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Panorama Cultural de Literatura Brasileira 1 Unidade 4 Modernismo Caro(a) aluno(a), o objetivo desta unidade é, na esteira das que se seguiram até aqui, pensar a cultura brasileira do início do século XX como um momento de revisão da própria constituição da sociedade e da cultura. Para tanto, o movimento modernista toca em pontos nevrálgicos da sociedade, que são justamente os que dizem respeito à ligação a antigos conceitos. Em contrapartida, propõe e vislumbra a criação de uma cultura tipicamente brasileira, ainda que com contato íntimo com as produções de outros países. 4.1 O Pré-Modernismo Mitizi Gomes Porque, no me canso de repetirlo, la estridencia de piedras recalentadas al sol, que es la música de este idioma sonoro del libro de Euclides da Cunha, no puede ser imitada por la orquestación del teatro lírico de un idioma ceñido por las academias. Cuando más, lo que ha de ambicionar el traductor es el de transportar el contorno de la obra maestra, dejando que la imaginación del lector intuya la catarata de belleza que dentro de ese contorno se encierra. Es lo que he hecho. Benjamin de Garay, tradutor para o espanhol de Os Sertões, em 1942. Em fins do século XIX, a sociedade brasileira já dava indícios de que havia a necessidade de se voltar o olhar para as modificações sociais que vinham ocorrendo e que, de certa forma, já haviam alterado os rumos das manifestações artísticas e intelectuais do país. Ainda que algumas tendências artísticas vigorassem nesse período, era possível vislumbrar o nascimento de uma forma de olhar a realidade, diferente do que tínhamos até então. Assim sendo, muitos intelectuais começavam a questionar as regras vigentes. O movimento a que denominamos Pré-Modernismo, no Brasil, aponta para esse caminho. Folha de Rosto de Os Sertões, de 1902. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Sert%C3% B5es> Acesso em: 02/06/2011 Uma obra importante que fundamenta o chamado Pré- Modernismo é Os Sertões, de Euclides da Cunha, que foi publicado em 1902, mas escrito no momento em que Euclides da Cunha cobriu a Campanha de Canudos na Bahia, em 1897. O referido texto busca retratar uma realidade, a partir da observação do autor enquanto correspondente jornalístico. Ao fazê-lo, Euclides registrou um momento importante da história brasileira e denunciou a forma de vida bárbara do http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7e/Os_Sert%C3%B5es_livro_1902.jpg http://www.releituras.com/edacunha_bio.asp Panorama Cultural de Literatura Brasileira 2 homem do sertão, encontrando no sertanejo a “essência do país”. Essa atitude de Euclides da Cunha, segundo Luiz Costa Lima, provocou certo fascínio na sociedade daquele período, principalmente porque se empenhara no “conhecimento de sua terra” (LIMA, 1997, p.20), e proporcionou uma série de indagações nos intelectuais acerca da nossa constituição nacional. A divisão do texto em três partes (A Terra, O Homem, A Luta) pode explicar a tendência do autor em ratificar as idéias positivistas do século XIX, uma vez que a luta é justificada pela existência de um tipo de homem diferenciado pelo lugar onde habita. A guerra existiu porque havia diferenças entre os habitantes do sertão baiano e os habitantes do litoral, ou do resto do Brasil. Ainda que alguns críticos destaquem os traços literários do texto de Euclides, não se pode esquecer de que a obra não foi escrita inicialmente com objetivos literários. Entretanto, a forma como o autor constrói o sertanejo dá a esse arquétipo o estatuto de personagem ficcional, ainda que não haja a inserção de personagens fictícias para compor o quadro narrativo. Antes, Euclides mostra, em suas notas de rodapé, que muitas informações foram extraídas de relatos e relatórios1 de outras pessoas que também tiveram contato com a realidade de Canudos. Para construir seu arquétipo, Euclides da Cunha necessitou deslocar-se para o sertão, o que propiciou ao escritor uma pesquisa in loco. Para Flávio Loureiro Chaves, a “documentação e a interpretação da realidade circundante” (CHAVES, 1994, p.41) se impuseram na literatura brasileira a partir da escrita de Euclides da Cunha. Ao cobrir a campanha de Canudos, Euclides rompe, definitivamente, com a ideologia ufanista nascida e fortificada no Romantismo. O autor, segundo Chaves, ao entrar em contato com a realidade do sertão, dá, no livro, “voz aos dominados, assumindo a sua causa pela primeira vez na literatura brasileira” (CHAVES, 1991, p.22). Esse movimento altera não só os rumos da literatura ulterior como também a própria forma de tratar a realidade, uma vez que, a visão histórica de Euclides, de acordo com Flávio Loureiro, é marcada pela consciência de “que a miséria de toda dominação consiste precisamente em negar-se ao dominado a consciência da própria miséria a que está submetido” (CHAVES, 1991, p.22). A visão cientificista acerca do sertanejo é modificada no decorrer do texto, e Euclides