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PSICANALfnCO INTERNACIONAL: DADOS HISTÓRICOS MELANIE KLEIN, 'SICANÁLISE E O MOVIMENTO orno vimos, foi na década de 1910, em meio aos desgos- tos de sua v ida conjugal e fami l iar , residindo em Budapeste e deprimida, profundamente insatisfeita e agitada" que Melanie K l e i n entrou em contato com a ps icanál i se . E m primeiro lugar, pela le i - tura de Freud e, logo em seguida, pela exper iênc ia de anál ise como paciente de Sandor Ferenczi . É com o incentivo desse grande des- bravador das teorias e técnicas que Melanie c o m e ç a a atender — em sua casa, na tu ra lmen te -o p r ó p r i o filho E r i c h , que padecia de al- gumas inibições de aprendizagem. Com base nessa e x p e r i ê n c i a de m ã e - a n a l i s t a , e l a e labora sua p r i m e i r a a p r e s e n t a ç ã o — " D e r Famil ienroman in statu nascendi" - , e é aceita como membro da Sociedade de Ps icaná l i se de Budapeste. A segunda etapa importante àt sua trajetória deu-se com sua n u d a n ç a para B e r l i m , depois que alguns acontecimentos po l í t i cos na Hungria, nos quais Ferenczi esteve envolvido, tornavam menos confor tável a p e r m a n ê n c i a de judeas naquele pa ís . Foi e n t ã o , e m 1921, para a capital da Alemanha, orde veio a iniciar, em 1924, uma segunda anál i se , com K a r l Abraham (abortada pela doença e morte ds Abraham, em 1925) . Melanie c o m e ç o u , desde sua chegada, a a ia l i sar alguns filhos dos analistas ocais, tornando-se membro da Sociedade de B e r l i m e elaborando a lguns de seus p r i m e i r o s trabalhos escritos. Foram seis o s pequenos trabalhos publicados nessa é p o c a , e i t r e 1921 e 1926, o que revela u n a produtividade j á bas tante 38 M E L A N I E K L E I N - ESTIILO E PENSAMENTO n o t . á v e l para quem era ainda, apesíar da idade, uma iniciante na p s i c a n á l i s e e uma verdadeira outsideir em termos de vida académica e intelectual, pois não possuía qualquer título universitário. Naqueles a n o s , e contando t a m b é m com o apoio de seu ana l i s ta K a r l A b r a h a m , ela estabelece a aná l i se de c r i a n ç a s como uma área leg i t i ma da c l í n i c a p s i c a n a l í t i c a e:m bases muito singulares e diferentes de tudo o que j á se havia tentado para o atendimento de c r i a n ç a s . Melanie Kle in sempre foi muito ciosa dessa sua diferença, ao m e s m o tempo em que r e i v i n d i c a v a uma total fidelidade ao i m p u l s o f reudiano na d i r e ç ã o das profundezas da a lma . O delineamento das bases e dos pr inc íp ios da anál ise infantil ocorre por m e i o de uma c o m u n i c a ç ã o apresentada no Congresso de S a l z b u r g o , em 1924, p u b l i c a d a em 1926 c o m o t í t u l o " T h e psychological principies of early analysis", em inglês - havendo, no mesmo ano, uma pub l i cação do texto em a lemão . Tanto a morte precoce e súbita de Abraham, como o convite dos analistas ingleses, levam Melanie Kle in a se mudar para Londres, depois de uma primeira visi ta em que suas palestras e sua pessoa e estilo impressionaram deveras a audiência. E m Londres, ela passou a gozar da liberdade de pensamento e do pres t íg io necessár ios para desenvolver, com o m á x i m o de desenvoltura, suas propostas clín.cas e teóricas. Lá , t a m b é m , seus primeiros pacientes infantis eram filhos de colegas. A partir de 1931, Melanie K l e i n começou a funcionar como analista didata e a formar "seus" analistas. A grande procura de aná l i se d idá t i ca com Melanie e suas seguidoras se rá , aliás, uma das razões das cont rovérs ias que eclodi rão na década de 1940: muitos sentem que o grupo k b i n i a n o (ainda informal n a época, mas j á se delineando) convertera-se em uma " m á q u i n a de guerra" disposta a tomar o poder na Sociedade Bri tânica , pela v i a da formação de analistas fiéis às ideias e às pessoas do grupo. Na verdade, desde o início de seu trabalho em Ber l im, fora se manfestando uma intensa rivalidade ertre as propostas de trabalho de IVelanie K l e i n e as de Anna Freud , que t a m b é m se interessava pela: crianças, mas com ideias muito menos arrojadas. A s ideias de Anni foram publicamente contestadas jor Melanie K l e i n em 1927, em tmsimpósio dedicado ao tratamenb psicanal í t ico de c r i anças . Os aialistas ingleses foram, em geral, rrais s impát icos às propostas M E L A N I E K L E I N , A PSICANÁLISE E O MOVIMENTO PSICANALÍTICO. 