Prees, 1997. 
6. London: Routledge, 19)8. 
M E L A N I E K L E I N , A PSICANÁLISE E O MOVIMENTO PSICANALÍTICO... 47 
E m alguns lugares, como o B r a s i l e a r eg i ão de Los Angeles, 
:a inf luência kleiniana deu-se tambéim pela via da difusão da obra de 
lum de seus seguidores, Wilfred B i o n , 7 na verdade um discípulo tão 
original que criou um pensamento p r ó p r i o na teoria e na clínica, sem 
inunca renegar , p o r é m , os fundamentos do k l e i n i s m o e do 
ífreudismo. No entanto, o pensamento kleiniano, no sentido estrito, 
cont inua vivo e cr ia t ivo , e muitos autores mais jovens e nossos 
c o n t e m p o r â n e o s se apresentam como seguidores originais de 
Melanie Kle in , como Elizabeth Bott Spil l ius, Edna CShaugnessy, 
Betty Joseph, Rona ld Brit ton, John Steiner e ainda muitos outros, 
entre os quais, fora da Inglaterra, podemos citar Robert Caper, que 
atua na região da Cal i fórnia . Há , t a m b é m , um grande interesse em 
M e l a n i e K l e i n e nas r e p e r c u s s õ e s c r i a t i v a s da sua obra no 
pensamento de psicanalistas americanos que não são kleinianos de 
estrita o b s e r v â n c i a , como Thomas Ogden e James Grotstein, que 
chegaram a K l e i n pela v ia bioniana. 
Na França, ao final da década de 1970, a obra de Melanie Kle in 
começou a ser muito estudada com base nos dois volumes (de 1979 
e 1982) que J e a n - M i c h e l P é t o t dedicou a u m a s i s t e m a t i z a ç ã o 
his tór ica de seu pensamento. 8 A inda no ano de 1982, uma reun ião 
das duas sociedades de ps icanál i se da F r a n ç a foi dedicada à autora, 
com a par t ic ipação de Didier Anzieu, A n d r é Green, Victor Smimoff 
e Jean B é g o i n , entre outros. O material foi publicado em 1985. 9 
Finalmente, as análises originais e sugestivas de Jul ia Kris teva sobre 
a vida e a obra de Melanie Kle in , publicadas em 2000, 1 0 contr ibuíram 
tanto para a r e n o v a ç ã o dos estudos kleinianos como para o restauro 
do próprio pensamento psicanal í t ico f rancês . 
7. Ao Brasil, Bion veio diversas vezes pa-a dar palestras e fazer supervisões, 
e em Los Angeles viveu os últimos ancs de sua carreira como psicanalista. 
8. Paris: Bordas, 1979 e 1982; São Paulo Perspectiva, 1987 e 1988. 
9. J . Gammil, et alii. Melanie Klein aujou-d' hui. Lyon: Cesura Lyon Édition, 
1985. 
10 Paris: Fayard, 2000.

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