da Cunha aproxima seu olhar ao de um “observador direto” (CHAVES, 1994, p.41), utilizando-se de recursos estéticos para construir a imagem do sertanejo de forma subjetiva. Essa subjetividade com que vê o sertanejo é fruto, igualmente, do próprio distanciamento que o autor tem do povo do lugar, pois seu contato com a realidade deu-se, ainda que tenha acompanhado a expedição, principalmente através de relatos de terceiros ou do acompanhamento de interrogatórios dos prisioneiros de Canudos. Também não devemos esquecer de que entre suas anotações e a publicação do livro há uma lacuna de cinco anos. Entretanto, percebemos um embate entre as diferentes linguagens que emergem no texto, pois o objetivo cientificista não consegue se sobrepor às imagens que vão se formando sobre o sertanejo ao longo da escrita, uma vez que este se apresenta ambíguo. Diante da dificuldade de apreender o sertanejo e sua realidade, Euclides da Cunha acaba agindo como o conquistador/colonizador, que nem sempre possui um léxico abrangente o suficiente para definir o outro, e o faz a partir do uso de comparações e metáforas. Em relação a essa dificuldade do autor de Os Sertões, Zilly nos afirma que: Partindo da tese de que o sertão como terra e como sociedade era totalmente desconhecido, e quase inexplicável, Euclides tinha de estabelecer constantemente pontes e ligações entre o conhecido e o desconhecido, para 1 Euclides da Cunha utiliza-se de “Memórias” de Manuel Ximenes e de “Crimes Célebre do Ceará, os Araújos e Maciéis”, do coronel João Brígido, ao falar da família Maciel; do “Relatório” de Freio Monte-Marciano, que teve contato com Antônio Conselheiro; de relatos do Barão de Jeremoabo, do doutor Edgar Henrique Albertazzi, médico da expedição, e de muitos outros documentos e relatos de diversas testemunhas. http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo Panorama Cultural de Literatura Brasileira 3 assim transpor o abismo que via entre o interior bárbaro, o Nordeste […], e o Brasil civilizado e europeizado do litoral. […] E o método básico para explicar e para evidenciar plasticamente a alteridade total da realidade sertaneja é a comparação, implícita ou explícita, a analogia com o que é familiar ao leitor e ao próprio autor. (ZILLY, 1993, p.43) Outro fator que talvez tenha colaborado para que Euclides, por vezes, tenha desviado o olhar do cientificismo para contemplar o sertanejo como uma figura de ficção pode ter sido a insurgência de outros textos que o precederam acerca do tema, porém estes declaradamente literários. Sabemos que um texto é tecido sempre a partir de outros textos, ou, segundo Bakhtin, todo discurso está sempre impregnado do discurso de outrem, e ainda que tentemos reproduzir o discurso do outro, sempre o modificaremos, sempre adicionaremos a ele o nosso discurso. Nesse sentido, Guilhermino César nos lembra que o assunto “sertanejo” já fazia parte daliteratura brasileira, muito antes de os olhares oficiais se voltarem para o sertão. Mas não só o homem sertanejo fazia parte dessa literatura, e sim qualquer personagem brasileira que estava afastada do modelo de vida citadina. Dentre as obras que abordam o tema, Guilhermino destaca como precursora O Ermitão de Muquém (1858), de Bernardo Guimarães, e sua ênfase na mestiçagem, bem como alerta que tal texto já aponta para os problemas existentes no sertão, como “a ignorância, a superstição, o isolamento” (CÉSAR, 1966, p.12). Para o crítico, a literatura constatou, primeiro que a história, os problemas daquele povo. Foi somente após a falência do indianismo que os romancistas voltaram o olhar para o sertanejo, talvez já na falência do próprio Romantismo, uma vez que o “sertanismo” não poderia ter os matizes estilísticos românticos. Os romances O sertanejo, de José de Alencar, O cacaulista, de Inglês de Sousa, e O cabeleira, de Franklin Távora, vêm à luz no ano de 1876. Ainda sobre o tema, temos O sertão (1896), de Coelho Neto, publicado às vésperas da Campanha, e Pelo Sertão (1898), de Afonso Arinos, publicado logo após o término dela. Esse ambiente literário sertanista certamente colaborou para a construção da imagem do sertanejo e do sertão de Euclides. No que diz respeito à influência dos textos literários regionalistas, produzidos no período, sobre a escrita de Euclides da Cunha, Leopoldo Bernucci afirma haver uma intertextualidade entre a descrição do Conselheiro em Os Sertões e em O Sertanejo, de José de Alencar, bem como entre a definição dos tipos o sertanejo, o vaqueiro e o gaúcho de Euclides da Cunha e os definidos em O Gaúcho, também de José de Alencar (BERNUCCI, 1995, p.22). Entretanto, Os Sertões afasta-se dos textos de seu predecessor principalmente porque o objetivo da produção do texto está ligado à satisfação histórica, e o autor de Os Sertões volta, muitas vezes, ao lugar de origem, deixando entrever em seu discurso o ideário colonialista- nacionalista pela necessidade de que o país tem de integrar esses bárbaros do sertão