39 muito mais radicais de Melanie K l e i n que às die A n n a , e o velho Freud n ã o apreciou nem u m pouco tamanha liberdade de espírito, procurando até: mesmo reduzir o alcance público) das crít icas à filha e discípula - mias os ingleses não recuaram. E s s a opos ição entre as duas " f i l ha s de F r e u d " — pois M e l a n i e K l e i n r e iv ind i cava ser estritamente fiel ao espírito pioneiro do pai da revolução psicanalítica - , como se ve rá adiante, foi uma das ra ízes envenenadas das grandes c o n t r o v é r s i a s que, na d é c a d a de 1 9 4 0 , agi taram a Sociedade Britânica, a m e a ç a r a m sua integridade e quase resultaram na excomunhão de Melanie Kle in e seu grupo. Na Inglaterra, no ano de 1932 - portanto, aos 50 anos de idade e na condição de analista didata - , Melanie lança seu primeiro livro, que sai simultaneamente em inglês (traduzido) e em a lemão, língua em que fora redigido. Mais tarde, Kle in tentará escrever diretamente em inglês , mas sempre p rec i sa rá de um certo auxí l io e de muitas revisões para colocar suas ideias no papel nessa segunda l íngua. O livro de 1932 - The Psycho-Analysis of Children - ainda não traz as grandes inovações teóricas que c o m e ç a r ã o a emergir com maior po tênc ia ao longo da década de 1930. No entanto, j á constitui uma obra de peso que, segundo a própr ia autora a té o f im de sua vida, l ança os fundamentos técnicos da aná l i se de c r ianças mediante o brincar, apresentados sempre por meio dos muitos casos concretos de análise infantil por ela conduzidos. Trata-se, na verdade, de uma espéc i e de cole tânea , com muitos dos seus textos mais importantes do per íodo que vai de 1924 a 1928, reeditados ou reelaborados para essa pub l i cação , e ainda alguns inédi tos . U m resumo, enfim, das ideias e experiências de seus primeiros dez anos de trabalho como analista. A primeira parte apresenta de forma s i s e m á t i c a a técnica da anál ise infantil, e a segunda trata das ansiedades precoces e de seus efeitos no processo de desenvolvimento. A reação foi, em geral, muito favoráve l , s£lvo por parte dos F r e u d s , que n ê o engol iam M e l a n i e K l e i n e viam com m u i t a suspe i ção sua crescente influência entre os ingleses. Mas essa fase de acei tação e concórd ia foi relativamente b r e v e O livro de 1932 ainda traz um agradecimento à fi lha Melitta, que desde 1928 estava t a m b é m em Londres e completando sua f o r m a ç ã o na Sociedade de Psicanál ise . 40 M E L M N I E K L E I N - ESTILO E PENSAMENTO E m 1934, ainala sob o impacto da morte do fílhio Hans e do in íc io de sua briga c o m a filha Melitta, K le in produz o* primeiro de seus t ex tos radicaiis: " A contribution to the psych<ogenesis o f maniac-depressive :states". C o m a p u b l i c a ç ã o do textto em 1935, c r i a m - s e imed ia t amen te dois par t idos : o dos que s a ú d a m a r e n o v a ç ã o do freudiísmo; e o dos que condenam as preitensões e os desv ios da autora. S u a maior " p r e t e n s ã o " era a de pnonunciar-se sobre a psicose obstante não ser formada em medicina e não ter uma e s p e c i a l i z a ç ã o ! em psiquiatr ia , e por contar apenas com a exper iênc ia do atendimento de crianças - algumas das quais, é certo, bastante perturbadas. Quem essa mulher pensava que era? Aonde queria chegar? No