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FACULDADE CATÓLICA DE FORTALEZA
CURSO TEOLOGIA
DISCIPLINA: MARCOS E A QUESTÃO SINÓTICA 
ALUNO: RUAN ALIF MENDES DE LIMA
PROFESSOR: PE. ABIMAEL FRANCISCO DO NASCIMENTO
A CONFISSÃO DE PEDRO NOS SINÓTICOS
RUAN ALIF MENDES DE LIMA
FORTALEZA
2021
INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda a perícope da confissão de Pedro sobre quem é Jesus quando interrogado pelo Cristo. Apresentaremos os três textos em cada evangelho sinótico e uma breve exposição dos seus elementos. Posteriormente, a partir dos comentários de Bento XVI, no livro Jesus de Nazaré, e de Dianne Bergant e Robert J. Karris, no seu livro Comentário Bíblico sobre a perícope escolhida para o trabalho. Importante ressaltar que não temos pretensões de esgotar a exegese, mas sim de apresentar de forma simples e objetiva a perícope e os comentário que escolhemos.
A confissão de Pedro aparece nos três evangelhos sinóticos com ênfases diferentes. Utilizaremos como comentadores Bento XVI, que no seu livro Jesus de Nazaré faz um comentário a essas perícopes e o Comentário Bíblico de Dianne Bergant e Robert J. Karris. Antes de analisarmos os textos, leiamos as três perícopes e percebamos os traços semelhantes e divergentes de cada evangelho.
	A confissão de Pedro nos sinóticos[footnoteRef:1] [1: Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl., 2002. 12ª reimpressão. São Paulo: Paulus, 2017.
] 
	Mt 16, 13-20
	Lc 9, 18-21
	Mc 8, 27-30
	13Chegando Jesus ao território de Cesareia de Filipe, perguntou aos discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” 14Disseram: “Uns afirmam que é João Batista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou um dos profetas”. 15Então lhes perguntou; “E vós, quem dizeis que eu sou?” 16Simão Pedro, respondendo, disse: “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo”. 17Jesus respondeu-lhe: “Bem- -aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim meu Pai que está nos céus. 18Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do Hades nunca prevalecerão contra ela. 19Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus”. 20Em seguida, proibiu severamente aos discípulos de falarem a alguém que ele era o Cristo.
	18Certo dia, ele orava em particular, cercado dos seus discípulos, aos quais perguntou: “Quem sou eu, no dizer das multidões?” 19Eles responderam: “João Batista; outros, Elias; outros, porém, um dos antigos profetas que ressuscitou”. 20 Ele replicou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro então respondeu: “O Cristo de Deus”. 21Ele, porém, proibiu-lhes severamente anunciar isso a alguém.
	27Jesus partiu com seus discípulos para os povoados de Cesareia de Filipe e, no caminho, perguntou a seus discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou?” 28Eles responderam: “João Batista”; outros, Elias; outros ainda, um dos profetas”. – “E vós, perguntou ele, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o Cristo” 30Então proibiu-os severamente de falar a alguém a seu respeito.
Nos três evangelhos sinóticos a pergunta de Jesus aos discípulos aparece como importante baliza no caminho de Jesus sobre o que as pessoas diziam e pensavam acerca dele. Mateus e Marcos afirmam Cesareia de Filipe como o local do fato, enquanto Lucas deixa o local implícito e dá enfoque a oração de Jesus, fato não relatado nos outros dois evangelistas sinóticos. A pergunta sobre quem dizem ser Jesus é central nos três sinóticos, mas com redações diferentes. Em Mateus a pergunta diz respeito a quem dizem os homens ser o filho do homem; na perspectiva marcana, a pergunta é sobre quem é Jesus no dizer das multidões; Lucas escreve a pergunta dando destaque ao “eu sou”, expressão muita usada no evangelho joanino.
Enquanto os evangelhos segundo Marcos e Lucas apresentam a perícope em três versículos, o evangelho segundo Mateus é mais extenso com uma perícope de sete versículos. Só neste evangelho acrescenta-se o primado de Pedro outorgado por Jesus. Em Lucas e Marcos, por outro lado, ressalta-se apenas que Jesus proibiu os discípulos de falarem abertamente sobre a sua verdadeira identidade. Mas somente em Mateus se encontra, ligada à confissão de Pedro, a transmissão que lhe é feita do poder das chaves, o poder de ligar e desligar, a promessa sobre ele, Pedro, como sobre uma pedra. 
A resposta de Pedro também se difere em cada sinótico: “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo” no evangelho segundo Mateus; “O Cristo de Deus” na perspectiva de Marcos; “Tu és o Cristo” é a resposta de Pedro segundo Lucas. Essas afirmações diferentes também serão analisadas no próximo capítulo.