à civilização. Assim, a coexistência de diferentes discursos no texto acaba dando a ele um cunho antitético, e cabe ao leitor perceber tais antíteses. No contexto latino-americano, é possível encontrar uma obra que tem, conforme estudos já desenvolvidos por diversos pesquisadores, relação estreita com o texto de Euclides. Facundo (1845), de Domingo Faustino Sarmiento, recupera a vida do caudilho Quiroga no contexto do governo de Rosas. Na obra, o autor argentino buscou mostrar os problemas sociais do país, decorrentes de fatores políticos e da formação étnica, que potencializavam a estagnação do progresso em solo argentino. Ainda que o objetivo de Sarmiento seja analisar a situação política do país, denunciando a barbárie decorrente do tipo de vida dos habitantes locais, a forma como ele constrói Facundo e sua trajetória transforma-o em personagem romanesca. Somente para levantar alguns aspectos convergentes, destacamos elementos dos estudos de Berthold Zilly (2004), tradutor que aprofundou suas investigações comparativas, que se iniciam a partir da estrutura textual e se estendem até a ideologia contida em cada um dos textos. http://es.wikipedia.org/wiki/Domingo_Faustino_Sarmiento Panorama Cultural de Literatura Brasileira 4 Além desses elementos, Zilly afirma haver em Os Sertões a presença de Facundo, ainda que Euclides não faça referência direta ao texto de Sarmiento. A semelhança é constatada desde a “sequência dos tópicos: o meio físico, a população e a cultura, guerra” até ao fato da presença dos diversos gêneros literários e gêneros do discurso, que expressam uma variedade de pesquisas das diferentes áreas do conhecimento. O jagunço, assim como o caudilho artiguista, nasceu da união de diversos fatores, tanto políticos quanto históricos, econômicos, sociais e geográficos. Mas para entendermos as forças de Canudos como organizadas e fundamentadas, devemos reconsiderar a imagem construída de Antônio Conselheiro, que passaria de louco a uma espécie de “militar religioso” capaz de resistir às investidas militares das forças republicanas. Zilly não hesita em comparar as personagens Facundo e Conselheiro, uma vez que ambos são considerados “líderes de massas rurais”, mas que não possuem muitas características em comum. Para Euclides, o Conselheiro é “emissário do poder divino”, muito diferente de Facundo, que possui motivações mais políticas, sem ter qualquer relação de orientador do povo. No que diz respeito à dicotomia civilização/barbárie, Zilly destaca que, em ambos os textos, o segundo elemento é visto como um empecilho para o primeiro. Ainda que Euclides perceba as diferenças regionais, acredita que as ações da civilização podem ser justificadas quando visarem a um “progresso humanitário”. Sarmiento, por sua vez, acredita que o atraso – Rosas – é inimigo da civilização, e como tal deve ser combatido. Pela distância temporal existente entre as duas obras, Zilly explica que Sarmiento não problematiza a violência advinda da civilização porque não pôde ver, assim como Euclides viu, os reversos dela quando presenciou a Guerra de Canudos. Para refletir... Você já leu a obra de Euclides da Cunha? Conhece algo sobre o contexto em que foi escrita? Assista a um vídeo didático criado pela Fundação Joaquim Nabuco e pelo Ministério da Cultura. Nele, são reproduzidos alguns momentos importantes da história de Canudos e da Guerra do Contestado. O título é Canudos e Contestado, Guerra de Deus e do Diabo. Atente-se para o contexto e para a forma como o Arraial de Canudos foi criado, refletindo sobre o impacto das forças militares nas ações da comunidade. Acesse e assista ao vídeo em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm .do?select_action=&co_obra=20505 4.2 Antecedentes Andrea Perrot A Europa vivia a “Belle Époque”, com sua diversidade de tendências filosóficas, científicas, sociais e literárias, sendo estas últimas envoltas pelo clima da boemia em cafés e avenidas das grandes cidades. Havia no ar um sentimento de otimismo: uma pequena parcela da população, abastada, celebrava o surgimento acelerado de descobertas e invenções que tornavam http://pt.wikipedia.org/wiki/Belle_%25C3%2589poque Panorama Cultural de Literatura Brasileira 5 a vida mais confortável, como o telégrafo, o carro a vapor, a lâmpada elétrica, o telefone, o cinema e o avião. Era nessa minoria que a classe média se espelhava. Simultaneamente, uma grande massa de desassistidos morria de doenças e de fome, na mais completa miséria. A burguesia sabia do perigo que rondava o capitalismo e procurava aproveitar ao máximo o presente, num clima de euforia. No período de 1914 a 1918, a 1ª Guerra Mundial pôs um fim a esse clima “de festa”, trazendo insegurança e mais de 1 milhão de vítimas. Em 1917, a Revolução Russa propõe uma nova forma de governo – o Socialismo -, despertando novamente a esperança em todo o mundo. Vigora, então, um período de alívio que antecede à crise de 1929 e à 2ª Guerra Mundial, de 1939 a 1945. Frente a essa instabilidade, a arte se fragmenta, torna-se abstrata e passa a se alimentar da ruptura, do caos inventivo, da demolição, estabelecendo como preceito maior o irracionalismo como atitude existencial e estética (BOSI, 1974, p.342). No campo científico, Albert Einstein descobre a Teoria da Relatividade (1905). Sigmund Freud funda a Psicanálise (1916-17) numa tentativa de investigação psicológica como tratamento de neuroses. Na música, promove-se a dissonância, quebrando a linearidade e o equilíbrio. Tudo isso repercute tremendamente na literatura, fazendo surgir novas formas de expressão literária. São as vanguardas europeias que levam a cabo essa multiplicidade de tendências. 