entanto, na Inglaterra estava j á bem firmada - e era ciosamente defendida por Erns t Jones - a legitimidade dos analistas leigos, o que correspondia a uma or i en t ação bás ica do própr io Sigmund Freud. Ainda assim, a autoconf iança de Melanie Kle in , que a muitos encantava, a outros c o m e ç a v a a preocupar ou a irritar profundamente. Quanto à acusação de desvios, voltaremos ao tema adiante, ao fazer uma c o n t r a p o s i ç ã o entre as ideias kleinianas e as de Freud. Na segunda metade da d é c a d a de 1930 , e s t ava bem caracterizada uma divergência entre os freudianos de Viena e Ber l im (em situação pol í t ica cada vez mais precár ia diante do nazismo) e os psicanalistas ingleses, Melanie K l e i n à frente. No entanto, a ideia de expurgar a ps icanál ise inglesa, como antes se fizera com outros dissidentes ( A d l e r , Jung e t c ) , e como mais tarde se faria com Lacan, era i n v i á v e l . A s i tuação po l í t i ca colocava na Inglaterra o futuro e a sobrev ivênc ia da psicanál ise . U m a in te rvenção de Freud, com a finalidade de eliminar uma dissidência kleiniana na Sociedade Britânica, s e r i a i n a d n i s s í v e l e c a t a s t r ó f i c a . Por outro lado, os ingleses n ã o se sent i im absolutamente inf ié is e dissicentes; ao contrário, v i a m nos novos desenvolvimentos da ps icanál i se sob a batuta de M e l a n i e K l e i n a u t ê n t i c o s a v a n ç o s no freudismo, e sustentavam, m e s m » os n ã o - k l e i n i a n o s , que a l ibe-dade de discussão e r a impresc ind íve l em uma sociedade cientif ica. E r a precisoque os opos tores se e x p l i c a s s e m e se e n t e i d e s s e m reciprocamente, paradesfazer as aparentes d i v e r g ê n c i i s sem o recurso a medidas a u o r i t á r i a s e d o g m á t i c a s . Isso motivou u m a M E L A N I E KLEIN, A PSICANÁLISE EO MOVIMENTO PSICANALÍTICO... 41 imiciativa: ingleses (mais ou menos kcleinianos) fariam palestras em Viena, e vienenses (freudianos) profeririam palestras em Londres. D'a parte dos ingleses, palestraram eim Viena Ernst Jones (que não era um k le in iano ern sentido estritto, mas dava suporte e tinha afinidades teóricas com Melanie Kleán) e Joan R iv iè re - esta, uma psicanalista que conhecia bem Freud (pessoalmente e por meio dos seus textos, os quais ela foi das primeiras a traduzir para o inglês), mas es tava cada vez mais rendida à p r o d u ç ã o kleiniana. Robert Waelder, da parte dos vienenses, fez duas palestras em Londres. A t r o c a de pa les t ran tes n ã o r e s o l v e u a q u e s t ã o das d ivergências , que vieram a se agudizar quando os vienenses foram obrigados a fugir da Á u s t r i a e a receber a oferta de refúgio na Inglaterra, feita por Jones. Iniciou-se, en tão , um per íodo crítico de confrontos, nos quais os v á r i o s in imigos de M e l a n i e K l e i n se juntaram para atacá-la em termos pessoais e teór icos . De um lado, sua filha Melit ta e o marido, aliados ao psicanalista inglês Edward Glover (analista de Melitta), que fora um dos mais indignados com a pre tensão de Melanie K l e i n meter-se pelos temas da psicose; de outro, unidos a esses opositores, a turma vienense, sob a l iderança de A n n a F reud . Nesse í n t e r i m , a morte de S igmund Freud, em 1939, deixara o ambiente mais tenso, a disputa por sua herança mais e n c a r n i ç a d a , os ve lhos f reudianos ( e x i l a d o s e sem seu l í d e r inconteste) mais ameaçados em seu domín io , e os novos kleinianos, mais atrevidos. En t re 1941 e 1945, sob o fragor das bombas que desabavam sobre Londres , em plena Guerra Mundia l , d ã o - s e as grandes "Controvérs ias" Freud-Klein, nas quais se consolida o grupo kleiniano, formado principalmente por mulheres: Melanie K l e i n , Suzan Isaacs, Paula Heimann e Joan F jv iè re . H á homens, t a m b é m , nesse grupo, como, por exemplo, Donald Winnicott (que se afasta do grupo na