Bento XVI escreveu no seu livro Jesus de Nazaré[footnoteRef:2] sobre duas balizas no caminho de Jesus a Jerusalém, a confissão de Pedro e a transfiguração. Nos três evangelhos, o relato da confissão de Pedro mostra que este “[...] responde em nome dos doze apóstolos com uma confissão que se distingue claramente da opinião das ‘pessoas’”.[footnoteRef:3] Importante notar que, embora somente Mateus relate o discurso de Jesus a Pedro dando a ele o primado da Igreja, o próprio fato de Pedro responder pelos doze já demonstra uma certa liderança de Pedro sobre os apóstolos. [2: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016.] [3: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016. p. 247.] 
Mateus e Marcos colocam esse acontecimento em Cesareia de Filipe, “um santuário a Pan (hoje Banjas) construído por Herodes, o Grande, que ficava na nascente do rio Jordão”.[footnoteRef:4] Segundo Bento XVI, “a tradição fixou esta cena num lugar em que uma parede de pedra, suspensa sobre as águas do Jordão, oferece às palavras sobre a pedra uma enorme visibilidade”.[footnoteRef:5] [4: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016. p. 249.] [5: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016. p. 249.] 
O evangelho de Lucas não relata sobre o lugar do acontecimento, mas ressalta o aspecto da oração de Jesus que reza em particular, volteado por seus discípulos. Ao invés de se afastar, Jesus ora perto dos discípulos, eles são introduzidos na vida de oração do mestre e a partir deste momento de oração, sai a pergunta de Jesus. Essa ênfase na oração mostra-nos o valor da oração para alcançar o verdadeiro conhecimento do Cristo. “Os discípulos são introduzidos na sua solidão, na sua total e reservada intimidade com o Pai. [...] Eles podem ver o que ‘os outros’ não veem, e deste ver surge um conhecimento que vai além da ‘opinião’ dos ‘outros’.”[footnoteRef:6] [6: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016. p. 250.] 
A pergunta de Jesus é dupla, pergunta sobre a opinião dos outros e sobre a convicção dos discípulos.[footnoteRef:7] Ao passo que há um conhecimento exterior da pessoa de Jesus, o verdadeiro conhecimento se dá no discipulado, naqueles que entram na intimidade do mestre, que se aprofundam na vida com o mestre. [7: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016. p.250.] 
Os três evangelhos relatam de modo igual a comparação de Jesus com João Batista, Elias ou um dos profetas e “o comum a essas representações é que elas classificam Jesus na categoria de profeta, que à luz tradição de Israel estava à disposição como chave da leitura”.[footnoteRef:8] Essas opiniões dos outros não podem ser descartadas de todo, “elas significam aproximações menores ou maiores ao mistério de Jesus, a partir das quais é inteiramente possível encontraro caminho para o autêntico mistério”.[footnoteRef:9] [8: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016. p.250.] [9: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016. p. 251.] 
A confissão de Pedro é relatada de modo diferente por cada um dos sinóticos. Para Mateus, Pedro disse: “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo”; já para Marcos, a resposta de Pedro foi: “O Cristo de Deus”; e Lucas coloca na boca de Pedro as palavras “Tu és o Cristo”. Segundo Bento XVI, “ambos os tipos de confissão estão intimamente ligados, e cada um, sem o outro, fica incompleto e, em última instância, incompreensível”.[footnoteRef:10] [10: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016. p. 255.] 
A confissão de Pedro transmitida por Marcos é totalmente “judaica” e deveria ter sido rejeitada por Jesus, mas não foi rejeitada e apenas foi proibido que se fosse publicamente divulgado, pois seria mal-entendida na realidade pela opinião pública de Israel. Isso se dá porque nessas diferentes confissões há uma afirmação histórica, salvífica e do mistério da cruz. “Neste sentido, somente o entrelaçamento entre a confissão de Pedro e o ensinamento de Jesus aos seus discípulos é que nos dá a totalidade e o essencial da fé cristã.”[footnoteRef:11] [11: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016. p. 256.] 
Em Marcos, a questão do sumo sacerdote toma o título Cristo (Messias) e alarga-o: “És tu o Messias, o filho do Deus Altíssimo?” (Mc 14, 61). Essa pergunta pressupõe que, a partir dos círculos dos discípulos, tais interpretações da figura de Jesus eram publicamente conhecidas. Em Lucas, Pedro confessa, como vimos, que Jesus é “o ungido (Cristo, Messias) de Deus”. Aqui encontramos de novo o que o velho Simeão tinha dito acerca do menino Jesus, que ele anunciava como “o ungido (Cristo) do Senhor” (Lc 2, 26). Assim se estica o arco que vai da infância de Jesus, passando pela confissão em Cesareia de Filipe até a cruz: os três textos afirmam que todos que “o ungido” pertence a Deus. Em Mateus percebe-se que a confissão é uma conclusão de muitas experiencias dos discípulos, e principalmente de Pedro, com o Senhor, seja na pesca abundante (Lc 5, 5), seja quando Pedro pede para ir ao encontro do Senhor sobre as águas (Mt 14, 22-33); é nessas experiencias que a confissão de fé de Pedro em Mateus (16, 16), encontra seu fundamento. Em Jesus tinha-se tornado sensível para os discípulos, de diferentes modos, a presença do próprio Deus vivo.[footnoteRef:12] [12: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016. p. 257-258.] 