4.3 As Vanguardas Europeias As principais vanguardas europeias foram o Cubismo, o Futurismo, o Expressionismo, o Dadaísmo eo Surrealismo. Trataremos de cada uma delas, de forma breve, a seguir. Na seção Para saber mais... você encontrará links para mais informações sobre cada uma. Futurismo: criada pelo italiano Marinetti, buscava identificar a arte e o progresso tecnológico, exaltando a velocidade, a industrialização, a mecanização. Dadaísmo: adotou formas desconcertantes, misturando procedimentos sérios e humorísticos de forma a reagir aos absurdos da época pela negação de tudo. É a vanguarda mais radical. Seu líder foi o romeno Tristan Tzara. Cubismo: tendência da pintura que tenta definir geometricamente os objetos. Pablo Picasso foi seu criador. Guernica, Picasso, 1937. Expressionismo: pintura que produz, com traços violentos e cores dramáticas, todo tipo de deformação da imagem, aproximando-se da caricatura e do grotesco. Seus principais representantes foram Munch, Kokoschka e Segal. O Grito, Munch, 1893. http://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_Guerra_Mundial http://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_Guerra_Mundial http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%25C3%25A7%25C3%25A3o_Russa_de_1917 http://pt.wikipedia.org/wiki/Socialismo http://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Depress%25C3%25A3o http://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_Mundial http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_da_relatividade http://pt.wikipedia.org/wiki/Psican%25C3%25A1lise http://pt.wikipedia.org/wiki/Conson%25C3%25A2ncia_e_disson%25C3%25A2ncia Panorama Cultural de Literatura Brasileira 6 Surrealismo: propunha a exploração do domínio do automatismo psíquico, expressando o funcionamento real do pensamento, sem o controle da razão e sem qualquer preocupação estética. Exaltava os sonhos. Salavador Dali foi um de seus representantes. A Persistência da Memória, Dalí, 1931. Para saber mais... Assista aos vídeos abaixo no YouTube para compreender e visualizar a estética das vanguardas europeias que influenciaram a Semana de Arte Moderna e o Modernismo brasileiros: http://www.youtube.com/watch?v=GcNLrF2VNXs http://www.youtube.com/watch?v=N7Ph6H5OshE 4.4 A Semana de Arte Moderna Segundo Alfredo Bosi, “O que a crítica nacional chama Modernismo está condicionado por um acontecimento, isto é, por algo datado, público e clamoroso, que se impôs à atenção da nossa inteligência como um divisor de águas: a Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro de 1922, na cidade de São Paulo. [...] os promotores da Semana traziam, de fato, estéticas originais em relação às nossas últimas correntes literárias, já em agonia, o Parnasianismo e o Simbolismo” (BOSI, 1974, p.339). A Semana é realizada sob a influência de algumas determinantes históricas, das quais destacam-se “as mudanças socioculturais vividas pelo Brasil desde o início do século XX e o surgimento das correntes de vanguarda europeias que, já antes da 1ª Guerra Mundial tinham radicalizado e transfigurado a herança do Realismo” (BOSI, 1974, p.339). Idealizada por Di Cavalcanti e organizada por intelectuais paulista, tendo à frente o escritor Graça Aranha, o estrondoso evento foi realizado no Teatro Municipal de São Paulo. Ao comentá-la, Mário de Andrade, um dos seus principais nomes, declarou: “E vivemos uns oito anos, até perto de 1930, na maior orgia intelectual que a história artística do país registra”. Em relação às mudanças socioculturais vividas pelo Brasil, desenhava-se o seguinte contexto histórico: impera a política do café-com-leite, pela qual se alternavam no poder governos de São Paulo (café/agricultura) e Minas Gerais (leite/pecuária). A política era dominada pelas famílias ricas (oligarquia), que impunham seus representantes ao governo. A burguesia paulista, enriquecida pelo desenvolvimento da agricultura cafeeira, acelerou o processo de urbanização da cidade de São Paulo, uma vez que os barões do café deixavam suas fazendas para morar em mansões na capital. Ruas pavimentadas, automóveis, ferrovias, lojas http://www.youtube.com/watch?v=GcNLrF2VNXs http://www.youtube.com/watch?v=N7Ph6H5OshE http://pt.wikipedia.org/wiki/Semana_de_Arte_Moderna