década seguinte), mas a s estrelas são femininas. Além das razões pessoais de M e l t t a e das disputas pelo poder dertro da Sociedade (envolvendo os vimenses, Anna Freud, Glover e m a i s alguns), hav i a realmente q u e s t õ e s t e ó r i c a s de peso e de furdo. No entanto, somente depois de apresentarmos as propostas k l e n i a n a s s e r á p o s s í v e l c o m e n t a m o s essas d i v e r g ê n c i a s e o sen:ido mais s é r i o da luta interna. O jue interessa no momento é a s s n a l a r q u e as c o n t r o v é r s i a s se encer ra ram com uma n o v a 4 2 M E L A N I E K L E I N - ESTILO E PENSAMENTO o r g a n i z a ç ã o da Sociedade Br i t ân i ca : formaram-se três grupos - kleiniano, freudiiano e independentes - e dois eix<os de formação, podendo o candiidato a anal is ta escolher em que teixo se formaria e a que grupo virria a se filiar. O grupo independente, no que vieram a ingressar, por exemplo, Winnicott , Ba l in t , F a i r b a i m e muitos outros, sempre ftoi o mais numeroso e mais apto a exercer o poder ge ra l na Inglaterra, a té porque era o menos a m e a ç a d o r e o mais disposto à discuissão. O grupo freudiano era importante, com a p re sença de Anna , herdeira nominal de Freud, e mantinha excelentes r e l ações com a cada vez mais poderosa e prestigiada comunidade p s i c a n a l í t i c a americana, cujos principais l íderes eram emigrados aus t r íacos e a l emães , e se organizavam na chamada "Psicologia do ego". Isso dava a esse grupo um poder muito grande nas decisões do movimento p s i c a n a l í t i c o mund ia l , ou seja, na A s s o c i a ç ã o Internacional (ÍPA). J á os kleinianos (ou kle inianas) eram, sem sombra de d ú v i d a , os mais aguerridos, os mais organizados e, teoricamente, os mais coesos dentro da Sociedade Britânica. Tinham seu espaço na Sociedade bem assegurado, mas ficaram muito tempo bastante isolados no plano internacional, sem nenhuma entrada nos Estados Unidos. Salvou-os do total isolamento a boa receptividade às ideias de Melanie K l e i n nas Sociedades da Amér ica Latina, em primeiro lugar na Argentina e, em uma derivação, nas brasileiras do Rio de Janeiro e, principalmente, de São Paulo. De toda essa é p o c a de controvérs ias e da solução institucional adotada na Sociedade Bri tânica de Psicanálise ficou um saldo muito relevante: pela primeira vez, um conflito de opiniões sobre questões teóricas e técnicas n ã o terminava em d i s s idênc ia e expurgo. Nas décadas seguintes (1950 e 1960), é bem verdade, Lacan e seus seguidores ainda tiveram de enfrentar esse destino. No entanto, ao que tudo indica, Mslanie K l e i n o forçou e os ingleses (Ernst Jones à frente) abr i ram as portas p a r a a c o n v i v ê n c h , dentro da comunidade psicanalí t ica, de pos ições divergentes que hoje, como se sabe, s ã o muitas Mesmo os que não seguiram Melanie K l e i n e abriram suas próprias alternativas (por exemplo, Winricott, Kohut, intersubjetivistas anericanos, franceses pós - lacan iano : etc.) devem aelaessa p r e c e d ê n t i a e essa leg i t imação . Mas retomemos nossa história. N a segunda metale da década de 1940, Melanie K e i n lançou mais um texto impactane, uma nova MELANIE: K L E I N , A PSICANÁLISE; E o MOVIMENTO PSICANALÍTICO... 43 rad ica l ização de seu pensamento' teórico: "Notes on some schizoid mechanisms". E , ao f inal dos amos de 1940, surgiu uma primeira p u b l i c a ç ã o com o conjunto dois seus textos editados a té 1945: Contributions to Psycho-Analysiis. 