Na perspectiva de Daniel J. Harrington, que é o autor do comentário Bíblico do livro de Mateus na obra Comentário Bíblico de Dianne Bergant e Robert J. Karris. Esse dialogo de Jesus com os discípulos, em Mateus, marca o começo da caminhada de Jesus para sua paixão, morte e ressurreição, quando os discípulos respondem relacionando com algumas opiniões populares (v. 14). Segundo 14, 2, Herodes pensava que Jesus fosse João Batista ressuscitado dos mortos. A volta de Elias também era esperada para acompanhar a vinda do Reino de Deus. A segunda etapa do diálogo (vv. 15-16), Jesus agora quer saber a opinião dos discípulos e como acontece em (15,15; 16, 22; 17, 24; 18, 21), Pedro aparece como porta-voz dos discípulos e proclama que Jesus é o Messias. Essa confissão de Pedro, Jesus é o Cristo, reflete a esperança dos discípulos de que Jesus liberte Israel dos inimigos e estabeleça o Reino de Deus na terra. Até o v. 16b, o relato faz paralelo com Mc 8, 27-29. Mas Mateus acrescenta à narrativa de Marcos mais uma especificidade sobre Jesus (“o Filho do Deus vivo”) e a promessa de Jesus a Pedro, nos vv. 17-19. “Enquanto em Mc 8, 27-33, a confissão de fé é omitida e dá lugar a um mal-entendido por parte de Pedro, em Mateus a confissão lhe traz uma benção solene”[footnoteRef:13], Pedro é a pedra onde será construída a comunidade cristã, é o primeiro entre eles proclamado por Jesus e tem poder de ligar e desligar (18, 18), de perdoar ou não perdoar pecados. Com a ordem para ficarem em silêncio, no v. 20, Mateus retoma Marcos. [13: BERGANT, Dianne. KARRIS, Robert J. Comentário Bíblico. Tradução: Barbara Theoto Lambert. 2ª edição. São Paulo: Loyola, 1999. p. 30.] 
 Philip Van Linden, no comentário a Marcos, afirma que a coisa mais importante que acontece nestes capítulos seja a forma como Marcos transforma as diversas histórias de milagres e diálogos em oportunidades para “momentos de ensinamento”. Em Marcos apenas relata que Jesus ordena a Pedro não dizer que ninguém que ele é o Messias (v. 30). Marcos sabia o que Pedro queria dizer com “Messias”, isto é, “o poderoso salvador de Deus”. Mas o caminho do Messias é um caminho de sofrimento, o caminho da cruz.
Jerome Kodell, no comentário a Lucas, começa expondo que Jesus estava na oração preparando-se para um momento decisivo. Aqui Jesus faz as mesmas perguntas e Pedro novamente fala em nome dos discípulos: “O Cristo de Deus”. Sabemos que a resposta está correta, mas pode ser interpretada errada e Jesus impõe silêncio até ter oportunidade de instruir os discípulos no verdadeiro significado de sua messianidade. O papel de liderança de Pedro é realçado quando ele responde a pergunta decisiva em nome dos outros discípulos. 
Por fim, para Bento XVI, é importante levar em consideração todos os aspectos que constroem esse relato, até mesmo uma atenta leitura do evangelho de São João (Jo 6,68).[footnoteRef:14] Quando a ciência tenta reconstruir historicamente as palavras de Pedro, sem levar em consideração os outros aspectos e tratando estes como meros elementos pós-pascais, ela se excede.[footnoteRef:15] [14: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016. p. 257-258.] [15: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016. p. 257-258.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante o estudo comparativo dos evangelhos, mas é preciso levar em consideração os aspectos históricos e teológicos que constituíram cada narrativa na perspectiva de se encontrar uma continuação da mensagem evangélica. Ao invés de se dissociarem, cada um dos evangelhos contribui, com suas diferentes redações, para uma melhor compreensão conjunta de quem fora Jesus e qual a sua mensagem.
Estudar alguns aspectos sobre a confissão de fé de Pedro levou-nos a descobrir o primado deste apóstolo e a ênfase de Lucas na oração de Jesus fez-nos compreender que só na intimidade com Ele, podemos realmente conhecê-lo. O caminho do discipulado é o único caminho que nos leva ao verdadeiro conhecimento do Cristo.
BIBLIOGRAFIA
Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl., 2002. 12ª reimpressão. São Paulo: Paulus, 2017.
BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração. Tradução: José Jacinto Ferreira de Farias. 2 ed. São Paulo: Planeta, 2016.
BERGANT, Dianne. KARRIS, Robert J. Comentário Bíblico. Tradução: Barbara Theoto Lambert. 2ª edição. São Paulo: Loyola, 1999.

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