http://pt.wikipedia.org/wiki/Di_Cavalcanti http://pt.wikipedia.org/wiki/Di_Cavalcanti http://pt.wikipedia.org/wiki/Gra%25C3%25A7a_Aranha http://pt.wikipedia.org/wiki/Oligarquia Panorama Cultural de Literatura Brasileira 7 requintadas, comercializando produtos vindos do exterior, tudo isso levava São Paulo a imitar o ar moderno das capitais europeias. Por outro lado, a expansão industrial (principalmente as indústrias têxtil e alimentícia) propicia o surgimento dos bairros operários e das organizações anarquistas de defesa dos direitos dos trabalhadores. Imigrantes europeus, principalmente italianos, chegam ao Brasil para formar a massa trabalhadora que vai atuar na indústria, no comércio, na construção civil e na lavoura cafeeira. As famílias ricas passam temporadas inteiras na Europa, de onde trazem a moda, as tendências artísticas, as inquietações ideológicas. Com o término da 1ª Guerra Mundial, as exportações retomam seu ritmo normal, trazendo crescimento econômico para nosso país. O domínio político das oligarquias paulista e mineira passa a ser questionado, e irrompem as primeiras greves. Nesse contexto, São Paulo transforma-se na Pauliceia Desvairada2, onde conviviam barões do café, operários, anarquistas, industriais, banqueiros, estudantes, militares, advogados, negros, nordestinos, imigrantes europeus, num misto de culturas. Logo, jovens intelectuais acabam se juntando e manifestando seu descontentamento em relação às artes e à cultura brasileiras de um modo geral. Mário de Andrade assim define os sentimentos dessa juventude: “Nós não sabíamos o que queríamos, mas sabíamos o que não queríamos: o nosso sentido era especificamente destruidor.” Alguns dos fatos que antecederam a Semana de Arte Moderna, de certo modo já justificando a sua realização, foram os seguintes: 1911 – Oswald de Andrade funda o semanário humorista O Pirralho, contando com a colaboração de Di Cavalcanti. A publicação circula até 1917. 1914 – Anita Malfatti realiza sua primeira exposição de pintura. 1917 – Oswald conhece Mário de Andrade numa comemoração no Conservatório dramático Musical onde Mário estudava. 1921 – Num banquete no Clube Trianon, em homenagem a Menotti del Picchia, Oswald conclama os jovens artistas a combaterem a velha literatura que ainda se fazia no país; Mário de Andrade publica Paulicéia Desvairada e uma série de artigos críticos sobre os poetas parnasianos. Entre outras ironias, afirma: “Malditos sempre os mestres do Passado! Que a simples recordação de um de vós escravize os espíritos no amor incondicional pela Forma! Que o Brasil seja infeliz porque vos criou! Que o Universo se desmantele porque vos comportou! E que não fique nada, nada, nada!”; Exposição de Di Cavalcanti onde o pintor conhece Graça Aranha e surge a idéia da Semana de Arte Moderna. A primeira notícia sobre a realização da Semana saiu no jornal O Estado de São Paulo em 29 de Janeiro de 1922: “Por iniciativa do festejado escritor, Sr. Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras, haverá, em São Paulo, uma “Semana de Arte Moderna”, em que tomarão parte os artistas que, em nosso meio, representam as mais modernas correntes artísticas”. A Semana aconteceu nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922. Houve conferências (A Emoção Estética na Arte Moderna - Graça Aranha; A pintura e a escultura Moderna no Brasil - Ronald de Carvalho; Arte e Estética - Menotti Del Picchia), declamação de poemas modernistas, 2 Nessa obra de Mário de Andrade está o famoso "prefácio interessantíssimo", considerado a base do modernismo brasileiro. http://pt.wikipedia.org/wiki/Anarquismo http://pt.wikipedia.org/wiki/Anita_Malfatti http://pt.wikipedia.org/wiki/Menotti_Del_Picchia Panorama Cultural de Literatura Brasileira 8 apresentaçõesde música com Villa-Lobos, Ernani Braga e Guiomar Novaes, além de exposições de artes plásticas. A repercussão do evento na imprensa foi grande. O ano de 1922 era o ano do Centenário da Independência, marcado pela inovação dos jovens artistas que deram início a um movimento que reformulou não apenas as artes, mas todo o panorama social e político brasileiro. 4.5 Modernismo De acordo com Bosi, “Os homens de 22 (Mário, Oswald, Bandeira...) viveram com maior ou menor dramaticidade uma consciência dividida entre a sedução da ‘cultura ocidental’ e as exigências de seu povo, múltiplo nas raízes históricas e na dispersão geográfica. Como no Romantismo, a coexistência deu-se de forma dinâmica e progressiva: e se na pressa dos manifestos houve apenas colagem de matéria-prima nacional e módulos europeus, nos frutos maduros do movimento se conhece a exploração feliz das potencialidades formais da cultura brasileira” (BOSI, 1974, p.342-3). Esta parece ser a tônica do modernismo brasileiro, movimento que, em consonância com os acontecimentos históricos, políticos, econômicos e sociais, formulou as bases para uma nova arte nacional, reeditando alguns dos princípios do nosso Romantismo do século XIX, como a valorização da