1921-1945, excluindo-se os que já hav iam sido incorporados ao liivro de 1932. Mas s e r á no i n í c i o da d é c a d a de 1950, com o grupo bem formado e com as ideias consolidadas, que as kleinianas publicarão uma ve rdade i ra p l a t a fo rma c l í n i c o - t e ó r i c a de r e n o v a ç ã o da psicanál ise: Developments in Psycho-Analysis (1952). Vários textos redigidos para as Cont rovérs ias (entre freudianos e kleinianos no seio da Sociedade Bri tânica) são aqui publicados em versões mais elaboradas, e es tão presentes, a lém de Melanie K l e i n , Joan Rivière, Suzan Isaacs e Paula Heimann. A in t rodução é o antigo texto de Joan R i v i èr e preparado para apresentar as ideias de K l e i n aos vienenses na década de 1930. E m 1955 sai outra v o l u m o s a c o j e t â n e a do grupo, New Directions in Psycho-Analysis, desta vez com a par t ic ipação de di - versos homens ( B i o n , Money-Kyr le , E l l i o t Jacques, H . Rosenfeld e t c ) , a l é m de a lgumas das ve lhas colaboradoras de sempre (Heimann e R iv i è re ) e outras novas, como Marion Milner e Hanna Segal, esta uma das mais lúcidas e equilibradas kleinianas, até hoje em atividade. Es sa cole tânea, organizada por Melanie K l e i n , Paula Heimann e Roger Money-Kyr le , é formada por duas partes grandes e densas, uma dedicada à ps icanál :se c l ín ica e outra à chamada psi- caná l i se aplicada, na qual o pensamento, kleiniano é usado como base para a foca l ização de ques tões da v ida institucional, da é t i ca e da estét ica. O conjunto revela a força e, a abrangência das teori- zações de Melanie Kle in ou de ouras nela inspiradas. O grupo se apresenta unido, consistente e altamente preparado para deixar a marca kleiniana no campo d a ps icanál i se c o n t e m p o r â n e a . Os t í tulos das duas co le tâneas citadas - Developments e New Directions - n ã o deixam margem a dúvidas: elas se apresentam como inovações subs- tanciais, progressos (título da primeira co le tânea na t radução brasi- leira) , que marcariam um novo paamar no pensamento ps i cana l í - t i co . Podemos, enfim, considerar i d é c a d a de 1950 - mesmo sem contar a produição derradeira de IVelanie K l e i n - como a da insta- l a ç ã o definitiva do kleinismo no paiorama internacional da ps icanár 44 M E L A N I E K L E I N - ESTILO E PENSAMENTO lise. iNessa década, , porém, Melanie KJein é abandonada por uma de suas mais fiéis escudeiras, Paula Heimann, que se diesliga do gru- po kle iniano por r a z õ e s , ao que tudo indica, de orderm pessoal. Finalmente, c m 1957, è publicado o ú l t imo livrro de Melanie, com grandes novidades t eó r i ca s : Envy and Gratitutde - Inveja e gratidão. É um l ivro relativamente pequeno em tamanho, mas muito denso; ao c o n t r á r i o dos demais, não é uma c o l e t â n e a de textos j á publicados, mas siim formado por uma única peça intteiriça sobre a inveja e a grat idão como disposições afetivas básicas do ser humano, desde seus p r i m ó r d i o s e ao longo de toda a sua exis tência . A p rodução , contudo, não cessa, e ainda serão editados diver- sos textos curtos, sempre com alguma pequena novidade, até 1960, quando Melanie vem a falecer. Depois de sua morte, será publica- do, em 1961, o l ivro Narrative of a Child Psycho-Analysis, no qual ela esteve trabalhando até poucos dias antes de morrer. Trata-se de um volume denso e grande, preparado, ao que parece, entre 1958 e 1960, em que Melanie K l e i n apresenta passo a passo seu traba- lho cl ínico com um paciente infantil de 10 anos de idade, com gra- ves comprometimentos ps íqu i cos e relacionais e que ela atendera intensivamente durante quatro meses. Todas as sessões haviam sido anotadas e foram meticulosamente discutidas em seus aspectos cl í- nicos e t eór icos . E m geral, ela tomava notas de todas as suas ses- sões com pacientes infantis, mas, no caso e spec í f i co desse aten- dimento, o objetivo primeiro do registro do material havia sido, justamente, o de documentar suas formas de pensar e de atender crianças para fazer frente às acusações que lhe eram lançadas no período das Cont rovérs ias . O trabalho com esse menino ocorrera no início da d é c a d a de 1940, quando a famíl ia do garato e a p r ó - pria Melanie K l e i n e:tavam refugiados em uma pequem cidade