língua do povo e de suas raízes históricas. Os principais nomes do Modernismo, na sua 1ª fase, chamada de “fase heróica”, pois constitui o alicerce conceitual e estético do movimento, são Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira. 4.5.1 Mário de Andrade Mário Andrade, o chamado “pai do modernismo”, nasceu em São Paulo em 9 de outubro de 1893. Tinha uma verdadeira paixão pela música. Iniciou suas atividades de escritor colaborando em jornais e revistas da época. Seus primeiros textos eram ainda muito próximos do parnasianismo. Seu primeiro livro “Há uma gota de sangue em cada poema” apresenta também elementos passadistas. Foi publicado em 1917, ano em que também conheceu Oswald de Andrade. São dele as obras Paulicéia Desvairada (1922), Amar, verbo intransitivo (1927) e Macunaíma (1928) Prefácio Interessantíssimo (publicado em Paulicéia Desvairada) [...] Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo que meu inconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi. Daí a razão deste Prefácio Interessantíssimo. Aliás muito difícil nesta prosa saber onde termina a blague, onde principia a seriedade. Nem eu sei. [...] Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho pontos de contato com o futurismo. Oswald de Andrade, chamando-me de futurista, errou. A culpa é minha. Sabia da existência do artigo e deixei que saísse. Tal foi o escândalo, que desejei a morte do mundo. Era vaidoso. Quis sair da obscuridade. Hoje tenho orgulho. Não me pesaria reentrar na obscuridade. Pensei que se discutiram minhas idéias (que nem são minhas): discutiram http://pt.wikipedia.org/wiki/M%25C3%25A1rio_de_Andrade Panorama Cultural de Literatura Brasileira 9 minhas intenções. Já agora não me calo. Tanto ridicularizaram meu silêncio como esta grita. Um pouco de teoria? Acredito que o lirismo, nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas, com acentuação determinada. [...] Que Arte não seja porém limpar versos de exageros coloridos. Exagero: símbolo sempre novo da vida como sonho. Por ele vida e sonho se irmanaram. E, consciente, não é defeito, mas meio legítimo de expressão. [...] Não pretendo obrigar ninguém a seguir-me. Costumo andar sozinho. Virgílio, Homero, não usaram rima: Virgílio, Homero, têm assonâncias admiráveis. A língua brasileira é das mais ricas e sonoras. E possui o admirabilíssimo "ão". Marinetti foi grande quando redescobriu o poder sugestivo, associativo, simbólico, universal, musical da palavra liberdade. Aliás: velha como Adão. Marinetti errou: fez dela sistema. É apenas auxiliar poderosíssimo. Uso palavras em liberdade. Sinto que meu copo é grande demais para mim, e inda bebo no copo dos outros. [...] Harmonia: combinação de sons simultâneos. Exemplo: "Arroubos... Lutas... Setas... Cantigas... Povoar!..." Estas palavras não se ligam. Não formam enumeração. Cada uma é frase, período elíptico, reduzido ao mínimo telegráfico. Si pronuncio "Arroubos", como não faz parte de frase (melodia), a palavra chama atenção para seu insulamento e fica vibrando, à espera duma frase que lhe faça adquirir significado e que não vem."Lutas" não dá conclusão alguma a "Arroubos"; e, nas mesmas condições, não fazendo esquecer a primeira palavra, fica vibrando com ela. As outras vozes fazem o mesmo. Assim: em vez de melodia (frase gramatical) temos acorde arpejado, harmonia, - o verso harmônico. Mas, si em vez de usar só palavras soltas, uso frases soltas: mesma sensação de superposição, não já de palavras (notas) mas de frases (melodias). Portanto: polifonia poética. Pronomes? Escrevo brasileiro. Si uso ortografia portuguesa é porque, não alterando o resultado, dá-me uma ortografia. Escrever arte moderna não significa jamais para mim representar a vida atual no que tem de exterior: automóveis, cinema, asfalto. Si estas palavras freqüentam-me o livro é porque pense com elas escrever moderna, mas porque sendo meu livro moderno, elas têm nele sua razão de ser. Mas todo este prefácio, com todo a disparate das teorias que contém, não vale coisíssima nenhuma. Quando escrevi "Paulicéia Desvairada" não pensei em nada disto. Garanto porém que chorei, que cantei, que ri, que berrei... Eu vivo! [...] 4.5.2 Oswald de Andrade Oswald de Andrade nasceu em São Paulo, em 11 de janeiro de 1890. Em 1911, funda o semanário humorista O Pirralho. Em 1912, faz sua primeira viagem à Europa, trazendo na volta o http://pt.wikipedia.org/wiki/Oswald_de_Andrade Panorama Cultural de Literatura Brasileira 10 manifesto futurista de Marinetti. Nos anos que antecederam a Semana de Arte Moderna, instigou a ruptura com os padrões artísticos do passado. Seus romances mais importantes foram Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933). Manifesto Pau-Brasil (1924) A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos. O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança. Toda a história bandeirante e a história comercial do Brasil. O lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos. Comovente. Rui Barbosa: uma cartola na Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza dos bailes e das frases feitas. Negras de Jockey. Odaliscas no Catumbi. Falar difícil. O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens. O bacharel. Não podemos deixar de ser doutos. Doutores. País de dores anônimas, de doutores anônimos. O Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavião de penacho. A nunca exportação de poesia. A poesia anda oculta nos cipós maliciosos da sabedoria. Nas lianas da saudade universitária. [...] A volta à especialização. Filósofos fazendo filosofia, críticos, critica, donas de casa tratando de cozinha. A Poesia para os poetas. Alegria dos que não sabem e descobrem. [...] A poesia Pau-Brasil. Ágil e cândida. Como uma criança. Uma sugestão de Blaise Cendrars : – Tendes as locomotivas cheias, ides partir. Um negro gira a manivela do desvio rotativo em que estais. O menor descuido vos fará partir na direção oposta ao vosso destino. Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros em vez de jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das idéias. A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Comosomos. Não há luta na terra de vocações acadêmicas. Há só fardas. Os futuristas e os outros. Uma única luta – a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação. Houve um fenômeno de democratização estética nas cinco partes sábias do mundo. Instituíra-se o naturalismo. Copiar. Quadros de carneiros que não fosse lã mesmo, não prestava. A interpretação no dicionário oral das Escolas de Belas Artes queria dizer reproduzir igualzinho... Veio a pirogravura. As meninas de todos os lares ficaram artistas. Apareceu a máquina fotográfica. E com todas as prerrogativas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa genialidade de olho virado – o artista fotógrafo. Na música, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todas as meninas ficaram pianistas. Surgiu o piano de manivela, o piano de patas. A pleyela. E a ironia eslava compôs para a pleyela. Stravinski. A estatuária andou atrás. As procissões saíram novinhas das fábricas. Só não se inventou uma máquina de fazer versos – já havia o poeta parnasiano. Ora, a revolução indicou apenas que a arte voltava para as elites. E as elites começaram desmanchando. Duas fases: 10) a deformação através do impressionismo, a fragmentação, o caos voluntário. De Cézanne e Malarmé, Panorama Cultural de Literatura Brasileira 11 Rodin e Debussy até agora. 20) o lirismo, a apresentação no templo, os materiais, a inocência construtiva. O Brasil profiteur. O Brasil doutor. E a coincidência da primeira construção brasileira no movimento de reconstrução geral. Poesia Pau-Brasil. Como a época é miraculosa, as leis nasceram do próprio rotamento dinâmico dos fatores destrutivos. A síntese O equilíbrio O acabamento de carrosserie A invenção A surpresa Uma nova perspectiva Uma nova escala. Qualquer esforço natural nesse sentido será bom. Poesia Pau-Brasil O trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese; contra a morbidez romântica – pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia, pela invenção e pela surpresa. Uma nova perspectiva. A outra, a de Paolo Ucello criou o naturalismo de apogeu. Era uma ilusão ética. Os objetos distantes não diminuíam. Era uma lei de aparência. Ora, o momento é de reação à aparência. Reação à cópia. Substituir a perspectiva visual e naturalista por uma perspectiva de outra ordem: sentimental, intelectual, irônica, ingênua. Uma nova escala: [...] A Poesia Pau-Brasil é uma sala de jantar domingueira, com passarinhos cantando na mata resumida das gaiolas, um sujeito magro compondo uma valsa para flauta e a Maricota lendo o jornal. No jornal anda todo o presente. Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres. Temos a base dupla e presente – a floresta e a escola. A raça crédula e dualista e a geometria, a algebra e a química logo depois da mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto de "dorme nenê que o bicho vem pegá" e de equações. Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas; nas usinas produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o Museu Nacional. Pau-Brasil. Obuses de elevadores, cubos de arranha-céus e a sábia preguiça solar. A reza. O Carnaval. A energia íntima. O sabiá. A hospitalidade um pouco sensual, amorosa. A saudade dos pajés e os campos de aviação militar. Pau-Brasil. O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio império da literatura nacional. Realizada essa etapa, o problema é outro. Ser regional e puro em sua época. O estado de inocência substituindo o estada de graça que pode ser uma atitude do espírito. O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica. A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna. Apenas brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de economia e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Práticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia. Panorama Cultural de Literatura Brasileira 12 Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil. Manifesto Antropofágico (1928) Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question. Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos. Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa. O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará. [...] Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar. Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem n6s a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem. A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls. [...] Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará. Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós. Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia. [...] Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vitima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. O instinto Caraíba. Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia. Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo. Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses. Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro. [...] A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue. Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas. Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairu: – É mentira muitas vezes repetida. Panorama Cultural de Literatura Brasileira 13 Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti. Se Deus é a consciênda do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais. Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sistema social-planetário. As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatórios e o tédio especulativo. De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia. O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas+ fala de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa. É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus. Mas a caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci. Oobjetivo criado reage com os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que temos nós com isso? Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade. Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz. A alegria é a prova dos nove. No matriarcado de Pindorama. Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada. Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimarnos as idéias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas. Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI. A alegria é a prova dos nove. [...] Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo. A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte. Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama. 4.5.3 Manuel Bandeira Manuel Bandeira nasceu em Recife, a 19 de abril de 1886. Ainda jovem muda-se para o Rio de Janeiro, e em 1903, vai para São Paulo. Em 1917, publica "Cinza das Horas", livro de estreia ainda sob influência simbolista. Em 1919, com a publicação de "Carnaval", já vai prenunciando seu caminho modernista, um pouco mais claro em "Ritmo Dissoluto", de 1924. QUESTÃO CULTURAL (apenas para pesquisa) Leia o poema Os sapos, de Manuel Bandeira, no qual o autor ridiculariza os poetas parnasianos, contra quem o Modernismo brasileiro se voltou. http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Bandeira http://www.casadobruxo.com.br/poesia/m/sapos.htm Panorama Cultural de Literatura Brasileira 14 Em 1930, Bandeira publica Libertinagem, de onde retiramos o poema Poética, considerado um manifesto da poesia moderna. Poética Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbedos O lirismo difícil e pungente dos bêbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. REFERÊNCIAS BERNUCCI, Leopoldo. A imitação dos sentidos: prógonos, contemporâneos e epígonos de Euclides da Cunha. São Paulo: EDUSP, 1995. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1974. CANDIDO, Antonio. 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GARAY, Benjamin de. “Prefácio del traductor a la 2a edición”. In: CUNHA, Euclides da. Los Sertones: la tragedia del hombre derrotado por el medio. Buenos Aires: Editorial Claridad, 1942. Panorama Cultural de Literatura Brasileira 15 GOMES, Mitizi de Miranda. Do pampa ao sertão: as formas do outro em Sarmiento, Eduardo Acevedo Díaz e Euclides da Cunha. Pelotas: Editora e Gráfica da UFPel, 2010. LIMA, Luiz Costa. Terra ignota: a construção de Os Sertões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. RAMA, Ángel. “Literatura e cultura”. In: AGUIAR, Flávio; VASCONCELOS, Sandra G.T. (orgs.). Ángel Rama: literatura e cultura na América Latina. São Paulo: EDUSP, 2001a, 239-280. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. ZILLY, Berthold, “Um patriota na era do imperialismo: o brilho cambiante de Os Sertões”. In: GOMES, Gínia Maria (org.). Euclides da Cunha: literatura e história. 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