in- glesa para escapar aos bombardeios sobre Londres. Desde o início, tanto a analista comoo paciente sabiam que o trabalho duraria ape- nas quatro meses, ma;, ainda assim, Melanie não modificou sua téc- nica, razão pela q u a l ) material reflete uma anál ise-padião que, em princípio, poderia e ceveria estender-se por muito mai ; tempo. O pensamento c l ín i co dt autora no pe r íodo efetivo em queo processo analítico ocorrera (1541) não incorpora as grandes i n o ' a ç õ e s que vi r iam na segunda parte da década de 1940 e na década de 1950. M E L A N I E K L E I N , A PSICANÁLISE IE O MOVIMENTO PSICANALÍTICO... 45 Em contrapartida, a narrativa des;sa análise (que j á foi comparada ao romance Guerra epaz, de Tolsttoi, pela grandiosidade épica, pela complexidade dos acontecimentos e pela m i n ú c i a do relato) colo- ca sob o mic roscóp io o pensamemto cl ínico da autora como raras vezes se encontra na literatura p s i c a n a l í t i c a . Mediante notas adi- cionais, colocadas ao final de cada. uma das 93 sessões , Melanie vai avaliando seu trabalho c l ín ico , reallizado em 1941, utilizando-se dos avanços teóricos e do amadurecirmento técnico obtidos durante os mais de 15 anos que se intercalaram entre a c o n d u ç ã o do proces- so e seu registro e a p r e p a r a ç ã o do l iv ro . É , ass im, um exemplo quase inigualável de seriedade e honestidade intelectual, bem como de capacidade de au to -expos ição e ref lexão, prova indiscutível .de respeito para com seus colegas, d i sc ípulos e leitores em geral. A p ó s a morte de Melanie K l e i n , sua inf luência não cessou de se estender pela F rança e pelos E U A , consolidando-se e renovan- do-se t a m b é m nos centros que mais rapidamente a haviam acolhido. N a I n g l a t e r r a , E l i z a b e t h B o t t S p i l l i u s o r g a n i z o u dois importantes volumes intitulados Melanie Klein Today, um dedicado a c o n t r i b u i ç õ e s no p l ano t e ó r i c o e outro a c o n t r i b u i ç õ e s predominantemente c l í n i c a s . Todos os grandes autores p ó s - kleinianos da segunda g e r a ç ã o es tão presentes nessas c o l e t â n e a s publicadas em 1988. Poucos anos depois (1992) , apareceu uma outra co le tânea , organizada por Robin Anderson e prefaciada por Hanna Segal, intitulada Clinicai Lectures on Klein and Bion, com a p u b l i c a ç ã o de nove art igos impor tantes da autor ia de p ó s - kleinianos da segunda e da terceira ge ração , revelando-se, assim, a vitalidade dessa t radição de pensamento, que j á incorpora Bion entre seus " c l á s s i c o s " . V a l e a s s i n a l a r que todos esses l i v r o s e s t ã o traduzidos para o por tuguês e editados no Bras i l por um forte grupo Ueiniano capitaneado por E l i a s M i l l e t da Rocha Barros, t a m b é m responsável pela nova tradução da Obra completa de Melanie K l e i n , em quatro volumes, segundo os meliores pad rões editoriais, 1 e pela organização de uma cole tânea c o m autores kleinianos, em 1989. 2 1 Todo este material foi e está sendo piblicado pelaeditora Imago (Rio de Janeiro). 2 E . M. da Rocha Banos. Melanie Klein.evoluções. São Paulo: Escuta, 1989. 46 M E L A \ N I E K L E I N - E S T I L O E PENSAMENTO C o m repercussão internacional, mas originalmente: lançados na I n g l a t e r r a , m e r e c e m destaque a grande b iogra f ia de P h y i l i s Grosskiurth, de 1986 3 - j á traduzida para diversas l ínguas , inclusive o p o r t u g u ê s - , a p u b l i c a ç ã o de A Dictionary of Kleinian Thought, de R o b e r t Hinshelv/iood (1989) - t a m b é m disponível para o leitor b ras i l e i ro 4 - e, do mesmo autor, o excelente l ivro Clinicai Klein, de 1 9 9 4 , infelizmente ainda não traduzido. E r n 1997, um proeminente analista americano de fo rmação não-k le in i ana , R . Schafer editou nos E U A a grande co le t ânea The Contemporary Kleinians ofLondon,5 uma consistente apresen tação do novo pensamento kleiniano ao leitor do outro lado do Atlânt ico. Trata-se de uma ev idênc ia de peso quanto ao interesse que Melanie K l e i n e seus seguidores despertam em áreas até recentemente muito refratárias à sua obra, propiciando novas leituras para os seus textos. C u r i o s a m e n t e , por e x e m p l o , os k l e i n i a n o s de L o n d r e s s ã o interpretados comokleinianos-freudianos, insistindo na re inserção de K l e i n no tronco de Freud e diferenciando estes psicanalistas de alguns outros, como os que dominaram a p s i c a n á l i s e la t ino- americana durante algum tempo. E m 1998, Adam Phillips e Lindsey Stonebridge editaram a co- letânea Reading Klein.6 Este ú l t imo material, em particular, revela a importância crescente concedida ao pensamento kleiniano no cam- po dos estudos literários, da filosofia e das ciências sociais, incluin- do um pequeno texto inédi to de Melanie K l e i n sobre a grande obra- prima de Orson Welles, o filme Citzen Kane, entre outros escritos. Observa-se nesta coletânea, também, o impacto do kleinismo no mo- vimento feminista, bem como sua vitalidade na c l ín ica psicanalí t ica. Em todos esses l:vros, revela-se uma t radição de pensamento teórico e c l í n i c o em pena efervescência , que se i r radia para áreas de fronteira na psicoterapia e nos diversos campos da cu.tura. 3. .London: Harvard Unhersity Press, 1987. 4. London: Free Assochtion Books, 1989; Porto Alegre, Ediora Artes Médicas, 1992. 5. Madison: International Uni versity Prees, 1997. 6. London: Routledge, 19)8. M E L A N I E K L E I N , A PSICANÁLISE E O MOVIMENTO PSICANALÍTICO... 47 E m alguns lugares, como o B r a s i l e a r eg i ão de Los Angeles, :a inf luência kleiniana deu-se tambéim pela via da difusão da obra de lum de seus seguidores, Wilfred B i o n , 7 na verdade um discípulo tão original que criou um pensamento p r ó p r i o na teoria e na clínica, sem inunca renegar , p o r é m , os fundamentos do k l e i n i s m o e do ífreudismo. No entanto, o pensamento kleiniano, no sentido estrito, cont inua vivo e cr ia t ivo , e muitos autores mais jovens e nossos c o n t e m p o r â n e o s se apresentam como seguidores originais de Melanie Kle in , como Elizabeth Bott Spil l ius, Edna CShaugnessy, Betty Joseph, Rona ld Brit ton, John Steiner e ainda muitos outros, entre os quais, fora da Inglaterra, podemos citar Robert Caper, que atua na região da Cal i fórnia . Há , t a m b é m , um grande interesse em M e l a n i e K l e i n e nas r e p e r c u s s õ e s c r i a t i v a s da sua obra no pensamento de psicanalistas americanos que não são kleinianos de estrita o b s e r v â n c i a , como Thomas Ogden e James Grotstein, que chegaram a K l e i n pela v ia bioniana. Na França, ao final da década de 1970, a obra de Melanie Kle in começou a ser muito estudada com base nos dois volumes (de 1979 e 1982) que J e a n - M i c h e l P é t o t dedicou a u m a s i s t e m a t i z a ç ã o his tór ica de seu pensamento. 8 A inda no ano de 1982, uma reun ião das duas sociedades de ps icanál i se da F r a n ç a foi dedicada à autora, com a par t ic ipação de Didier Anzieu, A n d r é Green, Victor Smimoff e Jean B é g o i n , entre outros. O material foi publicado em 1985. 9 Finalmente, as análises originais e sugestivas de Jul ia Kris teva sobre a vida e a obra de Melanie Kle in , publicadas em 2000, 1 0 contr ibuíram tanto para a r e n o v a ç ã o dos estudos kleinianos como para o restauro do próprio pensamento psicanal í t ico f rancês . 7. Ao Brasil, Bion veio diversas vezes pa-a dar palestras e fazer supervisões, e em Los Angeles viveu os últimos ancs de sua carreira como psicanalista. 8. Paris: Bordas, 1979 e 1982; São Paulo Perspectiva, 1987 e 1988. 9. J . Gammil, et alii. Melanie Klein aujou-d' hui. Lyon: Cesura Lyon Édition, 1985. 10 Paris: Fayard, 2000.
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